sexta-feira, 30 de abril de 2010


A revista Empire é sem dúvida uma das mais conceituadas no meio cinematográfico mundial. Seus textos são bem humorados, seu layout é muito interessante, o conteúdo é bom e o site é excelente.

Como uma pequena homenagem a esse veículo, a equipe do Fotograma Digital analisou a lista que a revista publicou (e que está em seu site) sobre os maiores filmes da história. A lista é 90% popular e por isso explica (para nós) muitas atrocidades entre os 500 filmes escolhidos.

Nos concentramos no "melhor da festa", ou seja nos 45 mais importantes filmes segundo a revista.

Para quem não conhece (e reitero que a lista é MUITO polêmica) a lista segue abaixo:

45 - Psicose (dir: Alfred Hitchcock)
44 - A Lista de Schindler (dir: Steven Spielberg)
43 - O Grande Lebowski (dir: Joel e Ethan Coen)
42 - As Oito Vítimas (dir: Robert Hamer)
41- Os Incompreendidos (dir: François Truffaut)
40 - Um Corpo que Cai (dir: Alfred Hitchcock)
39 - Matrix (dir: Andy e Larry Wachowski)
38 - Fogo contra Fogo (dir: Michael Mann)
37 - Laranja Mecânica (dir: Stanley Kubrick)
36 - Andrei Rublev (dir: Andrei Tarkovski)
35 - O Exterminador do Futuro 2: O Julgamento Final (dir: James Cameron)
34 - O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei (dir: Peter Jackson)
33 - Alien - o 8º Passageiro (dir: Ridley Scott)
32 - Butch Cassidy e Sundance Kid (dir: George Roy Hill)
31 - ... E O Vento Levou (dir: Victor Fleming, George Cukor e Sam Wood)
30 - Aliens - O resgate (dir: James Cameron)
29 - Duro de Matar (dir: John McTiernan)
28 - Cidadão Kane (dir: Orson Welles)
27 - Quanto Mais Quente Melhor (dir: Billy Wilder)
26 - Doutor Fantástico (dir: Stanley Kubrick)
25 - Três Homens em Conflito (dir: Sergio Leone)
24 - O Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel (dir: Peter Jackson)
23 - De Volta para o Futuro (dir: Robert Zemeckis)
22 - Star Wars Episódio IV - Uma Nova Esperança (dir: George Lucas)
21 - O Terceiro Homem (dir: Carol Reed)
20 - Blade Runner (dir: Ridley Scott)
19 - O Poderoso Chefão: Parte 2 (dir: Francis Ford Coppola)
18 - Casablanca (dir: Michael Curtiz)
17 - Taxi Driver (dir: Martin Scorsese)
16 - 2001: Uma Odisséia no Espaço (dir: Stanley Kubrick)
15 - Batman: O Cavaleiro das Trevas (dir: Christopher Nolan)
14 - Era Uma Vez no Oeste (dir: Sergio Leone)
13 - Chinatown (dir: Roman Polanski)
12 - Se Meu Apartamento Falasse (dir: Billy Wilder)
11 - Touro Indomável (dir: Martin Scorsese)
10 - Clube da Luta (dir: David Fincher)
9 - Pulp Fiction (dir: Quentin Tarantino)
8 - Cantando na Chuva (dir: Stanley Donen e Gene Kelly)
7 - Apocalipse Now (dir: Francis Ford Coppola)
6 - Os Bons Companheiros (dir: Martin Scorsese)
5 - Tubarão (dir: Steven Spielberg)
4 - Um Sonho de Liberdade (dir: Frank Darabont)
3 - Star Wars Episódio V: O Império Contra Ataca (dir:Irvin Kerschner)
2 - Os Caçadores da Arca Perdida (dir: Steven Spielberg)
1 - O Poderoso Chefão (dir: Francis Ford Coppola)

Sim, nós sabemos que a lista é até certo ponto "absurda", que certos nomes são impossíveis de crer e que existem algumas surpresas interessantes. Mas a graça é essa: analisar, escrever e comentar sobre uma lista que é polêmica, que sujeita a quem escreve e a vocês que leem uma maior interação.

Os post não seguirão a ordem precisa da lista, ou seja, o primeiro post não será Psicose e o último não será O Poderoso Chefão. Ela vai variar, e não vai ter uma ordem exata. A cada post será indicado a posição do filme analisado.

Esperamos que gostem e que participem comentando sobre a lista, e em cada post do especial.



quinta-feira, 29 de abril de 2010

O Fantástico Sr. Raposo
(Fantastic Mr. Fox, 2009)
Aventura/Comédia - 87 min.

Direção: Wes Anderson
Roteiro: Wes Anderson e Noah Baumbach

Com as vozes de: George Clooney, Meryl Streep, Jason Schwartzman, Bill Murray, Willem Dafoe, Michael Gambon

Demorei um certo tempo para conseguir ver essa animação aclamada por boa parte da crítica como um dos melhores exemplos da animação adulta feita nos Estados Unidos. E definitivamente demorei mesmo, pois O Fantástico Senhor Raposo é um encanto como narrativa e como técnica de animação.

Encantamento pela história (bem simples) tão bem contada e amarrada e leveza pois a condução do filme é de uma fluência muito incomum mesmo em filmes em live action. As peças estão bem encaixadas e ouso dizer que o diretor Wes Anderson igualou aqui seu melhor trabalho: Os Excêntricos Tenembauns.

Como no filme citado, a história gira em torno do patriarca de uma família e tem um grupo de coadjuvantes exóticos e interessantes. Diferente de Tenenmbauns (afora o fato de ser uma animação) o personagem do Sr. Raposo é mais cínico, mas gentil, mais charmoso e é no frigir dos ovos, o herói mesmo, cheio de defeitos e com uma certa dose de arrogância.


A história gira em torno dessa raposa (voz no original de George Clooney, interpretando ele mesmo digamos assim) comum e que age como tal, ou seja, se mantém a base de uma dieta de galinhas e outros pequenos animais que caça nas cercanias de sua toca. Um dia, quando estava acompanhado de sua companheira (A Sra. Raposo, voz da sempre competente Meryl Streep) quase é preso, e então ao ouvir de sua companheira que será “papai”, decide mudar de vida e abandona a vida “bandida”.

Anos depois, Raposo é um colunista de um jornal, vive com sua companheira e seu filho Ash (Jason Schwartzman) numa confortável, porém modesta toca. Raposo vê um anuncio no jornal e decide se mudar para uma vistosa árvore a venda. A partir da instalação da família, digamos que o “animal selvagem” mantido em cativeiro é homeopaticamente solto, o que causa toda uma pequena revolução na vida de sua família, de sua comunidade animal e dos humanos que vivem ao seu redor.


Como disse, a história (baseada em livro, que não li, de Roald Dahl, o mesmo de Fantástica Fábrica de Chocolate) é bastante simples, mas Anderson faz de um filme de animação, mais um de seus filmes indies que são adorados por uma parcela considerável do público. Até aqueles que torcem o nariz para Anderson (em especial depois de Vida Marinha de Steve Zissou e Darjelliing), vão se surpreender com a qualidade do trabalho apresentado.

É óbvio que o Sr. Raposo e todos os outros animais, são simulacros de nós mesmos. Usam roupas, tem profissões e problemas típicos de humanos. O filho de Raposo, Ash, gostaria de ser como o pai, um atleta famoso na escola e ser aceito e admirado pelo pai. Raposo quer sua liberdade de volta, quer voltar a ser simplesmente um bicho, um animal. No fundo Anderson, e obviamente Dahl, usam dos animais para tratarem de temas bem humanos.


O filme que tende a ser visto em seu início como um filme indie de animação pode incomodar alguns com a falta de tridimensionalidade e maniqueísmo de boa parte dos personagens. Agem como humanos, mas falta conflito, em outras palavras.

Mas esse “mal estar” passou durante a projeção, em especial quando a impressão do filme tratar de uma análise mais profunda de problemas humanos, pelo viés da alegoria é encerrada, e caímos no campo da aventura inteligente. Apesar de um elenco incrível de vozes (Bill Murray, Michael Gambon, Owen Wilson e Willem Dafoe) o filme é uma fábula, no melhor estilo “Aventuras no Bosque dos Vinténs” (que tem mais de 20 e poucos com certeza lembra dessa série de animação que fez um certo sucesso na Tv Cultura, e que basicamente trata de animais com trejeitos humanos que vivem em comunidade).


A partir da metade do filme, quando Raposo põem em ação seu plano mirabolante, já estamos embarcados na história de Anderson e sua magia. Magia sim, pois deve ter sido muito complicado ter realizado certas sequencias do filme e criar os bonecos de forma tão foto-realista. Como é de praxe em produções de stop-motion, o realismo do cenário e dos personagens principais (os animais, é claro) não é repetido nos personagens humanos, apesar de nesse filme em especial, eles estarem mais próximos do real.

A parte técnica mereceria todo um texto separado, apenas para analisarmos por exemplo, a fotografia meio envelhecida, meio amarelada (quase que emulando um tom de fim de primavera, ou de campo inglês) é muito bonita. Cheia de referencias visuais ao impressionismo e aos próprios filme live-action de Anderson que sempre são tecnicamente impecáveis. O uso de grafismos é o único ponto que me incomodou, dando a idéia de episódios fechados na vida dos personagens. Mas é um detalhe, e uma certa implicância minha, que não sou fã do uso desses elementos.


Alexandre Desplat consegue aqui, pra mim, seu maior triunfo em sua carreira. A trilha é fabulosa, e facilmente uma das melhores de 2009. Mistura a tradição indie dos filmes de Anderson, com toques de spaghetti western, filmes de ação setentistas e ainda conta com a bela escolha de canções ( Beach Boys, Rolling Stones e Burt Ives).

Muita coragem e uma ligeira “insanidade” de Anderson em apostar numa animação Cult, feita para adultos, mas que não vejo crianças inteligentes não gostando. Definitivamente tem alguém por ai que anda menosprezando a capacidade das crianças.

Cheio de ação, uma ligeira dose de comédia seca e ácida, um ligeiro toque de humor negro, romance e até tendo mensagens (uma hora na vida todos temos que sossegar é uma delas, a outra é aceitar o que se é), O Fantástico Sr. Raposo não sofre do mal do hype. Realmente cumpre a expectativa (alta) que tinha, e se não foi o melhor filme de animação de 2009 (Mary e Max é bem superior), é bem melhor do que a grande maioria do que apareceu nas telas e dvd’s ano passado.



quarta-feira, 28 de abril de 2010


Compositores – Parte IV

Olá a todos do Fotograma Digital. Hoje pretendo continuar os posts que contam sobre a vida e obra dos compositores do cinema, porém vou escrever sobre um “recém-chegado” das trilhas sonoras. Seus trabalhos, pelo menos na minha opinião, são marcantes e já ficaram para a história, mas eu me pergunto se todos o conheciam antes do mais que merecido Oscar. Estaria eu falando de quem? rs....


Michael Giacchino nasceu em 10 de Outubro de 1967. Crescido em Edgewater Park, New Jersey, é um compositor que, assim como muitos, conseguiu alcançar com esforço seu espaço junto aos grandes mestres do cinema. Segundo o próprio compositor, “Penso que a minha música tem uma sensação antiquada, por alguma razão. Eu sou influenciado apenas pela música que ouvi durante a minha infância. Por isso ela tem uma tendência natural de soar uma outra época”.

Além de ter trabalhado em conhecidos filmes e seriados, Giacchino trabalhou com a trilha sonora dos jogos “Medal of Honor: Underground” (2000), e “Medal of Honor: Frontline”(2002), sendo esta uma vertente que cresce cada vez mais no mercado. Os Games, que para muitos não passa de mero entretenimento, hoje é um grande mercado para uma série de designers, programadores, e sim, músicos!

Michael teve uma grande repercussão com a Trilha Sonora de “Medal of Honor” e trabalhou também em outro jogo, “Call of Duty”. O compositor acha interessante o espírito de “entrar” em um projeto como compositor de um jogo, por ser uma experiência relativamente diferente da composição de filmes.




Também ficou muito conhecido em seus trabalhos para os seriados do diretor J.J. Abrams, compondo para as séries “Alias” e em seguida, para a famosa série “Lost”, que rendeu o prêmio Emmy 2005. Seria difícil definir uma música para melhor exemplificar o trabalho de Giacchino nestas séries, mas acho que consegui fazer uma boa seleção, rs..



Isso sem contar suas ótimas produções em filmes, onde podemos citar a trilha de “Star Trek” (2009) e “Mission Impossible III” (2006), ambas do diretor J.J.Abrams. Outra de suas trilhas mais conhecidas está em “Lost World: Jurassic Park” (1997)



(Lembrando que o tema principal de “Mission Impossible” foi composto por Lalo Schiffrin)

O compositor também foi responsável pela trilha em animações. Como citei na postagem sobre o Oscar, Giacchino foi o vencedor em 2010 com a trilha sonora de “Up” (2009). Seus conhecidos trabalhos em “Ratatouille” (2007) e “The Incredibles” (2004) são muito interessantes, dado o grande uso de “Leitmotiv” na trilha sonora.


Como disse no começo da postagem, Michael Giachinno fez trabalhos que marcaram a história da Trilha Sonora. Fazer a composição para diferentes meios é, na minha opinião, uma das suas características mais admiráveis. Ele é mais exemplo do quanto um compositor precisa ser versátil, e isso é perfeitamente notável em todos os vídeos que postei. Suas músicas têm várias influências diferentes, como na música “Spanish Heart” da série “Alias”, e estes dois últimos vídeos, que são os créditos finais de “Os Incríveis”, e “Ratatouille”.



Você gosta de algum compositor em especial? Comente! Selecionei alguns compositores para o FotoMusic Score, mas qualquer sugestão é bem-vinda!

terça-feira, 27 de abril de 2010


Crepúsculo dos Deuses (Sunset Boulevard, 1950)

de: Billy Wilder

Com: Gloria Swanson, William Holden e Eric von Stroheim

Billy Wilder era um gênio. E foi tão prolífico em sua genialidade que entre seus filmes mais importantes estão duas comédias seminais, um filme denuncia sobre o jornalismo, um filme noir clássico, um filme de tribunal impressionante e a maior obra já feita sobre sua própria arte: o cinema.


É assim que pode ser descrito Crepusculo dos Deuses. A mais incrível homenagem e crítica a maior de todas as artes criadas pelo homem. O cinema é aquela que combina com extrema simplicidade e destreza tudo o que todas as outras manifestações artísticas oferecem. A música, o teatro, a literatura, a pintura, a dança e a escultura.







Wilder combina com perfeição todos esses elementos com sapiência de um general calejado de batalhas. A trilha sonora do brilhante Franz Waxman é sublime, a direção de arte e a construção dos sets (a mansão de Norma Desmond é deslumbrante) são muito eficazes, a obsessiva “dança da conquista” que Gloria Swanson impinge ao personagem de William Holden é um exercício de como expor uma situação com cores suaves e desesperadoras ao mesmo tempo. A literatura, ou seja o texto lido e escrito, é um dos maiores da história. Uma combinação impecável de drama humano, sátira ácida ao cinema (exemplificada em diversos momentos: o jogo de cartaz com grandes nomes do cinema mudo, como o grandioso Buster Keaton; a aparição especial do mestre do espetáculo Cecil B. De Mille; e o grande Erich Von Stroheim, um dos maiores diretores da história vivendo o criado Max), romance e uma das mais bem contadas histórias de obsessão do cinema.
Impossível não se remoer na cadeira com as tentativas doentias de Norma Desmond em prender em seus domínios o roteirista Joe Gillis.







Finalmente, Wilder completa seu painel com a fotografia (a “pintura” do cinema) serena de John F. Seitz, brilhante desde os closes (como a inigualável cena final), passando pela incrível sequencia da sessão privada de filmes mudos (onde ele abusa do contraste e da sensação claustrofóbica realçada pelos inúmeros cigarros consumidos), pelo baile de ano-novo que é uma ode ao bizarro e toda a homenagem a Cecil B. De Mille.Tudo funciona muito bem.

E onde está o teatro, você leitor pergunta intrigado ? A grande arte do ator, da interpretação.







Ora está representado por uma das mais transcendentais interpretações da história. Gloria Swanson representa a quintessência da vilã obsessiva. Seu olhar, seu gestual, seu modo de caminhar e falar, tudo inspira o espectador a entrar em um completo estado de hipnose. Impossível desviar o olhar da atriz quando profere algumas das frases mais importantes da história da arte cinematográfica (a citar: “Senhor De Mille, estou pronta para o meu close” e “Eu sou grande, os filmes é que ficaram pequenos”), ou quando ela inicia seu doente jogo de gato e rato com o personagem de Holden. Esse por sua vez, começa morto (literalmente) e no melhor estilo filme noir, narra suas desventuras que resultam em seu corpo inerte boiando na piscina da decadente mansão Desmond. Mas ainda mais impressionante que Holden pra mim, é o fabuloso Erich Von Stroheim, um dos mais importantes diretores da história (seu Ouro e Maldição é lendário, tanto pelo conteúdo como pelas histórias de bastidores) que vivendo o empregado e ex-marido da estrela sustenta toda a farsa que inflama a sensação em Norma de que no fundo ela ainda é uma estrela. O resultado disso é a patética cena em que a estrela visita um de seus antigos diretores (o já citado Cecil B. De Mille).

Wilder conseguiu com muita habilidade ser sutil na crítica a falta de memória do público com seus ídolos ao mesmo tempo em que criticou os mesmos decadentes ídolos por tentarem viver de uma realidade a muito ultrapassada. Desmond é o produto de seu ego, talvez o maior que o cinema teve a audácia de mostrar. Gills é o homem “esperto” que tenta aproveitar de sua juventude para golpear o coração gelado da estrela e com isso ganhar algum dinheiro. Porém transforma-se no peão que é usado como troféu de uma estrela a muito morta. E Max é a única centelha que prende a insana personagem de Swanson ao plano real, mesmo que ele seja aquele que fustiga os caprichos da estrela. Mais do que um empregado, Max é um amante, eterno, que atende aos desmandos e loucuras da patroa, como forma de um amor tão obsessivo quanto o de Desmond pelo personagem de Holden. No fundo é uma espiral de personagens obcecados com algo e que não tem a noção exata dos preços a serem pagos.











Um trabalho notável em todos os aspectos e para esse que escreve, Crepúsculo dos Deuses sintetiza em cores pulsantes todo o esplendor do cinema. Fulgurante, mágico, trágico e muito cativante.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

A Ressureição de Adam
(Adam Resurrected, 2008)
Drama - 106 min.

Direção: Paul Schrader
Roteiro: Noah Stollman

Com: Jeff Goldblum, Willem Dafoe, Derek Jacobi, Ayelet Zurer

Muitos acreditam que o palhaço esconde uma profunda e incontrolável tristeza por trás da alegria, das caras pintadas, dos sorrisos e das risadas. Que por trás dos gestos exagerados, das roupas extravagantes, da maquiagem branca e da infinidade de piadas está um ser atormentado, que por uma razão ou outra usa do riso como válvula de escape para suas frustrações, medos, fobias, culpas e tormentos.

Paul Schrader parece crer cegamente nisso, e a partir da história do palhaço Adam Stein, molda uma das mais bem feitas alegorias sobre a insanidade e o reflexo psíquico das vítimas traumatizadas pela guerra. Como poucos, consegue compreender o verdadeiro estado de alteração mental a que passam aqueles que de uma forma ou de outra entram em contato com os terrores da guerra. Como poucos, reflete na tela sem pudores e de forma hermética e lírica tais problemas.

Muito do mérito dessa pérola, que se os deuses do cinema abençoarem, em breve deve se tornar um dos filmes da década, reside na combinação quase simbiótica entre a excepcional direção de Schrader e a atuação estupenda de Jeff Goldblum.


O diretor é um dos remanescentes da “Nova Hollywood” e um dos poucos que ainda consegue operar “abaixo do radar”. Depois dos roteiros premiados de Taxi Driver e de um dos meus favoritos de De Palma (Trágica Obsessão), Schrader seguiu sua carreira sempre ousando seja nos temas, na linguagem visual, no “cast” ou nas fórmulas apresentadas. Schrader é sem dúvida um dos diretores mais subestimados do cinema. E é um nome a ser conhecido e visto com mais freqüência.

O outro elo do simbionte é Goldblum. O ator americano é uma figurinha carimbada conhecida por quase todos os amantes de cinema, por seus papéis em filmes de grande sucesso como Jurassic Park e Independence Day e alguns filmes Cult, como a Mosca, Aventuras de Buckaroo Banzai e O Reencontro. Em todos eles Goldblum de maneira mais intensa ou de forma mais discreta fez uso de maneirismos que muitas vezes fizeram suas atuações serem desmerecidas. Por isso, é muito prazeroso escrever que em Adam Resurrected, Goldblum tem sua melhor interpretação. É muito bom poder ser uma das testemunhas do momento em que o ator consegue resvalar os dedos nos domínios da perfeição. Tudo em seu personagem é sublime. Desde os momentos de total insanidade, as situações perturbadoras a que ele é submetido em flashbacks de guerra (onde somos premiados com o prazer da companhia do grande Williem Dafoe), seus atos como uma espécie de palhaço do caos, sua relação doente com a enfermeira e a eterna instabilidade com que se relaciona com um garoto com os mesmos problemas que ele enfrentou.


Schrader ainda tem tempo (e garanto que consegue com extrema destreza) para nos questionar se a tal insanidade pregoada pelos psiquiatras e afins não seria no fundo, apenas o estado “natural do homem”, sem as amarras, e que uma vida de excessos é muito mais proveitosa do que uma vida de marasmos sensoriais. Uma discussão deverás interessante.

Schrader sempre foi um brilhante roteirista, e é sempre bom vê-lo dirigindo textos dos outros, pois por conhecer realmente o trabalho, a complexidade e os desejos do roteiro, consegue tratar dele com a reverência necessária. Sem excessos literários, mas sem a libertinagem que muitos transformam seus referidos roteiros.

Tecnicamente Schrader consegue mesclar a tecnologia atual no uso da iluminação e nas cenas em p&b, um recurso bastante funcional para retratar a guerra. Para o diretor, entendo eu, a guerra não deve ter cor, nem brilho. É tudo um eterno e moroso cinza. Sem vida e sem luz e que deve ser tratado como foi, ou seja, sem gracejos. A câmera continua a mesma inquietante dos anos 70 (o que é bom). Apesar de tratarmos de um drama, a câmera ainda balança, ainda foca de forma assimétrica, ainda é abelhuda e ainda é inteligente. Mostra o que precisa ser visto, e as vezes até um pouco mais. Foca-se nos atores, foca-se em Goldblum e ajuda ainda mais o seu impressionante desempenho.


Ao fim da projeção, me inquietei com o fato de uma preciosidade como essa ainda não ter tido chances por aqui. Reflexo do poder resgatado pelos estúdios, em muito graças aos cineastas da mesma geração de Schrader. Adam Resurrected, em teoria, jamais poderia atrair o público sedendo por comédias sacaróticas, excesso de testoterona de mentira (e não como Peckinpah, por exemplo fazia) e fanática por séries, remakes e vampiros vegetarianos.

Vivemos numa era insana e perturbada, tão absurda que nem a loucura é mais apreciada.

Façam um favor a si mesmos, e assistam a esse filme.