terça-feira, 31 de agosto de 2010


(Nota do Editor: é com grande prazer que anunciamos a chegada de mais um tripulante a nau fotogramica. Paulo Pandolpho, 25 anos, assiste e faz cinema desde os 8 anos de idade e é o mais novo membro de nossa equipe. O Paulo tem um blog muito interessante sobre cinema (e outras coisinhas mais). A parte de cinema deve aparecer por aqui também, e as coisinhas mais vasculhem no http://mytakeonit-pp.blogspot.com/ e conheçam o trabalho do cara).

O Surto de M. Night Shyamalan



M. Night Shyamalan perdeu a cabeça de vez.

Não consigo me lembrar de nenhum outro diretor que teve uma carreira tão dividida quanto a dele. Pra mim, são duas fases muito claras: os quatro primeiros filmes, “O Sexto Sentido”, “Corpo Fechado”, “Sinais” e “A Vila” representam os acertos. Filmes de roteiro esperto – todos escritos por ele – filmados de maneira muito interessante, que mostravam domínio do diretor sobre a linguagem cinematográfica. São filmes nitidamente bem pensados e realizados; obras em que os elementos como música, fotografia e direção de arte são explorados de maneira muito precisa.

A segunda (e infelizmente atual) fase dele concentra 3 grandes erros e se iniciou com o estranhíssimo “A Dama na Água”. Shyamalan tinha a Buena Vista (que faz parte do grupo Disney) como parceira nos seus 4 primeiros projetos. “O Sexto Sentido” foi um enorme sucesso e o projetou como uma das grandes apostas da nova geração de diretores – lembro de ler algumas matérias que chegaram a compará-lo (mantidas as devidas proporções, é claro!) a Alfred Hitchcock e Steven Spielberg. Quando teve o insight sobre a trama de “Dama”, o estúdio tentou convencê-lo a desistir do projeto. O diretor lutou pelo que acreditava, rompeu com a Disney e... estava errado. O filme foi um fracasso nos EUA e, somando a bilheteria do mundo todo deu irrisórios 2 milhões de lucro para a Warner, nova parceira do diretor.

O filme é uma fábula moderna sobre uma sereia (Brice Dallas Howard) que aparece na piscina de um condomínio na Filadélfia, nos EUA. Paul Giamatti faz o zelador do condomínio, que descobre a criatura mítica e embarca com ela em uma jornada para tentar ajudá-la a retornar para seu mundo e de quebra ainda identificar um misterioso escritor, que supostamente escreverá um livro que irá beneficiar a humanidade. Tudo muito criativo, é verdade. Mas o filme sublinhava o que eu vejo como a pior característica das obras dele: exigir que o espectador compre um universo com regras muito específicas; muitas delas bem difíceis de engolir. Quando faz isso de maneira inteligente (como em “A Vila” e “Sinais”), nós nos envolvemos com a história e relevamos coisas que poderiam ser quase enquadradas como trapaça. Mas “Dama” elevou isso à nona potencia. Era uma história de fantasia feita para adultos que se passava num ambiente realista, mas existia apoiada em aspectos nada críveis. Não dava para comprar.

Zooey Deschanel e Mark Wahlberg pagam mico em "The Happening"
O próximo filme, “Fim dos Tempos”, foi um susto pra mim. Achava que “Dama” tinha sido um deslize, mas esse projeto estrelado por Mark Wahlberg e Zooey Deschanel sobre um vírus misterioso que se alastra pela humanidade piorou muito a situação. O filme soa em vários momentos como uma comédia, mas faz humor involuntariamente; quando deveríamos estar absolutamente assustados e tocados pela jornada dos protagonistas, estamos na verdade chocados com a canastrice gritante. Assisti uma só vez, confesso. Mas fiquei mesmo com a sensação de que quase nada se salva ali.

Isso nos traz ao novo filme dele “O Último Mestre do Ar”, que estreou na última sexta-feira. Baseado em na série de animação “Avatar: The Last Airbender” do canal Nickelodeon, o filme sempre me pareceu uma escolha estranha de Shyamalan. A campanha de marketing é bem vaga e misteriosa e para quem não é familiarizado com a série de TV – como eu – o filme foi vendido de forma enganosa: parecia um épico oriental. É na verdade, um filme infanto-juvenil. Até aí, tudo bem. O problema é que é um filme infanto-juvenil muito, muito fraco! É quase impossível de acreditar que a mesma mente por trás de “O Sexto Sentido” possa ter realizado o que vemos em “The Last Airbender”. Fazia muito tempo que não assistia algo tão chato, arrastado e sem emoção – adjetivos que tem que passar longe de qualquer filme e especialmente de histórias de aventura e fantasia.

A história: Aang, uma espécie de monge budista é identificado como o Avatar, a reencarnação de uma divindade única, capaz de controlar os quatro elementos: Terra, Ar, Fogo e Água. Estamos falando de um mundo alternativo; não estamos na Terra, e este planeta não-identificado é dividido por diferentes nações, cada uma com um dos elementos como “força” motriz e cidadãos que conseguem controlar esses elementos. A nação do Fogo (quem mais?) está atacando as demais e luta pela hegemonia da planeta. O Avatar, é claro, é o único que pode trazer o equilíbrio de volta. Congelado em uma bolha de ar (!) por cem anos, ele é finalmente libertado e, ainda como um menino, terá que aceitar seu chamado divino e lutar pela paz no planeta.


A premissa é até interessante e Shyamalan teve nas mãos uma grande oportunidade: pela primeira vez estava contando uma história que se desenrola assumidamente num universo fantasioso; aqui, não nos sentiríamos forçados a comprar sereias que vivem em piscinas e homens com super poderes andando entre nós (como em “Corpo Fechado”). Tudo pode acontecer em uma terra de fantasia! Mas Shyamalan erra feio ao nos situar neste universo que criou: joga um volume enorme de informação a todo tempo e, por ser um filme para público mais jovem, repete essas informações over and over again! Subestima o espectador num grau elevadíssimo, colocando voice overs explicando a cena que estamos vendo diante dos nossos olhos e, de quebra, muitas vezes ainda usando letreiros para reforçar o que está acontecendo. A platéia não é idiota e, aprendi nas aulas de roteiro e direção, tratar a mesma como tal é um dos maiores erros que um filme pode cometer.

Noah Riger como Aang em momento nervosinho.
Jackson Rathbone (Sokka) e Nicola Peltz (Katara): irmãos chatinhos.
Além disso, o elenco escolhido é fraco e apático demais! Não dá para se envolver com nenhum deles, em momento algum. Falta emoção e, num filme que se propõe a levantar inúmeras questões existências dos personagens isso é inadmissível. Como sentir a angustia de um personagem se ele não transparece emoção? Como temer e torcer por este personagem se você simplesmente não se importa como ele? Não há carisma em nenhum dos atores e personagens principais. Jackson Rathbone (o Jasper da série “Crepúsculo”) confirma sua incompetência e entra e sai de cena como um personagem secundário patético, sem o mínimo propósito para a história. Nicola Peltz, que faz sua irmã, não convence em nenhuma cena e chega a ser irritante em vários momentos. Fora eles ainda temos Noah Ringer, que interpreta o Avatar e não é de todo mal, mas simplesmente não consegue “vender” a profundidade emocional que seu personagem deveria conter. Fechando com chave de ouro (NOT), está Dev Patel, que interpreta o filho do líder do povo de Fogo, exilado pelo pai até que consiga localizar e capturar o Avatar. É impossível olhar para ele e não lembrar de seu Jamal (de “Quem Quer Ser um Milionário”), o que trabalha contra ele, que tenta aqui emplacar como vilão.

As cenas de luta são o ponto alto da obra. É bem interessante o modo como os “benders” manipulam os elementos e os usam como forma de defesa e ataque. As cenas que incluem Água e Ar são especialmente bonitas e vale pontuar um plano seqüência de alguns minutos bem executado em uma das batalhas. Mas apesar de bem realizados, nenhum desses efeitos é groundbreaking. Não há nada que não tenhamos visto antes muitas (e muitas!) vezes.
Dev Patel como Zuco: vilão bonzinho.
Se é que dá para piorar a situação, “Airbender” ainda consegue ser o exemplo perfeito para ilustrar uma atual polêmica em Hollywood: o mau uso do 3D. A “nova” tecnologia surgiu com força como a arma dos executivos para levarem as pessoas ao cinema em tempos de donwloads grátis e DVDs pirata no metrô. E a coisa tem funcionado, “Avatar” fez a maior bilheteria da história para comprovar. Daí prática tão comum entre os estúdios e que tem gerado a tal polêmica: a conversão de filmes idealizados e rodados em 2D para a exibição em 3 dimensões. O propósito é um só: $$$! O 3D, que em muitas produções tem sido usado como ferramenta estética e narrativa; filmes pensados para serem feitos desta forma, passou a ser usado com banalidade e com resultado estético bem sem graça. “O Último Mestre do Ar” faz justamente isso: se vende como 3D somente para atrair gente ao cinema e o que vemos é um espetáculo opaco, desinteressante e gratuito.


Shyamalan: Rindo de que?
Em suma: uma catástrofe. Shyamalan realmente perdeu completamente a noção e se afunda cada vez mais profundamente a cada trabalho concluído. Uma grande pena.

O filme não tem feito carreira brilhante nos EUA, mas já acumulou mais de 225 milhões de dólares no mundo todo, tento custado inacreditáveis 150. Isso deve garantir a continuação da saga - o primeiro filme se encerra já deixando tudo armado para a sequência. Devem vir mais dois filmes sobre os quais você certamente não vai ler neste blog.


(Nota do Editor: Postado originalmente em http://mytakeonit-pp.blogspot.com/)

segunda-feira, 30 de agosto de 2010


O Filmes para ver antes de Morrer nunca tentou - e nem vai tentar - criticar ou analisar uma obra que por motivos óbvios está no panteão das maiores (na opinião da equipe) já produzidas pela sétima arte, por isso o espaço aqui é para relembrarmos, homenagearmos e apresentarmos a quem não viu, grandes filmes da história do cinema.

Doutor Fantástico
(Dr. Strangelove or: How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb, 1964)


Dr. Fantástico é um clássico. É uma das obras mais geniais de todos os tempos e um dos filmes mais amados pelos cinéfilos mundo afora. E é um ponto interessante a se notar que é o gênio Stanley Kubrick testando o terreno da comédia, algo totalmente diferente de seus filmes anteriores (e até mesmo dos posteriores). Mas Kubrick não criou esse divino filme sozinho. Ele teve visão em enxergar um ótimo material para roteiro no livro de Peter George. E ainda inovou em tirar sarro do espírito de thriller do livro. Além disso, Kubrick teve ajuda do magnifíco Peter Sellers, comediante consagrado que faz aqui três papéis (!!!) e dá sua contribuição pra história.Vale dizer também que Dr. Fantástico não é nem um pouco datado. É um filme bem inteligente sobre o contexto da Guerra Fria e retrata o quão incrível (e idiota) um homem pode ser com muito poder em mãos. Kubrick debocha disso e faz um humor negro bem ácido.

A trama, costurada com o esmero habitual do diretor, aborda vários personagens. Ela começa com pilotos em um avião cheio de bombas atômicas. Esse avião é acionado pelo General Jack D. Ripper (Sterling Hayden) para bombardear a Univão Soviética. Jack, no ápice de sua loucura e ultra-patriotismo, diz todos os seus planos e pensamentos para seu companheiro, Capitão Lionel Mandrake (Peter Sellers). Do Pentágono, vários homens reunidos tentam planejar como vão tirar os aviões do ar e impedir um holocausto nuclear. Nesse verdadeiro caos, o presidente Merkin Muffley (Peter Sellers) precisa bolar uma estratégia com o General Buck Turgidson (George C. Scott) para comunicar aos russos que os aviões estão indo ao seu território. A partir daí, começa uma tensão que envolve até mesmo o físico nuclear Dr. Strangelove (Peter Sellers, de novo).

Mas, apesar da intrincada trama, tudo é tratado com um humor refinado e negro. Não se espante se você rir ao saber que soldados foram mortos ou se ver um homem preso a uma bomba nuclear. É exatamente o que Kubrick quer, nos tratando como público inteligente.

Tecnicamente, Dr. Fantástico é belo e muito bem cuidado. A direção de Stanley Kubrick é certeira, racional e gélida, como sempre. Aqui, sua assinatura é facilmente reconhecida o que o torna um dos cineastas com mais identidade na indústria. Segura e perfeita, a direção é um ponto altíssimo do filme. A fotografia do filme, realizada por Gilbert Taylor, é precisa. Um preto-e-branco bonito, com poucos contrastes. A fotografia é bonita e elegante, muito parecida com a de Acossado. Competente, Gilbert faz um bom trabalho e dá o tom certo pra ironia de Kubrick. A edição de Anthony Harvey é muito boa também, acertando o ritmo cômico do filme. As cenas dentro do Pentágono, por exemplo, são de uma perfeita harmonia direção-edição, o que é tocante diante de tal esmero. Agora, talvez o fator determinante para que classifiquemos o filme como comédia (além do roteiro) é a trilha sonora. Laurie Johnson faz um trabalho bem curioso. Quando surge as cenas no avião, sobe a música militar, que por si só causa risadas.

As atuações de Dr. Fantástico são um primor, outro fator principal do filme. As atuações são todas ótimas, mas três atores merecem ser exaltados. Peter Sellers demonstra um perfeito domínio de atuação e criação de personagens. Incrível como Peter consegue ser 3 pessoas diferentes em apenas 94 minutos. Quando ele atua como Mandrake, ele demonstra um humor inocente, sendo um adorável medroso. Quando é Merkin, ele é seguro e faz feições engraçadas. Aqui, ele opta por um humor de vergonha alheia. Merkin sofre com os arroubos megalomaníacos de todos seus subordinados e mantém sua cara de "o que está acontecendo?". Quando é Dr. Strangelove, ele é engraçado na sua psicopatia transloucada, entregando sua melhor atuação no filme. Sellers faz aqui seu trabalho definitivo, o que realmente provou o gênio que ele é. George C. Scott também impressiona por sua atuação sem limites e delirante. Seu Coronel Buck é um ser paranóico por natureza, um típico espécime que enlouqueceu com seu poder. C. Scott também acrescenta elementos interessantes ao personagem, como sua fala rápida. E Sterling Hayden, como o Coronel Jack. Estranho e cruelmente engraçado, Sterling cria um personagem interessante, mas facilmente eclipsado por George e Peter.

No roteiro, Stanley Kubrick, Terry Southern e Peter George (o escritor do livro) criam um universo descontrolado e muito engraçado. Quando o roteiro estrutural aponta situações totalmente surreais, os diálogos fazem questão de ajudar o caos, deixando tudo ilimitado, inconsequente. E isso é um grande acerto para o filme. Deixar o non-sense prevalecer em alguns momentos é bem interessante e talvez o filme fosse bem inferior se não deixasse isso acontecer. E é interessante notar também que Kubrick, mesmo em uma comédia, mantem-se um cineasta visionário e corajoso. Suas soluções de casos no roteiro, suas piadas e até mesmo seu final são de uma irrealidade estranhamente bonita. Irrealidade, não por serem situações que exigem suspensão de crença mas porque são de humor negro demais para serem retratadas por um grande cineasta, no circuito aberto. Um exemplo: Você não iria rir com um suicídio. Mas Kubrick coloca a situação tão perto do limite que é quase impossível não rir com a situação. Definitivamente, o roteiro é o ponto alto do filme, o que determina toda a sua acidez e prova que Kubrick é um gênio, talvez o maior cineasta de todos.

No final, Dr. Fantástico pode causar um gosto amargo na boca. Piadas, situações fora de controle e até mesmo um alucinado final causam isso num público mainstream. Mas agora eu entendo porque Dr. Fantástico é tão elogiado. Seu deboche e senso crítico é preciso e intenso, um verdadeiro sonho de comédia, algo que deveria aparecer nos cinemas a todo momento. É uma película despida de pudores, algo corajoso demais para ter fácil digestão perante todos. E mais complicado ainda é pensar que esse filme foi lançado no meio da Guerra Fria, para um grande circuito. Sinceramente, se eu soubesse que o filme foi banido em algumas nações eu entenderia perfeitamente.

Ofensivo e deliciosamente malicioso, Dr. Fantástico não é o melhor filme de Stanley Kubrick. Mas é, com certeza, um dos melhores que o espectador pode ver na vida.

sábado, 28 de agosto de 2010

Splice
(Splice, 2009)
Sci Fi - 104 min.

Direção: Vincenzo Natali
Roteiro: Vincenzo Natali, Antoinette Terry Bryant e Doug Taylor

Com: Adrien Brody, Sarah Polley e Delphine Chanéac

Às vezes quando uma pessoa - ou no caso um filme - tenta dizer muitas coisas, levantar muitas bandeiras e defender teses ou mesmo contar uma simples história, acaba se atrapalhando, sendo rasa ou não conseguindo despertar nenhum interesse no interlocutor.



Esse é o caso de Vincenzo Natali (o mesmo diretor do ótimo Cubo) e seu Splice. Não que o filme seja uma bomba atômica e que mereça o ostracismo, mas ele tenta dialogar com diversas idéias e conceitos e não acaba chegando a nenhuma conclusão, e confunde o que parecia ser uma versão mais cerebral do "Trash" A Experiência.

Splice lembra o referido filme pois ambos tratam de seres estranhos vivendo no planeta, tentando se adaptar a cultura e os costumes de um povo. Diferente da bobagem alienígena , Splice apela para um conceito mais realista e crível: engenharia genética. O filme gira em torno do casal de geneticistas vivido por Adrien Brody (Clive) e Sarah Polley (Elsa) que criam um ser à base de genes de diversos animais, com intuito de ajudar a eliminar pragas no gado. Obviamente o experimento é só um primeiro estágio para o objetivo final do casal: criar uma forma de vida que possa ajudar o ser humano a curar suas doenças crônicas, como formas de câncer e Alzheimer.


O filme então acompanha essa experiência posterior, quando o casal decide ir além e contra os interesses do grupo que financia os cientistas, produz um embrião contendo, entre seus componentes, o gene humano.

O mais interessante no filme é sem dúvida nenhuma a criatura produzida. Longe de parecer com outra criatura vista antes do cinema (pelo menos que eu me recordo em ter visto), a criatura - nominada Dren pelo casal - mistura de forma desconfortável a quem vê traços verdadeiramente humanos com detalhes que a transformam em algo além do humano. Um trabalho de maquiagem e efeitos visuais magnífico. Outro destaque foi à escolha da atriz Delphine Chanéac que tem uma beleza bastante exótica o que ajudou a equipe a transformar a garota em uma criatura quase humana.

Porém o filme tenta fugir do discurso óbvio do "homem brincando de Deus" e resvala de forma superficial em outras questões como insanidade, medo da perda e o simples e puro bizarro.


Essa quantidade de camadas, que geralmente são sinal de profundidade, aqui aparecem de forma "jogada" sem muito a dizer além de querer agregar informações para pouco depois jogá-las fora, em especial quando o filme alcança seu clímax, que é exagerado, de certa forma risível, bastante previsível (assim como uma revelação importante a respeito da origem da criatura) e insatisfatório.

Talvez se Natali tivesse mantido seu foco em apenas apresentar a história e explorar o que nela existe de mais óbvio - e interessante - ou aprofundar-se mais nos conflitos de seus chatíssimos personagens (talvez os deixando menos chatos) o filme poderia sair do lugar comum.

Perde-se tempo (e perde-se mesmo) numa tentativa de criar motivação para as ações da personagem de Sarah Polley, o que resulta em uma explicação forçada, que parece ter sido pensada apenas para tentar dar profundidade. Como se não bastasse a justificativa óbvia de "criar vida", "ser pioneiro" que o próprio filme conta, ainda se insere mais uma questão emocional (que nunca chega a ser explorada de verdade) apenas para "temperar" mais ainda o filme.


Mais o pior e que derruba de verdade o filme é sua conclusão boboca. Além de ser similar a milhões de outras histórias, tem - na falta de um - dois plot twists nos últimos dez minutos, o que é uma solução incompatível com: o ritmo do filme até então, que vinha sendo cadenciado, e uma solução preguiçosa ao amarrar as "pontas" que na verdade são tão óbvias que nem causam apreensão ao espectador que facilmente telegrafa os eventos.

Os atores se esforçam para apresentar alguma coisa, especialmente Adrien Brody, mas não conseguem ir além do que o texto medíocre de Natali, Antoinette Terry Bryant e Doug Taylor conta. O ator ainda protagoniza uma das cenas candidatas a mais provocadora do ano (e que o leitor talvez possa imaginar). Já Sarah Polley apesar de segura, também não é feliz na composição das tais camadas de profundidade de seu personagem. Parecendo perdida sem conseguir demonstrar nada além de antipatia, faz de seu personagem um estorvo. E o que dizer da atriz responsável por dar vida a criatura Dren? Que ela tenta compor o personagem como um animal atordoado e perdido, que aos poucos toma ciência de sua condição. Em alguns momentos ela consegue apresentar um trabalho bastante satisfatório (em especial na seqüência que envolve uma espécie de tortura) mas na maioria das vezes também é vitima do roteiro fraco.


Tecnicamente o filme não tenta inventar e talvez seja por isso que ele não se torne tão desagradável. A criação e evolução da criatura são mostradas com grande felicidade e , nas seqüências em que Dren é mostrada mais nova, Ridley Scott, James Cameron, David Fincher e Jean-Pierre Jeunet são "homenageados" já que o filme emula a quadrilogia Alien na tentativa de criar tensão na fotografia de Tetsuo Nagata.

Splice foi uma tentativa (infelizmente) frustrada de fugir do lugar comum num filme de monstro. Uma pena que Natali não soube manter seu filme suficientemente interessante para o público e nem profundo o bastante para que a crítica notasse algo de novo. No fim Splice é só mais um filme. E isso para um diretor que tinha como cartão de vista o visionário Cubo é muito pouco.


sexta-feira, 27 de agosto de 2010


O Filmes para ver antes de Morrer nunca tentou - e nem vai tentar - criticar ou analisar uma obra que por motivos óbvios está no panteão das maiores (na opinião da equipe) já produzidas pela sétima arte, por isso o espaço aqui é para relembrarmos, homenagearmos e apresentarmos a quem não viu, grandes filmes da história do cinema.

Nascido Para Matar
(Full Metal Jacket, 1987)

 

Após o grande conflito que foi a Guerra do Vietnã, Hollywood não podia fechar os olhos para a grande fonte de material que aquele evento tinha. Uma guerra muitas vezes dita como sem sentido, sem efeito direto, que ia ser contada de diversas maneiras através dos anos, com Platoon, Apoclipse Now, entre outros. Em 1987, surge Full Metal Jacket, um filme sobre a guerra do Vietnã, com todos os seus preparativos e detalhes, sob o comando de ninguém menos que Stanley Kubrick.

Com o talento de observar e contemplar o assunto, Kubrick nos dá uma das melhores obras de guerra já feitas, mas vai além. Não se encarrega apenas de mostar a guerra, pois tem outra missão: mostar com riqueza de detalhes gigantesca, toda a máquina do exército americano, a Corporação dos Marines, cada engrenagem de lá e suas características durante um período em que funcionou intensamente, transformando jovens comuns em máquinas de morte e guerra.

O filme divide-se, portanto, em dois segmentos. O primeiro mostra com virulência e realidade o treinamento dos soldados, o que eles passam e o que aguentam. O segundo, a Guerra em si, o terror e estranheza que ela causava nos soldados. O primeiro segmento inicia-se de maneira rápida, sem a menor enrolação. Vai direto ao ponto de apresentação do instrutor de treinamento Sargento Hartman (R.Lee Ermey) aos seus soldados, após um rápido conjunto de cenas que mostram os jovens homens tendo a cabeça raspada, passando pela primeira transformação para o treinamento. Na apresentação ao sargento, os soldados começam a "experimentar" a vida no quartel. Nada de brincadeiras, obedecer ás regras, demonstrar seriedade e competência, respeitar o instrutor, e saber, que naquele estágio, não passavam de nada a não ser dejeto de anfíbios.

A partir daí, vemos os pequenos detalhes do dia-a-dia do quartel, que vão desde o modo de ganhar os apelidos até os rituais de dormir com o fuzil. De fato, não poderia haver outro diretor a fazer isso melhor do que Stanley Kubrick. No espaço, muitos anos antes, no filme 2001, Kubrick demonstrava o apreço quase obsessivo a densidade negra do espaço, sem necessidade de falas, ou efeitos megalomaníacos. Em Full Metal Jacket, Kubrick vai acompanhando o desenvolvimento desses futuros Marines, sem pressa alguma, degustando cada etapa do duro treinamento. Treinamento esse, que são colocados os soldados Hilário (Mathew Modine), Cowboy (Arliss Howard) e Pyle (Vicent D'Onofrio). Após essa transformação duríssima em máquinas de combate, o filme trata de mostrar os soldados na guerra, no campo de batalha, onde por vezes sentem uma descrença no motivo do conflito e até uma certa frieza adquirida com a forte preparação.

O mais interessante na trama foi o modo de comparar os dois segmentos. No treinamento quase sobre-humano, em que os soldados eram pressionados ao máximo, cobrados a decorar os movimentos com destreza perfeita, ter uma displina mais que ultra-rígida, onde algumas pessoas simplesmente não suportam, e surtam. Essa é o que torna Full Metal Jacket tão especial e diferenciado.

Se um ano antes Oliver Stone fez um filme que mostrava uma "guerra" entre oficiais dentro de um pelotão, Kubrick agora mostra um "Holocausto" criado nos quartéis com o objetivo de criar homens acima da média, que matam com a mesma facilidade que respiram. É aterradora a situação psicológica que alguns soldados enfrentam dentro do próprio quartel. E assim, quando chegam na guerra, não tem muita dificuldades, nem muita emoção. Parecem que vivem sem pegar o verdadeiro peso da situação. Todos ficam já "vacinados" após a vivencia nos quartéis. E esse é o mais intrigante: a experiência que nos é compartilhada nos quartéis é mais amendrontadora, até, do que nas próprias batalhas reais. Mas a guerra sempre prega peças, e estar imune a tudo se torna impossível. Nesse filme, o ritmo só cai durante o segundo segmento, mas isso ajuda a formatar a idéia geral da trama que era preciso ser passada.

A direção de Kubrick aqui é tão explêndida quanto de costume. É sem dúvida o diretor mais visionário que já existiu, fato. E ele realiza seus takes maravilhosos com simplicidade incrível. Usar os trilhos para acompanhar um ator que anda calmamente por um dormitório enquanto discursa pode se tornar algo fora do normal com o registro contemplativo/observador de Kubrick.

Observar uma cena onde um esquadrão adentra um território com as táticas de sempre fica muito mais interessante quando se coloca uma câmera baixa, imediatamente atrás dos atores. Mostra o "modus operanti" metódico do exército passando excessivamente pelo meio de suas rígidas filas de soldados é mostrar com imagens, algo que talvez palavras não fossem sufucientes para mostrar. A trilha sonora foi muito bem composta pela filha do diretor, Vivian Kubrick. A trilha montada tem músicas próprias da época, como a que abre o filme, e outras que dão o tom do filme muito bem. A trilha composta tem tons de suspense ótimos, que realmente tocam no espectador.

As atuações são também soberbas. Mathew Modine interpreta bem e merece menção. Vicent D'Onofrio arrebenta em seu papel, que talvez seja um dos mais difíceis de se realizar no filme. Mas o destaque vai para R.Lee Ermey. Esse militar que nem era ator, estava no filme como consultor para treinar os atores como soldados, e após fazer uma demonstração pessoal em um vídeo, o diretor Stanley Kubrick ficou impressionado e resolveu contrata-lo para o papel. E vemos no filme que Kubrick fez o certo. O realismo não podia ser maior. Ermey não pisca em cena, olha com firmeza inimitável para os atores, grita e age como o Sargento Hartman de maneira única. Apenas sua atuação já vale o filme. Foi até injusto receber uma indicação para o Globo de Ouro de Melhor Ator Coadjuvante. Deveria ser indicado logo ao Oscar!

De maneira sublime e quase irretocavelmente, Full Metal Jacket nos transmite a sensação de realismo da guerra como da visão de um soldado. Pelo menos até hoje, foi o mais próximo que um filme já chegou, nos introduzindo de vez no real universo militar. Vemos cada etapa da preparação de um matador, desde seu treinamento até sua ação nos campos vietnamitas. O motivo da guerra, não importa mais durante o combate. Ela é mais dura do que qualquer um poderia pensar, mais do que qualquer um poderia se preparar.Sair vivo dela já é, para muitos, um alívio.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010


A grande diferença entre um grande clássico e um filme cult é simples: Cult é aquele filme que você gosta e não necessariamente é tão bom assim (alguns até são), mas que por algum motivo você adora, se diverte e indica aos amigos. O caso é que na ânsia de encaixar esses filmes em alguma sessão, o Fotograma resolveu criar essa nova sessão, onde aqueles filmes amados e cultuados serão aqui comentados. Sempre de maneira leve e divertida, como pede um filme cult.

Calafrios
(Shivers, 1975)

David Cronenberg é meu diretor favorito, já tive a oportunidade de ver quase todos os seus filmes e desde quer vi pela primeira vez A Mosca com meus saudosos 12 anos acho que alguma coisa deu errado dentro da minha pessoa e me atraindo para o macabro/estranho/esquisito ou até mesmo do mal feito. Se hoje eu gosto de tanta podreira a culpa é desse senhor.
Calafrios apesar de não ser a estréia do diretor em longas é aquele que pode ser considerado o seu primeiro passo rumo ao “desconhecido”. Em Calafrios ele já apresenta os temas básicos da filmografia de sua filmografia. Estão lá a sexualidade doentia, a violência gore e suja e o uso do corpo como laboratório para mudanças bizarras.
Cronenberg é um gênio no que tange o comportamento humano. Em todos os seus filmes o diretor busca algo novo em relação a sua visão da humanidade.

Nessa quase estréia ele critica (mesmo que de forma sutil) a sociedade como “cachorrinhos amordaçados” que ficam contentes por morarem em condomínios luxuosos com cada vez mais coisas disponíveis, mesmo tendo cada vez menos tempo para usufruir.
Calafrios fala de um desses condomínios , o Starfleet, que abriga milhares de moradores, felizes com suas vidinhas comuns.

Dentre os moradores , existe um médico (Dr. Hobbes) que (na minha opinião) de saco cheio com essa “conversinha mole” e com esse bom mocismo resolve criar um parasita que uma vez inserido no hospedeiro (vulgo homem) afetará as suas funções cerebrais e o fará seguir seus instintos em detrimento a razão. É, na visão do tal doutor, uma volta ao homem em estado original, antes da “catequese” mercadológica e dos cabrestos da sociedade.

O problema ocorre quando sua cobaia, uma moreninha gatinha de sainha colegial, apresenta comportamentos estranhos. Ela passa a precisar de sexo mais do que o Michael Douglas precisava antes de se “curar”. Nisso ela transmite os parasitas para outros homens e ai a bagunça está armada.

Tecnicamente o filme é "tosco". Mal filmado, por vezes mal editado, com efeitos (ou seriam defeitos) visuais paupérrimos (os parasitas são medonhos de tão mal feitos) e com interpretações bem fraquinhas. O protagonista é um tal de Paul Hampton (aqui vivendo o Dr. Roger St. Luc) e nunca fez nada que preste seja antes ou depois. Suas reações as atrocidades vistas são risíveis de tão ruins.

Mas por outro lado, Cronenberg tem idéias bem criativas e deverás bizarras, em especial na metade final do filme. Enquanto o doutor saí a caça de uma saída do condomínio ele se depara com coisas bem escabrosas. Duas crianças aparentemente nuas servindo como cães guia, um velho babão que oferece sua filha ao nosso doutor, uma cena de gore que faria o mestre Mario Bava sorrir com orgulho e uma catarse na piscina no melhor estilo Romero.
Cronenberg veio a melhorar muito tecnicamente por questões óbvias, mas a semente da mente perturbada do mestre canadense já estava lá, no saudoso ano de 1975, nessa pérola do mal gosto chamada Calafrios.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010


O Filmes para ver antes de Morrer nunca tentou - e nem vai tentar - criticar ou analisar uma obra que por motivos óbvios está no panteão das maiores (na opinião da equipe) já produzidas pela sétima arte, por isso o espaço aqui é para relembrarmos, homenagearmos e apresentarmos a quem não viu, grandes filmes da história do cinema.

Beleza Americana
(American Beauty, 1999)


Em 1999, Beleza Americana estreava no cinema. Comoção geral e muitos comentários foram disparados na saída das sessões, tenho certeza. O retrato realista, cruel, triste, belo e duro em que o ácido roteiro de Alan Ball tratou a vida do típico suburbano americano foi impactante demais. O pequeno filme de 15 milhões, estrelado por um desacreditado Kevin Spacey e uma sumida Annette Bening, arrebatou a todos e foi agraciado com 5 Oscar, inclusive de Melhor Filme e Melhor Diretor, na estreia de Sam Mendes no cinema. E, há uns dias, eu vi essa obra-prima. E digo que todos os Oscar são merecidos, que todos os comentários surpreendidos são válidos e que esse filme fez a Kevin Spacey o que Pulp Fiction fez a John Travolta: o ressucitou.

Beleza Americana é fora desse mundo, é um dos filmes mais corajosos já feitos, recomendado para qualquer um que quer repensar seu senso crítico ou até mesmo sua vida. Ao mesmo tempo que esse filme se faz espetacular por sua técnica e esmero cinematográfico, ele é algo além de qualquer nota máxima em emocionar o público com a tocante história de Lester Burnham, um dos personagens mais verdadeiros e verossímeis já criados. Seu drama é real, seu modo "loser" é real. Não duvido nada que vários caras, em qualquer parte do mundo, tem um pouco de Lester.

A trama, costurada com uma atenção notável, conta a história de Lester (Kevin Spacey) e sua vida medíocre. Ele é comandado pela mulher Carolyn (Annette Bening), submisso, odiado pela filha Jane (Thora Birch), considerado derrotado pela família e o pior: infeliz consigo mesmo. Trabalha num lugar onde não suporta e vive num lugar que considera imbecil. Mas, um dia, ele conhece Angela (Mena Suvari), amiga de sua filha. E Angela vira o motivo da virada na vida de Lester, melhorar si mesmo e se libertar das regras impostas pela vida. Nessa vizinhança, ainda tem o estranho Rick (Wes Bentley) e seu ferrenho e machão pai (Chris Cooper). Seus dramas também são acompanhados de perto, fazendo com que todos tenham seu espaço imenso na tela.

Uma das coisas mais belas de Beleza Americana é sua direção. Sam Mendes proporciona uma experiência única, arrumando ângulos improváveis e os tratando como vasto local para filmar. Seja num espelho, em cima de um carro ou se aproximando de uma TV, Mendes honra seu Oscar de maneiro maravilhosa. Outro elemento de destaque é a direção de arte. O figurino de todos condizem muito com suas personalidades. Quando Carolyn sai de sua casa com seu terninho fashion, fica claro que ela vai lá tentar vender mais uma de suas casas. A trilha sonora de Thomas Newman também é algo fora desse mundo. Com notas calmas, ele pode fazer algo agressivo e de grande qualidade, como a música de abertura ou pode também criar algo lindíssimo e simplista, como a sinfonia final.

Dinâmico, o compositor se afirma como um dos melhores atualmente. Wall-E também impressiona por sua trilha. Newman criou algo tão memorável quanto em Beleza. Mas, nada desses quesitos técnicos aqui se equipara a fantástica fotografia de Conrad L. Hall. O experiente mestre da fotografia nos entrega um clima tenso, belo, intimidador e vazio para um filme completamente impregnado por essas emoções, por esse sentimentos distintos. Quando Conrad nos entrega imagens simples e belas como Carolyn com uma American Beauty na mão ou quando a chuva, em câmera lenta, contrasta com o vermelho sangue da porta da casa dos Burnham, tudo se torna pleno e bonito. Aqui, ele faz seu melhor trabalho, o que não é nada menos que esplêndido vista a vasta carreira do saudoso fotógrafo.

Num filme como Beleza Americana, especialmente por ser um drama denso, as atuações são seus maiores destaque. E esse filme só fica maior ainda quando falamos disso. Kevin Spacey, resgatado da amargura na carreira, flertando com o ostracismo, volta como o brilhantemente construído Lester Burnham. Spacey se entrega ao papel e some nele, praticamente como Johnny Depp em qualquer de seus trabalhos. Atua na medida quando lhe é pedido e, na virada de seu personagem, Spacey extrapola seu talento. Soberbo. Poucas vezes o Oscar acertou tanto. Annette Bening também estava esquecida pela mídia quando retornou de maneira tocante ao estrelato. Sua Carolyn é também construída com precisão, ajudada pelo cinismo de Bening. A cada quadro seu, Bening demonstra como a sua personagem, bem comum, pode se diferenciar, chocando o espectador. Mena Suvari, apesar de ser um papel importantíssimo a trama, apesar de fazer o seu trabalho com destreza, não tem o impacto dos protagonistas. Wes Bentley desponta como um talento a ser visto a partir daquela época, com um papel difícil e bem executado por ele. Thora Birch também atua bem, mas como Suvari, é ofuscada pela beleza das outras atuações.

Mas o coadjuvante que realmente reina, o que pode se juntar a gama de talento dos protagonistas é Chris Cooper. Seu Frank Fitts, o pai machão, fuzileiro, típico chefe de família suburbano é fantástico. Suas cenas emocionam, sejam pela densidade do roteiro ou das comoventes lágrimas de Cooper. Se demonstrando uma jóia rara, Cooper foi injustiçado pelo Oscar, que não entregou seu prêmio, que eu daria como certo se tivesse visto o filme na época.

O roteiro de Alan Ball é majestoso. Seu trabalho de estreia tem a estrutura de um veterano, o arrojo de um novato e uma construção de personagens habitualmente ótima, como na maioria dos dramas. Mas ele foge do comum contando a história de cidadãos comuns. Seu protagonista é um derrotado patético, submisso a esposa e odiado pela filha. Sinceramente, nunca vi um herói tão arrojado quanto esse. Os sentimentos de Lestar, determinados pela bela narração em off de Spacey, são verdadeiros, algo que só uma pessoa realmente saturada da realidade poderia ser. Excelente, apurado e verdadeiro. Esse é o primeiro, melhor e talvez nunca igualável de Alan Ball.

Talvez não, nunca igualável. Quem cria True Blood anos depois não tem capacidade pra fazer obra-prima equiparável. Mas espero estar errado.

Uma pérola do cinema moderno, que irá arrebatar o mais ferrenho crítico, chateará o público dos fins de semana e irá ganhar mais status com o passar dos anos. Não duvido de daqui a 20 anos estar ouvindo de Sam Mendes e seu Beleza Americana. Uma obra marcante, que permanesce gravada no peito, no coração de qualquer um apreciador de cinema. Mendes já deixa sua marca corajosa aqui, o que é potencializado pelo ótimo porém inferior Foi Apenas um Sonho. E aqui agradeço a Kevin Spacey, por ter mudado meu conceito de personagens, por ter revirado meu senso crítico e, principalmente, por ter me ensinado vários sentimentos humanos nunca visto na telona. Gênio.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Diário de um Banana
(Diary of a Wimpy Kid, 2010)
Comédia - 94 min.

Direção: Thor Freundenthal
Roteiro: Jackie Filgo, Jeff Filgo, Gabe Sachs e Jeff Judah

Com: Zachary Gordon, Robert Capron, Chloe Moretz, Rachel Harris e Steve Zahn

Existem filmes ruins e existem atrocidades.Filmes ruins são aqueles que não funcionam: que são mal feitos, que encontram no meio do caminho uma série de problemas ou que apresentam um resultado final extremamente infeliz.Já as atrocidades são aqueles filmes que lhe dão raiva. Assim, curto e grosso. Seus olhos não conseguem captar tamanha imbecilidade, e seu cérebro tenta não processar as informações que o "filme" apresenta.

Diário de um Banana (dirigido por Thor Freudenthal) infelizmente se enquadra na segunda categoria. Na tentativa de retratar o livro de Jeff Kinney, optou por apresentar uma jornada de "herói", com todos os ditos passos para a consolidação de personagem.O problema é que o personagem do garoto Greg (vivido pelo fraco e pedante Zachary Gordon) é um dos protagonistas mais fracos da década. Retratado como uma criança-adulta, chatíssima e cheia de neuroses (quero ser popular é a principal) é um erro do começo ao fim. A interpretação de Zachary não ajuda também, já que o ator mirim retrata as aventuras de seu personagem (que são o "roteiro" do filme) com grau de seriedade que não combina com o tom de tentativa de sátira que o filme apresenta.


Tentativa sim, pois no frigir dos ovos, Diário de um Banana é uma cópia sem nenhum gosto da série de TV Malcolm (que chegou a passar aqui) sem o mesmo humor anárquico e bizarro da série. No filme, tudo acontece como uma grande jornada de amadurecimento modorrenta, tendo como "guia" um pedaço de queijo apodrecido jogado num canto do pátio da escola do garoto. O diretor usa e abusa das passagens de tempo ilustradas pela "evolução" do queijo podre. Algo que Alfonso Cuarón (só pra ficar no universo pop) ilustrou com grande felicidade em Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban. No filme do bruxo era uma árvore que servia como "relógio". Em Diário, o mal encarnado (e principal "aventura" do filme) é o fato dos alunos não poderem tocar no tal pedaço de queijo, com a pena de serem tachados como párias sociais.

Duas coisas: sim, é uma obra pré-adolescente, mas imagino que os garotos e garotas dessa idade não sejam tão tacanhos a ponto de comprar esse tipo de mote narrativo. O outro problema é que o filme reforça os estereótipos da escola moderna. Um campo de batalha selvagem, onde todos devem ser invisíveis para atravessarem os perigos do dia a dia. Revela que no fundo - ou nem tão fundo assim - o filme diz mais aos adultos do que a molecada.


Somos nós que cultuamos essa idéia doente de que a escola é uma piada ambulante ou uma série de provas complexas que formam nossos traumas, medos e alegrias eternos. Nos Estados Unidos, e seu interminável culto ao "ser popular" isso ainda é mais evidente.
Se o filme tentasse usar a força do cinema para discutir de forma ácida esse problema seria um tremendo sucesso. Como o preguiçoso diretor optou por apresentar o pseudo-crescimento de seu "herói", o filme entrou - muito embaixo - na vala comum dos filmes ordinários.

Recheado de piadas sem um pingo de originalidade e graça, o filme só não é pior - se é que é possível ser - pois apresenta em alguns momentos os traços do próprio livro original para ilustrar algumas passagens.

Conversando com gente que leu - ou conhece a obra - ficou claro para mim que o sucesso da publicação deveu-se a seu formato. O livro é um diário que cobre acontecimentos do dia desse garoto. Freudenthal e sua equipe de quatro roteiristas (Jackie Filgo, Jeff Filgo, Gabe Sachs e Jeff Judah) transformou cada pequeno evento comum em um épico de proporções gigantescas. Tudo é exagerado e se a idéia era ser engraçado e brincar com isso, foi muito mal sucedido.


O filme, no máximo gera risos nervosos e de vergonha alheia pelas situações. Notem a seqüência de dança ao som de Intergalatic dos Beastie Boys e tentem entender a necessidade daquilo. Qual o objetivo? Retratar o personagem mostrado como uma criança completamente bobalhona? Qualquer que tenha sido a idéia, falhou.

Outra falha gritante e irritante é a caracterização dos personagens como estereótipos estúpidos. Novamente, se estivéssemos falando de um filme satírico de alguma qualidade (South Park, a série de TV faz isso muito bem por exemplo) seriam tiradas inteligentes e uma fonte de piadas. Mas como tudo se encaixa num ambiente real e embalado pela jornada angustiada, os estereótipos só reforçam a má qualidade do texto.

Estão lá desde o irmão mais velho raso e acéfalo, os pais preocupados mais desligados, a menina que quer ser popular a todo custo (e que usa até trancinhas), a garota inteligente e "cool", aparentando ser muito mais velha que os demais (essa vivida pela atriz sensação: Chloe Moretz), o estranho garoto com problema de higiene e o amigo que não cresceu, que numa análise mais profunda, representa o que nós, mais velhos, imaginamos como o ideal para uma criança daquela idade.


Explicando melhor: o filme trata de crianças de uns 10 ou 12 anos de idade. Nós, e isso é visível em qualquer programa de TV ou jornal, vivemos vociferando que a infância de hoje é "adulta" demais. Tem preocupações e faz coisas (incluindo sexo) que quando tínhamos a idade referida nem imaginávamos ter. O que o filme apresenta é justamente um personagem assim. Uma criança, com defeitos de criança e que deveria brincar e se divertir. O problema do filme é que o garoto é mostrado como um ideal, como o verdadeiro herói.

Mais uma prova da falha medonha do roteiro. Imaginar em plena era da informação que as crianças sejam como éramos é de uma infantilidade atroz. É um traço de moralismo bobo e que tenta catequizar os mais novos mostrando que no fundo, bom mesmo é ser bobalhão e nunca crescer. Não que concorde com garotos e garotas mini-adultos (irritantes e metidinhos) mas elas são reflexo de nossas sociedades ocidentais, e por conseqüência direta de nós mesmos.

Ao apresentar esse tipo de análise sobre o ideal infantil, caímos no golpe do julgamento de valores que nós mesmos sofremos quando tínhamos menos idade. Ou você acha que sua mãe, ou seu pai acham mesmo que sua infância foi melhor que a deles?


Diário de um Banana, no contexto, presta um desserviço em várias esferas. Não funciona como comédia rasgada ou mesmo irônica. Ainda apresenta estereótipos infelizes que só ajudam a reforçar preconceitos e que nem dão graça e por fim tenta cooptar para a causa as crianças de hoje.

Bom ou ruim, certo ou errado, mas faça a seguinte pergunta a uma criança de uns 12 anos. O que ela prefere: mexer no ipod ou no computador ou brincar na rua? A resposta da imensa maioria é meio óbvia, pena que o filme não percebeu essa obviedade e se adequou.


segunda-feira, 23 de agosto de 2010



A Hora dos Sonhos

Quem tem mais de 20 anos consegue lembrar-se de um homem com chapéu, blusa de frio listrada de preto e vermelho, rosto deformado e garras em uma das mãos. Freddy Krueger foi um personagem que habitou o imaginário de crianças e jovens dos anos 80 e permanece como figura simbólica dos filmes de terror trash.
Atualmente, Samuel Bayer foi o diretor responsável pelo remake da trama “A Hora do Pesadelo” (“Nightmare on Elm Street”), que ficou em cartaz nos cinemas do Brasil durante o mês de maio.

Como esperado, a sala de exibição do filme não estava tão cheia como os destaques “Alice no País das Maravilhas” ou “Homem de Ferro 2”, mas o público-alvo estava presente. Grupos de jovens, alguns mais velhos que se arriscavam sozinhos para ver o homem que invade sonhos. Pipoca e refrigerante comprados, lugares ocupados e uma introdução longa começa a passar no telão. A sensação inicial foi demedo, mas, antes da metade do filme, isso mudou.
Krueger que invadia sonhos, sem palavras, sem desculpas e sem justificativas, agora dialoga com os adolescentes que persegue, se explica, conta sua “sofrida” história. As cenas clássicas, de tirar fôlego, foram remontadas de forma interessante, mas alguns acréscimos podem ser considerados desnecessários.
Corpos dos estudantes mortos no começo do filme voltam para assombrar os sobreviventes, desviando o foco do personagem principal. O pesadelo da Rua Elm começa a ter que se encaixar demais em uma estética nova, um mundo novo. Tudo tem que ter lógica e o “malvado” é inclusive trazido para o mundo real, para que os “mocinhos” possam se salvar.
Adaptar o filme para se tornar mais coerente para diferentes públicos é compreensível, se pensarmos no mercado cinematográfico, mas decepcionante para os que saíram de casa esperando algo mais de uma fórmula antiga de sucesso. Não podem deixar de ser dados os créditos à sonoplastia, que mantém a música aterrorizante e avisa da chegada de Freddy, além de interpretações razoavelmente esperadas para atores teens americanos.
enredo se torna confuso e foge do original em alguns pontos importantes. Krueger, que antes não deixava as crianças dormirem com medo, hoje só assusta.