quinta-feira, 31 de março de 2011


Charlie Chaplin


Ele simplesmente parou o mundo sem proferir, na tela, uma única palavra. Charles Spencer Chaplin, o menino prodígio de Londres, fruto de um lar em frangalhos (os pais se divorciaram quando ele tinha apenas três anos de idade, motivado ora pelas crises emocionais da mãe ora pelo alcoolismo desenfreado do pai), viu sua vida mudar aos cinco anos, quando subiu ao palco pela primeira vez para cantar Jack Jones. Com a internação da mãe no asilo Cane Hill, o garoto é mandado - pela amante do pai - para a Archbishop Temples Boys School. Após seu internato por lá veio a admiração pelo music hall onde, junto com o irmão, iniciou uma carreira lendária no show business.


Sua primeira turnê se dá na trupe de Fred Karno na década de 1910 onde, entre seus intergrantes, constava o comediante Stan Laurel, da futura dupla cômica O Gordo e o Magro. Foi da atuação nesse companhia que surgiu o convite de Mack Sennett para que ele ingressasse na Keystone Film Company (onde estreia no cinema com Making a living). Na Keystone, Chaplin criou o que se tornaria um dos maiores personagens da história do cinema mundial: o vagabundo Carlitos, um andarilho pobretão das ruas que, no entanto, possui todos os requintes e elegâncias de um membro da elite inglesa. Abriam-se ali as portas para um pioneiro do que as artes cinematográficas se tornariam.


Falar de sua filmografia seria assunto para muitas teses de doutorado ou livros comerciais, tendo em vista que Chaplin retratou, em suas películas, o melhor e o pior da Inglaterra e, em justa medida, do continente europeu. Entre suas inúmeras produções bem sucedidas - Luzes da Ribalta, O Circo, Tempos Modernos, Luzes da Cidade, O Garoto, Em busca do ouro perdido, Monsieur Verdux, O Grande ditador, fora os curtametragens antológicos do início da carreira - percebe-se a preocupação do ator, produtor, diretor, roteirista e compositor (sim, pois muitas das canções que se ouvem em seus filmes são de sua própria autoria!) de denunciar as mazelas e arbitrariedades dos poderosos, o que acabou levando a um interesse ferrenho do artista em montar sua própria produtora e manter, com isso, o controle criativo de seus trabalhos. Algo que seria alcançado com a criação da United Artists, junto com Douglas Fairbanks e outros atores da época).


Em 1992 o diretor Richard Attenborough dirigiu Chaplin, uma cinebiografia interessantíssima sobre o mestre do cinema mudo, tendo como protagonista o genial Robert Downey Jr. numa recriação de época exuberante. Uma película que eu recomendo em gênero, número e grau para aqueles que desejam entender um pouco da mente irascível e fascinante do eterno Carlitos. Outra fonte de informações excelente é a autobiografia do próprio Chaplin, Minha Vida, trazendo relatos fortes de sua carreira e de sua vida pessoal, dentre eles a derrota nos tribunais por um caso de paternidade não-confirmada, em que o ator não pôde usar o exame de DNA como prova para se defender.









Chaplin foi pop, reacionário, brilhante, brigão, contestador, gostava de ter a última palavra em tudo que trabalhava (sua discussão com Marlon Brando nos sets do filme A Condessa de Hong Kong já se tornaram parte da mística contraditória que envolve a sua genialidade) e, muito por conta disso, construiu muitas inimizades dentro da indústria cinematográfica. Porém, por mais que seus detratores queiram negar, o que seria do cinema como obra de arte não fosse o toque magistral e a inquietude desse dínamo da câmera e da arte de atuar? Gostem ou não, cinema sempre será classificado em antes e depois de Charlie Chaplin.

quarta-feira, 30 de março de 2011

Invasão do Mundo: Batalha de Los Angeles
(Battle: Los Angeles, 2011)
Ação/Sci Fi - 116 min.

Direção: Jonathan Liebesman
Roteiro: Christopher Bertolini

Com: Aaron Eckhart e Michelle Rodriguez

Antes mesmo do logo da Columbia Pictures desaparecer no fade-out que precede o primeiro fotograma de Batalha de Los Angeles , já escutamos aquele som típico dos longas de Rolland Emmerich: algum jornalista alegando um desastre sem precedentes em algumas regiões do planeta. Então, quando o filme de Jonathan Liebesman realmente começa, somos jogados em um redemoinho de imagens tremidas, dentro do foco do desastre, para depois sermos enviados ao arco que interessa ao filme - um helicóptero recheado de marines que sobrevoa uma área onde naves alienígenas caem aos montes. Gerando uma tensão interessante, o título aparece em tela numa imagem aérea épica e desoladora. Tudo fica preto. Então o filme começa de fato. E não demora mais que um minuto para ter-se idéia da hecatombe nuclear que Batalha de Los Angeles realmente é.



Dentro desses poucos minutos de filmagem interessante e agressiva, fomos claramente enganados, mas talvez seja apenas uma dose irrelevante de enganação comparada a daqueles que aguardavam euforicamente pelo filme - criando um hype que se revela obviamente falso - devido aos trailers bem montados e cartazes no mínimo criativos. Perante a película, porém, não há como ser enganado - a babaquice de níveis estrondosos que essa produção mostra ser, não pode se esconder de ninguém. Um erro em cima do outro, tudo que poderia implodir qualquer filme, foi introduzido á mistura, e o mínimo que poderia dar certo, foi elevado a níveis de uma overdose fatal.



Explico. Batalha de Los Angeles utiliza uma trama extremamente simples - dignas de filmes de Michael Bay ou Rolland Emmerich - mas extrapola qualquer ponto, não usa nenhuma medida para estacionar sua cotação em apenas ''ruim'', não controla qualquer perímetro de qualquer que seja o aspecto, resultando numa verdadeira catástrofe. Os clichês de Bay e sua excitação com o exército americano - o diretor de Armaggedon deveria ter sido um pseudo-personagem tipo Tio Sam, e não um cineasta - se fazem presente de maneira exponencial, e Jonatahn Liebesman mostra seu apreço incondicional ao ridículo. A máxima antológica do sargento batendo continência em frente à bandeira americana, é, acreditem, uma das passagens patrióticas mais leves do filme. A saudação aos marines é intensa, sufocante, angustiante de tão inflada. Assim como outros pontos do filme, esse nacionalismo inchado, que em dosagem baixa pode até ser engraçadinho, se torna nocivo com o passar do tempo de exibição .


E se Jonathan Liebesman tem um amor incondicional ao exército americano - mesmo sendo sul-africano - parece não possuir tanto apreço a materiais básicos e essenciais para a vida de qualquer cineasta - como um mero tripé, por exemplo. É a única explicação para tamanho descaso e desuso de qualquer apoio ou sustentação de sua câmera. Talvez seja mais fácil encontrar diálogos decentes no filme - e olha que esta é uma tarefa árdua e complexa - do que apontar um take estático que seja. Nada contra a câmera na mão. Quando bem usada, é fundamental para a respiração de um filme, como na urgência brilhante da câmera de Lee Daniels em Precious, para citar algum exemplo mais recente . Mas aqui, Liebesman exacerba. Demais.



Não é mera implicância, o projeto de diretor faz Michael Bay parecer cauteloso em seus cortes se comparado ao seu modo de filmagem em Batalha de Los Angeles. A urgência em alguns pontos é adequado. Usar o leve tremor da câmera e zooms intimistas em conversas descontraídas e nada importantes é, no mínimo, inadmissível. Sem falar que esses mesmos zooms intimistas acabam proporcionando um ar documental - e nem preciso dizer que tentar enxergar algo documental no exagero maniqueísta que Batalha de Los Angeles é simplesmente estapafúrdio. Pra encurtar, Liebesman usa câmera na mão o filme todo, perde qualquer potencial dessa técnica ao empregá-la durante modorrentos 116 minutos, e ainda de quebra deixa seus espectadores com dor nos olhos .


Mas se havia algum ponto que poderia dar certo no longa, talvez fosse a diversão de um filme de pancadaria entre aliens e humanos. Entra em cena aí, então, o outro carrasco de Batalha de Los Angeles : Christopher Bertolini. O cidadão que criou o script do filme - não acho que chamá-lo de roteirista seja prudente - deve possuir sérios danos mentais ou então fez o roteiro (roteiro?) para curtir com a cara do sagaz espectador. Aposto numa terceira opção, a pura falta de compreensão do que é bom, do que é ruim, e do que é desastroso. O último adjetivo, aliás, é perfeito para caracterizar o... Err... Hmm... roteiro, de Bertolini. Como um adolescente com ejaculação precoce, Bertolini inicia a pancadaria sem fim com uns 20 minutos - se muito - de filme. Pelos meus cálculos, tirando créditos, são mais de 95 minutos de pura ação, correria, tiroteio, explosões, etc.



Obviamente, em 20 minutos ele não explora adequadamente os personagens - e pelo o que o filme se propõe, isso nem era necessário - mas faz questão de colocar letreiros com nomes das personas quando elas aparecem - tomando a inteligência do espectador pela burrice que apodera sua mente. E no que se refere a esse espaço de pancadaria que toma conta da maioria do filme, deve-se dizer que, mais uma vez, há o claro exagero. Mesmo aquele que é mais aficionado por ação, achará Batalha de Los Angeles insuportável. Até determinado ponto, a loucura da batalha sem fim parece palatável, mas a partir de um determinado momento - principalmente nos 40 minutos finais - tudo começa a ficar extremamente enfadonho, cansativo, repetitivo e sem a menor graça. Ter sono nessa parte, e se sentir perdido, sem foco e sem atenção, não é difícil.


Tomando exagero e extrapolação como palavras de ordem básicas, Batalha de Los Angeles vai além de qualquer limite que qualquer cineasta ruim já teve. E se vai além no aspecto do absurdo, da ruindade, não tem nem a vergonha na cara de ser escrachado - como Michael Bay e Rolland Emmerich tantas vezes fazem. Não tem aquele ar de descontração dos filmes de Bay, por exemplo. Leva-se a sério, e isso culmina com uma sensação perversa, mas verdadeira: a de que estamos assistindo a uma sátira de filmes de guerra , no estilo Trovão Tropical.



Não se espante se não perceber o quão ofensivo é o filme enquanto o está assistindo. O teor exacerbado é tanto, que só adquirimos consciência de seu ultraje a nossas mentes quando ele se encerra. Catarticamente, percebemos o terror que assistimos de maneira hipnótica. A sensação é de ter sido estuprado, não por um alien, mas por todo um pelotão americano patriótico. Agora, não sou eu que estou exagerando. É só o resultado do crime de Jonathan Liebesman, um verdadeiro violentador de mentes e de qualquer senso de sanidade intelectual.


terça-feira, 29 de março de 2011

Bellini e o Demônio
(Bellini e o Demônio, 2009)
Thriller/Suspense - 85 min.

Direção: Marcelo Galvão
Roteiro: Marcelo Galvão

Com: Fábio Assunção, Nill Marcondes, Mariana Clara e Rosanne Mullholland


Será difícil encontrar outro filme tão estranho quanto esse Bellini e o Demônio, pelo menos entre os lançamentos nacionais dos últimos anos. Sequência da aventura noir Bellini e a Esfinge, esse Bellini e o Demônio é elíptico, confuso e complexo.


O detetive Remo Bellini(Fábio Assunção) é um homem perturbado por alguma doença (ilustrado pela quantidade de remédios vista em sua casa) e que vive em condições precárias. Amontoado em um sofá, sujo, sem nenhuma vaidade e sem clientes. A história segue o personagem por idas e vindas no tempo - e em sua cabeça, aparentemente - enquanto ele investiga o desaparecimento de um livro ligado ao famoso ocultista Aleyster Crownley e mortes provocadas por alguém que quer encontrar o livro, ou destruí-lo.


O filme é confuso e mistura realidade com imaginação amparada por uma montagem estilosa, mas que não é ajudada pelo amadorismo com que o filme foi realizado. A impressão é de que a produção ficou a cargo de estudantes do primeiro ano de cinema de uma universidade qualquer. Erros primários de enquadramento, a câmera que insiste em se mexer quando o espectador percebe claramente que a idéia não era se mexer, direção de arte pobre - mesmo com poucos cenários utilizados - e fotografia risível.



Juro que tentei entender qual era a idéia por trás da estética do filme, mas não encontrei nenhuma justificativa. Se alguém souber, por favor, comente ai embaixo.


Mais o problema mais sério é que o filme não decide se é um delírio ou uma investigação policial soturna. Não se decide entre o "giallo" e o horror setentista. Quando opta por misturar não é bem sucedido. Os últimos minutos são uma tortura ao espectador que não consegue - literalmente - entender o que se passa. Os dois policiais aparecem e somem sem o menor sentido e nunca fica claro sua real função no filme.


Os filmes não devem entregar as soluções mastigadas aos espectadores, mas que façam o mínimo de sentido. Bellini e o Demônio não faz sentido, e apela para o final aberto para "resolver" suas situações.



Tudo é fruto de sua imaginação impressionável? Ou algo visto em tela realmente aconteceu? Se aconteceu, que trechos? E como?


Ao escolher a saída da abstração, o diretor Marcelo Galvão deixa seu público perdido mesmo auxiliado pela boa composição de Fábio Assunção transformando Bellini em um viciado perturbado por seus próprios fantasmas. Os demais coadjuvantes andam na corda bamba entre o realismo e a completa caricatura, o que enfraquece ainda mais o filme do detetive.

segunda-feira, 28 de março de 2011

Sucker Punch
(Sucker Punch, 2011)
Ação/Fantasia - 109 min.

Direção: Zack Snyder
Roteiro: Zack Snyder e Steve Shibuya

Com: Emily Browning, Abbie Cornish, Jena Malone, Vanessa Hudgens, Jamie Chung e Carla Gugino

Que o diretor Zack Snyder tem em suas principais qualidades o talento nato para a excelência visual , isso não é novidade para ninguém - pode até não ter sido o criador da câmera lenta acelerada , mas foi com certeza o cineasta que melhor a aperfeiçoou para uma estilística tão cool. Um esteta como poucos, Snyder herdou dos videoclipes essa sensibilidade e modernismo , e conseguiu os inserir de maneira estupenda em produtos que continham material intelectual pré-existente. Foi assim nas batalhas plásticas de 300 , nos belíssimos cenários e coreografias de Watchmen. Mas atacar Snyder talvez fosse tão fácil quanto se encantar com seu desbunde técnico - e se ele não tinha dedo no script de seus filmes, sobressaía-se com êxito no seu modo de filmar. Agora , seu recente - e já controverso - projeto, Sucker Punch, chega ás telas do mundo todo .


Sendo este novo filme o primeiro projeto tirado por completo da cabeça do realizador , pode ser considerado um mínimo avanço narrativo para o diretor. Snyder busca em Sucker Punch um caminho de transição , mas principalmente uma busca por consolidação de identidade. Este, afinal , não é um filme que vem para reinventar a roda , mas sim para trabalhar o lado visual tão original de Snyder, em cima de um material de sua autoria. Um filme de gestos, de texturas visuais, assim como tantos outros, mas que se aceita assim por ser justamente calcado com simplicidade proposital no intelecto narrativo. E já fique avisado quem chama Snyder de clipeiro - aqui o diretor abre o peito para receber esse tão injusto rótulo, e faz os detratores engolirem o tom pejorativo.



A trama conta como Babydoll (Emily Browning) uma garota órfã , que é colocada num hospício pelo padrasto, e lá , corre o risco de sofrer uma lobotomia. Para fugir deste destino nada agradável, a jovem entra em um universo fantasioso numa busca para escapar do sanatório onde foi colocada. Para tanto , ela vai utilizar da ajuda das também fugitivas Sweet Pea (Abbie Cornish), Rocket (Jena Malone), Blondie (Vanessa Hudgens) e Amber (Jamie Chung).

O roteiro de Sucker Punch é simples , e tem como principal trunfo assumir essa simplicidade. Não é uma esfinge, nada mui elaborado ou complexo , mas que apresenta alguns conceitos e conexões narrativas ousadas -e por isso talvez tão rejeitadas mundo afora - no cinema. O foco aqui é no fetiche do escritor/diretor , e na explosão de idéias que o mesmo queria colocar em seu longa metragem. Cabe ao script basicamente achar esses possíveis espaços para onde encaixar tantos cenários diferentes, e tanta ação de variados tons. E o estratagema criado pro Snyder é muito interessante, pois gera diversas camadas de realidades - algo como em Inception , mas troque o termo ''sonhos'' por ''representações''.



Essas realidades, sobrepostas , tornam possível a compreensão da história , focada na fuga das meninas, em uma aventura de proporções apocalípticas. Mas é claro, incontáveis pessoas estenderão o dedo para atacar as frenéticas cenas de ação - que parecem e muito saídas de um videogame tresloucado - e culpar Snyder pela aventura aparentar ser tão rasa em suas motivações . '' Qual o sentido de tudo isso? Puramente desnecessário ''. Confesso que isso chegou a passar pela minha mente durante a exibição , mas logo que se tem entendimento de que aquela é a proposta do diretor, tudo vale à pena - principalmente se os personagens tiverem carisma suficiente para manter o interesse do espectador, o que é o caso aqui.


Contudo, se Sucker Punch pode parecer vazio em mensagem em primeira análise, podemos retirar boas conclusões sobre alguns itens. Ao contrário do que muitos possam imaginar ,este não é um filme com discurso machista. Talvez um filme feito para homens - até porque assistir á Emily Browning, Abbie Cornish e Vanessa Hudgens é um alento ao olhar masculino - mas com um discurso completamente feminino. Ora, cada dança erótica , vista por muitos como vulgar, é uma verdadeira batalha dentro da mente das meninas. E se Snyder consegue fazer um grupo de garotas andarem de um modo que nos remeta a Reservoir Dogs , já é uma conquista grandiosa.



Mas num filme onde o fetiche e os conceitos visuais são tão importantes , a linguagem de diretor de Zack Snyder não poderia faltar. E por mais que no início ele utilize closes de maneira levemente dura, no restante da exibição o cineasta se mostra muito á vontade, principalmente nas cenas de ação. Planos sequência insanos, travellings de câmera impossíveis , e até alguns tiroteios com direito a cortes mais ágeis - algo antes não experimentado por ele. Aqui o cineasta assume o estilo clipeiro, e faz isso de maneira literal - o longa se assemelha a uma colcha de retalhos de videoclipes em determinados pontos, com música não-diegética rolando a todo instante. E é preciso dar o braço a torcer a esse estilo peculiar, quando por exemplo, o diretor faz toda uma introdução ao filme sem que seus personagens profiram uma só palavra. Funcional e original, Snyder nos ganha de vez já nesse primeiro momento.


E ele ainda reserva mais espaço para sua cinematografia em tela. Se digo que Sucker Punch é uma obra que auxilia na formação de uma identidade mais bem modelada de Snyder, não é de graça - sobram referências e auto-homenagens, principalmente envolvendo Watchmen. Detalhes, mas que servem para marcar bem a imagem de Snyder. Partindo de uma cena de enterro chuvosa, passando pela música de Mozart usada no desfecho de Watchmen, e culminando até na formação de personagens - ou Carla Gugino faz uma persona polonesa por pura coincidência?



Numa freqüência acelerada que se diferencia do modo de se fazer cinema em geral - algo que remete muito a Scott Pilgrim - Sucker Punch só não alcança a pontuação máxima dentro de suas limitações, graças a uma incômoda tentativa de passar uma mensagem pseudo-filosófica desnecessária ao final, que tira um pouco o foco do longa. Um defeito mínimo dentro de um filme que auxilia na consolidação da identidade de Zack Snyder como um dos melhores estetas de hoje em dia. E se não é ainda seu filme essencial de méritos narrativos, é um bom começo para o cineasta, que tem tudo para que essa característica floresça nos seus próximos projetos originais, acoplados, é claro, de suas façanhas visuais.


domingo, 27 de março de 2011

Catfish
(Catfish, 2010)
Documentário - 87 min.

Direção: Henry Joost e Ariel Schulman


Muita gente vai dizer que Catfish não pode ser real. Que em algum momento da trajetória do filme, alguma coisa foi armada para funcionar cinematograficamente bem. Que é impossível que todos os detalhes e situações terem acontecido tão perfeitamente.


Honestamente, não importa.


Mesmo que tudo em Catfish for uma mentira, não deixa de ser um dos grandes thrillers de 2010. Diferente de grande parte dos filmes de ficção que se vendem como tal, Catfish realmente consegue deixar o espectador tenso e ansioso por descobrir respostas.

Catfish parte do fotografo Yaniv Schulman que ao receber uma pintura baseada em uma de suas fotografias, fica impressionado e começa a se corresponder com a artista. No caso, uma garotinha de oito anos chamada Abby. Logo, Yaniv começa a conversar com sua família - sua mãe, seus irmãos e uma meia irmã chamada Megan, uma linda loira e com diversos dotes artísticos.



Logo, uma "paixão platônica" surge entre os dois e Yaniv parte em busca de conhecê-la.


Só vou dizer isso sobre a história do filme, mas que fique claro ao espectador que Catfish é um dos maiores suspenses/thrillers do século vinte um e tem um dos finais mais arrebatadores que já vi. Como li comparações por aí, é o filme hitchcockiano que o gordinho careca não fez e o mais importante filme já realizado sobre a nossa relação com a realidade virtual e as mídias sociais.


Como o leitor perspicaz deve ter percebido, não existe um - digamos - final feliz, mas uma constatação cruel e muito real sobre nossa vida real e virtual.



A direção é compartilhada entre Henry Joost e o irmão de Yaniv, Ariel. A montagem é brilhante e se aproveita dos elementos das redes sociais como elementos de cena. Quando Yaniv parte em sua busca por Megan, vemos o trajeto sendo mostrado no Google View, o mesmo quando ele quer descobrir como é a casa de sua futura pretendente. Cada vez que quer ver Megan, o filme mostra sua página no facebook, ou vídeos no Youtube.


Tudo é perfeitamente sincronizado com o tema do filme e nunca soa gratuito.


O mais incrível é que um filme que começa absolutamente banal e até bobo - quem tem interesse em acompanhar um homem babão correndo atrás de uma garota "virtual" - transforma-se num brilhante estudo sobre a condição humana frente à frustração e tecnologia.



É complicado escrever sobre Catfish sem "estragar" a grande graça da história que é essa descoberta de cada passo dos documentaristas. Toda a narrativa baseia-se nessas situações e é delicioso acompanhá-las. E tudo isso via documentário, com gente real passando por situações reais.


Nessa era onde TUDO vira viral, ou vídeo no Youtube, Catfish é importantíssimo, pois cria a partir do egocentrismo de sua origem (acompanhar a correspondência entre o fotografo e a garota pintora) uma história poderosa e perturbadora.


Catfish é daqueles filmes que devem ser assistidos em completa atenção, como todo grande suspense, e após as revelações surgirem na tela, revisto para apreciarmos novamente os detalhes das relações entre aquela gente.


Um verdadeiro triunfo e dos mais importantes relatos documentais no novo século. Moderno, e importante.

sexta-feira, 25 de março de 2011

Pânico na Neve
(Frozen, 2010)
Thriller - 93 min.

Direção: Adam Green
Roteirista: Adam Green

Com: Shawn Ashmore, Emma Bell e Kevin Zegers

Filmes independentes de baixo orçamento são uma grande aposta de cineastas com recursos cinematográficos limitados ou uma idéia criativa e barata na cabeça para realizar seus debutes na direção. Chris Kentis realizou sua estréia na função - Mar Aberto - justamente nesse contexto. Daniel Myrick e Eduardo Sanchez criaram a mitologia de Bruxa de Blair e contribuíram ao cinema independente de maneira devastadora, trazendo o gênero do mockumentary ao terror, honrando a tradição da tensão de exemplares como O Exorcista e O Bebê de Rosemary. Oren Peli, recentemente, abusou da boa vontade do público ao tentar recriar o efeito de Bruxa para a nova geração, sem sucesso crítico (embora financeiro). Rodrigo Cortés comprou sua entrada em Hollywood realizando seu esplendoroso Enterrado Vivo com essa mesma ideologia, em apenas um cenário.



E Pânico na Neve insiste justamente nesse modo de narrativa. Situado em apenas um local, em parcos 5 cenários, o filme tenta se apoiar na tensão desesperada em takes engenhosos e atuações desesperadas de seus protagonistas. Mas se em Enterrado Vivo, uma aula de tensão recente, temos a atuação vitoriosa de Ryan Reynolds, aqui temos que contar com Emma Bell, Kevin Zegers (egresso de Transamerica e Bud-O Cão Amigo) e Shawn Ashmore, o Iceman do X-Men. A questão diferente em Pânico na Neve, porém, é que Adam Green, roteirista e diretor, não é um novato em questão e nem teve essa sua idéia vendida como revolucionária, como geralmente acontece com esse tipo de filme. Seu roteiro depende demais das atuações dos envolvidos, que são limitados. Fora que Adam Green não é um sujeito conhecido por ser um mestre da tensão, tendo em seu currículo a série Hatchet.



A trama dos 3 amigos que ficam presos no teleférico do Esqui por uma semana, na neve e com lobos lá embaixo, é bastante pobre, mas de uma iniciativa calcada na tensão. Nesse tipo de filme, a limitação é visível e reconhecê-la é a chave para uma narrativa eficaz. Enterrado Vivo apostava no subtexto político para criar um roteiro inesquecível, enquanto Mar Aberto, além de ter uma trama com desenvolvimento impecável a ponto de torná-la possível aos olhos do espectador, apostava na ligação emocional com seus protagonistas. Porém, Pânico na Neve usa as limitações não por falta de dinheiro, mas por falta de criatividade de seu criador. Sem criar um atrativo suficiente pra tornar seu filme algo além do mediano, Green abraça a catarse com uma confiança tão grande que faz, pelo menos, com que os vazios 95 minutos de projeção passem de forma rápida (e bem tensa).


O roteiro raso de Green abusa de qualquer coerência com a realidade em prol da taquicardia. E, por mais que seja extremamente estúpido, é de uma engenhosidade incrível. Se é possível incomodar-se com o fator absurdo que leva os 3 a se meterem naquela confusão, é só levarmos em conta que a inteligência dos mesmos é abaixo da ignorância. E ainda tem o "idiotizante" motivo que Green usa para justificar o sumiço do trabalhador que cuidava da estação. Decisões narrativas, como a escalada do cabo, se tornam demoradas e ficam apenas pro final, sendo substituídas por inacreditáveis soluções como a queda voluntária do teleférico, apenas para inchar a narrativa. Sendo assim, qualquer erro é permitido dado que não são as situações que se resolvem mal pela falta de inteligência dos personagens. A ignorância deriva do diretor/roteirista. Só assim se explica como 3 esquiadores desceram no exato momento que não podiam e como lobos só chegam quando prevêem que alguém tentará descer.



Até aí, seriam defeitos fatais. Porém, a engenhosidade citada é provada pelo atropelado modo que Green filma o "pré-tensão". Ainda que abuse de uma linguagem pouco original de criar tensão, como a filmagem em close das engrenagens do teleférico, a sucessão de erros do filme é apenas colocada ali pra pular para a adrenalina de uma vez. Espanta-se até que demore cerca de 10 minutos para a trama começar. Green não tem o mínimo talento para diálogos ou situações realistas (e reconhece isso bem), criando diálogos completamente dispensáveis que parecem estar ali apenas para evitar o silêncio dos envolvidos. Cheio de pressa, o diretor não deixa que os personagens tenham alguma qualidade para o espectador se importar. E os diálogos não mudam nem mesmo no teleférico, em que a tensão dos envolvidos se dá apenas por rostos chorosos ou desesperados (ou pelas pavorosas falas). Atente, por exemplo, para o monólogo sobre o cachorro de Parker (Emma). Ainda que bonito, é de uma cretinice tremenda.


Percebe-se então que Green quer mesmo é pular o que não sabe fazer, o desenvolvimento até a tensão. Mas se o público parece apenas conformado em acompanhar o teleférico até a metade do filme, ocorre um evento decisivo que desmascara totalmente as ambições de Green. Criado no cinema Gore, da já citada "franquia" Hatchet, Green fica claramente mais á vontade no meio da sangueira e das vísceras. E se analisarmos os grandes exemplares desse gênero independente de suspense, gore é o que menos importa. Porém, Green vai na contramão e filma cada detalhezinho mais pesado de sua produção com uma violência gráfica explícita. Em certo ponto, o diretor filma os ossos expostos de uma perna em super-close. Em outro, filma um corpo em decomposição com a câmera acima dele. Até mesmo congelamentos o cineasta faz questão de filmar de maneira exagerada. Sendo assim, é complicado saber se Green faz uma introdução totalmente apressada para chegar á tensão ou se é para mostrar umas vísceras de fora. E se analisarmos Hatchet I e II(que tem um machado no cartaz), temos a resposta.



Desafiador seria então enquadrar Pânico na Neve em uma categoria apenas. A trama propõe um suspense desesperador e claustrofóbico, enquanto seu diretor prefere ser um sub-Eli Roth e esperar pra filmar violência gráfica. Já o final da projeção comete um erro idiota ao colocar o letreiro final de forma abrupta, como se quisesse chocar alguém (coisa que não funciona, já que o final depende de ligação emocional). Os diálogos criam os laços necessários emocionais, sem ter originalidade, fazendo o feijão com arroz. E a tensão está presente na película inteira, sem decepcionar os fãs.


Assim, Pânico na Neve é catártico pela catarse, colocando em jogo qualquer conexão com a realidade em prol da tensão e das tripas de fora. Entretenimento para os sádicos, divertido e bem executado. E apenas isso. Ainda que o final tente emular a angústia emocional de um Mar Aberto, por exemplo, não funciona pelo contexto em que Green filma. O diretor simplesmente se contenta em fazer o básico. E isso, nem sempre, é demérito grave.


Frozen, constata-se, está mais para Jogos Mortais e Premonição do que para Enterrado Vivo. Não se engane. Adam Green cria a tal tensão que propôs, mas só quer ver o banho de sangue. Se bateu crise de coincidência no seu final humanizado, aí é outra história. Mas nos autos dos mestres do suspense, o cineasta não entra.



quinta-feira, 24 de março de 2011

Waiting for Superman
(Waiting for Superman, 2010)
Documentário - 111 min.

Direção: David Guggenheim
Roteiro: David Guggenheim e Billy Kimball



Um grande documentário tem alguns requisitos básicos para funcionar. Ele precisa ser relevante, e caso seu tema a principio não parecer nada interessante, transformar essa idéia em um filme que faça o espectador assisti-lo até o final sem se sentir desinteressado. Dessa forma uma idéia mediana (como Catfish, por exemplo, ou a beleza de A Marcha dos Pingüins) pode se transformar em uma excelente experiência cinematográfica.


Em teoria, o cinema de ficção também deveria seguir essa "fórmula": bons temas+realização competente, mas sabemos que existe uma indulgência com as historinhas de mentira. Um doc. só funciona mesmo, se for realmente interessante, e mais, só chega as pessoas se for quase perfeito, pois a distribuição da produção dessa natureza ainda é fraca e ineficiente.


Waiting for Superman alia as duas condições principais para esse sucesso. O tema - pelo menos aos americanos - é relevante: a condição das escolas públicas do país. Aqui, na "bananolandia" onde a situação é ainda pior, talvez possamos olhar essa idéia com certo preconceito. Ai entra a segunda condição para a criação de um bom documentário e que faz aos olhos de qualquer um (inclusive aos bananoanos), Waiting for Superman se transformar em um excelente filme.



Em vez de apostar no blá-blá-blá tecnocrático, a linha principal da narrativa começa e termina com cinco crianças de diferentes lugares dos Estados Unidos que precisam encontrar um lugar para estudar. Cada um a sua maneira, todas acabam tendo de se sujeitar a uma humilhante loteria para conseguirem uma vaga em uma das escolas mostradas no filme. Dessa forma, David Guggenheim (o mesmo de Uma Verdade Inconveniente) consegue transformar uma discussão teórica e completamente alheia a quem não vive essa situação em uma história humana e por conseqüência global.


Impossível não ficarmos tocados com as mães e pais tentando dar seu melhor para proporcionar as condições mais dignas a seus filhos ou indignados com o jogo de poder que transforma as chances daquelas crianças (e a grande sacada é essa, focar em gente que o espectador viu, para exemplificar as situações do filme: essa situação vai prejudicar o pequeno Francisco, por exemplo) em serem bons profissionais em um oceano de incertezas.

Guggenheim sabe que tem um tema espinhoso em mãos, e inteligentemente não aponta lados, e ataca os republicanos e democratas da mesma forma. Felizes são as inserções gráficas - todas de bom gosto - que explicam alguns dados e apontam as graves falhas desse sistema.



E o mais incrível, e que me lembrou demais Hoop Dreams (um dos maiores documentários da história do cinema americano), é seu clímax humanizado, que aponta suas câmeras para as crianças e seus pais e as observa em seu martirio em busca das vagas. É de cortar o coração.


Um filme interessante, que apresenta alguns heróis públicos - como o educador Geoffrey Canada - e principalmente privados (os pais das crianças). Waiting for Superman, não quer resolver os problemas da educação do país, mas se coloca na posição de espectadores da situação. Aponta as falhas, mas não investiga as soluções. Se analisarmos o que o filme pretende ser, não podemos encarar isso como uma falha, mas como uma tentativa de humanizar uma situação muito polemica sem escolher um lado.

Guggenheim está em cima do muro, talvez por não souber em quem ou em que acreditar. Opta por dar o crédito a quem está no poder - no caso a supervisora de educação de Washington, Michelle Rheh, transformando-a em uma "lutadora" - ao invés de criticar abertamente os antecessores. Opta ainda por dizer - isso de forma aberta - que as chamadas escolas "experimentais" são melhores e que seus filhos deveriam estudar lá. No entanto, as vagas são poucas e o tal sorteio é necessário.



Dúbio, e incomodo, mas ganhando muitos pontos pela mensagem emocional, Waiting for Superman é um olhar humano sobre uma situação burocrática. É um olhar de pai sobre uma situação incomoda e desesperadora para muitas famílias. Não chega a ser brilhante em seu intento, mas pelo menos cria uma discussão que poderá ser aprofundada por alguém disposto a propor soluções, já que a visão dos relés mortais Guggenheim já apresentou.