terça-feira, 31 de janeiro de 2012


Project X



O primeiro trabalho com estética documental de um gênero que não seja terror ou ficção científica apresenta uma boa prévia inicial, que consegue mesclar de forma inventiva a atmosfera de uma festa adolescente com um nível de urgência que soa bem novidateiro aos exemplares atuais de filme voltado para o público jovem. Produzido por Todd Phillips (como os créditos do trailer fazem questão de ressaltar), o projeto promete justamente trazer um frescor novo a ambas as iniciativas: a de filmes como Cloverfield e Atividade Paranormal até Trabalhos como Superbad. Uma censura R, a mais alta americana, também dá uma promessa firme de sexo e palavrões em que o sub-gênero não está acostumado. Mistura de politicamente incorreto e festa liberada até as últimas consequências, Project X deve cumprir sua própria natureza despretensiosa.




segunda-feira, 30 de janeiro de 2012


Jovens Adultos



A primeira prévia da nova Parceria entre o diretor Jason Reitman e a roteirista ganhadora do Oscar Diablo Cody resulta numa reunião dos estilos de ambos os profissionais envolvidos. Aliando a fotografia limpa e os enquadramentos sóbrios de Up in the Air ao texto esperto e o desenvolvimento de personagens de Juno, Young Adult parece ser uma volta de Reitman para o longa mais descontraído, o que foge do estudo de personagem repleto de cinismo do filme com George Clooney. Com uma Charlize Theron que parece limitar sua composição a uma borrada maquiagem e as expressões irônicas de Juno, o trailer faz rir e apresenta uma boa montagem, mas parece não casar muito bem com a identidade de estudo que Reitman criou em Up in the Air e no excelente Obrigado por Fumar. A conferir para a temporada de Oscar, na qual o diretor é benvindo desde Juno.





domingo, 29 de janeiro de 2012

J.Edgar

J.Edgar
(J.Edgar, 2011)
Drama - 137 min.

Direção: Clint Eastwood
Roteiro: Dustin Lance Black

Com: Leonardo DiCaprio, Armie Hammer, Naomi Watts e Judi Dench

Quando a decepção vem de alguém que admiramos, parece que ela ofende mais. Talvez se J.Edgar fosse dirigido por um cineasta qualquer não me sentiria tão irritado com o filme. Se o diretor fosse outro, que não Clint Eastwood, talvez até entendesse melhor algumas ideias do filme, ou suas intenções. Mas, vindo de alguém que está a tanto tempo no cinema e que é responsável por uma serie de grandes trabalhos, J.Edgar é sem dúvida um dos filmes mais patéticos do ano (sim, e estamos só em janeiro).

Apostando na frágil ideia de contar a historia de seu personagem principal a partir de flashbacks do mesmo enquanto narra seu passado no intuito de contar suas memórias, J.Edgar é um convite a irritação e ao incômodo.

Irritação causada pelo frágil, covarde, raso e reacionário roteiro assinado por Dustin Lance Black (surpreendentemente o mesmo autor de Milk, que é o oposto na questão de ousadia) que usa a ideia dos flashbacks como muleta para evitar tocar em feridas mais doloridas, como a perseguição doentia de Hoover a Hollywood, sua alegria quase orgástica ao descobrir os podres dos poderosos e sua moral doentia e hipócrita. Não que o personagem seja apresentado como um herói, mas as cores que Eastwood pinta Hoover são suaves demais para o personagem mostrado. É como fazer um filme sobre Genghis Khan e mostrar os massacres feitos em sua conquista, justificando-os como "mas ele tinha, no começo, um ideal honesto".


Claro que o FBI, e as policias mundo afora tem uma divida com Hoover, já que foi a partir de seus esforços que as digitais e os métodos de analise forense foram incorporados ao dia a dia das investigações policiais. Mas, novamente usando o subterfúgio do flashback contado pelo biografado, o filme perde uma enorme chance em mostrar o ponto de vista do próprio Hoover em relação a momentos mais questionáveis de sua vida. Outro problema até de caráter moral é o filme claramente colocar o presidente americano Richard Nixon como alguém pior do que Hoover em determinado momento da projeção. No mínimo, e sendo muito, mas muito gentil com ambos, são farinhas do mesmo saco, dois personagens nefastos da história americana.

Já o incomodo surge pela maneira caricata com que o relacionamento dele e de seu amante Clyde Tolson (Armie Hammer) é mostrado. Ok, compramos a ideia de que Hoover jamais se assumiu homossexual, compramos também o fato de que sua adoração pela mãe (que rende momentos de profundo mau gosto, com Hoover experimentando as roupas da própria mãe falecida) fazia com que ele tivesse um medo brutal de sentir-se dessa forma, mas mesmo assim é impossível comprar a relação distante e platônica entre os dois. Não é possível crer que em um relacionamento de mais de trinta anos, ambos permaneceram castos.

Por outro lado é impossível negar que Hammer, está muito bem como Tolson. Seguro, intenso e mesmo brutalmente atrapalhado por um dos piores trabalhos de maquiagem recentes, ainda assim consegue sair-se bem. O mesmo não pode ser dito de Naomi Watts, aqui vivendo a secretária de Hoover, que é uma mera figura decorativa, que nunca se impõe, aconselha ou mesmo surge como ponto de equilíbrio para o famigerado personagem. Sempre que está em, tela, Helen Gandy parece ser uma empregada do início do século XX, que mesmo relutante serve a seu senhor sem pestanejar. Falta conflito, falta intensidade. O mesmo problema da brilhante Judi Dench (vivendo a mãe de J.Edgar), que tem pouco tempo para demonstrar todo o seu domínio psicológico sobre Hoover.


DiCaprio está bem, é verdade, mas longe de figurar em uma lista de melhores do ano. Sua figura não ajuda a dar credibilidade ao personagem biografado, surgindo sempre como um sujeito jovem em um corpo de velho, auxiliado por uma maquiagem estranha, porém eficiente. Longe da intensidade de um Ryan Gosling em Tudo Pelo Poder, por exemplo, um ator que certamente não estará na lista dos indicados ao Oscar, sendo substituído por Leonardo.

Clint por sua vez parece acovardado. Parece ter sentido a dificuldade de contar essa história, e mesmo tendo a feliz ideia (quase no final do filme) em mostrar que talvez o que tivéssemos vendo não fosse a verdade legitima dos fatos, isso só deixa mais dúvidas a respeito de suas intenções com o filme.

Afinal, para quem Clint fez o filme? Para si, chegando ao final da vida e preocupado com o julgamento que a historia dará a ele e a seu trabalho, portanto nada mais justo do que se solidarizar com um "monstro" que nunca foi ouvido? Para um público, especialmente nos Estados Unidos, reacionário e órfão de líderes que "defendem a América" (o discurso sobre a falta de aprendizado da América com os problemas sociais do passado, utilizando-se de imagens das revoltas civis nos anos 60, é perturbador) ? Ou para os liberais que podem enxergar o filme como o retrato de uma mente profundamente perturbada e que via tudo e a todos como inimigos a serem combatidos?


De qualquer forma, todas essas interpretações (e mais algumas certamente) podem encontrar espaço em J.Edgar, que tem como único fato inalienável, a constatação de que durante toda a sua vida, Hoover viveu um amor proibido para seus termos e ideais, e que se talvez tivesse sido menos intolerante consigo mesmo, pudesse ser visto hoje com menos ranço e ódio.

Ainda não sei exatamente o que pensar a respeito de J.Edgar. Minha reação foi de fúria ao deixar a sessão, mas ela vem se amenizando, e apesar de não retirar nenhuma vírgula a respeito dos vários problemas do roteiro do filme, passo a enxergar o esforço hercúleo de um acovardado Eastwood, para manter-se independente de pré-conceitos ao contar sua história (e dai talvez venham tantas interpretações ao filme) o que resulta em um filme estranho de ser analisado. Hoje, o considero um dos grandes desastres da carreira do diretor, mas não estranhem se em alguns anos, quando o rever (coisa que certamente o farei) pinte com cores mais brandas o retrato de J.Edgar

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Os Descendentes

Os Descendentes

(The Descendents, 2011)
Drama/Comédia - 115 min.

Direção: Alexander Payne
Roteiro: Alexander Payne, Nat Faxon e Jim Rash

Com: George Clooney, Shailene Woodley, Amara Miller, Nick Krause, Matthew Lillard, Judy Greer, Beau Bridges, Robert Forster e Patricia Hastie

É muito difícil não gostar do novo filme de Alexander Payne. Além de contar com uma história dolorida e que é próxima dos espectadores de todos os lugares, credos e idades, o faz de maneira a fugir o máximo que pode do melodrama, apostando em misturar uma situação complicada (e que com o decorrer da trama torna-se também complexa) e obviamente dramática com momentos em que o humor predomina e alivia a tensão do filme, fazendo-o divertido e leve, apesar do tema.

Essa é uma característica de seu diretor (e um dos roteiristas) Alexander Payne, dos ótimos Sideways, Confissões de Schmidt e Eleição. Em sua filmografia, Payne sempre se especializou na chamada dramédia, em que a partir de um drama ou de uma situação mais complicada, recheia seu filme de pequenos momentos cômicos que fazem a mensagem de seu filme ser melhor absorvida pelo público, que não é "obrigado" a receber seguidas pancadas em temas mais duros (como é o caso desse Descendentes).

O filme fala de Matt King (George Clooney) que é um pai relapso e que nunca foi verdadeiramente presente na vida de suas filhas, a pequena e engraçada Scottie (Amara Miller) e a adolescente Alexandra (Shailene Woodley) até que um acidente muda a vida de sua família. Sua mulher Elizabeth (Patricia Hastie) acaba ferindo a cabeça em um passeio de barco e entra em coma. Com isso, Matt que nunca foi um marido ou pai ideal precisa encontrar forças para lidar com a situação ao mesmo tempo em que tenta uma aproximação das filhas. Para complicar sua condição, durante sua vigília (e isso não é um spoiler pois até o trailer do filme entrega isso) descobre que sua mulher tinha um amante, e junto, com suas filhas parte para encontrá-lo.


Clooney é a alma e o coração do filme. Caracterizado aqui como um homem de meia idade nada elegante ou preocupado com sua imagem de galã (a corrida com o "freio de mão puxado" até a casa de um casal de amigos é um exemplo disso), o ator tem mais uma oportunidade para demonstrar que é maior do que a aura de astro de Hollywood, que insistem em impingir ao ator. Sóbrio e até um pouco apalermado, Clooney consegue fugir das "caretas" características e apresentar um trabalho que ao mesmo tempo em que é contido, é emotivo sem ser piegas ou melodramático.

Outro pilar do filme é a surpreendente Shailene, que interpreta a filha mais velha do Clooney. Alexandra vive em outro ponto do arquipélago do Havaí, internada numa espécie de colégio interno. Como uma típica adolescente rebelde, é cheia de provocações e atos de alto-afirmação. Porém, quando o pai lhe explica a real situação da mãe, a personagem muda e a partir de uma excelente cena na piscina (em que o diretor inteligentemente coloca a personagem mergulhando e começando uma crise de choro embaixo d'água) torna-se tão importante para a trama quanto o personagem de Clooney, já que é a partir dela que a trama toma outra proporção quando ela revela (e isso não é um spoiler já que está mesmo no trailer do filme) que sua mãe tinha um amante e pretendia se separar do pai.

Esse novo fato faz o filme crescer tanto como drama humano, já que agora Clooney precisa administrar a inevitável morte da esposa ao mesmo tempo em que descobre que ela não o amava, como ganha um norte, já que a partir desse fato Matt parte em busca do tal amante, e aproveita a situação inusitada para se aproximar mais das filhas e do namoradinho da mais velha, o hilário Sid (Nick Krause).


Os diálogos criados pelo excepcional roteiro de Payne, Faxon e Rash dão riqueza ao filme, que não abre mão de emocionar o público sem precisar apelar para o óbvio, encaixando observações sobre o cotidiano aqui e ali. Em especial, a pena afiada do trio é dirigida para as dificuldades de relacionamento entre uma geração mais "castrada" e a nova e desbocada geração Z.

Porém, nem só de piadinhas vive o ótimo texto de Descendentes. Ao longo da história, marcada por uma tragédia, a sensibilidade e a destreza são à base do filme. Sensibilidade que nunca resvala no clichê melodramático dos filmes ditos dramáticos, e destreza para concatenar a mistura entre humor e lágrimas.

Os cenários belíssimos do Havaí também ajudam (e muito) a aumentar a sensação de estupefato e de grandiosidade. Já que em outra ponta da história, Payne coloca seu protagonista em uma iminente venda de um antigo terreno da família, que em conjunto com seus muitos (mesmo) primos, deverá ser vendido antes que a família perca a chance de ganhar dinheiro com ele. Daí é que Payne tira seu título, a mistura entre o seu encontro emocional com sua descendência direta (filhas) e da sensação de culpa que ele tem ao precisar pensar em se desfazer de uma herança conquistada por seus antepassados. Seriam os descendentes capazes de julgar as intenções de seus antepassados? Seria justo das a eles o poder de decidir sobre as vigas fincadas pelos mais velhos? Ou como faz o personagem de Clooney, pensar de verdade no que seus atos podem fazer a seus próprios descendentes? Em suma, ser humilde quanto a sua finitude e perceber que um ato feito hoje, tem repercussão no futuro de quem amamos.


Parece ser essa a mensagem de Payne, que mesmo tendo em mãos um tema que lhe renderia diversas discussões e símbolos bélicos, prefere apostar na civilidade, na compreensão mútua e no respeito à situação. E principalmente, no global, na percepção que os seres humanos são falíveis e apontar os dedos enfurecidos nunca resolveu os problemas de ninguém.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Millenium - Os Homens que Não Amavam as Mulheres


Millenium - Os Homens que Não Amavam as Mulheres
(The Girl with the Dragon Tattoo, 2011)
Suspense/Drama - 158 min.


Direção: David Fincher
Roteiro: Steven Zaillian


Com: Daniel Craig, Rooney Mara, Christopher Plummer, Stellan Skarsgard, Robin Wright, Joely Richardson e Yorick van Wageningen

Fazer de um remake uma obra pessoal e com assinatura é um caso raro. Na história do cinema, pouquíssimos filmes conseguiram a proeza de serem tão, ou até mesmo melhores do que a obra original que inspiraram. São os casos de Onze Homens e um Segredo, Scarface (que empata com o original de Howard Hawks em 32), Ben-Hur, Nosferatu (a versão de 1979), O Enigma de Outro Mundo, A Mosca, Fogo contra Fogo (que é a versão para o cinema de um filme para tv), Falcão Maltês (a versão de 1941 dirigida por John Huston é um remake de outro filme de mesmo título lançado em 31), O Homem que Sabia Demais (caso raríssimo de um remake produzido pelo mesmo autor do original, no caso, ninguém menos que Alfred Hitchcock), Os Dez Mandamentos (cuja primeira versão é de 1923) entre alguns outros que conseguiram a proeza de alcançarem um patamar de excelência que os permite caminhar com as próprias pernas sem comparações constantes com a obra original.

David Fincher pode colocar seu filme nessa lista. Seu Millenium - Os Homens que Não Amavam as Mulheres é uma obra que reverencia o texto original, tem respeito ao filme sueco e mesmo assim é uma obra profundamente pessoal, com os dedos de Fincher por todo o filme.

Desde a sua preocupação conhecida com a fotografia e o design de produção, que deixam seus filmes (a exceção de Benjamin Button que era um drama histórico e muito mais leve do que sua produção "normal") com um ar de mundo decadente, sujo e apocalíptico (e que aqui é perfeito para a história a ser contada), passando pela trilha sonora que (novamente excetuando-se Button, que é o pior filme do diretor) opta pelo atonalismo, pela robustez de temas e pelo generoso uso de recursos modernos, seguindo pela criatividade dos planos e principalmente para as soluções visuais encontradas para impressionar o espectador (como a já clássica sequencia de abertura do filme, que mistura video-arte com conceitos a serem vistos no filme e a famosa versão para Immigrant Song de autoria de Trent Reznor) e a habilidade do diretor em encaixar atores em situações até então desconhecidas para eles (exemplos não faltam: Forest Whitaker em Quarto do Pânico, Brad Pitt e Helena Botam Carter em Clube da Luta, Jesse Eisenberg em Rede Social, Morgan Freeman em Seven e aqui Daniel Craig e Rooney Mara) obtendo resultados quase sempre excelentes.


Porém, Fincher parece mais maduro aqui. Quem teve a chance de ver o filme original sueco (leia nossa crítica aqui) sabe que um dos momentos mais importantes da trama é mostrado com extrema violência, um voyeurismo quase sádico, e aqui Fincher, apesar de mostrar a situação da forma descrita nos livros, tem alguns pudores e inteligência suficiente para perceber o momento certo e o que mostrar. Outra questão que nos livros fica mais clara e que no filme, Fincher preferiu aliviar, é a questão do relacionamento entre seu personagem masculino principal e sua amante, que nos livros vive em um casamento aberto, com seu marido sabendo exatamente onde e com quem ela está, enquanto aqui a situação é camuflada.

Outra alteração tanto em relação ao livro quanto ao filme original, é seu final, que aqui muda a identidade de um personagem importante transformando o desfecho da história, tornando-a mais redonda e evitando um maior excesso de personagens, além de inserir (também para dar um encerramento a todas as pontas soltas) trechos do segundo livro.

Personagens esses que estão envolvidos na história do jornalista Mikael Blomqvist (Daniel Craig), que acaba de ser condenado pela justiça sueca a pagar uma substancial quantia para um industrial importante que foi acusado sem provas na publicação para qual trabalha (a revista Millenium). Ao mesmo tempo o industrial Henrik Vanger (Christopher Plummer) há quarenta anos recebe todos os anos uma flor emoldurada que o relembra do misterioso sumiço de sua sobrinha Harriet, ocorrida em sua própria casa, uma afastada ilha no norte da Suécia. Henrik pede uma investigação sobre Mikael, tentando cooptá-lo a assumir uma pretensa investigação sobre o caso, para de uma vez por todas chegar a uma conclusão sobre o sumiço da garota. Para isso, contrata uma empresa que prepara um dossiê sobre o jornalista. Lisbeth Salander (Rooney Mara), uma hacker de visual agressivo, inquieta e que não leva desaforo para casa entra em cena. Em determinado momento da trama (evitando os spoilers aqui) Lisbeth e Mikael passam a trabalhar juntos para encontrar a verdade por trás da história.


Fincher consegue caminhar por três linhas narrativas diferentes com tranquilidade, apesar da longa duração do filme, conseguindo explorar a situação de Mikael e seus problemas com a justiça, a vida de Lisbeth Salander e ainda a investigação sobre o sumiço de Harriet que acaba resvalando em temas espinhosos.

Mikael, aqui vívido por Daniel Craig, é o herói do filme, apesar de seu comportamento não indicar que ele é um sujeito bonzinho e dócil. Craig não é o herói de ação dos filmes de Bond e até encaixa aqui e ali algumas piadas, tornando-se o elo do espectador com o filme, em especial quando está em companhia de Lisbeth.

Essa por sinal, é brilhantemente vivida por Rooney Mara, de forma diferente do original sueco. Se Noomi Rapace fez de Lisbeth uma figura sombria e que era indecifrável, Mara fez de Lisbeth uma garota igualmente complicada mas que está tentando encontrar ligações com a humanidade, apesar de ter uma história de vida complicada. Outra mudança é que Rapace era mais seca e seu envolvimento com Mikael é direto e objetivo, enquanto Mara apesar de seca tem em seu olhar uma característica mais compreensiva e mais humanizada em relação ao filme original. De qualquer forma, Mara tanto por sua transformação física (auxiliada por uma ótima maquiagem que incluí tatuagens, piercings e um corte de cabelo ousado) quanto por sua ousadia em se apresentar de forma tão "lavada" no filme, merece sim os elogios dados pela imprensa internacional.


Os demais coadjuvantes (muito bem escolhidos) não comprometem. Plummer, um ator que voltou a ganhar seguidos papéis depois de idoso, faz de Henrik um sujeito apaixonado pela vida e por sua sobrinha desaparecida, enquanto Stellan Skarsgard faz de Martin, o CEO da empresa Vanger, um sujeito divertido e boa praça, sempre pronto a ajudar Mikael, o que obviamente gera desconfianças do público, assim como as atitudes do advogado da empresa Gert Frode (Steven Berkoff) que surge cauteloso quanto à importância de Mikael. 


Entre as mulheres Robin Wright como a amante de Mikael e dona da revista Millenium, Erika Berger, tem pouco tempo de tela, já que se torna personagem realmente importante nos livros dois e três. Joely Richardson é outra que tem pouco tempo de tela mas sua Anita vem a se tornar peça fundamental na história. O único ponto negativo, é a forma com que o ator holandês Yorick van Wageningen construiu o personagem de Bjurman (o tutor de Lisbeth). Nos livros e no filme original, Bjurman exalava sujeira e era até viscoso. Aqui, Fincher opta por apresentar o personagem como um sujeito duro, mas que aos poucos vai se revelando um canalha. Uma opção que talvez se apóie na ideia de que os monstros estão bem camuflados em nossa sociedade, mas que para o filme faz do personagem mais fraco do que ele deveria ser.

Fincher está em grande fase. Vindo dos ótimos Zodíaco e Rede Social (Button é mesmo um acidente em sua carreira) firma-se ainda mais como um dos poucos autores no cinema comercial americano. Um sujeito que pega seu material de origem e faz de seu filme, um projeto com assinatura própria, com suas marcas e qualidades únicas. Aproveitando-se do gélido ambiente de sua história, Fincher constrói aqui mais um excelente exemplar dos filmes de serial killer, não tão intenso e visceral quanto Seven, mas sem dúvida,  merecedor de elogios e de figurar no panteão dos grandes trabalhos sobre o tema.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Precisamos Falar sobre Kevin

Precisamos Falar Sobre Kevin
(We Need to Talk About Kevin, 2011)
Drama - 112 min.

Direção: Lynne Ramsay
Roteiro: Lynne Ramsay e Rory Kinnear

Com: Tilda Swinton, Ezra Miller e John C.Reilly

Certas experiências cinematográficas são, apesar de recompensadoras, profundamente dolorosas. Precisamos Falar Sobre Kevin, dirigido por Lynne Ramsay e estrelado pela genial Tilda Swinton é um desses casos, pois apesar de ser intensa em suas intenções não deixa de ser das mais complexas e difíceis produções cinematográficas de 2011. 

Deixando claro desde seu take inicial (quando vemos uma multidão que mais parece um mar viscoso e vermelho tomar forma diante de nossos olhos) que sua vontade como filme é o de incomodar a quem assiste, o filme é uma dolorosa crônica familiar. A partir de uma dura realidade, infelizmente cada vez mais comum, Ramsay versa sobre um lar impedido de enxergar a verdade diante de seus olhos, e sobre a luta desesperada de uma mãe para conquistar o amor de seu filho. Este, um garoto quase niilista, que vê o mundo e sua existência como uma longa e infindável jornada tediosa.

Eva (Swinton) é especializada no chamado jornalismo de aventura, e passa seus dias e noites entre viagens para os mais distantes lugares do mundo, até conhecer Franklin (o ótimo, porém aqui contido, John C.Reilly) e durante um caso, aparentemente, sem importância se vê grávida de forma inesperada. Desde o primeiro momento, percebemos que Eva não está feliz com a situação. Eva não deseja aquele filho, e a direção de Ramsay, até de forma obvia, esfrega essa intenção no rosto do espectador, como na seqüência em que vemos a personagem em uma dessas aulas para grávidas, onde ela é a única que não expõe sua vasta e lustrosa barriga diante do grupo. Enquanto todas as outras mulheres exibem-se felizes, Eva aparenta frieza e quase vergonha por sua gravidez.


Quando Kevin nasce, Ramsay faz do garoto a sua versão de Damien de A Profecia. Kevin é destrutivo, tem um olhar mortífero e cada ato de sua existência é preparado para incomodar sua mãe. Mesmo quando parece fraquejar, uma vez restabelecido volta sadicamente a visualizar sua mãe como sua escrava.

O filme acompanha o desenvolvimento de um psicopata, e tenta formular algumas justificativas para sua existência. De um lado, impõe a teoria da semente ruim, já que desde o nascimento o garoto demonstra ser uma pessoa seriamente problemática. Ao mesmo tempo, a falta de amor durante a gravidez pode ter influenciado Kevin a enxergar sua mãe com uma mistura de amor platônico (já que dela não recebeu o carinho que lhe era devido) e ódio mortal, pois a mesma não era capaz de demonstrar seus reais sentimentos para com o garoto.

O filme é inteligente ao passear por dois tempos diferentes. Enquanto vemos o hoje, em que Eva é uma mulher destroçada tanto física quanto mentalmente, automaticamente nos sentimos impelidos a descobrir o passado daquela mulher e as razões para que sua situação seja tão precária.


Eva usa de um símbolo visual muito obvio, quando suja tanto o carro quanto a casa da protagonista com cores vermelhas (um símbolo clichê para violência, a mesma que foi usada na cena inicial que envolve o mar viscoso de gente avermelhada), apenas para mostrar a incessante luta da protagonista para limpá-la, numa clara referencia a sua própria luta para encontrar a redenção.

No passado, por sua vez, a direção aposta em uma espiral de eventos que vão culminar no – e isso não chega a ser um spoiler, já que a divulgação do filme não fez mistério quanto a esse fato – em um atentado cometido por Kevin na escola em que freqüenta. Mais do que mostrar o ataque, o filme de Ramsay quer é discutir as motivações – se é que existem – para que alguém cometa esse tipo de ato e estudar essa relação doentia entre mãe e filho, sádica, cruel e profundamente desagradável de ser vista.

Durante a projeção, o espectador talvez perceba uma infinidade de closes em determinados objetos de cena, cenários ou mesmo no corpo ou rosto dos personagens. Cada vez que uma dessas imagens surge na tela é sempre com a intenção de incomodar o espectador, seja quando observa a “explosão” de uma fruta na boca de um determinado personagem, ou quando observa os pés descalços e completamente machucados e horríveis de outro, ou quando foca em restos de comida em pratos ou mesmo no chão. A ideia sempre é a de transformar a atmosfera daquela família, em uma imensa carcaça apodrecida que não fede por que está escondida. A podridão e as imagens incômodas têm a função de manter o espectador enojado com a produção. 


Tilda Swinton tem mais um desempenho magistral e consegue com brilhantismo interpretar as mutações no comportamento dessa mulher. Metamorfoseia-se de mãe desesperada em conseguir o amor de seu filho (a cena em que vemos um afetuoso Kevin pedir colo a mãe é uma virtuose de talento), para aquela perturbada com o comportamento doentio do filho, ao mesmo tempo em que tenta salvar seu casamento. Eva a todo o momento tenta convencer ao marido que existe algo de errado com aquele garoto quase andrógino, de voz soturna e gosto particular pela arquearia.

Ezra Miller que faz Kevin adolescente, apesar de ser retratado quase de forma caricatural por sua incessante vilania adolescente, tem momento de profunda força dramática. Quando se encontra com a mãe para um dia “divertido” com direito a mini golfe e a um jantar, destrói cada tentativa da mãe em humanizá-lo, e apenas quando a situação parece perdida é que o garoto demonstra uma fagulha de alguma coisa próxima ao que compreendemos como humanidade.


É impossível sair de uma sessão de Precisamos Falar sobre Kevin como se nada tivesse acontecido. Doloroso, virulento, obsceno em sua franqueza e sem nenhuma intenção de aliviar uma discussão doída e perversa, é um filme em que o fato de nos sentirmos mal e ainda tocados pela maré quase sem fim de atos violentos pode querer dizer que ainda somos humanos e que talvez ainda possamos evitar que outros Kevins percorram nossas casas e escolas.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012


Moonrise Kingdom




O trailer do novo filme de Wes Anderson, a volta do diretor dois anos depois da aclamação por O Fantástico Senhor Raposo, de cara apresenta o estilo visual do diretor. Com uma fotografia amarelada e a direção de arte que beira o kitsch, que permeiam todos os trabalhos do diretor, a prévia ainda demonstra os zooms milimétricos e os geométricos enquadramentos de Anderson, que o acompanharam até mesmo em sua investida no stop-motion, em Raposo. Com singelos toques emocionais brilhantes, como a aproximação entre as duas crianças (cena que abre o trailer) e o timing cômico do afiado elenco, o trailer ainda remete a um universo onírico e estranho, onde imagens bizarras como a da casa da árvore quase suspensa pelo ar se tornam comuns. E o que dizer do grupo de escoteiros comandados por um Edward Norton á vontade? Boa pedida para o circuito independente de 2012. Anderson não costuma decepcionar.



segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

The Innkeepers




A primeira prévia do novo filme de Ti West, do elogiadíssimo House of the Devil, introduz muito bem a atmosfera de horror que fez de sua estreia um marco cult. Claramente adepto inveterado do sub-gênero de "casa mal-assombrada", o diretor encaixa uma fotografia onírica em um trailer que utiliza muito silêncio (como o recente The Woman in Black) para criar o terror que pretende. Munido de uma trilha sonora anos 50 (que lembra bastante o game Bioshock, aliás) que apavora em conjunto com as imagens tensas que se passam em tela, Innkeepers parece perfeito em sua proposta, já que se apoia numa mescla interessante entre a composição cuidadosa de quadros e a atmosfera pesada, que aliadas ao cientificismo que a história promete, aproxima o filme ao ótimo Insidious, do ano passado. Excelente pedida para o DVD, já que o lançamento direto em vídeo é, infelizmente, certo.



domingo, 22 de janeiro de 2012


Jack - O Matador de Gigantes




O novo filme de Bryan Singer, que saiu do páreo do novo Superman por ele, ganha um teaser trailer dos mais surpreendentes. A fábula infantil, que recentemente foi (decentemente) abordada em Gato de Botas, tinha tudo para virar uma história mais leve, aventuresca, no ritmo de uma jornada como O Hobbit. Porém, Singer entra na tendência do mercado, com suas variações sombrias de contos fabulescos, e cria um João e o Pé de Feijão mais imponente, o jogando no meio de um evento de grandes proporções. Ainda com a barulhenta e contemporânea trilha heavy de John Ottman, Jack soa como um legítimo projeto da Legendary Pictures, que têm o vigoroso épico 300 como seu maior trunfo. Ao fim do bom trailer, porém, fica a dúvida: estaria Singer aproveitando a onda sombria para amadurecer seu conto (como fez em X-Men e Superman) ou estaria apenas ali como um belo esteta de aluguel num filme de produtor? A conferir. Com a boa prévia, Jack vale ao menos a visita.



sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

A Separação

A Separação
(Jodaeye Nader az Simin, 2011)
Drama - 123 min.

Direção: Asghar Farhadi
Roteiro: Asghar Farhadi

Com: Peyman Moadi, Leila Hatami, Sareh Bayat e Shahab Hosseini 

O que é o Irã? Como é o dia a dia de um dos países mais desconhecidos pelo ocidente? Como funcionam as relações familiares em um país em que a religião e os dogmas são tão arraigados a sua cultura? Como funciona a justiça em um país em que supostamente a repressão é o prato do dia e que a liberdade das pessoas inexiste?

São perguntas como essa que o filme de Asghar Farhadi tenta responder, a partir da história incomum (para o que vemos vindo do país) de um casal em crise conjugal que deseja se separar. A partir desse fato aparentemente banal, Farhadi constrói uma teia de acasos e pequenos problemas que aos poucos vão se transformando em uma verdadeira calamidade dentro do núcleo dessa família.

Simin (Laila Hatami) é uma mulher moderna para os padrões iranianos. Não é religiosa fervorosa, dá aulas em uma escola para garotas e decide se separar do marido, simplesmente porque não se sente mais bem ao seu lado. Visto pelo olhar ocidental, algo perfeitamente comum, mas pelos olhos iranianos (exemplificados na primeiríssima cena do filme) um verdadeiro disparate. Afinal, segundo as tradições do país, uma mulher só deve se separar do marido se o mesmo a espanca ou é viciado. Encerrar uma relação por pura falta de amor, não é comum por lá.


Nader (Peyman Moadi) é um homem que, diferente do que nos acostumamos a ver com as seguidas historias ocidentais que mostram "a realidade dos homens árabes", não é violento, radical e tampouco ignorante. Trabalha em um banco (aparentemente) e é profundamente amoroso para com sua filha Termeh (Sarina Farhadi, filha do diretor) e não tenta em momento algum transformá-las em criaturas inferiores a sua masculinidade.

Quando Simin pede o divórcio, Nader fica com o fardo de um pai inválido que, sofrendo de Alzheimer torna-se mais um empecilho, já que, uma vez que não existe uma pessoa para cuidar do idoso, ele precisa desesperadamente encontrar alguém que cuide de seu pai enquanto ele trabalha.

Entra em cena Razieh (Sareh Bayat) mãe, crente de forma mais dogmática na fé islâmica e que vive uma situação financeira complicada pois seu marido Hodjat (Shahab Hosseini) está desempregado há muito tempo.


A princípio o filme nos faz sentir pena da pobre mãe, que precisa atravessar a cidade vestida dos pés à cabeça como manda a tradição islâmica, levando a tiracolo a filha pequena para enfrentar uma rotina complicada com um homem idoso que fica cada dia mais doente e mais distante das ditas, pessoas normais. Essa situação causa a primeira sequencia que aponta o que de fato Farhadi (também autor do roteiro) pretende discutir. Vemos Razieh desesperada ligando para uma espécie de "disk fé" onde alguém do outro lado da linha a instrui sobre uma dúvida que a personagem tem, ao ter de realizar certa ação com o idoso. Ela tem dúvida se o ato poderia ser encarado como pecado e ainda tem de ouvir a própria filha mais nova dizer que não contaria nada ao pai, que aparentemente é violento.

É disso que Farhadi quer falar. A influência direta e até agressiva da religiosidade nas pessoas e como essa divisão de castas sociais é tão cruel em todos os lugares do mundo. O diretor diz que quanto mais pobre e iletrado, mas suscetível aos "desígnios divinos" e as regras dogmáticas de uma religião a pessoa está. Porém, e felizmente, não é apenas a ladainha contra o fanatismo religioso que todos os seres inteligentes já conhecem, que Farhadi prega.

Durante a história ele também aponta seus canhões para a suposta superioridade intelectual dos mais ricos sobre os mais pobres, colocando-os em papéis diferentes durante todo o filme. Os mais ricos são justos e corretos e os mais pobres, ignorantes perturbados e radicais. Será mesmo?


Será que dentro de cada um de nós não somos no fundo um bando de criaturas mesquinhas e que ao sinal de qualquer conflito tenta de todas as formas vencer nosso "adversário" e infligir a ele a maior dor possível, transformando suas dúvidas e questionamentos em pontos vulneráveis? Farhadi é brilhante em colocar os personagens de frente a um espelho, metafórico, descascando suas verdades e ideais aos poucos.

E tudo motivado por sentimentos tão primordiais quanto nossas existências: amor e medo. Nader por amor a filha e a família é irredutível, e defende sua visão dos fatos com um ferocidade digna de um leão acuado, ao mesmo tempo em que teme a punição dos homens aos seus pecadilhos. Já Razieh teme que sua vida seja (ainda mais) prejudicada se sua visão for esfacelada e por isso a defende como uma fortaleza impenetrável, porém, como Nader, ela também ama sua família e por eles se "sacrifica" mesmo diante de problemas que possivelmente se transformarão em punição por sua fé.

E é nesse caldeirão de meias verdades e mentiras "brancas" que o filme passa a questionar quem são os mocinhos e os vilões dessa história, se é que eles existem. A grande qualidade de A Separação é exatamente essa. As meias verdades e as mentiras "brancas" são igualmente prejudiciais, ou igualmente benéficas, dependendo de quem vence a contenda.


Algo profundamente óbvio, mas que no cinema parece profundamente difícil de ser visto, especialmente no dito cinema comercial. A Separação é um filme profundamente comercial, aliás, já que tem uma narrativa e uma história absolutamente compreensível, mas que por ter o selo "made in Irã", certamente será pouco visto, pouco comentado e terá como companheiro de cela em sua injustificada prisão, o ranço dos muitos consumidores de cinema que ao ouvir uma língua diferente do inglês (ou melhor, agora diferente do dublado em português), tende a torcer o nariz.

Por isso, me sinto quase na obrigação cívica de fazer "campanha" para que A Separação seja visto e revisto, pois por trás de sua história banal, Farhadi é profundo em suas questões e nos mostra que a separação entre os pobres e ricos não é apenas financeira e social, mas também quase esotérica.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

As Aventuras de Tintin

As Aventuras de Tintin
(The Adventures of Tintin, 2011)
Ação/Aventura - 101 min.

Direção: Steven Spielberg
Roteiro: Steven Moffat, Edgar Wright e Joe Cornish

Com as vozes e performances de: Jamie Bell, Andy Serkis, Daniel Craig, Nick Frost e Simon Pegg

2012 começa muito agitado para o mais conhecido diretor de cinema do planeta. Depois de anos afastado da cadeira de direção (Indiana 4 é tão fraco que ignoro sua existência), Spielberg voltou com dois projetos novos e completamente diferentes, tanto em sua proposta narrativa, quanto em seu clima e energia.

Se o Cavalo de Guerra era um modorrento e previsível dramalhão destinado ao aumento do número das vendas dos lencinhos de papel no mundo, As Aventuras de Tintin é o melhor do escapismo "spielberguiano", como há anos o diretor não conseguia fazer. Desde o fantástico Jurassic Park, no paleológico ano de 1992, um blockbuster com sua assinatura não funcionava tão bem. Também marca a primeira incursão do diretor pela até então fracassada técnica da performance capture (que transfere as interpretações dos atores com sensores grudados ao corpo e em frente a uma tela verde para um computador, onde essa performance dá vida a um personagem animado, que por sua vez pode ter a aparência que o diretor quiser) com resultados fabulosos.

Nada melhor do que entregar um "brinquedo novo" a alguém que sabe brincar direito. Robert Zemeckis, o principal lobista dessa técnica e responsável por O Expresso Polar, Beowulf e Fantasma de Scrooge, apesar de ser um diretor competente (afinal um camarada que dirige a trilogia De Volta para o Futuro e Contato não pode ser ruim) não tem nem um décimo do talento de Spielberg. Por isso, é quase "mágico" acompanhar as soluções visuais encontradas pelo diretor para utilizar essa técnica, que pela primeira vez, é realmente bem utilizada.


Spielberg consegue caminhar com grande competência entre o cartunesco e o realismo, assim como a obra original de Hergé, notória pelo trabalho que tinha ao unir a ação típica das tirinhas de quadrinho com uma preocupação estética e histórica na retratação dos cenários onde as aventuras do intrépido repórter aconteciam, como nenhuma outra em seu tempo. Spielberg segue essa cartilha, pois ao mesmo tempo em que vemos deslumbrantes cenários criados pela equipe de animadores (a fantástica cidade portuária no Marrocos é o grande destaque) a ação é tipicamente dos quadrinhos, com pequenos detalhes e "inside jokes" colocadas aqui e ali para divertir o espectador, como por exemplo uma sequencia curta em que um batedor de carteiras perseguido pela polícia tromba na rua com outra pessoa e sobre sua cabeça uma série de canários amarelos surgem voando, para segundos depois, serem resgatados pela dona da loja de animais que fica em frente à ação acontecida.

Spielberg recheou seu filme com essas pequenas piadas e homenagens ao quadrinho original, desde sua abertura, quando um desenhista de rua (talvez o próprio Hergé) faz um retrato de Tintin que é igual ao traço do quadrinista belga. Quando o plano abre vemos uma série de outros personagens também mostrados em retratos com o mesmo traço típico de Hergé. Adiante na projeção, o diretor recheia a sala de Tintin de uma série de recortes de jornal que mostram outras aventuras famosas dos quadrinhos (reconheci duas de saída: O Cetro de Otokar e As Múmias do Faraó). São detalhes que mostram a reverência e o cuidado que o filme foi concebido.

Mas é nas sequencias de ação que Tintin entrega todo o seu potencial. Ficam claros os motivos para que Spielberg tenha optado em criar seu filme com essa técnica, já que seria impossível apresentar sequencias tão energéticas e até cansativas aos olhos - já que muita coisa acontece ao mesmo tempo - caso o filme tivesse sido realizado com as técnicas cinematográficas "comuns". A sequencia de perseguição entre Tintin, o vilão Sakharine e um tanque de guerra é impressionante, de um escopo monstruoso e de uma realização estética impecável. Mas não é só. Mesmo quando precisa diminuir o ritmo, Spielberg o faz com grande competência. Existe toda uma sequencia no deserto que ao mesmo tempo em que desacelera a ação incessante até então, e usada para explicar a história de todo o complô que envolve a história.


História essa, que para quem conhece o quadrinho (ou mesmo a série animada de tv) é muito fiel, apesar de misturar duas histórias diferentes de Hergé. O filme tem o subtítulo de "O Segredo do Unicórnio", obra famosa do autor belga e também trás diversos elementos (em especial no segundo ato, que introduz o personagem de Haddock) de outra obra do quadrinista: O caranguejo das Tenazes de Ouro. Nessa mistura a história começa quando Tintin compra um barco em miniatura que está ligado a um antigo tesouro que era disputado entre o pirata Rakham, o Terrível e o capitão a serviço da coroa inglesa François Haddock. Entra em cena, o misterioso Sakharine que quer a todo jeito o tal barco, já que escondido nele está uma das pistas que leva ao tesouro escondido. Ao mesmo tempo, o coadjuvante mais famoso das histórias de Tintin também aparece por aqui, o famoso Capitão Haddock, um descendente do famoso capitão britânico e um bêbado inveterado, que é famoso por sua incrível habilidade de construir xingamentos inusitados e por seu temperamento explosivo.

A perfeição só não atingida por problemas encontrados na própria historia original, que foi concebida como uma historia em quadrinho ágil, onde alguns acontecimentos são auxiliados por uma mistura de coincidências, acaso e pura sorte, como a própria revelação da pista escondida pelo barco de Tintin. Lembro-me que quando Segredo do Unicórnio foi adaptado para a animação, os dois episódios somavam cerca de quarenta minutos em seu total. O filme de Spielberg tem mais de 100, ou seja, muitas e muitas sequencias de ação foram ampliadas, o que incomoda um pouco, já que o filme tem muito pouco "respiro", seguindo em uma espiral de aventura (de ótima qualidade é verdade), sem tempo para conhecermos melhor nosso protagonista por exemplo.

Essa foi outra saída inteligente dos roteiristas (Steven Moffat produtor executivo de Doctor Who e criador da série Sherlock, Edgar Wright de Scott Pilgrim, Chumbo Grosso e Todo Mundo Quase Morto e Joe Cornish de Chumbo Grosso e Ataque do Bloco) que inteligentemente não optaram por uma história de origem, mas um conto solto no tempo sobre o repórter, assim como os quadrinhos de Hergé. Por outro lado, mesmo em uma aventura solta, pouco nos é revelado sobre a personalidade de Tintin, além de que ele é curioso e muitíssimo inteligente. Quem rouba todas as cenas no entanto, é o Capitão Haddock, um personagem engraçado, espirituoso, cheio de defeitos e impagável. O vilão da trama, o misterioso Sakharine também cumpre o papel de vilão da vez com competência, assim como os detetives mais atrapalhados do planeta, Dupont e Dupont.


Por trás da animação e da movimentação de cada personagem estão atores competentes e um gênio. Jamie Bell (o eterno Billy Elliot e que também esteve em King Kong do produtor Peter Jackson) vive Tintin com a petulância dos quadrinhos e a curiosidade incessante do repórter. Daniel Craig (Bond, James Bond) é Sakharine, e dá ao vilão um misto de charme britânico e a sensação de perigo e astúcia típicas de um bom vilão de quadrinhos. A dupla Dupont e Dupont é interpretada pela dupla número um do mundo, os ótimos Nick Frost e Simon Pegg, repetindo a parceria de Todo Mundo Quase Morto, Chumbo Grosso e Paul.

Mas o grande destaque do filme é Andy Serkis. Já passou da hora de alguém olhar para o trabalho que esse talentoso ator realiza em cada filme que faz e perceber o brilhantismo de cada inflexão de voz, cada movimento realizado e notar que muito mais do que um transmorfo virtual, Serkis é um ator da mais alta qualidade. Seu Capitão Haddock é impecável, grosseiro, mal humorado e engraçadíssimo.

Aventuras de Tintin é o verdadeiro retorno de Spielberg. Leve, escapista até o tutano dos ossos, previsível e profundamente divertido. O primeiro - espero que de muitos - blockbuster de qualidade que chega aos cinemas brasileiros em 2012. Que venha o próximo, quando Peter "Hobbit" Jackson assumirá a cadeira de diretor.