quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Anjos da Noite: O Despertar

Anjos da Noite: O Despertar
(Underworld: Awakening, 2012)
Ação/Fantasia - 88 min.

Direção: Mans Marlind e Björn Stein
Roteiro: Len Wiseman, John Hlavin, J. Michael Straczynski e Allison Burnett

Com: Kate Beckinsale, Stephen Rea, Michael Ealy, Theo James, India Eisley e Kris Holden-Ries

Confesso que não me lembro de ter visto Anjos da Noite 2 ou Anjos da Noite 3, por isso minha memória da série é apenas a do filme original, uma coleção de gente fazendo cara de mal, muito couro e látex e tiroteios sob a luz da lua e a chuva. Ou seja, nada demais, a não ser se o leitor tem alguma espécie de fetiche por algum dos elementos citados acima.

O quarto exemplar da série continua a "aprofundar" a ideia do conflito entre os lobos e os vampiros, dessa vez inserindo uma espécie de expurgo contra a espécie vampírica. Quando o filme começa, nossa heroína Selene (Kate Beckinsale) está tentando salvar seu amado das garras dos perseguidores humanos, quando se atiram no mar e após uma explosão violenta, acorda e se vê congelada em uma câmara criogênica (ou algo do tipo). Sendo ajudada por alguém (ela imagina que seja seu amado Michael) foge da instalação que a mantinha presa somente para descobrir que esteve dormindo por sete anos e que nesse período, sua espécie foi dizimada e que ela é uma das últimas vampiras ainda vivas.

O filme passa a acompanhar a jornada da personagem em busca de respostas sobre sua prisão, e principalmente, sobre o paradeiro de seu amado. Encontra no entanto, outra personagem: uma evolução genética que mistura de forma perfeita os genes vampíricos e lupinos, e que durante o filme ganha maior importância.


O filme de Mans Marlind e Bjorn Stein tem bom ritmo e não cansa, o que é uma coisa maravilhosa em um filme que tem uma história banal, que começa apontando caminhos diferentes para a série para, em um plot twist óbvio, manter o status quo da situação.

Anjos da Noite 4 é recheado de uma infinidade de cenas de ação. Nenhuma delas especialmente brilhante, mas todas competentes e que inflam a duração do filme. O bom uso do 3D deixa as sequencias ainda mais intensas, embora boa parte do uso desse recurso seja destinado ao batido - porém aqui , eficiente - efeito de "coisas voando pela tela". Por outro lado, o uso do 3D deixa o filme mais escuro do que o necessário. Isso talvez tenha sido aproveitado pela equipe de efeitos visuais, como forma de camuflar os pobres efeitos que mostram os muitos lobisomens presentes no filme. Você enxerga muito pouco dos lobos e quando enxerga-os interagindo sob o efeito de uma luz mais forte percebe a pouca qualidade dos animais/criaturas.

Os personagens continuam vazios e tem pouco a dizer, mas enfim, esse nunca foi o foco da história de Anjos da Noite. O filme se sustenta por efeitos especiais bacanas, sequencias de ação bem realizadas e a "mitologia" da série que mistura sanguessugas, lupinos, fetiche S&M e nerdismos sem fim. Isso é ruim? Não, se a brincadeira toda for bem realizada. Uma vez sendo bem realizada, torna-se uma diversão vazia e descompromissada que durante aquele breve período de tempo funciona como escapismo.


Dessa vez, Stephen Rea dá as caras na série e no automático vive o vilão da vez, ao lado de Kris Holden-Reid (da serie de tv Lost Girl) que por sua vez, é uma versão da série para o personagem de Tim Roth em O Incrível Hulk. Pelo lado dos heróis Kate Beckinsale continua mantendo o pique como a heroína da franquia, fazendo novas caras e bocas e convencendo como heroína de ação.

Anjos da Noite 4 (ou O Despertar se você quiser ser rigorosamente correto com o nome do filme) continua mais do mesmo. Ação, explosões e Kate Beckinsale de roupa apertada. E claro, com um gancho para uma sequencia.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

ATM



O bom trailer do primeiro filme escrito por Chris Sparling após a aclamação de Enterrado Vivo impressiona pela tensão imposta desde o princípio. A prévia começa de forma trivial , apresentando seus personagens de maneira natural, mas após a entrada da cabine de ATM do título o terror começa. Se ao menos a ideia de um assassino que mantém reféns as pessoas na cabine é palco para um pesadelo filmado, a história parece simplesmente over demais. Os próprios protagonistas, em off, ressaltam em certo ponto: "Ele é um só, nós somos três". Porém, a montagem ágil e segura acaba provocando a tensão proposta pelos realizadores. A trama de filme B, porém, atrapalha. Não há muito o que desenvolver em algo assim. Logo, o filme promete ser um exemplar como Pânico na Neve, que introduz uma desculpa sem sentido para gerar enorme tensão no espectador. Resta saber se Sparling vai surpreender como fez em Buried, já que o claustrofóbico filme de Roberto Cortés não só causava nervosismo como também tinha um esperto e tenaz comentário sobre a burocracia e as concepções americanas sobre o mundo. Justamente o que mais parece faltar nesse ATM.




sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Tão Forte e Tão Perto

Tão Forte e Tão Perto
(Extremely Loud e Incredibly Close, 2011)
Drama - 129 min.

Direção: Stephen Daldry
Roteiro: Eric Roth

Com: Thomas Horn, Tom Hanks, Sandra Bullock, Max von Sydow

Existem filmes que tem tudo para funcionar. Uma história interessante, um componente emocional forte, um elenco de estrelas consagradas e atores de alta qualidade e um diretor acostumado a lidar com as complexas emoções humanas. Por que então, Tão Forte e Tão Perto não funciona?

Por que Tão Forte e Tão Perto aposta todas as suas fichas em um jovem garoto chamado Thomas Horn, que é a chave para o filme. Se o espectador "compra" o garoto, a possibilidade de gostar do filme é grande, se, meu caso, o garoto parecer um chato insuportável que merece ser enforcado e que cada segundo de falatório compulsivo do pequeno Einstein é mais doloroso do que uma facada no olho, as chances de Tão Forte, Tão Perto se transformar em uma experiência traumática são bastante grandes.

Além da história esquemática (e que honestamente, acho que só funciona de verdade para quem sofreu diretamente com os atentados ao WTC) o filme peca ao simplificar demais uma situação muito mais complexa do que Stephen Daldry retratou em seu filme.


O garoto Oskar Schell claramente tem sérios problemas comportamentais, é cheio de fobias e é incentivado pelo pai a fazer parte de uma serie de jornadas em busca de segredos sobre sua cidade, entre outros. Thomas Schell (Tom Hanks) acredita que dessa forma seu filho poderá se socializar, e aos poucos vencer fobias. Ou seja, em vez de consultar um especialista, resolve "adivinhar" o que fará bem ao filho, que claramente não apresenta evolução nenhuma. Quando Thomas morre nos atentados nas torres gêmeas, o garoto fica ainda pior, irascível, seu grau de pedantismo e pseudo inteligência atinge níveis humanamente insuportáveis, e tudo acaba sobrando para a destroçada (pela morte do marido e pelo filho cheio de problemas) Linda (Sandra Bullock), que é de longe a melhor coisa do filme.

Um ano se passa, e em um arroubo de força de vontade, Oskar entra no armário do pai (que desde a sua morte não foi nem tocado pela mulher) e descobre um vaso e uma chave que, inspirado pelas antigas aventuras com seu pai, imagina ter a ver com outra historia idealizada pelo pai e que não teve a chance de se divertir com o filho.

O filme parte daí e coloca o garoto em uma peregrinação pela cidade de Nova York, lutando com seus (muitos) traumas e tentando encontrar o lugar de origem da tal chave. Durante o filme, o garoto encontra-se com a "fauna" presente nos milhares de habitantes da cidade de Nova York. Desde senhoras religiosas, maníacas por limpeza, sujeitos obcecados em abraçar, mulheres a beira da separação, todos comovidos com a história do garoto que perdeu o pai no 11 de setembro.


O filme, quase em seu final, tenta dar uma justificativa "lógica" a facilidade com que o garoto é recebido em uma série de casas, que, além de profundamente implausível, demandaria uma engenharia tremenda. Mas, enfim, como explicação emocional dentro do roteiro até funciona.

Outro ponto importante do filme é a personagem de Max Von Sydow (identificado apenas como Inquilino), um senhor que não fala e que o espectador claramente (antes mesmo do "garoto gênio" perceber) entende quem é na verdade, graças ao roteiro esquemático que repete duas vezes em menos de trinta minutos, uma informação importante a respeito da família do pai de Oskar.

Sydow não está mal, mas Bullock, Viola Davis e até Jeffrey Wright estão melhores do que o veterano ator. A dificuldade com o texto é evidente, e principalmente em atuar ao lado do chatíssimo Thomas Horn. Sydow tem que se expressar com o olhar, e em sua cena mais importante chega a emocionar, é verdade, mas emoção por emoção, até mesmo Wright consegue esse objetivo na cena mais importante do filme.


Tão Forte melhora com o desenrolar da história, e fica claro que a ruína do filme está na escalação equivocada de seu protagonista, que não consegue nos emocionar, ou se transformar em elo com o público. No fundo ficamos torcendo para que a história acabe logo e que aquele garoto irritante pare de falar.

Bullock como disse, não surge como uma personagem unidimensional e se esforça realmente para fazer de Linda uma mulher perdida, complexa e que não enxerga muito futuro em uma vida que para ela, é um martírio, ao lado de um filho que não a entende e sem seu marido que a amava. Portanto, quando no ato final, surge uma revelação sobre seu comportamento, ficamos felizes, em comprovar que nem todos ao redor de Oskar, deixavam estar em relação aos problemas da criança gênio.

O esquematismo do roteiro se faz presente com força quando o garoto finalmente encontra uma pista verdadeira quanto ao significado da chave, e que derruba a ideia de que aquele garoto era brilhante. Brilhante e monstruosamente inteligente e que não consegue - literalmente - enxergar uma pista na sua frente? O roteiro de Eric Roth, enterra a nossa credibilidade na inteligência do garoto quando vai por esse caminho.


Como disse no início do texto, a história do filme não é ruim, e sem os excessos de simplismo aqui e ali, uma escalação mais feliz em relação ao protagonista do filme e principalmente menos pretensão em ser "o filme sobre como exorcizar os fantasmas do 11 de setembro", talvez, a experiência fosse mais agradável de ser vista.

O maior mal do filme talvez seja esse. Pretensão em tentar - vendo de fora - dar uma cara e uma voz única a uma tragédia tão plural e que machucou tanto um país.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Alber Nobbs


Albert Nobbs
(Albert Nobbs, 2011)
Drama - 113 min.


Direção: Rodrigo Garcia
Roteiro: Glenn Close, John Banville


Com: Glenn Close, Janet McTeer, Mia Wasikowska, Brendan Gleeson, Pauline Collins e Aaron Johnson


A grande engrenagem que move a vida dos seres humanos - não importa seu gênero - são seus sonhos, suas metas, seus objetivos - e também sua liberdade. Albert Nobbs é uma obra que debate a repressão da mulher em uma sociedade arcaica e revela que por trás da fêmea travestida de homem, existe, na verdade, uma fonte inesgotável de força. Estamos em pleno século XIX, e não é novidade que ser mulher num ambiente desses não nada é fácil: são criaturas sem expressão política, com um papel social praticamente nulo e que dificilmente vão se virar na vida sem depender de um homem. As poucas que conseguem são viúvas que herdaram algo do falecido companheiro. Neste contexto, se o movimento feminista organizado ainda não possuía forças, talvez a única saída para uma mulher almejar sua sonhada independência fosse fingindo ser alguém do sexo masculino.

É justamente isso que a personagem-título de Albert Nobbs faz. Escrito por Glenn Close e John Banville, adaptado do livro "The Singular Life of Albert Nobbs" de George Moore, o roteiro conta a história dessa mulher (Glenn Close) que se passa por homem para desempenhar o papel de garçom  num hotel da Dublin do século XIX.  Nobbs é um  funcionário discreto, mas extremamente eficiente, que junta dinheiro para um dia conseguir montar seu próprio negócio. Quando Nobbs conhece Hubert Page (Janet McTeer), um pintor do hotel que esconde o mesmo segredo - é também uma mulher travestida -  seu sonho parece ganhar contornos mais sólidos: constituir um casamento e se tornar dona de uma tabacaria, com uma esposa trabalhando no balcão, como se fazia antigamente. Nobbs pretende se casar com uma empregada do hotel, Helen Dawes (Mia Wasikowska), mas a tarefa não será tão fácil já que Helen é apaixonada por Joe Mackenzie (Aaron Johnson).

O script de fato não possui rebuscamento suficiente para figurar entre os pontos altos do longa - há uma esquematização típica e uma divisão de arcos simplória que transforma sua narrativa previsível e também bastante modorrenta - mas sua mensagem central possui pontos bastante notáveis. Toda a abordagem acerca da saga de suas protagonistas - Albert e Hubert - possui momentos mui valiosos. É um filme que toma suas personagens principais por seres fortes e dispostos a lutar tortuosamente por seus sonhos, sua vida digna. Muito diferente de Histórias Cruzadas - filme que deve levar justamente as duas indicações de Albert Nobbs, atriz e atriz coadjuvante - em Albert Nobbs, não se subestima a classe em desvantagem . Não há nenhum homem rico e bondoso que realiza caridade para ajudar mulheres coitadas que se fantasiam de machos. Como símbolos de mulheres fortes, elas resolvem seus próprios problemas , e encarnam um tipo de ativismo feminista.




Aqui, nada vem de graça, e a briga diária engrandece as fêmeas que acompanhamos a cada frame. Há a questão sobre a sexualidade de Albert e Hubert: ao se tornarem homens, será que não ocorre a perda de reconhecimento como mulher para ambos? A melhor resposta vem com uma imagem: a interessante cena em que Janet McTeer, vestida de homem, levanta sua blusa e mostra seus seios. Ambas ainda são mulheres, porém, são exemplares fortes, que não desistem do seu ideal. Mas fica claro que o sonho de Nobbs, antes de qualquer prazer derivado de sua sexualidade, é sua independência econômica, mas principalmente, sua liberdade social: poder viver sem ser julgada, condenada pela sociedade, com a plenitude que todo ser merece.

Mais do que o mero prazer carnal, é sua condição como humano - não importa seu gênero - que interessa a ambos. Direitos universais que pela história foram sendo tirados das mãos da classe feminina. O sonho da dupla é amplo, e reflete demandas legítimas, com uma carpintaria dramática muito bem respaldada. O sofrimento de alguém que clama por independência é grande, e a importância desta conquista é tamanha, que supera suas “escolhas sexuais” - as duas não se importariam em viver como maridos para o resto da vida, se isto fizesse com que fossem donas de seus próprios narizes.

Ajuda muito na composição de seus personagens as atuações de Glenn Close e Janet McTeer. A primeira dá um banho compondo uma personagem que trabalha em vários níveis, fechada e extremamente complexa, que não se abre facilmente, e demonstra introversão para a maioria das pessoas. Close consegue capturar a fratura dentro dos desejos de Albert Nobbs: é um sujeito perturbado - e tem motivos - que consegue ser completamente absorvido pela competente atriz, que desaparece no papel.  McTeer tem sucesso em fazer transparecer o outro lado da moeda deste dilema, transmitindo a plenitude de uma personagem que já se acostumou e obteve certo êxito na sua vida "travestida". Atua com naturalidade, distante de qualquer exagero, passando tridimensionalidade admirável.




A parte ruim é que o foco em seus personagens principais é vez ou outra tirado para dar valor às figuras de Mia Wasikowska e Aaron Johnson, atores que representam suas personas com esforço, mas que não conseguem conferir alguma profundidade ou relevância a elas. Desse modo, a mensagem contida em algumas passagens de Albert e Hubert  acaba sendo diluída. Esquemático, mas possuindo fortíssimas atuações e um "ativismo" respeitável como mensagem, Albert Nobbs é um filme que mostra a força feminina legítima, que pode ser representada de vários modos, até mesmo no ato corajoso de se vestir de homem.


quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

A Mulher de Preto

A Mulher de Preto
(The Woman in Black, 2012)
Terror/Suspense - 95 min.

Direção: James Watkins
Roteiro: Jane Goldman

Com: Daniel Radcliffe, Janet McTeer e Ciarán Hinds

Desde que a Hammer Filmes voltou a produzir filmes de terror, vem se mostrando irregular, parecendo ainda estar encontrando seu caminho em meio às novidades do cinema moderno, cheio de efeitos CG e de sustos fáceis, bem distantes do estilo clássico e cheios de climas que marcou a primeira fase do famoso estúdio inglês. Nessa retomada, um remake bem sucedido (Deixe-me Entrar), um filme de horror clássico (Wake Wood) e um filme tomado por uma produtora interessada em mostrar ao público como era gostosa (A Inquilina).

A Mulher de Preto é o quarto filme da retomada, e é o mais próximo daquilo que o estúdio produzia em seus melhores dias, embora pareça anacrônico e derivativo, já que muito do que é visto na tela, parece ter saído de filmes mais modernos e mais bem realizados.

O filme conta a história de um advogado (Arthur Kipps, interpretado por Daniel Radcliffe) que vive deprimido desde a morte de sua esposa, quatro anos antes, durante o parto de seu único filho, Joseph. Colocado contra a parede por sua firma, é enviado com o objetivo de encontrar documentos perdidos de uma viúva em um casarão a beira do mar em uma cidadezinha esquecida pela vida e sem muito contato com o mundo exterior. Soma-se a isso, o fato de que a produção de Mulher de Preto, insere essa história em meados do século 20 (talvez anos 20, mas isso não fica claro no filme), o que impõe automaticamente um ar etéreo e misterioso que acompanha Mulher de Preto até o seu final.


Uma vez lá, Kipps descobre que todos naquela aldeia quase medieval querem impedi-lo de chegar à mansão abandonada, considerada perigosa e assombrada. Entra em cena a tal mulher de preto, que o jovem advogado - ignorando os apelos de toda a cidade - vislumbra em seu primeiro contato com a casa a beira mar. Por motivos óbvios não vou contar os motivos para que a tal mulher de preto amedronte tanto a população da cidade, mas o plot é bastante simples (simplório até) e em menos de vinte minutos, o espectador mais atento vai juntar as peças e entender o que diabos a mulher de preto faz.

O que Mulher de Preto tem de melhor é seu segundo, e muito bem realizado ato, quando o jovem advogado se vê dentro da tal mansão e precisa conviver com o que seus olhos lhe mostram e não enlouquecer. Quase sem diálogos durante os mais de trinta minutos centrais, é o que filme oferece de melhor, com a direção de James Watkins abusando dos clichês dos filmes de casas assombradas, com direto ao surgimento de imagens no canto da tela, portas que se abrem fora de foco e que obviamente chamam a atenção do espectador, carregando no clima de mistério quase sufocante e confiando em seu protagonista para transmitir todas as dúvidas sobre sua sanidade que são necessárias para o espectador compreender e comprar a ideia, de que a tal casa assombrada realmente está mexendo com o personagem.

Outra ótima sacada é a ambientação do trabalho. Apesar de não fugir do óbvio em termos de filmes de casa assombrada, e utilizar pouco o espaço que a casa - vista de fora - parece ter, Watkins consegue criar ambientes recheados de pequenos objetos intrigantes e que a luz do dia parecem apenas estranhos e excêntricos, mas que durante a noite adquirem "vida própria". Um desses elementos são os brinquedos que o personagem encontra em um dos quartos da mansão. Além de terem sido escolhidos a dedo, já que nenhum daqueles brinquedos parece "divertir" uma criança, a fotografia deixa-os ainda mais perturbadores, o que auxilia o clima do filme, dando ares de pequenas criaturas presas em corpos de plástico a espera da libertação. 


Em um determinado plano, o diretor mostra Kipps levantando-se da sala de estar - onde ele verifica os papéis da viúva e descobre seus segredos e a motivação para toda aquela história - e seguindo o som de passos no andar de cima. Quando Kipps se levanta, auxiliado por uma vela, o diretor aponta sua câmera para o reflexo da luz nos olhos de duas pequenas estátuas de macaco, que conforme o personagem se movimenta dão a impressão ao público que estão seguindo o personagem com seu olhar. Um exemplo do bom uso dos objetos de cena durante o filme.

Esse segundo ato é muito bem realizado, e consegue prender a atenção do espectador, mesmo quando ele já sabe todos os pormenores da situação (como disse, bastante óbvia) e somente aguarda o próximo susto. Outro detalhe curioso, e que o filme utiliza muito bem durante a sua primeira metade do filme, é a localização da tal casa, que além de ser mal cuidada, fica distante da pequena vila, só conseguindo ser acessada por uma estrada construída a beira mar e que durante o dia é inundada pelo mesmo, impedindo que os locais possam chegar até a residência. Essa ideia (e mesmo utilizando um elemento óbvio, as imagens da estradinha de terra sendo coberta de água são bem realizadas) auxilia o diretor a isolar ainda mais seu personagem principal.

Radcliffe tem uma atuação razoável, e talvez isso impeça o segundo ato de ser um desbunde dos sustos, já que além do ator ainda parecer muito jovem (e não convencer como pai de um garotinho de quatro anos) ainda parece preso ao personagem de Harry Potter, o que o impede de mudar algumas características de sua performance como o bruxo adolescente. O próprio gestual de Radcliffe depõe contra o ator, em especial quando ele precisa utilizar o olhar para demonstrar medo e temor. A impressão que dá é que a qualquer momento Daniel vai tirar uma varinha mágica de seu blazer e atacar a tal mulher de preto.


Os coadjuvantes não atrapalham o filme, e seguem os clichês básicos de uma produção de casa assombrada (embora não vivam nela dessa vez). O cético (Dailly, vivido por Ciarán Hinds) que tenta ver a lógica na situação enfrentada e a crente, a ótima atriz inglesa Janet McTeer - indicada ao Oscar de atriz coadjuvante por Albert Nobbs - que é uma mãe que parece incorporar o espírito do filho.

Esse é um das muitas questões que derrubam o filme. Além das obviedades do gênero, alguns elementos soltos durante o filme prejudicam a produção. A personagem de McTeer é mal aproveitada, surgindo em duas cenas muito boas, mas que verdadeiramente funcionam muito mais como choque visual (ambas envolvem desenhos) do que como auxílio ao desenvolvimento da história. Outro problema, é que uma vez que o plot é revelado (ou descoberto) você precisa mostrar as conseqüências daquela revelação, e elas surgem apressadas e novamente sem causar impacto emocional no personagem principal. Em determinado momento, quando todas as peças se encaixam, Kipps chega até um telegrafo, onde é imperativo que ele envie uma mensagem para Londres. O recurso utilizado pelo roteiro é dos mais óbvios: tudo está fechado e Kipps se conforma sem dar uma demonstração de frustração, ódio ou raiva. É tudo muito fleumático e os pequenos traumas vão se acumulando sem nenhum momento de catarse dos personagens.

O grande problema é sua resolução. Além de muito, mas muito óbvia (inclusive com um epilogo bastante previsível) tudo é muito corrido e facilmente explicado. Kipps diz a seu amigo, e agora ajudante, Dailly que o que impedia os habitantes do lugar de resolver seus problemas sobrenaturais, era o fato de que ninguém por ali tinha um automóvel capaz de retirar certo personagem de seu túmulo na lama. Ora, a lógica dessa situação é absurda. Ignora a decomposição do tal personagem, além de mostrar que o corpo é facilmente encontrado (a lógica aqui é: o fantasma do mesmo apontou sua sepultura, portanto Kipps sabia exatamente onde procurá-lo). E o calcanhar de Aquiles do filme, e que é outro clichê de filme de terror em lugarejos perdidos: ninguém tinha pensado em resolver a situação daquele jeito? Ninguém pensou que fazendo o que o personagem de Radcliffe fez poderiam encontrar um fim para tudo aquilo?


O próprio filme nos dá a resposta da forma mais óbvia e patética possível, incluindo um epilogo digno de risadas involuntárias. Uma pena que Mulher de Preto tenha se mostrado um filme mais do que previsível (eu não esperava coisa diferente), mas fracote em sua tentativa de terror - que é curta e poderia mostrar mais da relação personagem/mulher de preto - e com uma resolução óbvia e que dá a sensação de já termos visto aquilo dezenas e dezenas de vezes.


sábado, 18 de fevereiro de 2012

A Dama de Ferro

A Dama de Ferro
(The Iron Lady, 2011)
Drama - 105 min.

Direção: Phyllida Lloyd
Roteiro: Abi Morgan

Com: Meryl Streep, Jim Broadbent e Richard E. Grant

Meryl Streep conseguiu. Durante as quase duas horas de duração de A Dama de Ferro, a brilhante atriz conseguiu me fazer simpatizar com uma das personalidades mais detestáveis do século XX. A primeira mulher ocidental a comandar um país é uma figura tão complexa e criticável que mereceria toda uma coluna só para analisar seus anos no governo britânico.

Porém, como o foco é o filme, a dramatização de fatos e momentos de sua vida passadas através do filtro de um realizador, basta dizer que segundo a diretora Phyllida Lloyd, Thatcher foi uma mulher dura, mas comprometida com seus princípios, que acima de tudo queria um país melhor. Certo?

Nem tanto. Se analisarmos a personagem real fora do filtro é praticamente impossível concordar com a aura quase de conto de fadas que o filme de Phyllida tem. São diversas sequencias de dança, de apreço de Thatcher pelo filme O Rei e Eu (o que não esconde as raízes musicais da diretora, que dirigiu Mamma Mia), de discursos pseudo-feministas, tudo para no fim dizer que ela salvou a Inglaterra de uma barbárie iminente. Sempre que uma figura polemica é biografada, esse tipo de problema surge. Se por um lado os conservadores aplaudem sua heroína tendo a chance de contar "sua história", os demais vêem o filme, como mais uma tentativa de reescrever a historia, ignorando todos os problemas da administração Thatcher.


Thatcher foi uma mulher dura, quase uma ditadora em sua postura para com o país e seus pensamentos, e que tem suas características explicadas aqui, como resultado do fato dela ser a única mulher no meio da corja de lobos (segundo o filme) que formavam  os muitos níveis do governo britânico. Portanto, era necessária que sua postura fosse igualmente agressiva e virulenta na lida com aquele mundo de homens.

Além de ser uma explicação quase misógina (e pior, vindo de uma mulher) já que quer dizer nas entrelinhas, que para uma mulher sobreviver no mundo da política ela precisa ser mais agressiva do que os homens, afastando no caminho todos a sua volta, é simplista, já que não leva em consideração - isso no filme é mostrado com uma preguiça enorme - a formação pregressa da garota.

Seu pai, visto em sequencias curtas, era um líder político de sua cidade, e Margaret a enxergava com muita admiração, mas é curioso que o discurso do pai da futura primeira ministra, seja quase o oposto ao da já primeira ministra Thatcher. Além disso, quando Thatcher encontra seu "verdadeiro amor", na figura de Denis (na versão jovem interpretado por Harry Lloyd e na versão idosa por Jim Broadbent) diz que não queria terminar sua vida lavando xícaras, o que rende uma rima visual pobre e óbvia, quase no final do filme.


De outro lado, Phyllida Lloyd parece que até tentou (e falhou assim como Clint em J.Edgar) dizer: "mas olha eu também mostrei o outro lado da história", incluindo uma serie quase sem muito sentido de manifestações - que basicamente são mostradas como um bando de cabeludos e barbudos batendo no carro de Thatcher, sem grandes explicações quanto à motivação por trás dos protestos - de discursos na câmara dos deputados (novamente sem grandes explicações sobre os motivos de tanta revolta, se perdendo em números e mais números) e - talvez a única vez que acerta nesse quesito - quando coloca um chilique da personagem, já fragilizada, quando lhe é apresentada a proposta da União Européia que ela refuta, dizendo que aquilo seria o fim da independência da economia da Inglaterra. 

Curiosamente, com a crise econômica dos últimos anos, esse discurso - impossível negar que é político - tenha ganhado um megafone gigantesco para ser ouvido. Mais um prova da intenção política de um filme como esse, a beira de eleições no país.

Streep, apesar do personagem anacrônico e cheio de problemas, faz de Thatcher, em especial quando surge mais velha e cansada pela vida, uma senhora austera e até agradável, apesar de marcada profundamente por sua doença e por suas escolhas na vida. Uma coisa muito complicada de ser vista e uma performance magnética e intensa, ajudada claro, por uma maquiagem magnífica que lhe dá recursos para ir de mulher jovial e poderosa do passado, a senhora acabada e quase enlouquecida no presente. Um trabalho verdadeiramente poderoso e que mimetiza de tal forma a pessoa de Thatcher que consegue a proeza de nos fazer identificar e até criar afeição por uma pessoa tão mesquinha e desagradável.


Lloyd, em um dos únicos momentos inspirados do filme (e que rendeu algumas risadas que honestamente não compreendi, na sessão que vi) coloca sua personagem dizendo algo próximo a isso: "Vivemos em uma sociedade que se importa mais com o que sentimos do que com nossos pensamentos e as ideias". Bonito, não?

Esse retrato de Thatcher é claro sobre sua mentalidade. Uma mulher fria, dura e que prefere morrer por uma ideia ruim, do que admitir seus erros e pensar "com os sentimentos". Fico feliz em perceber, que hoje, muita gente vem abandonando o "thatcherismo" e pensando na complexidade dos seres humanos, que não podem ser comandados baseados em conceitos abstratos, em ideias que não meçam seu impacto na vida cotidiana das pessoas. Esse foi o erro de Thatcher, e o erro de Phyllida, que por todo o filme tenta justificar de forma melodramática, conceitos que de nada tem de humanos ou emocionais. É pura bobagem racionalista.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

O Homem que Mudou o Jogo

O Homem que Mudou o Jogo
(Moneyball, 2011)
Drama/Comédia - 133 min.

Direção: Bennett Miller
Roteiro: Steven Zaillian e Aaron Sorkin

Com: Brad Pitt, Jonah Hill, Philip Seymour Hoffman

É corriqueiro a filmes de esporte que os fãs se divirtam bem mais que os não-fãs. Assim, acabam surgindo trabalhos descartáveis como Alta Velocidade e Gol!. É raro, portanto, que um filme desse subgênero dê mais atenção as pessoas envolvidas quê ao esporte em si. O roteirista Aaron Sorkin, recém Oscarizado pela obra-prima A Rede Social, resolveu investir nesse campo e adaptou, junto ao competente Steve Zaillian, a biografia Moneyball. Egresso de seu aclamado Capote, em 2006, o diretor Bennett Miller já tinha dois quesitos que o faziam  perfeito para o filme: dirigir seus atores com pulso firme e conduzir biografias com ritmo e interesse. Logo, era árdua a tarefa de transformar um calculado livro sobre os bastidores do baseball em um filme para todos.

E é com satisfação que se vê a competência com que o trabalho foi realizado. Especialista em tornar biografias algo especial, devido aos seus diálogos ágeis e seus personagens inteligentes, Sorkin cria aqui um interessante ensaio sobre o choque entre o Novo e o Antigo, o Inovador e o Obsoleto. Moneyball consegue se estabelecer como uma história não só cativante e povoada por situações emocionantes, mas também como relato do difícil caminho de vozes que querem ser ouvidas em seu mundo, que querem se fazer valer.

O homem está sozinho. No meio das arquibancadas vazias, Billy Beane se recosta na cadeira, com seu rádio de ouvido. Mesmo querendo estar lá para ajudar moralmente o seu time, ele não consegue. O nervosismo contido, que mistura um explosivo ódio e uma melancólica decepção, é refletido pela fisionomia, não mais jovial, de Brad Pitt. Sabendo que, mesmo que tenha levado um time pequeno como o Oakland A's até o topo da tabela, nada adianta se o último jogo é perdido. E, pela primeira vez, Billy sente o quê aquela indústria do esporte quer mais do que a vitória ou o amor ao baseball: dinheiro.




E é assim que o Homem, que mudaria todo o jogo mais tarde, recebe a notícia de que perdeu três dos seus maiores jogadores e começa sua reinvenção.

Moneyball trabalha em dois níveis de roteiro. Em um, temos a estrutura (provavelmente) de Zaillian, que cria seus arcos de narrativa baseado na temporada de baseball. Em outro, temos os diálogos e subtexto (provavelmente) de Sorkin, que elevam o filme a um estudo que vai da simples demonstração de amor ao esporte até o retrato de toda uma geração. Basicamente, Zaillian prepara o terreno até o final climático e Sorkin o recheia. Por isso a indicação ao Oscar é justíssima: Zaillian e Sorkin criam um roteiro tecnicamente perfeito, que se mostra igualmente excepcional tanto em criar seu mundo quanto em desenvolvê-lo e subvertê-lo.

A ambientação de mundo é essencial em projetos assim. Ciente de que deve apresentar com detalhes um universo que ocupará o imaginário dos personagens durante toda a projeção, Moneyball aposta em sua excelente introdução para fisgar o espectador e conduzi-lo ao estado mental dos que povoam a tela. Em uma comparação mais simples, essa introdução com cenas de Baseball serve para a narrativa como a cena de "hackeamento" dos facebooks das universidades funcionou em Rede Social. Aqui, porém, Miller não demonstra a sutileza de Fincher e investe em um clipe dos jogos, numa solução mais direta mas, surpreendentemente, não menos eficaz.




O realismo ao se referir ao esporte serve para concluir essa ambientação. A negociação de jogadores é humanizada com esmero (Billy conversa numa camaradagem curiosa com seus adversários), o relacionamento com os olheiros é pontuado pela cobrança por resultados, as conversas com o treinador são tensas devido ao choque de filosofias. Tudo isso enquanto, claro, Billy e Peter Brand são desenvolvidos com a destreza ímpar de Zaillian e Sorkin. Peter, vivido com presença pelo ótimo Jonah Hill, se demonstra impaciente na reunião inicial, o que chama a atenção de Billy. Já o protagonista acaba demonstrando domínio intelectual total sobre sua arte, mas não do consegue reagir sem ironia diante do novo marido de sua esposa (numa engraçada ponta de Spike Jonze). O enquadramento é claro: Billy está sozinho, ao lado de um retrato. Sua esposa é apenas um retrato do passado, mas sua filha é uma falta grande em sua vida (como demonstram as cenas deles juntos, em que Billy faz o que pode, com cuidado, para fazer a adolescente bem).

E é nessa construção precisa de personagens que Moneyball poupa um precioso tempo. O que, logo, dá espaço para o discurso, sobre os desacreditados, que os roteiristas trabalham.

Essa busca pela voz, há muito perdida (ou nunca obtida), permeia Moneyball durante toda sua metragem. Billy, tentando convencer a diretoria sobre sua nova estratégia de concepção para o time, acaba sendo desacreditado por todos ali. Muitos dizem que Billy está louco, que não tem capacidade para organizar o plantel. Não por acaso, Brad Pitt é o único jovem em cena.




No flashback sobre a carreira de Billy como jogador é protagonizada pelos mesmos olheiros velhos de hoje, que tentam passar a mesma conversa de antes. A mãe de Billy, filmada com um close estupendo, fala que não quer que o filho perca os estudos e todo um futuro promissor em nome de algo tão pouco substancial. Miller filma sua boca como algo importante. Ali, não é só uma mãe falando; é toda uma retrógrada geração. Os problemas começam quando Billy, seduzido por obsoletos e interesseiros olheiros, acaba trocando um retrógrado por outro. A frustração atual, após uma carreira de pouca expressão, não se deve á ousadia de Billy; se deve, sim, a um círculo que visa mais o jogo de poder que o bem estar dos jogadores.

 “Esse é o problema de romantizar o baseball", diz Billy em certa parte. O protagonista apanhou das regras por toda a vida, sendo jogado no ostracismo devido à falta de amor ao esporte dos poderosos dirigentes (e jogadores). Já que a ideia é subverter as regras afim de vencê-las, não poderia ser diferente: a estratégia de Billy e Peter consiste em captar jogadores competentes mas que, seja por suas vidas pessoais ou limitações físicas atuais, não são valorizados pelo mercado. Vozes que não são ouvidas. Como Billy e Peter, afinal.

Essas vozes que protagonizam instantes singelos e bonitos na projeção. Sabemos que uma história cumpriu seu papel em humanizar seus personagens ao causar emoção até no abraço de um jogador com sua família ou o agradecimento de Chad a Billy, demonstrando a gratidão pela chance dada. Sem contar que, só pela explosão e gratificação contida no clímax, Brad Pitt já merecia o Oscar.




E é nessa esperança de revitalizar a paixão da vida de Billy que Moneyball emociona. Bennett Miller, ciente da força do script, trabalha com ângulos imponentes e significativos (Pitt sozinho no campo, a queda dos banners, o home run no clímax, os surtos de raiva de Billy jogando a cadeira na parede) para edificar a jornada dos injustiçados. Isso pode ser sintetizado no belíssimo clímax, embalado pela linda música-tema e conduzido com maestria pelos estilosos enquadramentos de Miller e pela montagem impecável de Christopher Tellefsen. E até em seu design de som o filme merece atenção: os meses passam e o incômodo som no vestiário continua ali.

Esperançoso mesmo em mundo melancólico (como prova a fotografia do ótimo Wally Pfister, que aposta num granulado esverdeado que oprime aquele mundo e o deixa, ainda assim, otimista), Moneyball é preciso em sua carpintaria dramática e na construção dos homens de sua história. Ainda que possa ser visto como um manifesto "loser", o filme encontraria aí uma analogia preguiçosa e reducionista.  Assim como achar que Billy está ali só pela vitória e por interesse quando, na verdade, é pelo amor ao esporte. Tanto Billy quanto Peter seguram uma bola de baseball durante a projeção. É um carinho verdadeiro, que emociona tanto quanto a espetacular cena em que Pitt deita no gramado vazio do estádio. Tocante, a reação é espontânea, efêmera, mas simboliza o filme inteiro.

Ver um retrato sobre homens determinados por sua paixão pela vitória e pelo esporte poucas vezes foi tão poderoso quanto aqui. Moneyball entretém bastante com sua bem-humorada trama, mas é no que têm a dizer sobre o mundo a seu redor que se destaca. Se não é questionador, pelo menos é bonito em sua abordagem e pertinente no que tem a dizer.

E agora sabemos como seria uma variação simples e emocional de A Rede Social. Muito menos memorável, mas igualmente honesta.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

A Invenção de Hugo Cabret


A Invenção de Hugo Cabret
(Hugo, 2011)
Aventura/Drama - 126 min.


Direção: Martin Scorsese
Roteiro: John Logan


Com: Asa Butterfield, Chloe Moretz, Ben Kingsley, Sacha Baron Cohen, Christopher Lee, Emily Mortimer, Michael Stuhlbarg, Helen McCroy e Jude Law


Muito antes de se tornar cineasta, Martin Scorsese sempre foi um cinéfilo inveterado. Pode parecer o caminho natural das coisas - um apaixonado por cinema seguir a carreira de diretor - mas a verdade é que existe muita gente por trás das câmeras que não conhece de fato a história do cinema. Scorsese sempre foi um devoto da Sétima Arte, e possui cultura cinéfila suficiente para esbanjar em seus diversos filmes . Não a toa é o cineasta das referências, que tem ciência do percurso da arte ao longo dos anos, além de contribuir fazendo parte dela como um dos expoentes mais talentosos da cinematografia norte-americana de todos os tempos.

Considerado por muitos o melhor cineasta vivo, sem dúvida não havia opção mais sábia para a direção d'A Invenção de Hugo Cabret do que o talentosíssimo nova-iorquino nascido no Queens. Mais do que traquejo no manuseio das câmeras, o filme baseado no livro homônimo de Brian Selznick precisava de alguém que verdadeiramente respirasse cinema para coordená-lo. Sem conhecer a obra original , confesso que assim que Scorsese comprou os direitos de adaptação do livro para o cinema, pairou sobre mim e outros colegas uma grande nuvem de desconfiança. Afinal , por mais aficionado que um sujeito seja por sua arte, há naturalmente limites para trafegar sobre gêneros - e se existe alguém com gênero bastante definido em sua carreira, esse alguém é Martin Scorsese.

Mean Streets, Taxi Driver, Touro Indomável, Bons Companheiros, Gangues de Nova York e Os Infiltrados são exemplos fortes da nada leve lista de filmes que compuseram a respeitosa carreira de Scorsese. A brutalidade se tornou inerente as suas composições nas telas, muito porque Scorsese a vivenciou durante seu crescimento na violenta região conhecida como Little Italy. Como um diretor tão brutal e ''censura R'' poderia aceitar dirigir um longa teoricamente infantil? E, ainda por cima, utilizando uma tecnologia muito controversa nos dias de hoje - o 3D. Afinal, Scorsese representa uma entidade clássica , e se render a uma experiência que gerou tantos subprodutos fúteis e caça-níqueis nos últimos anos era algo , no mínimo, questionável.




Mas a verdade é que não se pode julgar nada antes da hora. A Invenção de Hugo Cabret revela-se mais um marco emocionante e desde já inesquecível da estupenda cinematografia de Martin Scorsese. Uma película simples, porém jamais rasa, que trata das origens da história do cinema, ao contar a paixão de um menino pela mágica sala escura que revela histórias - e se a narrativa de Hugo Cabret, a princípio, não tinha nada que combinasse com Scorsese, já podemos ver por aqui que semelhanças existem, e ao longo da projeção, amontoam-se.

Roteirizado pelo hábil John Logan - mente responsável por Rango, outro filme que soube lidar de maneira sutil e eficaz com referências ao cinema - A Invenção de Hugo Cabret narra a história de Hugo (Asa Butterfield), um menino que vive entre as paredes da estação de trem de Paris, tratando para que os relógios daquele lugar não parem. Ele tem o propósito de consertar um misterioso autômato encontrado por seu falecido pai, e para isso, faz pequenos roubos na loja de Georges (Ben Kingsley). Determinado a cumprir seu objetivo, ele é ajudado pela afilhada de Georges, Isabelle (Chloe Moretz) que possui ,curiosamente, uma chave que se encaixa perfeitamente na fechadura do autômato.

O script do longa certamente não é seu ponto alto, repleto de situações já conhecidas e com uma narrativa esquematizada, mas não era possível sair desse sistema: Hugo é, antes de mais nada, um filme de homenagem aos antigos clássicos, tendo assim seu foco não em reinventar a roda, mas em analisá-la da maneira mais saudosista e interessante, conseguindo trazer para as novas gerações a história da origem da Sétima Arte de maneira tocante, emocional e sutil. Diferente de outro longa desta temporada que remonta a clássicos, como O Artista, Hugo não utiliza das técnicas da época para reforçar sua nostalgia e escancarar suas referências. Usa uma história paralela, para contar sobre os acontecimentos da vida de Georges Mélies, por exemplo. Não apela, por tanto, nem aponta setas luminosas para sua "ousadia". Apenas trata com carinho os entraves reais da vida dos pioneiros do cinema, utilizando de outra narrativa tocante para tanto.




Aliás, esse paralelo traçado entre o cinema antigo e a narrativa contada pelo próprio filme é bastante chamativo. Há personagens coadjuvantes aos montes que servem de link direto ou indireto à personas e situações do cinema do final do século XIX e das décadas de 10, 20 e 30. O personagem de Sacha Baron Cohen, por si só, é a encarnação do humor físico desempenhado na época de Charles Chaplin, Buster Keaton e Harold Lloyd; todo o esquema de atuações do elenco de apoio suporta as referências aos primórdios do Cinema, onde o humor e os trejeitos quase teatrais eram considerados fundamentais.

Mas talvez o que mais mexa com o espectador seja a noção da paixão que Scorsese possui por sua profissão. Quando citei que era de se estranhar alguém como o diretor realizar um filme "destinado ao público infantil", era porque simplesmente não havia assistido ao longa. A Invenção de Hugo Cabret tem muito em comum com a vida de Scorsese, ligações que vão desde sua infância até sua vida recente. Hugo, afinal, é um menino deslumbrado por cinema, que ficava encantado quando seu pai o levava a uma sala de exibição. Ora, a conexão que isto tem, não só com amantes de cinema ao redor do mundo, mas principalmente com  Martin Scorsese aprimorando sua cinefilia ainda jovem, é claríssima, e gera uma força emotiva incrível, que se origina desse belo subtexto.

Ainda temos também, a história de Georges Méliès. Aqueles que viveram com tamanha paixão e dedicação ao cinema como Méliès, são pertencentes a um grupo seleto de artistas. O homem foi testemunha e agente importantíssimo nos primórdios da Sétima Arte, realizador de centenas de filmes, passando por uma fase negra quando vendeu as películas de suas produções para empresas que as derreteram para a criação de calçados. Não cabe a mim dizer se Scorsese é tão inclinado como Méliès foi para o cinema; comparações do tipo sempre serão nascentes de polêmicas desnecessárias. O que fica claro para nós, entretanto, quando vemos Méliès trabalhando em seu estúdio construído com paredes de vidro, é a imagem de um artista inebriado com sua obra - e é inevitável não ter um insight neste momento que nos remeta a Scorsese, que deixa um manifesto de amor à  hoje subestimada Sétima Arte, tratada como comércio por tantos pseudo-diretores".




No geral, é isso que o filme é: uma grande mensagem de afeto ao cinema. Tal mensagem é representada pelo amor de personagem a personagem; pelo carinho de Hugo com seu autômato; pela persistência de cada um por seu objetivo - assim como nunca Hugo desiste de reaver seu caderno, os verdadeiros cineastas nunca desistiram do verdadeiro valor do cinema. Por vezes, nos enxergamos  em mero exercício sensorial durante a projeção: analisando as referências metalingüísticas inspiradas - como nas cenas onde Hugo está prestes a ser atropelado por um trem, remetendo à primeira exibição dos irmãos Lumière - ou pelos gracejos simples de um ou outro personagem .

Nos perdemos também pelas belas imagens que o 3D primoroso do filme exibe: Scorsese realiza aqui seu primeiro trabalho com o 3D estereoscópico, e logo de cara faz uma das melhores apresentações tridimensionais que o cinema já viu. Sabe como passar as noções de profundidade, revelando que parece mesmo ter se dedicado a estudar a técnica, e consegue aplicar a tridimensionalidade até para realçar o drama de seus personagens - a neve contínua, a fumaça aparecendo em momentos oportunos - demonstrando que Hugo é, mais do que Avatar ou qualquer outro filme, um projeto realmente pensado para o 3D. Há passagens na trama que têm seu potencial dramático atingido apenas se assistidas com a tecnologia. Momentos singelos, que não devem ter sua surpresa estragada sendo contados aqui. Tudo isso, aliado a um design de produção soberbo, produz fotogramas de beleza surpreendente. Note também a inteligência da direção de arte ao aliar todos os cenários/instrumentos antigos com uma paleta de cores vivas que transmitem o "sonho" dentro da cabeça de uma criança.

Outro aspecto que nos deixa completamente extasiados na projeção são suas atuações.  Se Asa Butterfield consegue prender toda a atenção dos espectadores a si, revelando ter uma presença de cena admirável, principalmente para um ator de sua idade, as coisas ainda melhoram com sua química nada forçada com a talentosa  Chloe Moretz. Os dois levam suas cenas adiante com fluidez invejável, o que torna a experiência do filme ainda mais orgânica. Aliás, outro que se revela completamente entregue a seu papel - o mais delicado, já que trata de uma figura histórica - é Ben Kingsley, que exibe seu carisma costumeiro, encarnando o turbilhão de emoções que seu personagem se submete, mas tendo êxito, principalmente, ao trazer à vida a paixão que este tinha por sua arte.




A Invenção de Hugo Cabret é uma homenagem sem precedentes, filme que se revela extremamente vistoso e sentimental à primeira vista, porém se torna mais terno e importante depois de certo tempo. É uma daquelas apresentações que nos lembram do que a Sétima Arte realmente é feita - de idéias e de trabalho duro. Inspiração e transpiração nos trazem a um limiar de sucesso no cinema, que é o patamar no qual qualquer realizador deveria querer chegar: o de sonho. Não estou dizendo aqui que Scorsese é arrogante o bastante para ter a audácia de ensinar a alguém como transmitir a magia do cinema; mas fazê-la ficar eternizada é um bom e bem-vindo lembrete.