sexta-feira, 29 de junho de 2012

Para Roma com Amor


Para Roma com Amor
(To Rome with Love, 2012)
Drama/Romance/Comédia - 102 min.

Direção: Woody Allen
Roteiro: Woody Allen

Com: Jesse Eisenberg, Alison Pill, Alec Baldwin, Penelope Cruz, Roberto Benigni, Ellen Page, Woody Allen

Parece regra: basta Woody Allen juntar muitas historias em uma mesma narrativa para que o filme desande. Embora, não seja só isso que faça de Para Roma com Amor um filme consideravelmente inferior a Meia Noite em Paris, ou mesmo outros filmes de Allen que não estão no mesmo patamar de seus filmes mais intrigantes, inteligentes, divertidos ou dramáticos.

O problema de Para Roma, reside no mesmo que catapultou Meia Noite para o topo das listas de melhores do ano de muitos críticos ao final do ano passado: seu roteiro. Se Meia Noite não era um desbunde de direção, tinha um roteiro afinado que funcionava muito bem, bons personagens e uma historia ao mesmo tempo mágica e realista, que relacionava a nostalgia com vultos do passado, num coquetel de cultura e diversão.

Para Roma tem um roteiro episódico, recortado entre uma serie de personagens diferentes que povoam o filme. Em suma, o primeiro erro de Allen foi conceber em um mesmo filme tantas subtramas, tantas histórias diferentes que em momento algum se inter-relacionam, permanecendo únicas. Talvez se cada pequeno conto se se transforma em um filme teríamos novos e bons filmes do diretor, embora essa ideia episódica surja como uma homenagem do diretor ao cinema italiano, popular nos anos sessenta e setenta por lançar diversos filmes que tinham essa ideia de apresentar várias pequenas historias unidas em um único filme.


Iniciando com um plano em um guarda de trânsito que funciona como apresentador da "ode" de Allen a cidade italiana, o filme intercala as diversas historias presentes em seu roteiro. Temos o casal do interior que chega a cidade de Roma e diante do iminente encontro com os tios do "noivo", acabam se perdendo, envolvendo-se com atores famosos e garotas de programa. A historia - digamos - principal coloca uma jovem turista americana que ao se apaixonar por um italiano traz seus pais para conhecer a família do namorado e possível marido. O filme ainda critica a indústria das celebridades com a historia do homem que sem motivo alguma se torna famoso e ainda tem espaço (em teoria) para colocar um espelho diante de um homem de meia idade (ou de um jovem) para analisar a passagem do tempo e as consequências de nossas escolhas na vida.

A historia do casal interiorano é que apela mais diretamente para o humor. A jovem Milly (a bela Alessandra Mastronardi) se perde na complexa Roma - e Allen ilustra isso com diversos figurantes tentando informar a garota, que obviamente não consegue compreender as informações - enquanto seu noivo, o travado Antonio (o espirituoso Alessandro Tiberi) recebe a visita da garota de programa Anna (Penelope Cruz estonteante), que funciona como professora para o personagem. Essa é a historia que melhor funcionaria como apoio para uma outra maior e mais elaborada, pois a natureza da montagem (com cenários diversos e muitos figurantes) ajuda a historia a parecer maior do que na verdade é. Apesar do humor não funcionar na resolução da historia, que parece ter saído de um filme ruim de Almodóvar, diverte pela comédia de erros que proporciona.

A historia da jovem americana (Alison Pill) que se apaixona é a que tem mais tempo de tela e que por consequência pode ser encarada como principal, embora seja a menos interessante delas. Simplória em sua construção, tenta ganhar pontos com a entrada dos pais da "noiva", vividos por Judy Davis e Woody Allen. Phyllis (Davis) é uma psiquiatra cética que vê o marido como um homem que pode ser dominado, já que em sua profissão (ele trabalhava na divisão de musica clássica de uma gravadora e dirigiu algumas operas) sempre foi considerado excêntrico, portanto, um material vasto para uma análise. Allen, por sua vez, repete pela enésima vez o personagem neurótico e cheio de manias que o consagrou. Longe de ser um grande ator, Allen funciona nesses papeis, pois eles representam muito do que Allen sente e pensa, portanto não parece absurdo imaginar que os discursos de Jerry a respeito da aposentadoria sejam o que Allen verdadeiramente pensa. Jerry detesta estar aposentado e enxerga "parar" como morrer. Será essa a visão de Allen? Sem seus filmes rapidamente morreria, mesmo que não de forma física? Outra questão muito debatida no filme é o fato do personagem ser por diversas vezes chamado de "a frente de seu tempo". O que seria isso? Uma sátira de Allen aos intelectualóides, que acham que seus trabalhos são realmente especiais? Uma constatação de que a arte muitas vezes antecipa-se a sociedade? Ou um reflexo de si mesmo? De todo caso, o foco da historia não é o personagem de Allen diretamente, mas o sogro de sua filha, um legitimo cantor de banheiro que é usado por Allen como ultima esperança para manter-se ativo. Apesar de funcionar no começo e da trilha e produção serem impecáveis, é cansativo revermos a mesma ideia sendo repetida. O bom humor do começo da história vai se perdendo, transformando os sorrisos (Allen nunca fez filmes em que as pessoas gargalham compulsivamente) em indiferença.


A melhor das pequenas historias é a que critica sem piedade a indústria da fama. Roberto Benigni é um sujeito sem graça, que tem uma família absolutamente comum e um emprego banal. Sem nenhum motivo aparente, passa a ser perseguido pelos papparazzi que estão interessados em tudo e qualquer coisa que ele faça. Tudo vira motivo para notícia, de seu café da manhã até seu corte de cabelo, sempre com o viés crítico. Porém, o personagem de Benigni como muitos que são tocados pelas facilidades da fama, passa a aproveitar o "bem-bom". Allen deixa de lado a crítica quando nos momentos finais da trama subverte a situação, quase que se rendendo a fama.

E a mais confusa dos pequenos contos envolve Jesse Eisenberg e Alec Baldwin, que nunca fica exatamente claro, se são amigos reais ou imaginários. Seria Eisenberg o reflexo do passado de Baldwin? Ou seria Baldwin um vislumbre do futuro de Eisenberg? Allen dá dicas sobre o realismo da historia. Enquanto todas as historias seguem praticamente uma mesma linha cronológica, essa historia tem saltos no tempo, o que demonstra que algo ali não está certo. O fato de Baldwin estar sempre presente ao lado de Eisenberg também é outra indicação da natureza da historia, tornando-o quase a representação da consciência do personagem.

Para Roma com Amor é um amontoado de historias, algumas razoáveis, nenhuma notável e algumas mal resolvidas. Na tour mundial de Allen, dessa vez na Itália, o diretor homenageia a cidade e seu cinema, é verdade, mas diferente de seu ultimo filme, esqueceu-se de unir o guia turístico a uma narrativa sólida.



sexta-feira, 22 de junho de 2012

Medianeras: Buesnos Aires da Era do Amor Virtual

Medianeras: Buenos Aires da Era do Amor Virtual
(Medianeras, 2011)
Drama/Romance - 95 min.

Direção: Gustavo Taretto
Roteiro: Gustavo Taretto

Com: Javier Drolas, Pilar López de Ayala

Falar de amor, ser pop e ainda ter uma preocupação social. Parece muita pretensão para um filme tão pequeno, tão objetivo e tão simples. Medianeras, do diretor argentino Gustavo Taretto, pretende mostrar como o isolamento causado pela vida - cada vez mais presente - virtual pode transformar a humanidade. Pessoas que passam mais tempo conversando e se divertindo na frente de um monitor do que experimentando a vida e tudo mais.

Soa retrógrado? Soa piegas? Soa como aquela tia velha que mal sabe o que é um e-mail? Em teoria sim, mas a forma inteligente com que Taretto apresenta suas ideias, faz com que seus questionamentos não atinjam apenas para a internet (como um meio), mas toda uma sociedade cinzenta e inflexível, acostumada a relações breves, apesar de muito intensas.

Essas discussões sobre a tal sociedade pós-moderna é que fazem de Medianeras mais do que uma comédia romântica com viés pop, com muitos offs (que funcionam muito bem, caso raro) e personagens melancólicos. Ao observarmos a análise de Taretto sobre o excesso de fios que cortam as cidades, ou as tais medianeras (o lado dos prédios que não tem janelas ou ventilação, e que são habitat dos personagens do filme) ou mesmo sobre as plantas de espécies não identificadas que nascem em qualquer ranhura dos prédios - o que segundo o filme, é uma prova da força da natureza - percebemos que o diretor e roteirista quer mais do que simplesmente "falar mal da internet".


Medianeras não é apenas uma discussão sobre a modernidade, mas uma historia de amor entre dois melancólicos jovens adultos em meio a muita cultura pop e um texto que beira o minimalismo. Martin (Javier Drolas) é um designer gráfico que vive enfurnado em casa diante da tela de seu computador criando sites, enquanto cultiva uma paixão pelo personagem Astro Boy, joga muito videogame (foi campeão de FIFA e chegou ao nível Chefão na versão game de Godfather) e desde que sua ex-namorada se foi, cuida da cadela deixada pela ex. Mariana (Pilar López de Ayala) é uma arquiteta que não exerce a profissão, e que passa os dias entre a solidão causada pelo término de um relacionamento longo que não deu certo, uma dificuldade crônica de usar elevadores, um novo vizinho pianista, sua profissão como vitrinista e sua paixão pelos livros de Wally.

Taretto apresenta os personagens quase da mesma maneira e os coloca como vizinhos, ao mesmo tempo em que os afasta sempre que pode, mostrando que a distancia infligida pela modernidade nos impede -  por exemplo - de conhecer aqueles que estão ao nosso lado. Mariana prepara uma vitrine e diz que quem observa seu trabalho, acaba conhecendo sua essência e quem aprecia o que vê, na verdade está dizendo que se interessa por ela. Martin para em frente à vitrine e fica encantado com o que vê. Mariana resolve abrir uma janela em seu apartamento, assim como Martin. Ambos moram em prédios vizinhos, gostam das mesmas coisas e mesmo assim não se conhecem. É isso que Taretto quer dizer.

O que o diretor apresenta de forma sutil é que apesar da tecnologia nos aproximar do mundo, nos separa da vida. Não sei se concordo com isso, mas é notável que nossas relações interpessoais mudaram muito desde que a internet se fez presente em nossas vidas. Falamos com um número cada vez maior de pessoas, mas, com quantas realmente conversamos? E quantas apenas "jogamos conversa fora"? E os relacionamentos amorosos? Muitos começam via internet e se transferem para a vida real, mas quantos duram mais do que a paixonite aguenta? Quantos se mantém estáveis diante dos problemas da vida real? E quanto à informação, cada vez mais fácil de ser encontrada? Absorvemos a torrente de ideias? Ou apenas apreciamos a superfície, nunca chegando ao cerne da questão?


Existe uma personagem no filme (a passeadora de cachorros) que entra e sai da trama de forma abrupta, mesmo se relacionando de forma visceral com determinado personagem do filme. Surge "do nada", intensifica sua relação da forma mais extrema possível e simplesmente some, sem deixar qualquer vestígio. Aqui, Taretto exemplifica como a virtualidade transformou as relações humanas, amizades que nascem, se intensificam e morrem de modo virtual, sem sequer guardarmos lembranças "reais" daquela pessoa que pode ter dividido um pouco de seu tempo e vida conosco.

Medianeras é um conto romântico e com um leve ar de conto de fadas, mesmo apontando suas armas para a análise direta do fenômeno das relações humanas na era virtual. E se tem um moral da história é a mesma que todos nós - usuários frequentes, mas não bitolados da internet - já conhecemos. Tenha uma vida que vá além do que está diante de seus olhos em uma tela iluminada. Vivencie as experiências reais de forma tão visceral quanto as virtuais. De repente, sua vizinha pode gostar de Wally, usar camisetas do Garfield e te convidar para sair...

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Sombras da Noite


Sombras da Noite
(Dark Shadows, 2012)
Comédia/Fantasia - 113 min.

Direção: Tim Burton
Roteiro: Seth Grahame-Smith

Com: Johnny Depp, Eva Green, Helena Bonham Carter, Chloe Grace-Moretz, Jackie Earle Haley, Jonny Lee Miller

Tim Burton precisa urgentemente de uma reciclagem. Parece claro para quem acompanha a carreira do diretor de grandes trabalhos como Ed Wood e Edward Mãos de Tesoura que Burton esta vagando no limbo há alguns anos. Parece profundamente perdido entre seus mundos fantásticos, bonitos de se ver, mas cada vez mais vazios e absurdos.

Em Sombras da Noite, Burton concebe mais um mundo exagerado. Baseado na novela - sim, novela - americana de mesmo nome, o filme conta a historia do retorno ao convívio humano do vampiro Barnabas Collins (Johnny Depp), que fora amaldiçoado por uma bruxa ciumenta quando rejeitou o seu amor. Uma vez amaldiçoado com o vampirismo, foi caçado pelos habitantes locais e enterrado onde permaneceu inerte por mais de um século.

Quando o filme começa, somos apresentados à nova geração da família Collins, que outrora - e isso é explicado no bom prólogo do filme - havia construído e mantido a cidade de Collinsport (não por acaso batizada com o nome da família). A matriarca é a bela Elizabeth (Michelle Pfeiffer), viúva e que tem na excêntrica e profundamente antenada no que de mais pop acontece Carolyn (Chloe Grace-Moretz) sua única filha. Na casa ainda moram o irmão "vagabundo" Roger (Jonny Lee Miller) e seu filho, o assustado (e avatar do pequeno Burton imagino) David (Gulliver McGrath), a doutora alcoólatra vivida por Helena Bonham Carter, o caseiro-empregado-criado-pau para toda a obra Willie (Jackie Earle Haley) e uma senhora quase cega e surda, a Sra. Johnson.


A apresentação de todos esses personagens, que ainda incluem a misteriosa Angelique (Eva Green) e a desnecessária Victoria (Bella Heathcote), é divertida e recheada de uma trilha sonora excelente, direção de arte impecável e diálogos engraçados. Parecia que Burton finalmente tinha acertado.

Porém, Burton escorrega no que parece ser seu calcanhar de Aquiles: o desenvolvimento da historia e dos personagens. Se Barnabas, apesar dos irritantes tiques de Depp (a saber: sua mania de enrolar as palavras como o capitão Jack Sparrow, o olhar perdido como Willy Wonka e Sweeney Todd e seu olhar de cima para baixo quando quer passar a impressão de que se assustou com alguma coisa, assim como... todos os seus tipos criados com Burton) é bem resolvido e entendemos que a graça do filme será acompanhar um vampiro profundamente apaixonado por seu legado e seu nome familiar se habituando as modernidades do século XX, os demais personagens são rascunhados e sem nenhuma profundidade.

Angelique é a megera apaixonada, a doutora uma alcoólatra ranzinza, Roger é tão mal resolvido que na metade da projeção Burton não tem pudor em tirá-lo do filme sem maiores traumas, a menina interpretada por Moretz apesar de divertida é um pequeno estereótipo de uma época, o garotinho que deveria servir como ligação emocional com Barnabas tem pouco tempo de cena e Victoria, que tinha tudo para ser a personagem redentora e fundamental para a trama, é quase que completamente esquecida no pavoroso ato final, que tira explicações e ideias da cartola do Gato Félix para resolver alguns pontos de conflito.


Sem revelar o desfecho da trama, basta ao leitor saber que o humor non-sense permeia o filme, e que no final tudo se resolve em uma gigantesca batalha, que vai revelar a verdadeira natureza de um dos personagens, sem que, no entanto nenhuma referencia tenha surgido para corroborar essa mudança.

Apesar de um elenco que se esforça para se divertir com aquilo é difícil fugir do óbvio: Tim Burton precisa de um novo fôlego. Precisa parar de se auto-parodiar, de tentar reciclar ideias dos outros (no novo século, a exceção de Peixe Grande e Noiva Cadáver, todos os seus filmes são adaptações, remakes de obras conceituadas ou re-imaginações de universos: Planeta dos Macacos em 2001, Fantástica Fábrica de Chocolates em 2005, Sweeney Todd em 2007 e Alice no País das Maravilhas em 2010). Foi-se o tempo em que a indicação de Tim Burton ao lado de um roteiro sobre mundos fantásticos era sinônimo de diversão e bom trabalho.

Sombras da Noite é datado, mal construído, com personagens demais e mais um trabalho do diretor lindo de se ver e vazio como um poço sem fundo.



quinta-feira, 14 de junho de 2012

Prometheus


Prometheus
(Prometheus, 2012)
Ficção Científica - 124 min.

Direção: Ridley Scott
Roteiro: Jon Spaihts e Damon Lindelof

Com: Noomi Rapace, Michael Fassbender, Charlize Theron, Idris Elba, Logan Marshall-Green, Guy Pearce

É impossível recriar a magia. Um truque realizado uma vez, dificilmente terá o mesmo exito se for repetido. É impossível deixar o cinema com a mesma sensação de medo e agonia que o primeiro Alien causa nas pessoas. O filme de 1979 é um dos maiores exemplares do cinema de terror dos últimos quarenta anos. Prometheus é um bom - com ressalvas - exemplar de filme de ficção científica com ares messiânicos.

Profundamente inspirado pela ideia de Eram os Deuses Astronautas, escrito por Erich von Däniken,cult dos anos 70 e que propunha que os seres humanos poderiam ter sido "criados" a parte de alienígenas, o retorno de Ridley Scott ao mundo de Alien é bem intencionado, tem conceitos interessantes, algumas metáforas bastante obvias e outras que podem incomodar os mais céticos.

Comecemos pelo plot: estamos em 2084 e Elisabeth Shaw (Noomi Rapace) é uma cientista em busca de respostas sobre as ditas questões essenciais da vida: de onde viemos e para onde vamos? Quem - ou o que - nos criou? E para que? Ao seu lado Charlie (Logan Marshall-Green), outro cientista que - além de apaixonado por Elisabeth - também está em busca das mesmas respostas.


A partir daí, o filme dá um salto de dez anos, e encontramos um homem circulando sozinho em uma nave vasta. Seu nome é David (Michael Fassbender) e ele é um robô. Ele serve como uma espécie de mordomo e como não precisa ficar em estado de criogenia (ou algo assim) pode manter-se acordado por toda a viagem. Em seu tempo livre, David estuda sobre o homem, já que sendo uma criatura sintética não consegue produzir as mais básicas emoções humanas. Joga basquete enquanto anda de bicicleta (e o diretor mostra isso como exemplo de sua força e destreza), estuda as mais diversas línguas antigas já criadas pelo homem e se apaixona pelo cinema, em especial por Lawrence da Arábia (na cabine que compareci mostrado inclusive em 3D, o que causa certo "prazer" cinéfilo secreto).

Ao lado do andróide e do casal de cientistas, a nave Prometheus (a primeira nas metáforas óbvias do filme) conta com a fria Vickers (Charlize Theron) que explica ao restante da equipe que após descobertas arqueológicas em diversos sítios espalhados pelo mundo foram notados uma constante nas pinturas das mais diversas civilizações. Uma formação planetária, que é interpretada pelos cientistas como um mapa, que - eles crêem - leva aos "criadores" da vida na Terra.

A partir dai a historia se desenvolve. Como disse o conceito não é novo, mas é interessante. Mistura o que se entende por criacionismo (que o homem foi "criado" por alguma forma mais evoluída) com a ideia da evolução, que imagino todos conheçam. A ideia de o homem estar atrás de suas respostas sobre seu lugar no universo é peculiar em nossa arrogância sem fim. Somos uma espécie que realmente acha que é especial e não mais um "inquilino" no planeta Terra. Desde sempre, o homem busca respostas para aquilo que não consegue responder, e o roteiro de Jon Spaihts e Damon Lindelof parece brincar com as expectativas do publico em relação a respostas (uma constante na vida de Lindelof). Adianto, por consequência, que se o publico está esperando "o" filme sobre a criação das coisas, esqueça, já que ao final da sessão é bem mais provável que o espectador saia carregado de novas perguntas sobre o que viu, o que hoje em dia, é um feito.


Em um mercado cada vez mais saturado de filmes que passam despercebidos, fazer pensar é um artigo de luxo. Não que Prometheus seja "cabeça", mas suas dúvidas geram teorias e essas teorias fazem com que o filme sobreviva depois do final da projeção.

Passamos as metáforas, que são várias e nada sutis. Iniciemos pela mais óbvia e clara: Prometheus. Prometeu, na mitologia grega, era o titã que roubou o fogo de Zeus e entregou a humanidade, na tentativa de transformar os homens em iguais perante aos olimpianos. O titã foi punido pelos deuses, e uma vez acorrentado, teve seu fígado bicado por uma águia até o fim dos tempos. A tripulação faz o mesmo: são os insignificantes humanos tentando descobrir seus deuses criadores e como tal (e isso não é um spoiler, já que a campanha de divulgação do filme foi massiva em relação a esse elemento) desencadeiam uma tragédia.

As demais metáforas estão aqui e ali espalhadas pelo filme. As mais claras dizem respeito à data em que o filme se passa e ao destino dos tais "criadores", chamados de Engenheiros. Tentando caminhar sobre a corda bamba e não entregar detalhes sobre a trama (que é o mais interessante do filme) digo ao leitor para se manter atento a esses elementos e ao final da projeção tentar criar sua própria teoria sobre o que viu. Já pipocam na internet uma serie de analises, "respostas" e afins para explicar alguns dos elementos mais nebulosos da trama, que para mim, estão dispostos dessa forma propositalmente. Basicamente, o filme propõe uma serie de coisas e responde a muito poucas delas, o que me causou uma sensação de dubiedade.


Explico: como fã de Lost, passei anos acompanhando a serie conjeturando sobre explicações para os eventos acontecidos na tal ilha, portanto, minha capacidade de "teorizar" é bastante grande, embora o senhor Lindelof continue seu caminho para ser o maior brincalhão da Terra, reunindo uma serie de perguntas intrigantes e sabendo responder muito poucas. Por outro lado, diferente de uma serie de TV, que é seriada, e que você acompanha os personagens ao longo de uma historia desenvolvida de forma mais lenta, um filme prega o imediato. Um filme precisa se resolver por si só. Precisa que o espectador não precise de "guias" para entender o que assistiu, e nisso Prometheus é incompleto. Apesar de propor muita coisa interessante, não consegue desenvolvê-las com exatidão deixando um gosto agridoce na boca.

Imagino que Lindelof tenha se encarregado dos mistérios e teorias (vendo seu trabalho pregresso), enquanto Spaihts tenha ficado com a questão humana, de desenvolvimento dos personagens, e que é o grande problema do filme. Em Alien, de 1979, tínhamos sete personagens no filme. Todos eram importantes, e eram interpretados por grandes atores. Em 2012, a tripulação do Prometheus tem exagerados dezessete personagens. A exceção de Shaw, Vickers, David e do capitão interpretado pelo ótimo ator inglês Idris Elba, os demais são absolutamente descartáveis, incluindo ai o namorado de Shaw, o cover de Tom Hardy, Logan Marshall-Green.

Entre esse mundo de personagens demais, estão um biólogo que tem medo de descobertas biológicas (um grande exemplo de cientista), um geólogo com medo de construções (e que também funciona como o idiota do filme), uma dupla de pilotos que passa o filme inteiro na nave em uma aposta absolutamente desnecessária e uma serie de outras figuras sem nome que vão servindo de "bucha de canhão" durante a historia.


Mesmo os personagens principais - esses citados - têm problemas. Se David é bem concebido e de novo mostra como Michael Fassbender é um sujeito capaz de criar um sucesso dos mais diferentes tipos e personagens, fazendo do seu robô uma criança curiosa e quase sádica, Elisabeth Shaw é uma personagem fragilizada. Impossível não compará-la com Ripley do primeiro Alien, que desde sempre parecia uma pessoa com capacidade para liderar uma equipe. Shaw tem traumas demais, questionamentos demais - que até são importante para a trama, para sua motivação - mas que não convencem quando precisar comprar a ideia de que ela é de alguma forma a líder daquele grupo.

Elba é o "motorista do caminhão", um sujeito relaxado, que está nessa vida há muitos anos e que sabe exatamente o que fazer (em teoria), enquanto Vickers exemplifica a ferocidade das companhias, gélida, quase mecânica e sensualmente asséptica com suas roupas quase que coladas ao corpo, como se fizessem parte dela mesma.

Esse excesso de gente em tela prejudica o desenvolvimento dos personagens e se reflete na inserção de algumas cenas absolutamente desnecessárias, como uma que envolve um convite feito por Elba a Theron, uma conversa ligeira entre Rapace e Logan na cama e uma revelação da mesma Theron na parte final do filme. A primeira é simplesmente sem sentido e tenta dar um alívio cômico onde não é necessário, a segunda serve apenas para preparar o terreno para uma cena de violência gráfica forte e interessante que se segue e a terceira não deveria existir, já que a dúvida nesse caso já era respondida de forma menos direta.


O primeiro ato do filme é realmente empolgante, com todas as questões sendo colocadas na mesa, incluindo ai a cena mais linda do ano, que coincidentemente abre o filme e tem relação direta com tudo que será mostrado durante o restante da projeção. Depois, infelizmente, as coisas começam a perder força e o final aberto para continuações desperta certa frustração, já que fica claro que essa historia continuará a ser desenvolvida em projetos futuros. A pergunta que fica é a seguinte: é possível desenvolver-se mais a partir de um filme irregular?

Ridley Scott continua sendo um dos mais impressionantes diretores do cinema em termos visuais. Ele cria mundos absolutamente reais, sem, no entanto, precisar apelar para a computação gráfica quando ela não é necessária. Lendo as notas de produção do filme, fico profundamente impressionado com o fato de que muita coisa foi feita em locação, que muitos sets foram criados e muitos efeitos práticos foram utilizados. É um mundo palpável, cru e real.

Impecável com sua fotografia sombria e cheia de "chiaroescuro" quando os cientistas exploram o mundo alienígena e que é sombria quando vemos a nave Prometheus, surgindo como uma gigantesca criatura de metal encravada em um mundo arenoso e abandonado.


O design de produção é impressionante, tanto no mundo alienígena, quando na própria nave que é bastante diversificada, indo de instalações simples e quase militarizadas ao quarto de Vickers, uma espécie de apartamento de luxo que consegue - sem precisar de muito - mostrar a personalidade da personagem, descrevendo-a como uma mulher poderosa e sofisticada, que não precisa ter aquilo, mas que pode ter e portanto o tem. Sobre o mundo alienígena, novamente H.R. Giger - um genial artista suíço que criou o visual no primeiro filme - tem suas obras referenciadas nesse mundo extraterreno. Por outro lado, a tecnologia que era vista em 1979 como um emaranhado de botões gigantes e luzes que piscam, foi substituído por hologramas e afins, o que pode causar certo incomodo, já que o filme se passa muito antes do primeiro Alien.

Os efeitos visuais evoluíram demais e dessa vez vemos a repetição de uma cena icônica do primeiro filme, sendo repetida de forma ainda mais impressionante, incluindo ai cuidados quase neófitos como o uso dos mesmos efeitos sonoros para identificam a ação na tela. Por outro lado, apesar de biologicamente impossível de acontecer daquela maneira, à cena claustrofóbica que coloca Noomi Rapace a mercê da mesma ameaça sangrenta que ameaçou o primeiro Alien, apesar de não ser tão efetiva quanto à cena "original" continua sendo tensa e pregando o espectador na cadeira.

Ridley Scott disse que só voltaria ao mundo da ficção cientifica se tivesse um roteiro excelente para trabalhar. A ideia era um prequel sobre Alien, mas durante o desenvolvimento da historia Scott mudou de ideia e Prometheus começou a ser desenvolvido como uma versão de Eram os Deuses Astronautas. Depois ele misturou as duas ideias, colocando sua narrativa sobre a criação da vida dentro do universo criado por Alien, talvez ainda intrigado pelo "jóquei espacial", a figura lendária que aparece no primeiro filme e que desde então foi responsável por uma serie de teorias a seu respeito.


Scott, como diretor do primeiro filme, tem todo direito de dar suas respostas sobre quem é aquele sujeito ao mesmo tempo em que tenta explicar o ser humano na Terra. Sim, é bastante pretensioso. Sim, o resultado não é perfeito. Sim, a metáfora sobre as motivações para que os tais Engenheiros criarem vida (e tirarem) não é das mais sutis e certamente causará a ira de muita gente. E sim, teremos continuações.

Prometheus é lindo de se ver, vai estimular muita conversa pós-sessão, mas seus conceitos ficam subdesenvolvidos e seus personagens são mais frios do que o robô David, esse sim, a estrela da companhia.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Madagascar 3: Os Procurados


Madagascar 3: Os Procurados
(Madagascar 3: Europe's Most Wanted, 2012)
Comédia/Aventura - 85 min.

Direção: Eric Darnell, Tom McGrath e Conrad Vernon
Roteiro: Eric Darnell e Noah Baumbach

Com as vozes de: Ben Stiller, Chris Rock, David Schwimmer, Jada Pinkett Smith, Bryan Cranston, Martin Short, Sacha Baron Cohen, Cedric the Entertainer, Jessica Chastain, Frances McDormand

E chegamos a mais um Madagascar, a serie que coloca os animais em lugar dos humanos para que nós nos identifiquemos com eles e rirmos das piadas que, no fundo, são dirigidas a nós. A antropoformização é um trunfo da animação quando quer de forma "inteligente" criticar um comportamento humano. Ela é usada desde sempre, e na última década ninguém fez com maior sucesso do que a Dreamworks em Madagascar.

Nesse terceiro capítulo - que tem cara de ser o último, mas não duvide se pintar uma quarta parte por aí - depois de um período de tempo indefinido, continuam na África longe de casa, Alex, Mellmann, Gloria e Marty. Os pinguins (que hoje são mais famosos que os personagens dos longas, graças à bem sucedida serie animada) partiram no final do segundo filme, junto aos macacos deixando os demais presos em um continente “estranho", embora não se faça nenhuma menção - mesmo - aos eventos do segundo filme.

Alex, cada vez mais infeliz por estar fora de Nova York decide seguir os pinguins, que se descobre (honestamente não me recordo se isso aparecia no segundo filme) estão em Mônaco. Como? Primeiro problema do filme, já que não se mostra exatamente como os animais fazem para chegar até lá, eles simplesmente surgem com snorkels na baia do principado, o que sugere que eles foram nadando (pois é).


Depois de se envolver em uma confusa tentativa de se aproximar dos pinguins, os animais acabam perseguidos por uma obcecada e caricata policial monegasca (embora se vista como uma versão do inspetor Clouset da Pantera Cor de Rosa, que por sua vez é francês) e depois de algumas cenas de ação e perseguição bem realizadas, se deparam com a salvação no circo que está de saída da cidade. Por lá, conhecem os novos personagens que farão à alegria (ou não) da criançada: o tigre russo Vitaly, a jaguar Gia e o leão marinho Stefano. Vitaly funciona como o anti-herói e é assombrado por um trauma enquanto Gia é a garota inocente da vez e interesse romântico do leão Alex e Stefano, o alívio cômico mais claro.

Apesar da historia manjada, o que faz esse terceiro Madagascar divertido são seus excessos que são claramente incentivados pela produção. Se vamos criar um circo, porque não transformá-lo em uma coisa exageradamente colorida, como se os artistas misturassem os néons de Tron, a mobilidade dos espetáculos do Cirque du Soleil e as cores da parada gay mais exagerada do mundo. Chove glitter, personagens mergulhando no arco-íris, os néons gritam na sua cara e Katy Perry canta Firework. É a Dreamworks saindo do armário, fazendo de Madagascar 3 um filme sobre a diversidade também, por que não.

O cuidado visual da trilogia atinge o ápice, em especial na quantidade de animais apresentada e nas apresentações circenses que são realmente impactantes. O design dos personagens continua sempre em evolução, como exemplifica o leão marinho Stefano. O personagem - que é uma antropoformização do estereotipo do italiano de Hollywood - é bastante expressivo e genuinamente engraçado. A versão original é feita por Martin Short, mas na cabine de imprensa que compareci tivemos acesso apenas à versão dublada. Quem dubla, e muito bem, é o ator Marcos Frota que rouba a cena, numa interpretação muito engraçada para o personagem.


Mas é uma pena, que o visual muito caprichado do filme se perca diante de mais uma historia obvia, absolutamente previsível e com um vilão chatíssimo. A policial Chantel DuBois é mais do que rasa, beirando o inacreditável. Entendo que a ideia era realmente apresentá-la como sendo uma criatura sem nenhuma emoção, mas a motivação de suas tentativas incessantes para capturar os animais nunca fica clara (ela quer caçar os animais e ponto, colocar a cabeça do leão em sua parede, no melhor estilo vilão de quadrinhos ruim).

Os eventos vão se sobrepondo, ignorando fatores como realidade geográfica e apresenta uma irritante e constante mudança de ideia dos personagens quanto aos seus companheiros ou mesmo aos eventos que presenciam, com enorme facilidade. Não é por que o filme se destina aos menores, que devemos ignorar a inteligência deles, o que parece ser a intenção do filme.

Madagascar 3 é mais um episodio de mais uma franquia de animação que a tempos precisa se reciclar (ou ser encerrada). Faltam boas ideias, e o filme apesar de visualmente muito bonito carece de novidades, deixando no público a sensação de estar vendo a mesma historia sendo recontada. Mas afinal, o público se importa com isso?


quinta-feira, 7 de junho de 2012

Deus da Carnificina


Deus da Carnificina
(Carnage, 2011)
Drama/Comédia - 80 min.

Direção: Roman Polanski
Roteiro: Yasmina Reza e Roman Polanski

Com: Kate Winslet, Jodie Foster, John C. Reilly e Christoph Waltz

Curto e bastante objetivo, Deus da Carnificina é um estudo sobre o ser humano despido de toda e qualquer vaidade e amarra social. Por meio de um evento traumático, dois casais se encontram e aos poucos vão se transfigurando, de pessoas - cada um a seu jeito - socialmente convencionais a criaturas que abandonam a civilidade para agirem de acordo com os instintos.

O tal evento traumático é mostrado durante os créditos do filme, de forma distanciada e voyeuristica ao som de tambores quase primitivos (trilha a cargo de Alexandre Desplat) acompanhado de cordas. E assim que a câmera vai se aproximando de um grupo de garotos que discute em um parque, o ataque acontece: uma violenta pancada na cabeça de um deles.

Segundos depois, já estamos no apartamento de classe media alta, do casal Penelope e Michael Longstreet (Jodie Foster e John C. Reilly) pais do garoto atingido. Também estão Nancy e Alan Cowan (Kate Winslet e Christoph Waltz) os pais do agressor. A ideia de Penelope é a de conversarem, tentando uma conciliação ordeira e civilizada para entenderem as motivações para aquele ato e principalmente estabelecer a culpabilidade do agressor. Mais do que isso ainda, tentar incutir um senso de responsabilidade, uma noção de que aquilo não se faz e que o garoto precisa - no mínimo - se desculpar.


Penelope é uma cria do fim do século. Politicamente correta, pacifista, profunda amante do senso de comunidade que nos coloca como membros de uma aldeia global, ela tenta chegar a um acordo - digamos - humanizado para a situação. Seu marido, Michael, é aparentemente um sujeito bonachão, que vê as coisas a partir de um prisma positivo, que foge de confusões. Nancy tenta ser simpática, é interessada no que os outros dizem, se mantém firme quando encontra alguma adversidade e é uma pretensa ativista pela resolução pelo meio mais pacifico possível. E Alan é um homem entediado com sua vida, que vive para seu trabalho (bem representado pela quantidade inacreditável de vezes em que atende o celular) e que observa o mundo de um patamar superior.

Polanski - a partir da apresentação dos personagens nos primeiros dez minutos do filme - cria sua panela de pressão e vai aos poucos acendendo o fogo, esperando os apitos estridentes de uma panela em brasa. A curta duração do filme (cerca de oitenta minutos) ajuda a dar urgência ao filme, que mesmo que se passe quase exclusivamente dentro de um mesmo ambiente, nunca fica enfadonho ou cansativo.

São esses ótimos atores que vão se transformando diante de nossos olhos que causam essa ótima impressão. Alguns detalhes da produção do filme auxiliam essa percepção. A mais clara delas é o figurino. Se Penelope e Michael vestem-se em tons quentes, vermelhos e marrons, Nancy e Alan estão com longos casacos escuros, com tons de marinho e preto como vestimenta. Uma clara observação sobre a imagem que aqueles personagens querem projetar. Os Longstreet são amáveis e carinhosos, e os Cowan são mais sérios e mais frios aparentemente.


Durante o filme as máscaras vão caindo e essas questões vão se transfigurando. Casacos são tirados, e o que parecia vermelho sangue, se transforma em vinho e as sombras passam a acompanhar aquela discussão e aqueles personagens.

Algumas cenas pontuais ajudam ao ótimo roteiro de Polanski e Yasmina Reza (adaptado da peça da própria) a funcionar ainda mais. A primeira é quando Nancy passa mal de forma grosseira, o que revela o que está por trás de tanta civilidade por parte de Penelope. Revelando sua verdadeira face, não se preocupa - como propagava até então - com o bem estar da mulher a sua frente, mas com seus pertences.

A cena que se segue, que divide o filme praticamente, é emblemática. É a única vez que não vemos os quatro personagens juntos no mesmo ambiente, e é ali que tudo o que está engasgado é aos poucos mostrado e o espectador percebe quem são aquelas figuras. Longe de serem modelos de conduta, mas seres humanos, com qualidades e defeitos que o filme não julga, apenas observa de forma cruel e masoquista. Sem pudor nos mostra quatro seres humanos se rasgando diante da tela, gritando todos os seus preconceitos enraizados, se abrindo para toda e qualquer observação nociva e nada correta.


O que era uma simples discussão sobre garotos que perdem a calma, se transforma em divã onde Waltz se revela ainda mais cínico do que parecia, Winslet mostra sua verdadeira face burguesa, Reilly estoura como um legítimo cowboy, enquanto Foster transforma sua tensão em raiva e fúria.

Polanski é contido e se contenta em acompanhar os seus atores que desfilam pela tela. E é profundamente inteligente ao rimar a primeira a última cena, transformando o filme em uma ácida comédia sobre o comportamento humano.


sexta-feira, 1 de junho de 2012

Solteiros com Filhos


Solteiros com Filhos
(Friends with Kids, 2012)
Drama/Comédia/Romance - 107 min.

Direção: Jennifer Westfeldt
Roteiro: Jennifer Westfeldt

Com: Jennifer Westfeldt, Adam Scott, Maya Rudolph, Kristen Wiig, John Hamm, Chris O'Dowd, Edward Burns, Megan Fox

Conseguir manter um relacionamento não é nada fácil. É necessária uma dose épica de paciência, uma capacidade hercúlea de desprendimento e muito, mas muito jogo de cintura. Quer dizer - o leitor pode pensar - que você acha que é um martírio manter um relacionamento? Não, mas é difícil. Difícil, mas incrível.

Tudo que é conquistado com trabalho duro e dedicação é delicioso. Um relacionamento é feito de trabalho duro e dedicação também, e vejo - uma tendência cada vez mais assustadora - a quantidade de pessoas que: ou não são suficientemente maduras para se relacionar, tomadas pelo egoísmo extremo sem perceber que uma vez em um relacionamento é sim fundamental dividir, ou que desistem a primeira dificuldade.

Não é fácil manter uma relação a dois. São as manias de cada um que são levadas para o convívio a dois, a dificuldade de compreensão em alguns momentos, pequenos traumas, uma piada mal colocada, um mau humor repentino, gostos dos mais variados que são colocados em conflito entre muitas outras questões que influenciam um relacionamento amoroso.


Solteiros com Filhos parte da premissa de que um casal feliz e que se ama demais, depois de ter seus filhos perde o romantismo e que a "chama" que os une vai aos poucos se apagando. Julie (Jennifer Westfeldt) é uma mulher beirando os quarenta anos, bem sucedida, mas com enormes dificuldades de se relacionar. Jason (Adam Scott) também tem seus trinta e muitos e assim como Julie, tem problemas com seus relacionamentos. Ambos são muito próximos e tem como amigos dois casais: os divertidos e sarcásticos Leslie (Maya Rudolph) e Alex (Chris O'Dowd) e os quase ninfomaníacos Ben (John Hamm) e Missy (Kristen Wiig). Quando o filme começa, o grupo está reunido e Leslie conta que está grávida.

O filme então avança dois anos no tempo, e vemos o que os filhos fizeram - aparentemente - à relação de Leslie e Alex. Não existe mais tempo destinado ao casal e as necessidades dos filhos vêm em primeiro lugar. Chocados com as mudanças que seus amigos passam, Julie e Jason, que sempre quiseram ter filhos, decidem ter um filho, mas, evitar o relacionamento romântico. Manter-se-ão solteiros, mas com um filho.

É claro que o espectador mais atento claramente vai adivinhar que esses dois, ainda são imaturos o suficiente para perceberem o que está diante de seus olhos, quando tomam a decisão de ter um filho dessa forma tão inusitada. Mas, apesar de previsível, Solteiros com Filhos funciona muito bem, graças aos bons diálogos adultos e que criticam todos os estereótipos sobre os relacionamentos pós-filhos. Aqueles que pareciam infelizes e gritalhões são assim por causa de suas personalidades, por exemplo, e do jeito deles se entendem e se amam.


O fato do filme não apressar as coisas, resolvendo as necessidades dos personagens em alguns anos, e não em dias ou meses, é outra ótima ideia e o fato de não especificar o tempo decorrido de forma clara, apostando nos diálogos ou mesmo em pequenas observações é também um sinal de que Jennifer Westfeldt (que além de estrelar o filme, produziu , roteirizou e também dirigiu o filme) respeita a inteligência de seu publico.

Como disse Solteiros com Filhos está longe de ser a melhor coisa da terra, ou sequer ser original ou surpreendente em suas soluções para os personagens, mas é bem realizado e bem atuado. Legal ver Kristen Wiig (mesmo que em um papel menor) ou Maya Rudolph e John Hamm mesclando o humor e o drama com competência. Jennifer se ai bem como protagonista. Fazendo de Julie, uma mulher complexada com a dificuldade de encontrar alguém e que aos poucos vai percebendo aquilo que estava bem diante de seus olhos, é sensível e delicada na sua interpretação, não caindo no estereótipo das comédias românticas americanas, da mulher "desesperada" e que faz de tudo para encontrar o amor. Já Adam Scott , que vive o co-protagonista Jason, é igualmente eficiente. Seu personagem é um sujeito imaturo e bastante sexista, que vive pulando de cama em cama, sempre pronto a notar alguma imperfeição para desistir de qualquer coisa mais seria.

A grande cena do filme envolve uma viagem que o grupo de amigos realiza no ano novo. Ao lado de seus novos namorados (a sempre bela e aqui simpática Megan Fox e do "bom demais para ser verdade" personagem interpretado por Edward Burns) Julie e Jason tem sua ideia questionada pelo personagem de Burns e pela boa presença de John Hamm, que diz aos personagens tudo aquilo que o público deve ter pensado em dizer assim que o filme começou. O diálogo é franco, e essa franqueza e a crítica a dificuldade de se entender que um relacionamento é mais do que simplesmente momentos de alegria e sexo constante, é que fazem o filme se destacar.


Apesar de conhecermos cada trecho da estrada sendo percorrida, a forma com que o filme nos conduz por ela é muito proveitosa. Contando com bons personagens, piadas pontuais e diálogos que o aproximam muito mais da "dramédia" do que da comédia romântica, Solteiros com Filhos é uma bem vinda surpresa.