segunda-feira, 30 de julho de 2012

Elles


Elles
(Elles, 2011)
Drama - 99 min.

Direção: Malgorzata Szumowska
Roteiro: Malgorzata Szumowska e Tine Byrckel

Com: Juliette Binoche, Anaïs Demoustier e Joanna Kulig

Juliette Binoche é uma atriz que - com alguma frequência - se despe de vaidades para seus personagens. Além de ser uma das melhores interpretes de sua geração,  a francesa consegue transitar pelas mais diferentes personagens com alguma tranquilidade.

Em Elles, ela vive uma jornalista que está em meio a uma reportagem sobre o universo de garotas de idade universitária que ganham à vida como acompanhantes de luxo em Paris. Um tema denso, complexo, obviamente adulto e que pode render todo tipo de historia, desde as mais doces e leves (a jornalista que "salva" as meninas de uma realidade difícil) as mais cruas (a violência, bizarrices, vícios) dentro do escopo do tema.

Elles, dirigido pela polonesa Malgorzata Szumowska, vai por uma terceira via e não tenta nem transformar Anne (Binoche) em uma salvadora da pátria ou dizer que a vida daquelas garotas é apenas uma inevitável rota rumo à destruição e degradação. O filme tenta dar voz as meninas de forma honesta ao mesmo tempo em que relaciona as historias com as dificuldades enfrentadas por Binoche, que é uma mulher que não é ouvida por ninguém ao seu redor. Seu marido e filhos praticamente apenas co-habitam a mesma casa que ela vive. Ela sente-se sozinha quando ambos partem para seus dias, e Anne mostra isso com diversas cenas em que vemos a personagem vagando - meio que sem rumo - por sua casa, fazendo uma serie de atividades absolutamente banais.


Entrecortado entre passado e presente, o filme parte do hoje (Binoche está finalizando seu artigo) para acompanhar duas entrevistas que a jornalista fez com duas garotas bem diferentes. Lola (Anaïs Demoustier) tem um ar angelical, inocente enquanto Alicja (Joanna Kulig) tem o que se chama hoje de "atitude". É mais franca, direta, objetiva e não tem uma percepção da coisa embebida em uma aura cor de rosa. Enquanto Lola tem um namorado que não sabe de sua profissão, Alicja veio da Polônia e vive sua rotina escondida dos olhos da mãe.

O filme ainda tenta dar espaço para as personagens, com um recurso cinemático obvio: em vez de nos mostrar Binoche contando a historia, ou uma conversa filmada, somos enviados ao passado das personagens e conhecemos melhor as motivações por trás das garotas. Lola conta sobre sua "primeira vez" com um cliente, enquanto Alicja, mostra (com detalhes) suas primeiras experiências na profissão e sua relação problemática ao chegar a Paris.

Tudo muito bem construído, de forma ousada, mas que peca por desenvolver melhor estas historias. Fica claro que a intenção de Malgorzata não é a de julgar valores, mas mostrar as vidas daquelas três mulheres, e falar sobre o desejo feminino. De onde vem? Como funciona? Como julgar uma mulher que adora ser desejada por outros homens, mesmo que sejam clientes? E a dona de casa entediada, como fica? Como ela manifesta seus desejos? Ou será que nem consegue manifestar?


Perguntas intrigantes, mas que a diretora perde uma ótima oportunidade de se aprofundar no assunto. Binoche está bastante a vontade tanto como a jornalista séria e cheia de pequenos preconceitos, típicos de uma mentalidade pequeno burguesa, como quando sua mascara cai e ela surge como a mulher que não consegue ser ouvida e que vive em uma realidade tediosa e que lhe falta alguma coisa, que ela nem mesmo sabe o que é.

A sexualidade feminina é o foco, porém a forma como ela é exposta na tela, dá um ar excessivamente fetichista à obra. O voyeurismo implícito nas cenas mais quentes poderia ter sido apresentado de uma forma que abordasse o ponto de vista da mulher. Em alguns momentos, o filme parece abraçar essa estética do "erótico chique" que agrada muito mais a parcela masculina heterossexual - por razões óbvias, final você está vendo na tela mulheres lindas - do que de fato desenvolve a psique daquelas mulheres.

Mesmo assim, o foco de Elles é discutir o poder da mulher, mesmo diante da possível exploração sexual. Seriam mesmo aquelas meninas - do filme - exploradas? Apesar de serem pagas por aquilo, não se sentem no controle da situação, já que são eles (homens) que precisam daquele tempo com elas, que como pequenas deusas do sexo controlam toda a ação? Curiosamente, enquanto as garotas têm total controle sobre suas vida, Binoche - que em teoria, tem uma vida regrada - não controla nada a sua volta.


Essa questão é interessante, mas fica mal desenvolvida quando o filme não resolve nada, deixando o espectador como uma abelha intrometida que vagou por essa realidade, mas que não conclui nada daquilo. Não sou inimigo dos finais abertos, mas quando se atravessa uma longa estrada sem chegar a destino algum, a sensação de que faltou alguma coisa é automática. Mesmo na excelente sequência de delírio de Binoche, tecnicamente muito bem pensada, montada e conduzida, falta alguma coisa. Uma liga que fizesse as histórias terem mais sentido e não caírem no campo do fetiche: mulher entediada fica amiga de garotas de programa e decide repensar a vida.


sexta-feira, 27 de julho de 2012

Além da Liberdade


Além da Liberdade
(The Lady, 2011)
Drama/Romance - 132 min.

Direção: Luc Besson
Roteiro: Rebecca Frayn

Com: Michelle Yeoh, David Thewlis

Em minha infinita ignorância, tomei conhecimento da historia de Aung San Suu Kyi apenas há dois anos, quando assisti ao excelente documentário Burma VJ (leia a crítica aqui) que em determinado momento apresentava e contava um pouco sobre a historia da personagem desse novo filme do diretor francês Luc Besson.

Suu Kyi (Michelle Yeoh) é uma ativista política, filha de Aung San considerado um dos principais nomes da política de seu país, Birmânia. A primeira cena do filme mostra a pequena Suu ouvindo uma historia folclórica de seu pai, e ele, por sua vez, é assassinado por seus rivais na cena seguinte. Besson usa essa cena para apresentar a dificuldade que a política do país enfrenta e para dizer que Aung San era um sonhador, um líder que lutava pela democracia e a liberdade no país. Esses eventos acontecem em 1947 e o filme pula diretamente para 1997, quando Michael Aris descobre que tem um câncer em estado grave e que tem pouco tempo de vida, o que o faz se recordar de eventos de sua vida com sua esposa, a não tão pequena Suu.

O que o filme não mostra são os eventos históricos que acontecem entre 1947 e 1988, data do primeiro dos flashbacks de Aris. Durante esse período, Suu e sua mãe Khin Kyi, que depois da morte do marido tornou-se uma figura influente na política do país, partiram da Birmânia. A mãe de Suu foi embaixatriz na Índia e Nepal em 1960, onde ela foi educada. Suu tem dois irmãos, um deles ainda na Birmânia, morreu ao se afogar em um lago, e o outro - mais velho - emigrou para os Estados Unidos antes da família se mudar para a Índia. Depois de morar com a família de uma cantora pop birmanesa em Nova Iorque e de ter mantido um relacionamento com um estudante do Paquistão, Suu trabalhou nas Nações Unidas, onde conheceu seu marido, Michael Aris, que já era um historiador reconhecido da historia do Tibet. Eles se casaram, tiveram dois filhos e ela continuou sua carreira, conseguindo títulos nas universidades de Londres (PHD na escola de estudos asiáticos e africanos).


Quando a historia - no filme - começa ela é a dedicada esposa do professor Michael Aris (David Thewlis) e recebe a notícia de que sua mãe está morrendo em seu país natal. Decide visitá-la e permanecer a seu lado em seus últimos dias de vida. Durante sua estadia testemunha a violência dos militares que tomam conta do país e vista como símbolo de um passado mais justo (graças ao seu pai evidentemente), é aos poucos cooptada para a causa. Besson não está interessado especificamente na causa e na luta, por isso - de maneira infeliz na minha visão - ignora os meandros políticos da situação.

Essa visão maniqueísta fica clara quando o foco está nos militares, vistos aqui como a personificação do mal. Longe de mim tentar "aliviar a barra" dos medíocres governantes do país, mas Besson pesa a mão na representação, tornando enfadonho o acúmulo de pequenas maldades que - em teoria - deveriam justificar os motivos do general (e de sua equipe) ser tão odiado. Além de sempre mostrados em um ambiente mais escuro e com a câmera sempre mais próxima do que de qualquer outro personagem, o que amplia a sensação de claustrofobia e de desconforto presente no ambiente, Besson inclui algumas sequências quase gratuitas de maldades somente para nos esfregar na cara a ideia de que eles são muito, muito maus.

Por outro lado, o diretor acerta na condução da historia que efetivamente ele quer contar: o romance complexo e difícil entre Suu e Aris. Sem apelar para o melodrama, Besson parece intrigado na vida daqueles dois que desde o final dos anos 80, até a morte de Aris em 99, se viram apenas cinco vezes, e mesmo assim continuaram apaixonados um pelo outro. Talvez falte um pouco de conflito, em especial vindo do personagem de David Thewlis, que aceita muito fácil a ideia da separação forçada de sua mulher.


Ancorado na sensação épica - sem fim - Besson recheia seu filme de planos abertos para ilustrar a atmosfera exótica da Birmânia enquanto preenche os espaços com uma trilha sonora genérica "asiática", sem nenhuma personalidade, apesar de bem realizada.

Michelle Yeoh tem uma boa atuação como a revolucionária e apaixonada Suu. Vista como uma seguidora dos métodos de Gandhi (é vista inclusive lendo a respeito) é o alter-ego da sabedoria oriental, que já era perceptível em seu pai. Se os primeiros quarenta minutos do filme são arrastados e pouco interessantes, quando o impacto emocional de sua revolta no país começam a ser percebidos pelas autoridades, o filme ganha em dramaticidade e força. Contida em sua alegria e em sua dor, Yeoh tem um trabalho inteligente e que se apóia na retidão de sua personagem, que parece nunca esmorecer, com a exceção de uma cena, que Besson é respeitoso em não mostrar com detalhes, como se desse espaço para aquela mulher sofrer em paz.

Thewlis tem uma tripla jornada. Vive o empolgado e feliz Michael do passado do filme, um homem apaixonado, honesto e seguro. Um verdadeiro companheiro, que sabe deixar sua mulher em foco sem se importar em manter-se nas sombras. Talvez a falta de conflito já especificada nessa crítica dê essa impressão de que Michael seja um sujeito tão compreensivo. Thewlis também vive o resignado e doente Michael "do presente", que está convencido de que dificilmente conseguirá rever sua esposa antes de morrer. Thewlis ainda tem outro pequeno papel, o de seu irmão gêmeo, que tem a personalidade, vestuário e modo de agir diferente do irmão.


Apesar de contido no melodrama, o diretor dá algumas escorregadas pontuais. Em determinado momento, por exemplo, ele mostra diversos personagens oferecendo comida a Suu, que se recusa a se alimentar. O diretor repete a "piada", a cada personagem que tenta em vão fazê-la comer. Besson ignora um pouco a questão política posterior ao falecimento de Michael (e, por favor, não me venham com essa de "isso é um spoiler" porque essa é uma biografia e os fatos estão aí para quem quiser pesquisá-los) que é tão - ou mais - interessante do que a vida da personagem até então.

Mas como disse, não é o foco. Besson fez aqui uma homenagem a Suu, por um viés "humano", apostando na sua historia de amor. Não é um erro, e o filme é emocionante em alguns momentos, mas diante da historia real, seria bom termos visto mais da real importância da personagem para seu país e o mundo.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Aqui é o Meu Lugar


Aqui é o Meu Lugar
(This Must be the Place, 2011)
Drama/Comédia - 118 min.

Direção: Paolo Sorrentino
Roteiro: Paolo Sorrentino, Umberto Contarello

Com: Sean Penn, Frances McDormand, Eve Hewson, Judd Hirsch, Kerry Condon, Harry Dean Stanton, Olwen Fouéré

Paolo Sorrentino vem de dois trabalhos muito interessantes. O lento e ironicamente intenso La Conseguenze dell'Amore e o poderoso e satírico Il Divo. Dois trabalhos bastante diferentes, mas que cada um a sua maneira tinham como protagonistas personagens que estavam fora do padrão. Criaturas exóticas, excêntricas e diferentes.

Não é muito diferente do que se apresenta nesse Aqui é o Meu Lugar, seu primeiro filme fora da Itália e falado em inglês. O excêntrico da vez (dando muitos passos nesse sentido, diga-se de passagem) é o roqueiro dos anos 80, Cheyenne, uma figura estranhíssima, que parece um cruzamento de uma Drag Queen idosa, com os cabelos de Robert Smith do The Cure e que age com a lentidão de um Ozzy Osbourne depois de anos de abusos. Por baixo de toda essa máscara esta um dos grandes atores americanos de sua geração, o excelente Sean Penn, que consegue dar credibilidade a um personagem que tinha tudo - mesmo - para cair na caricatura fácil e se transformar em motivo de piada apenas.

Mas é a ótima interpretação do ator que segura o filme. Sensível em retratá-lo como um homem absolutamente insatisfeito e covarde com sua vida, que se mantém parado no tempo durante mais de 30 anos. Continua vestindo-se, maquiando-se como se estivesse no auge do sucesso, mesmo não fazendo praticamente mais nada há muitos anos. Contrabalanceando a situação, temos Frances McDormand que vive a efusiva e vivaz esposa de Cheyenne, a bombeira Jane, que é o lado forte da relação. Muito mais decidida, direta e cheia de ideias do que seu marido funciona como a âncora que prende o cantor no mundo real.


Completam o núcleo principal de personagens a garota gótica Mary ( Eve Hewson), que tem problemas em sua casa desde que seu irmão sumiu sem deixar vestígio algum, o amigo Jeffrey (Simon Delaney) viciado em sexo, o garoto Desmond (Sam Keeley) que Cheyenne tenta juntar com Mary, e a mãe da garota (Olwen Fouéré) que passa seus dias na janela esperando o retorno de seu filho.

O filme é balanceado com uma espécie de humor que remete aos filmes dos irmãos Coen, e Penn tem ótimas frases de efeito sendo proferidas por sua dicção infantilizada e olhar perdido e tristonho, o que fazem do personagem ainda mais interessante. A historia altera o status quo da vida de Cheyenne quando ele recebe a noticia que seu pai (com quem não fala há trinta anos) está morrendo. Por ter medo de voar, decide ir de navio e quando chega até a casa do pai, ele já faleceu. Tal situação mostra o absurdo da construção do personagem de Penn.

Porém, Aqui é o meu Lugar tem problemas por tentar unir - numa mesma narrativa - muitos elementos diferentes sem no entanto aprofundar-se em nenhum. Apesar de estar ligado a historia do personagem de Penn, as referencias ao passado judeu na segunda guerra mundial soam apenas panfletários, sem nunca parecerem realmente profundas. Parecem - guardadas as devidas proporções - o que se faz em geral por aqui nas novelas e mini-series. Apresenta-se um plano de fundo histórico, mas no fundo o que realmente importa é a historinha de amor. Nesse caso, o que importa mesmo é esse sujeito que vaga pelos Estados Unidos (encontrando uma serie de personagens exóticos e excêntricos no caminho, uma verdadeira fauna) para realizar uma espécie de desejo moribundo do pai: encontrar o torturador do pai em um campo de concentração nazista.


É a historia desse homem perdido que precisa reencontrar o pai a partir de suas memórias e de seu desejo de justiça, de punir aquele que o humilhou. É também sobre encontrar seu lugar, o tal "This Must be the Place" (em tradução livre: esse deve ser o lugar) que o personagem encontra - sim, ele encontra - após sua peregrinação norte-americana.

Aqui é o meu Lugar é uma produção esquisita. Lembra - como disse - a ideia de humor que os irmãos Coen têm, uma forma de fazer rir muito particular. As mensagens cifradas do filme, em especial na parte final, que podem gerar algumas interpretações também merecem atenção.

Tecnicamente, Sorrentino é extremamente competente. Ele abusa dos planos abertos mesmo nas cenas internas, usando a câmera como um enxerido voyeur, sempre em movimento, sempre rondando a ação, sabe conduzir seus atores e monta o filme de forma inteligente, surpreendendo o espectador com alguns bons ângulos montados com outros absolutamente banais, causando um choque simples, mas eficiente, e bastante comum no cinema independente americano.


A estreia do diretor italiano em língua inglesa não é ruim, mas em comparação com seus trabalhos anteriores sai perdendo (o que pode até ser injusto, admito) e mesmo ancorado em uma boa interpretação de Penn, peca por apresentar muitas pequenas historias. Além da trama principal, durante sua viagem Cheyenne se envolve com uma garçonete que o ajuda em sua busca e que tem um filho pequeno que tem medo da água, uma idosa com problemas para aceitar seu passado, o inventor da mala de rodinhas e ainda tem o drama (que pode gerar algumas interpretações interessantes e curiosas) do sumiço do irmão de Mary. Isso tudo além de perseguir o torturador nazista e encontrar seu lugar. Muitas ideias, algumas funcionando bem, outras ficando pelo meio do caminho.



quarta-feira, 25 de julho de 2012

Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge


Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge
(The Dark Knight Rises, 2012)
Ação/Aventura/Drama - 164 min.

Direção: Christopher Nolan
Roteiro: Jonathan Nolan, Christopher Nolan 

Com: Christian Bale, Tom Hardy, Anne Hathaway, Joseph Gordon-Levitt, Michael Caine, Marion Cotillard, Gary Oldman, Morgan Freeman

Sempre disse que não sou um leitor de quadrinhos. Mas sou, e sempre fui um leitor de Batman. Não enxergo nenhum outro personagem com tamanho carisma e potencial cinematográfico do que o cruzado de capa, o cavaleiro das trevas. O personagem, que talvez seja o mais adaptado vindo da "banda desenhada", tendo ganhado uma serie de aparições na TV (em live action ou animação) e filmes é um ícone mundial, sendo facilmente reconhecido em todas as partes do mundo. Esses últimos (os filmes) em especial viveram do fetichismo de Tim Burton, que fez dois filmes com sua assinatura usando o morcego e do carnaval homo-erótico chique de Joel Schumacher.

Christopher Nolan assumiu as rédeas de um projeto que visava trazer o personagem ao mundo real, deixando de lado as caricaturas, os excessos e os erros dos filmes anteriores. O primeiro ato da sinfonia da redenção do morcego foi um choque para aqueles que só conheciam o personagem pelos filmes anteriores ou pela serie de tv. Um filme adulto, direto e que contava a origem do personagem de forma inteligente, tentando encontrar soluções para cada nova artefato produzido por Bruce Wayne, em um esforço para quebrar o preconceito de uma parcela do publico com os filmes de herói. Sim, era possível torna-los "sérios", dar estofo emocional e intelectual as aventuras que pulavam dos quadrinhos para as telas de cinema.

Três anos depois, a apoteose, o ápice, a quase perfeição do assombroso O Cavaleiro das Trevas, um filme que fez uma pergunta ao público: "e se substituirmos o sujeito vestido de morcego, por um policial?". O Cavaleiro das Trevas, mais do que uma das melhores (senão for a melhor) adaptações de um personagem de quadrinhos para o cinema e um tremendo filme policial, é um grande filme de ação e consagrou um dos maiores vilões do cinema: o Coringa de Heath Ledger.


Logo, as expectativas para a conclusão da saga do morcego eram absurdamente altas. Quase injustas, já que exigir a perfeição é uma atitude cruel. Portanto, já logo deixo claro: Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge não é tão intenso e sufocante como seu antecessor. É diferente, é muito mais grandioso e épico, transformando a personagem do Batman em uma deidade, uma criatura muito maior do que o homem que veste a máscara.

Mesmo com essa grandiosidade, é inferior ao segundo filme, muito por ser previsível - principalmente se você é leitor de quadrinhos - e por não ter um vilão tão magnético quanto o Coringa de Heath Ledger. O filme ainda tem os problemas sintomáticos de uma produção desse tamanho - e tão extensa. O filme precisa - em alguns momentos - explicar de forma bastante didática alguns fatos pregressos ou "planos malignos" que vão surgir na tela nos minutos seguintes. Ainda no campo dos "senões" o excesso de coincidências em alguns momentos do filme, enfraquece a narrativa.

Porém, Christopher Nolan tem o controle total desse mundo chamado "Gotham City" e consegue nos fazer crer, torcer e nos emocionar mesmo diante de um roteiro que não é brilhante e com muitos personagens entrando e saindo de cena (todos importantes) a todo o momento, o que poderia enfraquecer a sensação de grandiosidade que o filme pretende ter, já que com muitas histórias paralelas, talvez exista uma dificuldade em encerrar algumas delas. Felizmente, não é o caso.


Christian Bale assumindo pela terceira vez o manto do personagem, está mais seguro do que nunca. Conhecendo claramente todas as nuances de seu personagem, faz de Bruce Wayne nesse terceiro filme um homem que viu sua lenda se transformar em temor, e o temor em perigo. Quando o filme começa, oito anos depois do segundo Batman de Nolan, Wayne é uma sombra. Ninguém o vê, ninguém sabe de sua vida e os poucos que conseguem tentar se aproximar, são barrados por Alfred e pela própria falta de vontade do personagem. Wayne, oito anos mais velho é um homem de meia idade, cansado e machucado pela vida, física e mentalmente. Uma interpretação que faz - durante o filme - Bale ter de rejuvenescer na frente de nossos olhos. Um trabalho bastante competente do ator, que parece perder alguns anos durante a projeção.

Porém, com Wayne vivendo isolado, é preciso um incentivo, um agente da mudança, um objeto que o faça se mover. Esse "objeto" é a personagem de Anne Hathaway, Selina Kyle (que os fãs de quadrinho reconhecem como sendo o alter-ego da Mulher Gato, mas que no filme nunca é chamada assim), uma ladra de grande competência que ao roubar um objeto da mansão Wayne, acende a fagulha que parecia apagada na vida de Bruce, que vivia uma existência vegetativa. Hathaway tem mais um desempenho de alta qualidade, fazendo da personagem uma mulher decidida, segura, que aparenta ser algo que não é. Por baixo das roupas apertadas e dos óculos infravermelhos (que quando são colocados sobre a cabeça imitam as orelhas de um gato, uma sacada genial da equipe de produção do filme), a personagem é mais do que uma simples ladra. É uma companheira de complexidade que faz frente e tem muita química com o personagem de Bale.

Assim como em Cavaleiro das Trevas, nesse terceiro filme temos um agente do caos, um novo inimigo - ainda mais perigoso para Wayne, do que o insano Coringa o era no filme passado. Se o Coringa de Ledger era um maníaco que queria ver o mundo queimar, Bane é um sujeito inteligente, que tem um plano que envolve a subversão dos valores, questionamentos sociais e a pura anarquia. Além disso, apresenta-se como um rival não só mental, mas físico para Batman, uma novidade na série. Hardy teve de dublar suas falas graças à máscara assustadora que o personagem veste. Um misto de focinheira com respiradouro, é mais um elemento que causa estranheza no personagem. Hardy é um ator físico e que não tem em seu olhar um de seus maiores atributos. Sua voz, no entanto, ecoa pela projeção como um silvo macabro do terror, que nos lembra que além de um homem marcado pela tragédia é inteligente e tão astuto quando o Cavaleiro das Trevas.


O filme ainda insere dois novos acréscimos à fauna dos personagens na franquia. Joseph Gordon-Levitt é a esperança. O policial Blake simboliza a mudança, o homem esperançoso pelo futuro, aquele que compreende a mensagem mais importante sobre o Batman: mais do que um indivíduo, o Batman é um símbolo. Algo que Nolan já havia plantado e que foi sendo desenvolvido nos filmes anteriores. Gordon-Levitt vem se mostrando um ator bastante competente e apesar de seu personagem não ser dos mais profundos (sua origem e sua personalidade são cristalinas) ele funciona muito bem para sua função no filme, que é sim, bastante importante.

Marion Cotillard, uma das mais belas mulheres do cinema, esbanja charme e inteligência como a investidora Miranda, que surge como interesse amoroso de Bruce Wayne, além de mulher de fibra e parceira de negócios. A trinca de atores "veteranos” e talentosos fecha o elenco principal. O comissário Gordon, personagem que tem o arco dramático tão rico quanto o de Batman, ganha um novo impulso nessa produção, mesmo tendo um tempo menor de tela do que outros personagens coadjuvantes. No terceiro filme, Gordon é o símbolo da responsabilidade das autoridades, mesmo diante dos desafios mais complexos e que exigem uma análise moral muito mais profunda, do que o simples certo ou errado.

Morgan Freeman surge nesse terceiro filme novamente como o Q de Batman, e também como alívio cômico, mesmo que diante de tantos personagens, tenha sido seu Lucius Fox aquele que teve seu tempo de tela mais prejudicado. Já Michael Caine, mesmo em doses homeopáticas nessa produção está impecável. Dizer da qualidade do ator britânico seria - no mínimo - uma ousadia de minha parte, e mesmo que o ator tenha derrapado durante sua carreira, quando encontra a soma de um bom roteiro/personagem e um bom diretor, consegue atingir ótimos resultados. Nesse terceiro filme, Alfred é o elo emocional do filme, a âncora que nos faz perceber que além de toda a grandiosidade da produção de Christopher Nolan, ainda existe a historia de um homem e seu trauma, da luta incessante para vencer seu passado sombrio e seguir em frente.


Nessa terceira produção tudo é maior. Os cenários são incrivelmente grandes, o som é incrivelmente alto e nítido, a fotografia é abusivamente grandiloquente, os planos absurdamente abertos e a construção das cenas é a de um épico de verdade. Este é o mais sombrio de todos os filmes de Nolan sobre o morcego, embora curiosamente, seja aquele com o maior número de cenas diurnas de toda a saga. Muita ação acontece durante o dia, incluindo duas grandes sequências de ação realmente grandiosas.

A montagem de Lee Smith é muito inteligente e consegue interligar as muitas historias paralelas sem no entanto, fazer o espectador se perder no meio do caminho, mesmo diante de um roteiro (a cargo do próprio Nolan e de seu irmão Jonathan Nolan) que não é o grande destaque do filme. Como discorri sobre o assunto durante a crítica, o texto abusa de alguns lugares comuns e explicações dadas no último segundo que enfraquecem a intenção de se manter "realista", opção de Nolan nos dois outros filmes da franquia. Nesse terceiro, o clima de "história em quadrinhos" é mais explicito. Se os primeiros Batmans pregavam o mundo real, onde o vigilante poderia existir, aqui vemos uma versão deturpada, onde os vigilantes já fazem parte do dia a dia da população. Um mundo sob o efeito de "heróis" e "vilões".

Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge não é tão poderoso quanto seu antecessor, mas não deixa de ser o mais vigoroso e bem sucedido blockbuster da temporada. Além de ser especialmente satisfatório no que se dele se espera em nível mais rasteiro (ou seja, ele diverte e deixa o espectador tenso e emociona), consegue, sem grandes concessões, manter a integridade de sua historia intrincada e que precisa ser compreendido (por mais pedante que pareça) como a última parte de uma historia maior e que engloba os três filmes dessa nova franquia.


Tendo uma hora final gloriosa, desembocando num dos finais mais ousados de um blockbuster americano dos últimos tempos (e que vai dar argumentos e despertar discussões de fãs), o encerramento da trilogia do Cavaleiro das Trevas pelas mãos de Christopher Nolan é um triunfo cinemático. Mesmo não alcançando a perfeição, é um encerramento solene, poético e cheio de simbolismos e arroubos de moralidade, que fazem da produção um fechar de cortinas digno a um personagem tão especial.


segunda-feira, 23 de julho de 2012

30 Minutos ou Menos

30 Minutos ou Menos

(30 Minutes or Less, 2011)
Comédia - 83 min.

Direção: Ruben Fleischer
Roteiro: Michael Diliberti

Com: Jesse Eisenberg, Danny McBride e Aziz Ansari

Desde que o primeiro pôster de 30 Minutos ou Menos foi divulgado criei uma nada saudável expectativa quanto ao filme. A ideia parecia - no mínimo - bastante promissora. Apresentava a historia de um pacato e infantilizado entregador de pizza de vinte e poucos anos (Jesse Eisenberg) que é sequestrado, amarrado a uma bomba relógio, e obrigado a assaltar um banco para uma dupla de idiotas, antes que o dispositivo exploda e o sujeito, obviamente, morra.

O que poderia render uma comédia hilariante, na verdade se transforma em um lento e chatíssimo desfile de situações inverossímeis e mal realizadas, comandadas com mão pesada por Ruben Fleischer e escorado pelo roteiro mais que infeliz de Michael Diliberti. Fleischer vinha do sucesso inesperado de Zumbilândia, em que também ao lado de Eisenberg conseguiu conduzir uma história profundamente divertida e cheia de referências pop.

Em 30 Minutos, não existem referências pop, mais uma coleção de momentos pretensamente engraçados que resultam em sorrisos amarelos, bocejos sonolentos e puro desconforto. Além de não ser essencialmente um personagem, Nick (vivido por Eisenberg) é um sujeito muito chato. Um "crianção" que ainda vive tentando se descobrir na vida e que não tem coragem para assumir sua paixão pela irmã de seu melhor amigo. O tal amigo - vivido por Aziz Ansari - é o que filme tem de melhor (o que não é grande coisa). Funcionando como a ligação entre os absurdos do filme e o "mundo real", Chet é o personagem que observa como Nick desperdiça sua vida, e mesmo com algumas atitudes infantis (como a de proibir o amigo de falar com a irmã como moeda de troca para ajudá-lo) é o que de mais próximo temos de alguém real nessa bobagem chamada 30 Minutos ou Menos.


E chegamos a Danny McBride. O que dizer a respeito desse camarada que caminha a passos largos para se tornar tão insuportável quanto um Rob Schneider ou um Adam Sandler em seus piores dias. Danny não é engraçado, não é bom ator e acredita (imagino mesmo que acredite, já que todos os filmes em que McBride surge ele faz as mesmas coisas) que a ofensa e as piadas de banheiro e sexuais são o máximo da comédia no mundo. Ele vive um garoto mimado e idiota que sequestra o personagem de Eisenberg com ajuda de outro personagem igualmente imbecil, prende a bomba ao rapaz para força-lo a arrumar o dinheiro necessário para que possam matar seu próprio pai. Essa confusão toda do plot, me gerou uma dúvida.

Se Dwayne e seu amigo imbecil Travis (Nick Swardson) tem dinheiro suficiente para criar uma bomba, ou para terem bazucas ou mesmo lancha chamas, não seria muito mais fácil (e inteligente, e aí é exigir demais) vender esse material e usar o dinheiro para contratar o tal matador?

O tal assalto - é tão, mais tão idiota - que dura cerca de 5 minutos na tela, e dá a impressão de que qualquer um (mesmo) pode invadir uma pequena agencia bancária e roubar um banco sem grande dificuldade. Longe de existir qualquer tensão, o filme não consegue instigar a possibilidade de que os mandantes do tal assalto possam sair vitoriosos.


30 Minutos ou Menos é uma comédia em que não se ri. Em que as boas ideias são desperdiçadas em detrimento do humor adolescente no pior dos sentidos e em que somos levados a torcer por um pós-adolescente covarde e por um sujeito com um ciúme patológico de sua irmã. Podia ser pior, de repente teríamos de torcer para McBride libertar uma princesa de um bruxo em uma fantasia medieval...


sábado, 21 de julho de 2012

Bem Amadas


Bem Amadas
(Les bien-aimés, 2011)
Drama/Musical - 139 min.

Direção: Christophe Honoré
Roteiro: Christophe Honoré

Com: Catherine Deneuve, Chiara Mastroianni, Ludivine Seigner, Louis Garrel, Milos Forman, Paul Schneider, Radivoje Bukvic

Sejamos francos: o musical é um gênero cinematográfico que depende demais de sua mise-en-scene. Se o público não se sentir seduzido a embarcar na aventura proposta pelo cineasta, dificilmente não vai se sentir ludibriado quando surgirem os números musicais interrompendo a narrativa principal. Esse é o grande problema de Bem Amadas, nova produção de Christophe Honoré, que já havia produzido outro musical, o bem sucedido Canções de Amor.

Em Bem Amadas acompanhamos duas gerações de mulheres (mãe e filha) e suas dificuldades para entender seus sentimentos e lutar contra o desejo por homens problemáticos e castradores. No fundo, as personagens do filme são o que - em bom português - chamamos de "mulher de malandro". Sei que o termo pode parecer ofensivo aos olhos acostumados com a pompa das produções ditas, de arte, mas no fundo a definição é bastante funcional para as personagens de Chiara Mastroianni e Catherine Deneuve no filme.

Madeleine (Ludivine Seigner quando jovem e Deneuve quando mais velha) é uma simpática e avoada vendedora de sapatos, que sem nenhum motivo aparente, decide aumentar sua renda fazendo bicos como garota de programa depois do expediente. Acaba se apaixonando pelo medico tcheco Jaromil (Radivoje Bukvic na juventude e o cineasta Milos Forman na maturidade) e depois de um tórrido caso, se casando e se mudando para Praga, onde depois de descobrir a infidelidade do marido, decide regressar a sua cidade natal, Paris.


Véra (Chiara Mastroianni) é sua filha que anos mais tarde enfrenta dificuldades em se relacionar com o mundo. Não encontra um amor, e mesmo tendo um relacionamento complicado com o amigo Clément (Louis Garrel) acaba se apaixonando pelo baterista gay Henderson (Paul Schneider).

Engana-se quem pensa que Bem Amadas é como a maioria dos musicais que o cinema apresenta. Apesar de começar divertido e leve, com uma canção (e esse é um musical onde se canta mais não se dança) divertida, enquanto a jovem Madeleine caminha com seu amado pelas ruas de Paris, vai se transformando numa tour de force cansativa e desequilibrada sobre a psique de duas mulheres com um dos menores coeficientes de amor próprio que o cinema já mostrou.

Enquanto Madeleine vive em segredo devido a sua incapacidade de se livrar de seu passado, o que rende uma serie de problemas para sua vida, Honoré é incapaz de nos fazer pensar algo diferente da personagem, além de que estamos vendo uma mulher com muitos problemas emocionais e que precisa desesperadamente de ajuda. O problema é que isso nunca é dito, e a personagem parece profundamente dependente e submissa a todos os homens de sua vida. Seria Honoré fazendo exatamente uma crítica a esse tipo de comportamento? Se tentou, fracassou, pois a mensagem não fica clara em momento algum. O diretor parece tentar dizer que essa é uma historia trágica e como tal não julgará valores. Parece mais interessado na "poesia" por trás das situações do que em resolver alguma coisa na vida de suas personagens.


Já sua filha Véra consegue ir ainda mais baixo no que tange a falta de estima. Tudo justificado pelo amor. Ela se sujeita a criar um relacionamento em sua cabeça, mesmo sabendo que a realidade é bem diferente da que ela imagina. Para piorar, sua vida é cheia de tragédias que fazem com que a personagem seja ainda mais complicada e inconstante. O que parece desafiador para o espectador, na verdade é resultado de um roteiro pavoroso, que acrescenta doenças, desejos femininos e um final patético e que revela a incrível dificuldade que o texto parece ter para justificar as ações das personagens, que nos faz em vez de simpatizar com seus muitos problemas, apenas sentir dó de tamanha incapacidade de sabe o quer da vida. Se a ideia era a de realmente mostrar quão inconstante Véra é, falha novamente, pois o que parece é que a solução encontrada é a mais "poética" e ideal para um dito filme, artístico.

E as canções? Apesar das letras serem inteligentes, e de encaixarem no contexto emocional da produção, elas parecem terem sido inseridas depois do roteiro ter sido produzido, e não presentes na concepção da obra. Trocando em miúdos: sem as canções o filme não perderia nada. Outro problema é que todas as canções são muito parecidas, e se a primeira delas é perfeita para a contemporaneidade do filme, as demais surgem datadas e até bregas. Nenhum dos atores/atrizes tem uma voz excepcional e mesmo Catherine Deneuve pouco pode fazer com canções tão declamadas e parecidas.

Bem Amadas perde muito quando tenta abraçar muitos gêneros, sem competência nenhuma para todos eles. Como musical é medíocre, como comédia romântica é fajuto, como drama de mãe e filha é tedioso e como dramalhão, chega a fazer rir, tamanha quantidade de tragédias que vão se sucedendo na vida das duas personagens. Um glorioso fracasso e forte candidato a fazer parte da lista de piores do ano em 2012.


sexta-feira, 20 de julho de 2012

Armadilha


Armadilha
(ATM, 2012)
Terror - 90 min.

Direção: David Brooks
Roteiro: Chris Sparling

Com: Alice Eve, Josh Peck, Brian Geraghty

O cinema às vezes nos revela pequenas tragédias. Filmes incompetentes, descabidos, infelizes ou simplesmente ruins demais. Armadilha é um desses casos. A começar de sua premissa que é quase risível: três pessoas "presas" dentro de um caixa eletrônico enquanto são perseguidos por um maníaco.

Sejamos claros: o que ganha um sujeito observando de forma masoquista três pessoas congelando em pleno inverno dentro de um caixa automático sem calefação? Ora, essa é a "graça". Descobrir a motivação por trás de tal comportamento bizarro de mais um dos muitos serial killers que se vestem de forma estranha. Esse usa um abrigo para aguentar o frio e está armado de uma chave de roda (muito malvado).

Porém, correndo riscos de estragar a "diversão" de quem pretende acompanhar essa pequena tragédia, apenas aviso que o nosso amigo do capuz é mais um daqueles personagens preguiçosos criados por roteiristas que acham que as explicações não são importantes, que as historias se resolvem sozinhas e que alguns sustos isolados são suficientes para convencer o espectador de que ele acaba de acompanhar uma historia interessante.


Na primeira cena do filme vemos o misterioso sujeito planejando suas maldades. Debruçado sobre folhas plásticas transparentes ele traça linhas, marca outras, cria plantas e sai de seu cubículo. O público já o reconhece como o "inimigo", já que a direção de David Brooks (um estreante na função) não mostra seu rosto, não permitindo o contato visual do público com aquele homem, o que, em uma produção com essa temática, dificilmente indicaria que aquele sujeito poderia ser o herói da história.

Este herói é apresentado na sequência seguinte. Em plena época de Natal, David (Brian Geraghdy), um jovem analista financeiro acaba de dar a noticia para um cliente de que boa parte de seu dinheiro foi perdido. Cena que só está no filme, por que: a) planta uma possível pista sobre a identidade do futuro perseguidor e b) apresenta características do personagem, que é visto como preocupado, interessado em resolver os problemas dos clientes e que fica profundamente apreensivo com a noticia que deu ao homem que ouviu que boa parte de suas economias escorreram pelo ralo.

O outro personagem masculino é seu amigo Corey, que é o babaca da historia. Perdoem o linguajar "baixo", mas não existe outra definição para o personagem de Josh Peck. Cheio de piadinhas sem graça, folgado, inconveniente e ainda atrapalha a tentativa de David e da bela Emily (Alice Eve) em saírem tranquilos. Aliás, é graças aos pedidos insistentes de Corey que o trio para no tal caixa eletrônico, onde tudo acaba acontecendo. A "mocinha" da historia não tem grande função na historia além de deixar o filme mais bonito e servir de interesse romântico para David.


A ação é genérica e apesar dos personagens serem obrigados a se manterem no mesmo lugar durante todo o tempo, as situações apresentadas são absolutamente inverossímeis. Caixa eletrônica sem telefone de segurança? Confere. Violência contra as máquinas que não resultam em nenhuma chamada para a polícia? Confere. Personagem que surge - literalmente - do nada para confundir os protagonistas e render uma sequência de ação óbvia? Confere. Motivação para toda aquela violência desmedida? Não confere.

E essa é a pior - das muitas infelicidades - de Armadilha. Reduzir o vilão a uma criatura sem personalidade alguma, que não faz nem o mais sádico dos espectadores torcer para que ele termine com aqueles chatos personagens ranzinzas da forma mais criativa possível. Sem nenhuma característica que o faça marcante, o filme se arrasta por uma coleção de situações já vistas em outros filmes do gênero, só que aqui transposta para a bizarra localização dos personagens. Para piorar, o seria killer ainda é dotado de "super poderes" já que some e reaparece com uma incrível velocidade, e apesar de quase no final do filme aparentar certa humanidade, não dá para entender como um personagem que parece planejar tudo com tamanho cuidado pode demorar tanto para colocar seu plano em ação. Curiosamente, o roteiro dessa pequena bobagem é escrito pelo mesmo autor do claustrofóbico e intenso Enterrado Vivo, um dos grandes trabalhos de 2010, o que parece indicar que Chris Sparling, ou é ciclotímico ou deu muita "sorte" com seu roteiro de estreia.

Estamos diante de um dos fortes candidatos a estar nas primeiras posições da lista de piores do ano. Fraco como entretenimento mais rasteiro, Armadilha apresenta mais um "maluco" fantasiado que não chega a lugar algum, uma fauna de pequenos personagens estereotipados e ruins e uma conclusão de dar nos nervos, tamanha falta de imaginação para criar uma mínima conclusão lógica e aceitável que não apele para o óbvio (e cada vez mais clichê) vilão que gosta de ver o circo pegar fogo.