sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Os Estagiários



Os Estagiários
(The Internship, 2013)
Comédia - 119 min.

Direção: Shawn Levy
Roteiro: Vince Vaughn e Jared Stern

com: Vince Vaughn, Owen Wilson, Rose Byrne, Max Minghella

A primeira reunião de Vince Vaughn e Owen Wilson fora bem produtiva. Costuma-se dizer que o bromance dos filmes de comédia voltados ao público masculino foi evidenciado por Se Beber, Não Case, com suas reviravoltas de trama que serviam tanto para unir o sentimento de amizade dos três protagonistas quanto para surpreender, mas a verdade é que em Penetras Bons de Bico, a dupla já demonstrava muito das características que seriam popularizadas no filme de Todd Phillips. No divertido filme de 2005, a dupla demonstrava um timing cômico notável e uma trama que, mesmo sem inovar, dava suporte para suas piadas.

Oito anos depois, a dupla se reúne novamente em Os Estagiários. E logo em seu início, fica visível que o filme aposta na dinâmica de ambos para funcionar, já que as situações são mostradas com previsibilidade, o que não é nenhuma surpresa para uma comédia do gênero. O filme começa a ter problemas, porém, quando se deixa levar pela mensagem positiva para com o Google, adentrando uma espiral de clichês que resgata os filmes de loser oitentistas e remete às comédias-família bobas da franquia Doze é Demais.

Bem na primeira cena, o roteiro de Vince Vaughn e Jared Stern tenta construir uma gag em cima do clichê dos “dois machões quarentões cantando uma música fofa”. É chato perceber quando uma comédia joga uma piada assim na cara, mas Vaughn e Wilson conseguem escapar com dignidade da exposição inicial. A participação de Will Ferrell, no papel rápido do arrogante de estilo bizarro, diverte por mostrar o ator mais a vontade num papel que está se tornando comum em sua carreira, mas a construção dos protagonistas como losers só funcionam porque os atores fazem essa expressão derrotista com destreza.



A partir daí que à aura da Crise Econômica se faz bastante presente. Como narrativa linear, Os Estagiários é um conto de como o Google pode salvar seu emprego nesse mundo de recessão e modernidade. E se a premissa já soa propagandista, quando o filme se dirige aos headquarters da empresa à coisa só se intensifica: o filme mostra como o local é agradável de trabalhar, como os lanches são de graça, como o empregado é valorizado e tem seus momentos de descanso; como é um ambiente igualitário. Nesse caso, a personagem de Rose Byrne entra na história e se encaixa no clichê em dois níveis: é tanto o interesse romântico de Owen Wilson quanto à executiva que demonstra a beleza que há no Google.


Como os estagiários vividos por Vaughn e Wilson são os mais velhos, os tiozões analógicos (não por acaso, trabalhavam vendendo relógios, o que não deixa de ser esperto), eles têm que se juntar às mentes brilhantes jovens para conseguir seu objetivo – e é claro que vão se juntar aos undergrounds. Para diversificar um pouco o núcleo loser, Vaughn e Stern colocam os outsiders juntos: temos o tímido, o descolado hipster, a patricinha inteligente e, é claro, o über-nerd (confesso que dei um leve sorriso com a referência a Game of Thrones) como chefe do grupo. E eles enfrentarão um adversário unidimensional, inescrupuloso, cercado de gênios, que fará de tudo para roubar o concorrido emprego dos mocinhos. Ao menos, o filme zomba visivelmente do clichê. Tremenda sacada, talvez a excepcional do filme, chamar Max Minghella como vilão; se tem alguém que entende do que é trabalhar com tecnologia e ter seu posto roubado, é o ator de A Rede Social e A Hora da Escuridão.

Essa tendência acaba fazendo à narrativa rumar para o clássico conflito de equipes dos adolescentes rivais, que povoa de filmes infantis até as comédias mais cretinas, como Gente Grande. Porém, aqui, o problema não se intensifica porque as melhores gags estão nos conflitos de geração que o roteiro cria. Por mais que não seja a iniciativa mais inovadora do mundo, nas mãos de um executor correto como Shawn Levy (que faz uma breve ponta) funciona. A cena do jogo, por exemplo, é uma exceção ao funcionamento, um porre em sua lição de moral (bastou o time se preocupar com o jogo que reverteram o irreversível placar) e com algumas das piores gags do filme, como emular Harry Potter, que é no mínimo atrasado.




Já as piadas mais ligeiras, que dependem mais do non-sense (o banheiro da boate) ou da dinâmica Wilson-Vaughn, que tornam Os Estagiários uma sessão agradável, que diverte e cria empatia com os personagens sem muito esforço. A cena da boate, por exemplo, é irretocável, com uma paisagem quase surrealista, localizando diversas situações verdadeiramente divertidas que quase fazem o espectador esquecer o problemático ato inicial. O desenvolvimento dos personagens, ainda que não seja o melhor textualmente, se apóia muito no carisma de Vaughn e, principalmente, no de Wilson, que sustenta sozinho a ótima cena no restaurante com Rose Byrne. E se o final trata a crise econômica como se fosse um mero anúncio esperando para ser comprado por alguma gigante visionária como o Google, torcemos para que a empreitada dê certo por criar algum laço com seus divertidos personagens, que rende instantes legais como a cena do horizonte da ponte, quando o menino tecnológico prefere ficar mais um pouco pra admirar a paisagem.


Levando em conta sua instabilidade, portanto, Os Estagiários se assemelha bastante com Quero Matar meu Chefe, outro filme com roteiro bastante problemático, mas que se salva devido a um elenco esforçado, com timing cômico. É uma sessão para um sábado de noite, com os amigos, um pipocão que ofende bem menos que o nocivo, e também em cartaz, Gente Grande 2. O novo filme de Shawn Levy, após seu melhor projeto até hoje, o enérgico Gigantes de Aço, é um passo atrás em sua carreira, voltando às comédias bobinhas do seu início, como Recém-Casados e Doze É Demais, mas é agradável o suficiente pra merecer algum tipo de atenção.



segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Os Sabores do Palácio

Os Sabores do Palácio
(Les Saveurs du Palais, 2012)
Comédia - 95 min.

Direção: Christian Vincent
Roteiro: Etienne Comar e Christian Vincent

com: Catherine Frot, Arthur Dupont, Jean D'Ormesson, Arly Jover

Depois dos filmes americanos é a cinematografia francesa a que mais chega ao brasileiro. Felizmente, a imagem - incentivada por alguns colegas com "o rei na barriga" - de que tudo feito na França é "difícil", "complicado" ou simplesmente pedante e chato vem diminuindo a cada ano. Da mesma forma como nos Estados Unidos não se faz apenas blockbusters e no Brasil filmes com temática de pobreza e afins, na França se faz de tudo, de comédias a filmes de ação e terror. Pensar dessa forma, é diminuir toda a rica diversidade cultural de um povo e ser preconceituoso.

Sabores do Palácio é mais um dos exemplos de histórias que nada tem de complexa e que se sabe lá porque acabam restritas a um nicho dos apreciadores do cinema francês, enquanto boa parte do grande público fica sem conhece-lo, mesmo que o filme seja apenas simpático e nada tenha de verdadeiramente especial. Mas, diante a pobreza da maioria das estréias de circuito, destaca-se pela simplicidade de sua trama. "Livremente baseado" na história da cozinheira do ex-presidente da França,  François Mitterand, a história apresenta Hortense, uma cozinheira que vive em uma fazenda e que de uma hora para outra vê sua vida mudar completamente ao ser chamada para ser a cozinheira privativa do mandatário francês.

Quando a produção começa, passaram-se dois anos da saída de Hortense da cozinha presidencial. Ela cozinha em uma base científica próxima a Antártica e por meio de flashbacks conhecemos sua rotina. O filme tem problemas ao nunca ir mais fundo na personalidade da protagonista ou mesmo não explicar seus anseios com a profissão. Mesmo as motivações para sua saída são frágeis e até um pouco banais, já que o filme talvez preocupado em não "dramatizar" demais, esquece-se de dar força aos problemas enfrentados pela personagem em seu dia a dia. A impressão que fica é que a personalidade difícil da chef, misturada a sua incapacidade de entender o lugar onde estava e as dificuldades financeiras enfrentadas a fizeram se irritar. Em suma, o diretor Christian Vincent faz-nos parecer que a protagonista de seu filme é mimada e fresca.



Porém, isso não tira o charme do filme que inteligentemente dá espaço a comida (aconselha-se a não assistir a produção de barriga vazia) com muitos pratos da cozinha francesa deliciosamente apresentados e saborosamente cozinhados. O que é interessante é que o conhecimento enciclopédico de Hortense sobre sua profissão garante momentos divertidos, com a dificuldade para todos ao seu redor, incluindo outros companheiros de cozinha, conhecerem os ingredientes e receitas propostas pela chef.

Outro elemento interessante e que dá simpatia e elegância a trama é a relação amistosa entre ela e um acanhado e envelhecido presidente francês, que garante bons diálogos. Porém, a presença de uma equipe de reportagem australiana na tal missão científica jamais se justifica. Sempre tentando saber mais sobre o período de Hortense na cozinha presidencial (e nunca conseguindo) pouco acrescenta a história, já que não é por meio dos relatos da cozinheira que o publico conhece a trama, mas por flashbacks simples sem adição de off ou outras características desse tipo de narrativa. Sabores do Palácio está bem longe da perfeição, mas é simples e divertido. Maiores explicações sobre a motivação ou mesmo profundidade dos personagens seriam bem vindas.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Sem Dor, Sem Ganho

Sem Dor, Sem Ganho
(Pain & Gain, 2013)
Comédia/Crime - 129 min.

Direção: Michael Bay
Roteiro: Christopher Markus e Stephen McFeely

com: Marj Wahlberg, Dwayne Johnson, Anthony Mackie, Ed Harris, Tony Shaloub, Rebel Wilson

Daniel Lugo acredita em malhação. Logo no princípio, após malhar na academia onde trabalha aos gritos de “sou forte, sou enorme”, o homem é interrompido pela chegada da polícia e o observamos correr com um vigor notável. A narração, constante, reforça o mantra de Daniel. É um homem que cultua a si mesmo – e quer ser aceito da forma que julgar merecer. Ao optar por um prólogo no futuro, simbólico, é com bastante economia que Pain & Gain já introduz seu protagonista e sobre os assuntos quer tratar de forma tenaz. 

Analisando qualquer peça promocional do filme, não é difícil constatar a irreverência com que Michael Bay trata da violenta história real do grupo de marombeiros que se reúne para sequestrar um dos clientes de sua academia. Porém, no decorrer da narrativa, é com surpresa que se vê que, por trás da suposta atmosfera cool de humor negro, há um comentário repleto de cinismo sobre o sonho americano, trabalhado em escalas tanto físicas quanto psicológicas e sociais.

O primeiro ato, que introduz a rotina “maçante” de Lugo, encaixa a insatisfação do personagem com seu ambiente através da mesma narração em off do início. Narração em off que, por sua vez, é empregada pela história de maneira diferente, passando por vários personagens, com a intenção de evidenciar os diferentes tipos de ideal dos personagens, as diferentes visões do Sonho Americano. Em tela, o que poderia soar como desnecessária explicação da imagem aumenta o escopo da discussão – além de tornar Lugo mais íntimo do espectador, o que só potencializa a virada da trama.



Nesse ato, Bay e os roteiristas Christopher Markus e Stephen McFeely não se preocupam em perder tempo despertando alguma empatia com os protagonistas, sempre deixando o absurdo das situações causar esse efeito no espectador. Desde o princípio, Lugo é visto como um egocêntrico, arrogante, que desperta a atenção do espectador apenas por ter seu caráter mascarado por uma camada de humor que faz parte da estrutura de comédia de erros que Pain & Gain adota em seu primeiro ato, de elaboração do sequestro. E construindo uma narrativa policial que remete a Bad Boys, o filme estabelece uma atmosfera evocativa, através da excelente direção de arte, que exala os anos 90 até no visual da fotografia e nos figurinos divertidíssimos, como a presença do logo antigo da Nike em diversas roupas. 

Quando o filme deixa de ser uma versão hardcore de Arizona Nunca Mais, abordagem à filmes de buddy cop, uma jornada brutal de violência toma conta do filme, sem que seus narradores, antes até simpáticos ao público, tenham qualquer remorso ou noção das consequências de seus atos.

Essencial para a virada da trama, o humor inicial cria um arco interessante para Daniel Lugo, que, após ter sucesso, deixa aparecer sua verdadeira faceta, inescrupulosa, covarde, que não tem medo de se beneficiar das fraquezas alheias (como na cena da van, quando culpa Doyle por certa “morte”) para conseguir o que quer. Lugo deixa de ser apenas um homem com ideal distorcido para se tornar um maldito. É aí que a tendência de Bay em glamourizar fatos violentos mostra seu cinismo: a violência é vista com humor porque os protagonistas a veem com estranha naturalidade, o que causa o desconforto do terço final do filme (o incidente envolvendo uma serra elétrica é particularmente desconfortável). O cool “ingênuo” dá lugar à ferocidade. 



O comentário sobre o sonho americano se faz presente ao se estabelecer através dos óbvios bens materiais (os carros, as mulheres, as mansões), mas traz certo frescor à discussão ao relacionar o fisiculturismo de Lugo com a perfeição que busca para sua vida social. Não por acaso, o protagonista diz em certo ponto que “a América é o país mais sarado do mundo” e que ser fora de forma é “antipatriótico”. O egocêntrico interpretado por Wahlberg se olha no espelho, se auto-proclama um super-homem, e frequentemente para tudo o que está fazendo para malhar, o que rende instantes divertidos.

Não é de se espantar que, a certa altura do filme, os personagens de Wahlberg e Dwayne Johnson sejam quase impossíveis de se identificar, sendo dignos de repulsa pelo espectador. As nuances do mau-caratismo de Lugo são captadas com precisão ímpar por Wahlberg (sempre um ator interessante), que sabe muito bem sair da postura de homem indignado para absoluto vilão. Johnson também impressiona, ao apresentar Doyle absolutamente descontrolado em sua fase cocainômana, e engraçadíssimo em sua fase religiosa. É muito pela veracidade que Wahlberg e Johnson passam na transformação dos personagens que Pain & Gain é satisfatório, afinal.

O forte teor do filme, tanto em conteúdo textual quanto gráfico, poderia – e foi – confundido com um humor desumano, inaceitável. Porém, diferente do humor mau-caráter de Bad Boys II, Bay trata o non-sense do filme com cinismo porque é a visão de mundo de seus vis protagonistas. Assim, sempre retratando os fatos para comentar o absurdo do ocorrido, que por vezes choca e por vezes, por que não?, o filme provoca o tal humor negro (como nas precisas inserções de estilosos grafismos). A falta de noção dos personagens, como na já famosa cena do dedão e do cachorro, desperta o riso mais por incredulidade que por humor de mau-gosto.  O non-sense do filme, quando encaixado dentro do texto da narrativa, cria momentos que surpreendem, como a melhor cena do filme: quando The Rock vai fazer seu barbecue no contraluz, clichê do self-made man estadunidense, está realizando a imagem que todos ali sonham, mesmo que na grelha tenha mãos, e não carne. É o símbolo definitivo da total exacerbação do sonho americano, que atravessa Pain & Gain por toda sua metragem.




A trilha de Steve Jablonsky, precisa, acompanha bem essa transição entre a comédia de erros e a violência que se sucede, utilizando de uma música-tema estilosa, mas um tanto melancólica, para acompanhar os pontos-chave da jornada de cada personagem, o que reforça a atmosfera buscada por Bay.

Obviamente, é um parecer transmitido através de muito didatismo que, mesmo em um filme que nunca deixa o descompromisso, acaba passando do aceitável em certos momentos. Principalmente no epílogo, com uma professoral narração em off divagando sobre as motivações do bando. Mas ainda que enfraqueça o poder do argumento, não chega perto de invalidar a habilidosa condução de narrativa de Markus, McFeely e Bay. É o bem vindo retorno do diretor a uma escala menor de filme, que se sustenta mais pela simplicidade dos set pieces e menos pela grandiloquência anestésica dos dois – fracos – últimos Transformers. Remetendo constantemente ao primeiro Bad Boys (a Miami, a fotografia, a interação bem-humorada entre os personagens), Pain & Gain se beneficia do visual de Bay em sua melhor forma, enquanto o carisma de Wahlberg, Johnson e Mackie fazem o resto.

Bay, ainda que continue demonstrando graves erros de linguagem (mise-en-scene mal-elaborada, ângulos edificantes mal-empregados), prova o quanto entende de ação, de um visual estiloso, bonito, mesmo econômico, muito melhor comandando que na ação incompreensível que andava fazendo (o roubo de duas maletas por Doyle é muito bem conduzido). O cuidado com a fotografia, quente e saturada, se faz muito mais presente que na artificialidade dos dois últimos Transformers, sem que isso modifique algo de sua marca como esteta de cinema espetaculoso. Não faltou nem o travelling giratório.

Pain & Gain satisfaz por seu roteiro decente e por sua divertida história policial, mas acaba se provando acima da média por sugerir que Michael Bay, afinal, não só tem plena consciência de toda a misoginia e patriotismo extremado que é sempre alvo de crítica em seus filmes, como sabe ser cínico ao negá-los em uma trama cômica, mas que nunca deixa de mostrar os preconceitos do tal american way of life.



quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Instrumentos Mortais: A Cidade dos Ossos

Instrumentos Mortais: A Cidade dos Ossos
(The Mortal Instruments: City of Bones, 2013)
Aventura/Romance - 130 min.

Direção: Harald Zwart
Roteiro: Jessica Postigo

com: Lily Collins, Jamie Campbell Bower, Robert Sheehan, Lena Headey, Jared Harris, Jonathan Rhys Meyers

Pergunto-me com certa frequência qual o segredo para certas séries infanto-juvenis ou de realidade fantástica fazerem tanto sucesso. Em Harry Potter, J.K. Rowling pegou um elemento de conhecimento geral (os bruxos, magos) e partir dai produziu uma mitologia própria com regras e personagens únicos. Stephanie Meyer em Crepúsculo (mesmo não gostando dos filmes) também pegou elementos de conhecimento geral (vampiros, lobisomens) e transformou-os em uma coisa diferente do que estava presente no imaginário popular (para o bem e para o mal), além de rechear suas histórias com romance, o que atraiu um público novo ao gênero da fantasia. George R.R. Martin viu sua série das Crônicas de Gelo e Fogo serem catapultadas a best-sellers quando foi transformada em serie de TV. Nos livros (e felizmente na série) a mistura de ficção "histórica" com elementos de fantasia também pareceu diferente, somando-se a sensação de urgência constante na história, onde tudo pode acontecer. 

Pois bem, nos exemplos que dei acima o sentimento de frescor, de "ineditismo" talvez seja responsável pelo interesse de muitas pessoas pelas obras citadas. E é claro que a partir do sucesso dessas, muitas "cópias" e trabalhos de temáticas parecidas surgiram por aí. Além, de outros livros importantes no gênero que acabaram ganhando sua chance na tela grande (casos do mal sucedido "A Bússola de Ouro", dos "Crônicas de Nárnia" e do vindouro "Ender's Game"). E isso também vale para o mercado editorial, já que a quantidade industrial de lançamentos de realidade fantástica e fantasia é cada vez maior. 

Além da questão de popularidade, existe uma outra questão sobre a maioria dos novos autores de fantasia: parece que os mesmos leem apenas realidade fantástica, reproduzindo apenas versões inferiores de livros e contos mais cativantes. Todos os grandes autores do gênero leram mais do que apenas esse tipo de literatura e, portanto conseguiram criar mundos novos e criativos exatamente por sua variedade de influências. O caso da versão cinematográfica de Instrumentos da Morte é exatamente condizente a essa reclamação. Um dos grandes abacaxis de 2013 é uma coleção incontrolável de clichês, elementos requentados, ideias fajutas e protagonistas ruins num mesmo filme e que se for mesmo fielmente baseado em um livro, já o transforma também em uma bobagem gigantesca e dotada de pouquísima originalidade.


Os clichês e os elementos requentados começam pela própria história que é mais uma trama teen onde uma garota absolutamente comum se transforma na "escolhida", graças (nesse caso) a sua descendência milenar. Ela é filha de caçadores das sombras, sujeitos que caçam demônios e que originalmente surgiram com as bençãos de anjos. Nessa salada de referências ainda aparecem magos de sunga apertada (sério!), lobisomens (que obviamente precisam ser barbudos quando na forma humana) e até vampiros (que não brilham). O único momento de frescor é a utilização de marcas na pele como símbolos dos poderes dos tais caçadores. Até mesmo um triângulo amoroso acaba surgindo na trama que ainda incluem referências a Star Wars (sim, é isso mesmo que você leu) e uma serie de personagens desinteressantes.

Se a garota Clary (Lily Collins, esforçada) tem a clara motivação de encontrar sua mãe sequestrada por causa de um segredo milenar e o caçador bad boy (Jace/Jamie Campbell Bower) cumpre seu dever com a causa (e se apaixona no caminho), o mago líder do grupo e que deveria ser a epítome da seriedade e competência, mostra-se fraco e um personagem com problemas emocionais absurdos em se tratando da realidade da produção. O mesmo problema aflige um dos coadjuvantes apaixonados ou mesmo o mago de cueca. Até mesmo o amigo da protagonista (Simon, interpretado por Robert Sheehan) que serve apenas de alívio cômico fajuto, acaba ganhando um pequeno drama que deve ter consequências nas eventuais continuações da serie.

Mas nada é mais grave para uma produção de aventura/ação do que um antagonista que não cause nenhuma sensação de perigo para os protagonistas. Embora cheio de estilo e com um discurso empolado e recheado de frases feitas, Valentine vivido por Jonathan Rhys-Meyers acaba caindo no hall dos vilões gritalhões com muita pose mas com planos óbvios e "modus operandi" tão confuso quanto à quantidade de referências e clichês dos mais variados filmes/personagens que a produção tem.


Contando com efeitos visuais capengas e uma direção de arte que atira para todo lado (indo de catacumbas medievais, bibliotecas vitorianas, armazéns sujos e raves estranhas) a trama caminha pelo acumulo de ideias já vistas em diversas outras produções com diálogos bregas, falta de química entre seus protagonistas e um desperdício das poucas boas ideias, como a das marcas ou a participação de um coadjuvante que revela ser mais do que aparenta (uma dica: ele é barbudo).

Instrumentos Mortais: A Cidade dos Ossos é um caça níquel. Não faço a menor ideia se o livro é aquilo que foi transposto na tela ou não, mas se depender da experiência causada pela produção dificilmente o livro que deu origem a produção ganhará minha atenção.

Obs: a tal Cidade dos Ossos do título ganha seus dois minutos de atenção e... só.


quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Círculo de Fogo

Círculo de Fogo
(Pacific Rim, 2013)
Ação/Aventura - 131 min.

Direção: Guillermo del Toro
Roteiro: Travis Beacham e Guillermo del Toro

com: Charlie Hunman, Idris Elba, Rinko Kikuchi, Charlie Day, Burn Gorman, Ron Perlman, Robert Kazinsky

Caro Alexandre,

Resolvi te escrever porque acabei de ver um filme que tenho certeza que você vai gostar muito, baseado em meu conhecimento sobre sua coleção de revistinhas Herói, seus bonecos do Changeman e máscaras do Jiban que eu sei que tem espalhadas pela casa. Chama-se "Círculo de Fogo" e não, não é sobre nada que envolva diretamente fogo, mas sobre uma invasão de criaturas gigantescas (como um Godzilla ou os monstros dos super sentai) ao planeta Terra graças a uma falha no fundo do Oceano Pacífico. O que acontece é que a humanidade precisa enfrentar esses monstros e para isso constrói um monte de robôs gigantes que são pilotados por dois pilotos.

Por que dois pilotos, você pode me perguntar? Por que é muito difícil para um sujeito (ou sujeita) conseguir manobrar o robô super pesado sozinho. No filme, os cientistas dividem o comando do robô para que duas pessoas possam comandar cada um dos hemisférios do "cérebro do robô" e assim o movimentar (acho que você já deve ter estudado essa coisa dos hemisférios cerebrais em ciências, mas se não, pergunte ao seu professor). Pois bem, para melhorar a interação entre os pilotos eles se conectam mentalmente e acabam partilhando suas memórias, mantendo-se ligados como se fosse um só. Pra mim, foi uma ideia muito inteligente do diretor Guillermo del Toro, que dirigiu os filmes do Hellboy que você já viu e Labirinto do Fauno (que acho um pouco violento demais pra você ainda, o que me faz pensar que talvez tenha de omitir esse filme dessa carta para que você não se anime a procurá-lo).


A ideia é inteligente porque desse jeito ele poupou tempo com as óbvias explicações sobre os personagens principais, inserindo-as quando os pilotos se conectam e suas memórias (até aquele momento) são mostradas ao público. Assim ele ganha tempo para que os robôs e monstros possam ser o foco da ação, mesmo que os protagonistas sejam até desenvolvidos, especialmente a dupla Raleigh/Charlie Hunman e Mako/Rinko Kikuchi - que tem uma relação de aprendizado mutuo e de vitória sobre traumas apresentada de forma inteligente - e principalmente Pentecost/Idris Elba, o chefão dos robôs gigantes chamados Jaeger (esqueci de dizer o nome deles e sei como você é chato com essas coisas, só pra constar os monstros são chamados de Kaijus), que é daqueles chefes que impõe respeito com sua forma de agir e seu sentido de honra e respeito ao seu dever, mesmo que tenha que arriscar sua vida. Como te disse, tudo muito parecido com os seriados japoneses que você gosta de ver.

Além deles, e isso eu também achei legal, existe toda uma coleção de robôs para os diferentes paises que estão ali representados, dando uma dimensão genuinamente global a ameaça dos Kaijus. O robô russo, o Cherno Alpha, é todo quadrado e parece ter saído de alguma experiência espacial da antiga União Soviética (espero que tenha prendido o que foi a União Soviética na escola) é todo retro e é o mais pesado e lento. O chinês, Crimson Typhoon, é comandado não por dois, mas por três pilotos diferentes, que usam o robô com três braços (sim, na tela fica um pouco estranho porque ele parece meio penso, mas ainda assim é bem feito) enquanto o australiano, Striker Eureka, é o mais moderno e mais veloz, parecendo demais um robô do anime Evangelion (que é outro que acho você muito novo pra ver...estou me complicando nessas referencias). Os protagonistas usam o robô americano, o Gypsy Tango, que é o com mais cara de robô de super sentai e pra mim o mais bonito de todos eles.

Se você quiser levar uma namoradinha que não curte muito essa coisa de robôs gigantes e monstros, avise a ela que alguns personagens são os "alívios cômicos" e que deixam o filme mais leve. O Hellboy em pessoa, Ron Perlman faz um comerciante de partes de monstros (que ideia legal né?) e a dupla de cientistas responsável pelos equipamentos da base dos robôs também é divertida. Um é uma espécie de biólogo obcecado com os Kaijus e o outro um matemático que prevê quando os monstros vão aparecer. Apesar de super inteligentes, os dois são usados muitos mais nos momentos cômicos da trama. Pessoalmente, e acho que você não vá ligar pra isso, achei os dois exagerados em alguns momentos, errando um pouco o tom da piada, mais nada que me fizesse desgostar do filme.


Mas, tenho certeza absoluta que você vai adorar cada segundo dos combates. Tem de tudo que você possa imaginar e não, não vou ficar contando sobre os apetrechos dos robôs para não estragar a surpresa. Só te falo que o Del Toro parece ter visto a maioria dos seriados que você gosta, porque não esqueceu praticamente nada que esse pessoal usa. A escala dos robôs foi outra coisa que me impressionou demais (e que certamente vai te fazer falar muitos WOW na sala de cinema). Fazem os Transformers parecerem brinquedos de criança. Quando eles caminham as ruas são destruídas, não porque eles saiam quebrando tudo, muito pelo contrário (Del Toro inclusive colocou uma cena em que um dos robôs pula uma ponte para não destruí-la), mas porque eles são tão pesados que nenhum asfalto do mundo resistiria ao tamanho dessas criaturas.

Os monstros (vou ser sincero) não têm o design mais original do mundo e parecem-se demais fisicamente, mas também são enormes e fazem um grande estrago por onde passam. Aliás isso é outra coisa que o filme acerta em cheio: as cidades são realmente devastadas e você sente medo pelos habitantes daqueles lugares, em especial quando o filme mostra uma memória passada em Tóquio e você vê uma garotinha fugindo da destruição. É a cena mais bonita do filme pra mim (certamente pra você não será, mas fazer o que). O que ele fez aqui foi dar uma cara à destruição, simbolizar toda a perda das pessoas e da cidade naquela menininha e isso faz com que a gente se identifique com aquela batalha.

As lutas são todas muito bacanas como te disse, mas na primeira delas eu fiquei um pouco perdido com tanta coisa acontecendo (talvez esteja ficando velho), mas depois o Del Toro parece ter se acertado e eu compreendi melhor tudo o que se passava no filme nessas sequências de ação. Talvez você fique um pouco entediado em alguns momentos, já que o filme - pra mim, felizmente - não ficou apenas nas brigas dos robôs e muita ação acontece em "terra firme". Acho que você não vá ligar muito pra isso (mas posso estar enganado, por isso me avise), mas os atores, a exceção da japonesa Mako e do chefão Pentecost, são medianos (alguns na verdade meio fraquinhos), mas a forma como a historia é contada disfarça esses problemas com saídas inteligentes como as das memórias e o sentido de urgência de toda a trama que se passa praticamente toda em um intervalo de tempo bastante curto, e que nos faz relevar maior complexidade daqueles homens e mulheres enfrentando a morte.


Outra coisa bacana é que a introdução do filme é toda feita por um dos personagens que rapidamente conta para o público à situação a ser enfrentada, como os monstros surgiram e a construção dos robôs. Tudo rápido e de forma bastante ágil, como se tudo tivesse sendo resolvido ao mesmo tempo e já nos colocando no meio da trama.

Eu vi pequenos problemas na trama em si, que achei muito óbvia e com alguns clichês que talvez por ser mais velho e já ter visto muito mais coisa que você, chegaram a me incomodar. Mas é outra daquelas coisas que você vai achar implicância de velho. Quando tinha sua idade, adorava (e ainda adoro) Fúria de Titãs (o de 1981, não o remake) e acho que esse filme vai ter o mesmo impacto em você que o filme dos monstros mitológicos teve em mim. Na verdade, acho que você vai sair do cinema gritando: "esse é o melhor filme do mundo".

E pra você, certamente será.

Um abraço,
Alexandre Landucci


(essa é uma carta - ou e-mail sejamos modernos - enviada pelo crítico Alexandre Landucci, 28 anos para seu eu de treze anos de idade numa realidade alternativa onde no ano de 2013, ele ainda tem essa idade)


quinta-feira, 1 de agosto de 2013

RED 2 - Aposentados e Ainda Mais Perigosos

RED 2 - Aposentados e Ainda Mais Perigosos
(RED 2, 2013)
Ação/Comédia - 116 min.

Direção: Dean Parisot
Roteiro: Jon Hoeber e Erich Hoeber

com: Bruce Willis, Helen Mirren, Mary-Louise Parker, Catherine Zeta-Jones, John Malkovich, Anthony Hopkins

O primeiro RED é simplório. Uma reunião de estrelas consagradas que resolveram "desligar os cérebros" e aproveitar os óbvios cheques polpudos recebidos para participar dessa comédia de ação meio sem graça, com ação genérica e resultado apenas aceitável. Claro que foi divertido ver Helen Mirren atirando com duas metralhadoras, Morgan Freeman e John Malkovich quase caindo no besteirol e (pra mim) Mary-Louise Parker na tela grande. Mas, fora esse "fan service", o filme não era grande coisa. Bruce Willis em mais uma atuação robótica e uma trama bobalhona e sem nenhum brilho.

Pois bem, o que RED 2 tem de diferente em relação ao primeiro filme é que elimina um dos grandes problemas do filme original: ter de apresentar - com algum sucesso e complexidade - personagens rasos como um pires e que são simplesmente estereótipos para serem utilizados em uma produção de ação escapista e que visa apenas duas horas de pipocas e diversão. Ao não precisar explicar quem são aqueles sujeitos, o filme vai direto "ao que interessa": ação e comédia. Outra vantagem dessa segunda aventura dos aposentados é que ela mantém a agilidade colocando os personagens em diversos lugares do mundo, tendo diferentes elementos para criar sequências de ação e comédia. E se você não gastou seus suados reais no filme original, não se preocupe vai conseguir entender tranquilamente o segundo, já que não existem grandes referências aos eventos do primeiro filme.

A trama se passa alguns anos depois do primeiro filme, quando Frank (Willis) e Sarah (Mary-Louise) estão juntos e vivendo a rotina de um casal normal, o que é novidade para ele, mas uma tremenda chateação para ela que se apaixonou pelo herói de ação e não pelo dono de casa feliz por encontrar descontos no supermercado. Marvin (Malkovich) surge quando o casal fazia compras e diz que todos os ex-agentes estão correndo perigo. Willis ignora o aviso e enxerga o carro do amigo explodir. A Partir dai, ele parte em busca de respostas que o farão cruzar o caminho novamente de Victoria (Helen Mirren), e reencontra (para o personagem e não para nós espectadores), o astuto e violento Han (Byung-hun Lee) a bela Katja (Catherine Zeta-Jones) e o estranho Doutor Bailey (Anthony Hopkins), todos em busca de uma misteriosa relíquia da Guerra Fria.



Uma das características mais importantes da "franquia" é o texto solto, as piadas internas e o bom humor com que o elenco leva as situações absurdas que são submetidas no filme. Isso continua presente e a tour mundial os leva a diversos cenários, ampliando ainda mais clima de filme de espionagem e de conspirações constantes. Por outro lado, não existe química alguma entre o "sem vontade" Bruce Willis e a histérica (e chata) personagem de Mary-Louise Parker. O fato de boa parte da historia se desenrolar entre crises do casal e tentativas de aproximação do mesmo não ajudam em nada.

De resto, Red 2 é aquele acumulo de cenas de ação genérico cortada por uma história absurda com final sem muito sentido e que desafia a própria lógica da trama. É como ver a mesma piada contada pelos mesmos humoristas só que num teatro diferente. Pouca coisa se salva: Malkovich brincando com o estereótipo de fazer sempre malucos, Helen Mirren à vontade e até parodiando-se e Zeta-Jones histérica como uma femme fatale russa.

A direção de Dean Parisot (diretor do ótimo "Heróis Fora de Órbita" a melhor paródia de ficção científica já realizada), é ao menos contida e usa de recursos gráficos dos quadrinhos para dar humor e agilidade em passagens de tempo e não exagera nas sequências de ação, nos fazendo - felizmente - enxergar o que vemos na tela. Não consigo visualizar muito mais fôlego para novas "aventuras" dos espiões de RED, embora a produção não tenha se esquecido de deixá-la aberta a muitas (e muitas) continuações, que vão acontecer dependendo do faturamento desse segunda aventura.