Prometheus
(Prometheus, 2012)
Ficção Científica - 124 min.
Direção: Ridley Scott
Roteiro: Jon Spaihts e Damon Lindelof
Com: Noomi Rapace, Michael Fassbender, Charlize Theron, Idris Elba, Logan Marshall-Green, Guy Pearce
É impossível recriar a magia. Um truque realizado uma vez,
dificilmente terá o mesmo exito se for repetido. É impossível deixar o cinema
com a mesma sensação de medo e agonia que o primeiro Alien causa nas pessoas. O
filme de 1979 é um dos maiores exemplares do cinema de terror dos últimos
quarenta anos. Prometheus é um bom - com ressalvas - exemplar de filme de
ficção científica com ares messiânicos.
Profundamente inspirado pela ideia de Eram os Deuses Astronautas, escrito por Erich von Däniken,cult dos anos 70 e que propunha que os seres humanos poderiam ter sido
"criados" a parte de alienígenas, o retorno de Ridley Scott ao mundo
de Alien é bem intencionado, tem conceitos interessantes, algumas metáforas
bastante obvias e outras que podem incomodar os mais céticos.
Comecemos pelo plot: estamos em 2084 e Elisabeth Shaw (Noomi
Rapace) é uma cientista em busca de respostas sobre as ditas questões
essenciais da vida: de onde viemos e para onde vamos? Quem - ou o que - nos
criou? E para que? Ao seu lado Charlie (Logan Marshall-Green), outro cientista que - além de
apaixonado por Elisabeth - também está em busca das mesmas respostas.
A partir daí, o filme dá um salto de dez anos, e encontramos um
homem circulando sozinho em uma nave vasta. Seu nome é David (Michael
Fassbender) e ele é um robô. Ele serve como uma espécie de mordomo e como não
precisa ficar em estado de criogenia (ou algo assim) pode manter-se acordado
por toda a viagem. Em seu tempo livre, David estuda sobre o homem, já que sendo
uma criatura sintética não consegue produzir as mais básicas emoções humanas.
Joga basquete enquanto anda de bicicleta (e o diretor mostra isso como exemplo
de sua força e destreza), estuda as mais diversas línguas antigas já criadas
pelo homem e se apaixona pelo cinema, em especial por Lawrence da Arábia (na
cabine que compareci mostrado inclusive em 3D, o que causa certo
"prazer" cinéfilo secreto).
Ao lado do andróide e do casal de cientistas, a nave Prometheus (a
primeira nas metáforas óbvias do filme) conta com a fria Vickers (Charlize
Theron) que explica ao restante da equipe que após descobertas arqueológicas em
diversos sítios espalhados pelo mundo foram notados uma constante nas pinturas das
mais diversas civilizações. Uma formação planetária, que é interpretada pelos
cientistas como um mapa, que - eles crêem - leva aos "criadores" da
vida na Terra.
A partir dai a historia se desenvolve. Como disse o conceito não é
novo, mas é interessante. Mistura o que se entende por criacionismo (que o
homem foi "criado" por alguma forma mais evoluída) com a ideia da
evolução, que imagino todos conheçam. A ideia de o homem estar atrás de suas
respostas sobre seu lugar no universo é peculiar em nossa arrogância sem fim.
Somos uma espécie que realmente acha que é especial e não mais um "inquilino" no planeta Terra. Desde sempre, o homem busca respostas para aquilo que não
consegue responder, e o roteiro de Jon Spaihts e Damon Lindelof parece brincar com as
expectativas do publico em relação a respostas (uma constante na vida de
Lindelof). Adianto, por consequência, que se o publico está esperando
"o" filme sobre a criação das coisas, esqueça, já que ao final da
sessão é bem mais provável que o espectador saia carregado de novas perguntas
sobre o que viu, o que hoje em dia, é um feito.
Em um mercado cada vez mais saturado de filmes que passam
despercebidos, fazer pensar é um artigo de luxo. Não que Prometheus seja
"cabeça", mas suas dúvidas geram teorias e essas teorias fazem com
que o filme sobreviva depois do final da projeção.
Passamos as metáforas, que são várias e nada sutis. Iniciemos pela
mais óbvia e clara: Prometheus. Prometeu, na mitologia grega, era o titã que roubou o fogo de Zeus e entregou a humanidade, na tentativa de transformar os homens em iguais perante aos olimpianos. O titã foi punido pelos deuses, e uma vez acorrentado, teve seu fígado bicado por uma águia até o
fim dos tempos. A tripulação faz o mesmo: são os insignificantes humanos
tentando descobrir seus deuses criadores e como tal (e isso não é um spoiler,
já que a campanha de divulgação do filme foi massiva em relação a esse
elemento) desencadeiam uma tragédia.
As demais metáforas estão aqui e ali espalhadas pelo filme. As
mais claras dizem respeito à data em que o filme se passa e ao destino dos tais
"criadores", chamados de Engenheiros. Tentando caminhar sobre a corda
bamba e não entregar detalhes sobre a trama (que é o mais interessante do
filme) digo ao leitor para se manter atento a esses elementos e ao final da
projeção tentar criar sua própria teoria sobre o que viu. Já pipocam na
internet uma serie de analises, "respostas" e afins para explicar
alguns dos elementos mais nebulosos da trama, que para mim, estão dispostos
dessa forma propositalmente. Basicamente, o filme propõe uma serie de coisas e
responde a muito poucas delas, o que me causou uma sensação de dubiedade.
Explico: como fã de Lost, passei anos acompanhando a serie conjeturando
sobre explicações para os eventos acontecidos na tal ilha, portanto, minha
capacidade de "teorizar" é bastante grande, embora o senhor Lindelof
continue seu caminho para ser o maior brincalhão da Terra, reunindo uma serie
de perguntas intrigantes e sabendo responder muito poucas. Por outro lado,
diferente de uma serie de TV, que é seriada, e que você acompanha os
personagens ao longo de uma historia desenvolvida de forma mais lenta, um filme
prega o imediato. Um filme precisa se resolver por si só. Precisa que o
espectador não precise de "guias" para entender o que assistiu, e
nisso Prometheus é incompleto. Apesar de propor muita coisa interessante, não
consegue desenvolvê-las com exatidão deixando um gosto agridoce na boca.
Imagino que Lindelof tenha se encarregado dos mistérios e teorias (vendo seu trabalho pregresso), enquanto Spaihts tenha ficado com a questão humana, de
desenvolvimento dos personagens, e que é o grande problema do filme. Em Alien, de
1979, tínhamos sete personagens no filme. Todos eram importantes, e eram
interpretados por grandes atores. Em 2012, a tripulação do Prometheus tem exagerados
dezessete personagens. A exceção de Shaw, Vickers, David e do capitão interpretado
pelo ótimo ator inglês Idris Elba, os demais são absolutamente descartáveis,
incluindo ai o namorado de Shaw, o cover de Tom Hardy, Logan Marshall-Green.
Entre esse mundo de personagens demais, estão um biólogo que tem
medo de descobertas biológicas (um grande exemplo de cientista), um geólogo com
medo de construções (e que também funciona como o idiota do filme), uma dupla
de pilotos que passa o filme inteiro na nave em uma aposta absolutamente
desnecessária e uma serie de outras figuras sem nome que vão servindo de
"bucha de canhão" durante a historia.
Mesmo os personagens principais - esses citados - têm problemas.
Se David é bem concebido e de novo mostra como Michael Fassbender é um sujeito
capaz de criar um sucesso dos mais diferentes tipos e personagens, fazendo do seu robô uma criança curiosa e quase sádica, Elisabeth Shaw é uma personagem
fragilizada. Impossível não compará-la com Ripley do primeiro Alien, que desde
sempre parecia uma pessoa com capacidade para liderar uma equipe. Shaw tem
traumas demais, questionamentos demais - que até são importante para a trama,
para sua motivação - mas que não convencem quando precisar comprar a ideia de
que ela é de alguma forma a líder daquele grupo.
Elba é o "motorista do caminhão", um sujeito relaxado,
que está nessa vida há muitos anos e que sabe exatamente o que fazer (em
teoria), enquanto Vickers exemplifica a ferocidade das companhias, gélida,
quase mecânica e sensualmente asséptica com suas roupas quase que coladas ao
corpo, como se fizessem parte dela mesma.
Esse excesso de gente em tela prejudica o desenvolvimento dos
personagens e se reflete na inserção de algumas cenas absolutamente desnecessárias,
como uma que envolve um convite feito por Elba a Theron, uma conversa ligeira
entre Rapace e Logan na cama e uma revelação da mesma Theron na parte final do
filme. A primeira é simplesmente sem sentido e tenta dar um alívio cômico onde
não é necessário, a segunda serve apenas para preparar o terreno para uma cena
de violência gráfica forte e interessante que se segue e a terceira não deveria
existir, já que a dúvida nesse caso já era respondida de forma menos direta.
O primeiro ato do filme é realmente empolgante, com todas as
questões sendo colocadas na mesa, incluindo ai a cena mais linda do ano, que
coincidentemente abre o filme e tem relação direta com tudo que será mostrado
durante o restante da projeção. Depois, infelizmente, as coisas começam a perder força e o
final aberto para continuações desperta certa frustração, já que fica claro que
essa historia continuará a ser desenvolvida em projetos futuros. A pergunta que fica é a seguinte:
é possível desenvolver-se mais a partir de um filme irregular?
Ridley Scott continua sendo um dos mais impressionantes diretores
do cinema em termos visuais. Ele cria mundos absolutamente reais, sem, no
entanto, precisar apelar para a computação gráfica quando ela não é necessária.
Lendo as notas de produção do filme, fico profundamente impressionado com o
fato de que muita coisa foi feita em locação, que muitos sets foram criados e
muitos efeitos práticos foram utilizados. É um mundo palpável, cru e real.
Impecável com sua fotografia sombria e cheia de
"chiaroescuro" quando os cientistas exploram o mundo alienígena e que é sombria
quando vemos a nave Prometheus, surgindo como uma gigantesca criatura de metal
encravada em um mundo arenoso e abandonado.
O design de produção é impressionante, tanto no mundo alienígena,
quando na própria nave que é bastante diversificada, indo de instalações
simples e quase militarizadas ao quarto de Vickers, uma espécie de
apartamento de luxo que consegue - sem precisar de muito - mostrar a personalidade
da personagem, descrevendo-a como uma mulher poderosa e sofisticada, que não
precisa ter aquilo, mas que pode ter e portanto o tem. Sobre o mundo alienígena,
novamente H.R. Giger - um genial artista suíço que criou o visual no primeiro filme - tem suas obras referenciadas nesse mundo
extraterreno. Por outro lado, a tecnologia que era vista em 1979 como um
emaranhado de botões gigantes e luzes que piscam, foi substituído por
hologramas e afins, o que pode causar certo incomodo, já que o filme se passa
muito antes do primeiro Alien.
Os efeitos visuais evoluíram demais e dessa vez vemos a repetição
de uma cena icônica do primeiro filme, sendo repetida de forma ainda mais
impressionante, incluindo ai cuidados quase neófitos como o uso dos mesmos
efeitos sonoros para identificam a ação na tela. Por outro lado, apesar de
biologicamente impossível de acontecer daquela maneira, à cena claustrofóbica
que coloca Noomi Rapace a mercê da mesma ameaça sangrenta que ameaçou o
primeiro Alien, apesar de não ser tão efetiva quanto à cena
"original" continua sendo tensa e pregando o espectador na cadeira.
Ridley Scott disse que só voltaria ao mundo da ficção cientifica
se tivesse um roteiro excelente para trabalhar. A ideia era um prequel sobre
Alien, mas durante o desenvolvimento da historia Scott mudou de ideia e
Prometheus começou a ser desenvolvido como uma versão de Eram os Deuses
Astronautas. Depois ele misturou as duas ideias, colocando sua narrativa sobre
a criação da vida dentro do universo criado por Alien, talvez ainda intrigado
pelo "jóquei espacial", a figura lendária que aparece no primeiro
filme e que desde então foi responsável por uma serie de teorias a seu
respeito.
Scott, como diretor do primeiro filme, tem todo direito de dar
suas respostas sobre quem é aquele sujeito ao mesmo tempo em que tenta explicar
o ser humano na Terra. Sim, é bastante pretensioso. Sim, o resultado não é
perfeito. Sim, a metáfora sobre as motivações para que os tais Engenheiros
criarem vida (e tirarem) não é das mais sutis e certamente causará a ira de
muita gente. E sim, teremos continuações.
Prometheus é lindo de se ver, vai estimular muita conversa pós-sessão,
mas seus conceitos ficam subdesenvolvidos e seus personagens são mais frios do
que o robô David, esse sim, a estrela da companhia.