segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Melhores do Ano


O ano acabou e vi muito mais filmes do que deveria e a maioria deles foi bem mais ou menos, maaaaaaas dentre os vistos alguns se destacaram. Segue minha lista de 10 melhores de 2013 (filmes lançados comercialmente no Brasil).

Quase entraram: Killer Joe - Um Estranho no Lago - Capitão Phillips - Amor - Django Livre - Indomável Sonhadora - Círculo de Fogo - Eu, Anna


10 - Azul é a Cor Mais Quente
(La Vie d'Adèle, 2013)

O romance honesto e visceral entre a jovem e inocente Adèle e a vulcânica Emma é um dos retratos mais bonitos e sensíveis que vi esse ano. A dupla de protagonistas é brilhante e mesmo com o excesso claustrofóbico de closes e super closes, a direção de Abdellatif Kechiche dá espaço para suas estrelas arrebentarem.


9 - A Grande Beleza
(La Grande Belleza, 2013)

Sofisticado e sensível, lida com o encontro do personagem com sua própria noção de mortalidade ao completar 65 anos. Depois de uma vida de excessos e diversão, ele se pergunta: terá valido a pena? Fotografado com extrema competência e com mais um show de Toni Servillo.


8 - Ferrugem e Osso
(De Rouille et D'os, 2012)

Um conto de fadas cru e cheio de personagens tridimensionais e momentos sublimes de seus protagonistas mostram que Jacques Audiard (o diretor do filme) é um sujeito para prestarmos bastante atenção.


7 - Amor Bandido
(Mud, 2013)

Um pouco de "Huckberry Finn", um pouco de "Grandes Esperanças" e muita inspiração de todos os envolvidos. 


6 - A Caça
(Jagten, 2012)

Causa revolta, angústia e tristeza acompanhar a espiral trágica que o pequeno professor interpretado magistralmente por Mads Mikkelsen embarca.



5 - Rush
(Rush, 2013)

Desde o seminal "Grand Prix" que o cinema não produzia um filme tão poderoso sobre corridas de carro. Daniel Bruhl inspirado e Ron Howard visualmente impecável.


4 - O Mestre
(The Master, 2012)

Precisei ver duas vezes para compreender o brilhantismo de mais um filme de alta qualidade realizado por Paul Thomas Anderson. Depois disso, já o revi mais outras duas vezes e gosto cada vez mais.


3 - Antes da Meia-Noite
(Before Midnight, 2013)

O fim de uma das trilogias que tratou o amor, a paixão e os relacionamentos de forma mais honesta e crível possível. Diálogos afiados e uma dupla de protagonista que se conhece muito bem.


2 - Gravidade
(Gravity, 2013)

Caso raro de blockbuster com uma dezena de camadas de interpretação. Visualmente insuperável, seguro, assustador, tenso e muitíssimo bem interpretado.


1 - O Som ao Redor
(O Som ao Redor, 2013)

Chocante. Brilhante. Um tapa na cara de quem enxerga "cinema nacional" como uma coisa só. Assusta por sua precisão de análise, sua segurança ao tratar de seus temas e a força com que o filme é defendido por seus protagonistas. Filme algum me impressionou mais que esse petardo brasileiro.



sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Piores do Ano


Não vi todas as porcarias que a maioria dos colegas e amigos disseram ter sido lançadas durante o ano (sim, evitei boa parte das """"comédias"""" brasileiras), mas acabei vendo algumas bobagens bem desagradáveis. Segue a lista:

10 - O Grande Gatsby
(The Great Gatsby, 2013)

Baz Luhrmann infernizou os espectadores com essa versão surtada e cheia de exageros, pupurina e música moderna do clássico livro de F. Scott Fitzgerald.


9 - Uma Ladra sem Limites
(Identity Thief, 2013)

Melissa McCarthy merecia muito mais do que esse arremedo de comédia que não deve ter deixado nem seus pais felizes.


8 - Silent Hill: Revelação 3D
(Silent Hill: Revelation 3D, 2012)

Diferente do primeiro Silent Hill, essa sequência canalha não assusta e apenas irrita.


7 - O Ataque
(White House Down, 2013)

Querendo ser engraçada e contar com boas cena de ação, fez gente como Jamie Foxx e Maggie Gylenhaal passar vergonha.


6 - Amor Pleno
(To the Wonder, 2012)

O insuportável Amor Pleno mostra que Terrence Malick não é "perfeito".


5 - Colegas
(Colegas, 2013)

Apresentado como um filme sobre integração, é no máximo uma comédia histérica e sem muito sentido e que se apoiou no fato de seus protagonistas serem portadores da Síndrome de Down para angariar a simpatia popular.


4 - Instrumentos Mortais: Cidade dos Ossos
(The Mortal Instruments: City of Bones, 2013)

Um belo exemplo da qualidade muito questionável da nova literatura "fantástica", que se apoia em temas repetidos, romances fajutos e personagens irritantes.


3 - Gente Grande 2
(Grown Ups 2, 2013)

O novo filme de Adam Sandler. Já basta, né?


2 - Se Beber, Não Case 3
(The Hangover Part III, 2013)

A série que surgiu como uma dose de frescor nas comédia americanas e termina como uma das piores coisas já lançadas recentemente no circuito comercial.


1 - Pieta
(Pieta, 2012)

Os filmes listados até aqui são ruins por serem mal realizados, sem graça ou "chatos". Esse é ainda pior (e por isso lidera a contagem), já que além de tudo isso acima ainda apresenta uma dose generosa de pedantismo, numa tentativa irritante de querer "dizer alguma coisa".

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Kick-Ass 2



Kick-Ass 2
(Kick-Ass 2, 2013)
Ação/Comédia - 103 min.

Direção: Jeff Wadlow
Roteiro: Jeff Wadlow

com: Aaron Taylor-Johnson, Chloe Grace Moretz, Jim Carrey, Christopher Mintz-Plasse

O primeiro Kick-Ass era um caso raro em que a adaptação era infinitamente superior ao material original. Enquanto Mark Millar não gostava (e parece continuar não gostando) de seus personagens humilhando-os constantemente e aguardando que o público conseguisse sentir alguma coisa além de dó de seu protagonista, o filme de Matthew Vaughn era descolado, divertido e não se levava a sério, ao mesmo tempo em que era levemente critico. Mas basicamente existia um carinho pelos personagens que na obra original inexistia.

Apesar de não se tornar um sucesso estrondoso de bilheteria, o filme conseguiu muitos fãs entre os que leram e os que não leram os quadrinhos originais, fazendo do filme um cult. Com essa aura sobre o original, uma continuação era mais do que prevista. Mais dai começaram os problemas. Diferente do original onde havia uma obra pregressa que - mesmo sendo ruim - dava bases e criava os personagens para essa adaptação, nesse a produção teria de sair do zero. Mark Millar pensando na "arte" topou escrever uma sequência, que honestamente não faria muito sentido, já que o tom e o final da mesma é completamente diferente do filme. Para piorar, Matthew Vaughn abdicou de dirigir a sequência atuando apenas como produtor, deixando o cargo para o inexperiente Jeff Wadlow. Some-se a tudo isso, um coadjuvante que as vésperas do filme ser lançado decide não participar da divulgação do mesmo por considerá-lo "violento demais".

Cheirava mal, não? E de fato, se não é uma porcaria é sim uma tremenda decepção. Mais preocupado em - sério - dar estofo emocional aos personagens e pensar em traumas a serem reproduzidos, do que em divertir o público com sequências de ação non-sense, personagens carismáticos e bom humor que tinha muito de besteirol, o filme fracassa por não ter condições de ser aquilo que imagina ser.


Kick-Ass (o personagem) não é tão cool como o Homem-Aranha. Hit-Girl por mais que seu pai tenha morrido de forma brutal no filme anterior, não é o Batman e principalmente, Red Mist (que muda de identidade e é chamado de Motherfucker) não é um grande vilão, portanto querer produzir um filme com base em curva de amadurecimento desses personagens é perder o foco do porque o primeiro filme funcionou tão bem.

Em substituição aos nerdismos, piadas e non-sense entra uma dose cavalar de humor grosseiro e violência que não diverte, apenas nos leva a bocejos eventuais. A trama em que Kick-Ass se reúne a uma espécie de "Liga da Justiça" genérica não só não funciona como deixa de valorizar os próprios personagens. São uma dezena de novos heróis que - segundo o roteiro - foram inspirados por Kick-Ass e Hit-Girl. Enquanto isso, Mindy/Hit Girl chega à adolescência e passa por um "coming of age" dos mais desnecessários, tendo de ser manter fiel a uma promessa feita ao pai e deixar de usar a roupa de Hit Girl. Os constantes sermões do pai adotivo da garota de que "ele não quer essa vida para ela" e "que ela não é a Hit Girl" são tão reciclados de tantas outras produções que não causam a menor comoção no espectador. Mesmo porque, percebemos que a competência policial nesse filme é das mais baixas registradas recentemente o que reforça a ideia de que aquela garota podia perceber que ela deveria abdicar de uma promessa absolutamente idiota e sem sentido (afinal, a garota foi treinada como uma assassina mortal, mas não pode deixar de obedecer ao tal policial, o que a transforma numa espécie de animal feroz enjaulado).

Jim Carrey tem até certa razão em reclamar da violência de Kick-Ass 2. Não porque ela seja tão mais exagerada do que a do primeiro filme, mas porque ela é tão gratuita e mal colocada que não consegue transformar o conceito escapista em "sério" e sabota a diversão vista no filme original. Diferente do primeiro Kick-Ass esse não é de fato, um filme "divertido". É sisudo, mal encarado e com personagens que apelam para a violência simplesmente por apelar. Se no primeiro filme ela era cartunesca (afinal voar de jet pack ao som de "Aleluia" e atirar no vilão com uma bazuca são de fato bem próximos da realidade), aqui ela é suja e não combina com o cerne daqueles personagens. É como imaginar o Coyote do Papa-Léguas usando um AK-47 para perseguir sua presa.


Carrey no entanto, apesar de criticar o filme, faz do Coronel Stars and Stripes um personagem divertido, o mesmo valendo para a coleção de figuras excêntricas que fazem parte da Liga. Já Mintz-Plasse se era ingênuo e divertido no primeiro filme, aqui é simplesmente chato. Motherfocker não tem carisma algum e quando tenta parecer um daqueles vilões engraçados e que sempre se dão mal no final erra no tom e parece aborrecido. O mesmo vale para seus comparsas que entram e saem do filme sem nem lembrarmos o que fazem à exceção de Mother Russia, uma halterofilista violenta e cruel que parece a hipotética filha anabolizada (mais) de Ivan Drago e Sagat do Street Fighter. Visualmente impactante, mas narrativamente apenas um adorno estranho.

Hit-Girl segue sendo a alma e coração do filme e Chloe Moretz provando o quanto vai melhorando a cada ano. Madura e conseguindo alguma resma de profundidade em um roteiro exagerado é a que melhor se sai, enquanto Aaron Johnson parece perdido como seu personagem, sem saber se abraça o Kick-Ass "malvado" desse segundo filme ou se ainda guarda algum resquício de Dave Lizewski, da primeira produção.

As sequências de ação são praticamente esquecíveis e algumas até mal realizadas, como a que envolve Hit Girl no alto de vans. A batalha final recheada de gente parece mal fotografada, nunca conseguindo dar o escopo que o filme gostaria de emular. Decepcionante e provavelmente sepultando chances de uma terceira produção, Kick-Ass 2 é um rascunho mal feito da diversão escapista e non-sense do filme original, com muito mais barulho, violência gratuita e personagens enfadonhos e que parecem ter se esquecido do que eram.

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Os Suspeitos

Os Suspeitos
(Prisoners, 2013)
Thriller/Drama - 153 min.

Direção: Denis Villeneuve
Roteiro: Aaron Guzikowski

com: Hugh Jackman, Jake Gylenhaal, Viola Davis, Maria Bello, Terrence Howard, Melissa Leo, Paul Dano

Denis Villeneuve me impressionou positivamente com "Incêndios", um dos filmes mais intensos que vi em 2012. Antes disso ele também foi muito elogiado por "Politécnica", produção que vergonhosamente ainda não consegui ver. Portanto, havia uma expectativa para sua estreia no mercado americano e com dois filmes de uma vez: o suspense Enemy e o filme analisado aqui, Os Suspeitos.

Confesso que vendo a divulgação do filme, especialmente o trailer apresentado, e a sinopse da produção me questionei se o canadense não estaria estreando com um projeto "sem assinatura", onde seria controlado pelo estúdio em busca de um veículo para Hugh Jackman e Jake Gyllenhaal. Porém, além da presença dos dois atores, o elenco ainda apresentava Maria Bello, Terrence Howard, Viola Davis, Paul Dano e Melissa Leo. Todos os atores com indicações ao Oscar e com talento. Passou-se algum tempo e o filme estreou em diversos festivais e foi muito bem recebido. Opa, talvez existisse alguma coisa ali, talvez eu tivesse sido tomado pelo ranço do trailer expositivo e óbvio. Ou, talvez existisse uma predisposição dos colegas em gostar do filme pelo pedigree de seu condutor. Dúvidas que só poderiam ser respondidas quando assistisse a produção.

Durante "Os Suspeitos" fui percebendo que não conseguia piscar. Não era - felizmente - um problema físico, mas a excelência da trama mostrada por Villeneuve. Utilizou-se dos clichês do suspense a seu favor e criou uma trama em formato de quebra-cabeça (ou de labirinto, elemento fundamental na trama) em que cada peça da trama nos é apresentada, mas sem a incomoda sensação de que os realizadores do filme consideram os espectadores incapazes de compreender a trama. Em resumo: Suspeitos é um thriller de trama intrincada com detalhes que precisam ganhar a atenção do espectador, sem, no entanto, apelar para recordatórios, discursos explicativos e outros recursos "for dummies" comuns no cinemão americano.


A história começa quando a família Dover visita seus vizinhos (os Birch) para celebrar o dia de Ação de Graças. Keller e Grace tem dois filhos, o garoto Ralph e garotinha Anna, assim como seus amigos Franklin e Nancy, que também tem dois filhos, as meninas Eliza e Joy, praticamente da mesma idade dos filhos de seus amigos. Em teoria são famílias espelhadas apenas com a diferença de raça para diferenciá-los. Depois dos comes e bebes, as duas garotinhas decidem irem até a casa dos Dover para encontrar o apito perdido da loirinha Anna. E daí somem. A partir daí a trama se divide na perseguição de Keller ao principal suspeito que a investigação do detetive Loki não consegue manter preso por falta de provas, e o detetive tentando solucionar o caso.

Denis Villeneuve usa uma situação - infelizmente - bastante comum para criar seu quebra-cabeça muito tenso que não busca apenas a solução do thriller, mas também tem a intenção de falar sobre a vingança e os limites de onde o sujeito pode ir para conseguir seu objetivo. Cada peça do quebra-cabeça é importante e merece uma atenção especial do espectador e vai se revelando um novo elemento de uma trama cada vez maior.

A fotografia lúgubre do filme só ajuda a reforçar um ambiente que vai se entristecendo, se corrompendo  e tornando-se claustrofóbico em frente aos nossos olhos. A atmosfera calorosa - apesar do frio - da casa dos Birch no começo do filme é radicalmente diferente do que o filme nos vai mostrando com o decorrer do tempo. As sombras se apossam dos personagens e da vida daquela família. O roteiro da produção é igualmente inteligente nos conduzindo por alguns caminhos que parecem tão precisos e que vão se revelando não tão certeiros assim, ao mesmo tempo em que são corretos dentro da intenção do filme. A religiosidade, tema fundamental na trama, é outro elemento muito bem utilizado e desde - literalmente - o primeiro plano, colocando a fé e a ausência da mesma como mola propulsoras da trama.


O elenco está todo muito bem. Keller e o detetive Loki são os protagonistas, cada um num espectro da investigação. Hugh Jackman e Jake Gylenhaal que vivem os dois citados respectivamente estão muito bem na produção. Esse talvez seja o personagem mais intenso e assustador do ator em sua carreira (certamente o é dentre seus personagens nos Estados Unidos). Keller é um pai de personalidade forte e que não mede as consequências de seus atos, embora não encontre prazer em momento algum com o que tem de fazer, destituindo-o na alcunha de sádico e afins. Loki beira o comportamento passivo-agressivo, tendo de manter o controle da situação em meio a muita pressão dos pais das garotas sumidas, da própria investigação, os problemas da policia e traumas pessoais. Seu trabalho contido, revela um sujeito metódico, inteligente e que em sua racionalidade consegue resolver as arestas da intrincada produção.

Ao lado dos dois lados dessa moeda, os coadjuvantes também tem seu momento de brilhar, cada um com um "solo", um momento em que podem demonstrar o talento que tem. Franklin (Terrence Howard) vai se fragilizando a cada nova situação enfrentada e vive em conflito sobre suas ações até desabar em uma cena emocionante. Grace (Maria Bello) entra em estado de negação e se mantém entorpecida diante de suas suspeitas de que o pior acontecera com sua filha e a amiguinha. Nancy (Viola Davis) guarda para si suas impressões e dor, mas as deixa florescer em uma cena maravilhosa e intensa, onde é impossível não se deixar emocionar pela composição da atriz e nos chocar com suas conclusões sobre as ações de seu marido. Paul Dano e Melissa Leo são outros que conseguem entregar interpretações tão intensas quanto à dos dois casais protagonistas. Dano faz de Alex um garoto de fala mansa e fragilidade perturbadora, que nos faz caminhar entre a compaixão e medo. E Melissa parece desde a primeira aparição uma mulher machucada pela vida e a interpretação da atriz nos indica esse caminho.

Os Suspeitos é uma belíssima estreia em território ianque do canadense Villeneuve. Angustiante, tenso, desagradável de ser acompanhado consegue nos inserir naquele ambiente sombrio e cheio de relações com a vida real. Extremamente competente como thriller e intrigante na proposta de não apoiar a posição do "olho por olho, dente por dente" é dos casos raros de entretenimento para adultos. Maduro, inteligente e sem muitas concessões.

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Serra Pelada


Serra Pelada
(Serra Pelada, 2013)
Drama - 100 min.

Direção: Heitor Dhalia
Roteiro: Heitor Dhalia, Vera Egito

com: Júlio Andrade, Juliano Cazarré, Wagner Moura, Matheus Natchtergaele, Sophie Charlotte

O garimpo de Serra Pelada, localizado no estado do Pará, é um dos símbolos mais pulsantes da ganância humana e do desespero do brasileiro em busca de uma melhor condição de vida. Durante o auge da "corrida do ouro" brasileira, mais de 80 mil pessoas moravam ou no garimpo, ou próximo a ele. Literalmente transformaram o que antes era uma região coberta de vegetação em um imenso buraco que atingiu absurdos 200 metros de profundidade em meados de 1984. As autoridades creditam a extração de 30 toneladas de ouro, o que o torna o maior garimpo a céu aberto do mundo.

O potencial para histórias nesse cenário é praticamente inesgotável. Poderíamos acompanhar uma trama de viés político, sobre como o governo (primeiramente militar e depois civil) tomou para si o ouro encontrado no garimpo, ou mesmo sobre o primeiro sujeito que encontrou ouro ali, entre tantas outras histórias que poderiam surgir. Heitor Dhalia optou por aproveitar um tema universal - a ganância - e criar uma história original e ficcional a partir desse elemento misturando-o as coisas que se sabe que aconteciam no garimpo paraense.

Acompanhamos então os amigos Juliano e Joaquim, que saem de São Paulo rumo ao Pará em busca de fortuna. Júlio Andrade, é Joaquim, um professor de classe média baixa com uma mulher grávida e que se vê cansado de lutar todo dia e não conseguir dar nada de mais substancial para sua família. Juliano Cazarré é Joaquim, um sujeito que vivia de lutas de boxe clandestino na cidade e que sem nenhum nó que o ate, parte rumo ao desconhecido.


Serra Pelada é mais um conto sobre como o poder e a ganância corrompem o homem. Uma vez no garimpo, os amigos logo encontram ouro e decidem fazer aquele dinheiro render ainda mais. A narração em off de Júlio Andrade, apresenta-nos aquele mundo e nos diz que uma vez com condições financeiras, o próximo passo é comprar um lote e administrá-lo. Porém, a ganância faz com que a dupla comece a entrar em conflito e o que antes era harmônico passa a ser uma disputa por poder, com Juliano tentando voltar pra casa o quanto antes e Joaquim sem nada a fazer em São Paulo, tentando conseguir ficar cada vez mais rico.

O filme tem boa reconstrução de época e nos coloca em uma típica cidade de fronteira - cenário normalmente visto em um faroeste - que ao lado do ambiente inóspito do garimpo é recheado de violência. Como Juliano diz a seu amigo durante o filme, um ambiente que faz florescer o pior de cada um. As privações aliadas às diversas tentações obtidas com o dinheiro, são um cocktail de problemas em potencial.

O grande problema de Serra Pelada, e que faz o filme patinar é seu roteiro truncado. As diversas passagens no tempo em determinado momento parecem incompreensíveis (saltam-se meses entre algumas cenas) e o excesso de didatismo e a falta de ousadia na retratação daquele ambiente deixam o filme cansativo. Que pese, termos uma atriz global utilizando uma boa quantidade de termos chulos - chocando apenas aqueles que não estão acostumados a palavrões - já que a personagem em si é mais um caso de "mulher de malandro" que passa de mão em mão sem conseguir achar um rumo.


Os atores no entanto estão bem, mesmo a citada global (Sophie Charlotte que se esforça genuinamente para dar algum estofo a uma personagem rasa). Se Júlio Andrade é o mais próximo do público leigo e serve - por esse motivo - como condutor da trama com seu off é Juliano Cazarré que faz muito bem seu papel. Sendo muito natural, faz de Joaquim um sujeito que vai deixando seu carisma ser tomado por uma aura de podridão que o arrasta para uma existência triste e solitária. Enquanto Matheus Nachtergaele está correto mas sem brilho, Wagner Moura apresenta uma de suas melhores interpretações em anos. Seu Lindo Rico, levemente fora de forma, careca e de fala mansa é cruel, inteligente, sagaz e verdadeiramente assustador. Se existe um grande destaque em Serra Pelada esse é o ator baiano, que está em estado de graça roubando todas as cenas em que está presente. Outro destaque do grupo de atores é a escolha inteligente para a criação de antagonistas dos dois amigos. Utilizar-se de travestis vingativos e "sangue ruim" é ousado por dar uma botinada no "certinho" e por fugir do clichê do homossexual fragilizado.

Heitor Dhalia, diretor que pessoalmente gosto, não está em um bom momento. Se inicia seu filme numa (na minha interpretação) referência a Scarface de Brian DePalma e insere uma "vendetta" típica da trilogia Poderoso Chefão filma as sequências de ação de uma forma a quase causar epilepsia nos espectadores. A maldita mania de "tremer tudo" para transformar aquilo em "verdade" aqui está muito bem representada com sequências praticamente incompreensíveis e que fariam Michael Bay e McG se orgulharem. Além disso, o uso excessivo de imagens de arquivo deixa a produção cansativa e diminui a escala construída para o filme por sua produção.

Esquecendo-se de elementos importantes da historia do lugar e focando-se apenas na história dos amigos, Dhalia e equipe tentaram aproximar a situação do público. Em partes conseguem, já que os atores fazem o seu trabalho com competência. Uma pena, no entanto, que a produção não consiga entregar palavras tão fortes e inspiradas quanto os melhores momentos de seus interpretes.


segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Festival do Rio: Fruitvale Station

Fruitvale Station
(Fruitvale Station, 2013)
Drama - 85 min.

Direção: Ryan Coogler
Roteiro: Ryan Coogler

com: Michael B. Jordan, Octavia Spencer, Melonie Diaz, Ahna O'Reilly, Kevin Durand

É véspera de Ano Novo. Na Califórnia, Oscar Grant e os amigos vão ao metrô, tomar a condução até a festa que haverá no Centro. Assim que eles entram em um dos vagões, a câmera para de se mover e os acompanha ir embora. O plano dura mais alguns segundos, como se houvesse algo de diferente naquela estação comum. Parece que algo assustador acontecerá.

Construindo um duro conto de realidade, Ryan Coogler estreia na direção em Fruitvale Station. O novato é preciso ao estruturar o roteiro sem privilegiar uma divisão de atos, definindo as situações com o olhar de quem observa majoritariamente o protagonista, desenvolvendo-o através de pequenas cenas; um estudo de personagem, em suma.

Nessa busca por definir o drama de Oscar através da tentativa de se redimir do passado – e a tentação de voltar a ele –, Coogler aposta nos conflitos morais dos quais o personagem passa. Os antigos contatos com o tráfico se mostram ainda presentes, mas o senso de proteção de Oscar com seus familiares é mais forte. Além disso, cenas como a do protagonista na prisão – excelente do início ao fim – realizam uma relação de causa e efeito que tornam Oscar mais reticente na hora de se entregar à saída mais fácil. A trilha e o design de som são executados à perfeição na hora de traduzir os sentimentos do personagem, e isso só aumenta no catártico clímax, que parece concretizar um movimento de elegia.


Elegia essa concebida com um cuidado notável por parte de Coogler, uma visão madura sobre a perda. De maneira sutil, o diretor chama atenção para detalhes aparentemente banais, mas que terão tremenda importância emocional no clímax: a corrida com a filha é eternizada, em câmera lenta; o encontro com a filha na casa da tia é filmado em close; a já citada estação é filmada com mais cuidado que o normal; um plano no metrô, passando rápido, revela temíveis faces de pessoas, numa dissonância eficiente. É difícil alcançar esse nível melancólico do luto sendo discreto, ainda mais quando se estrutura uma narrativa inteira em volta dele, mas o diretor entrega a responsabilidade ao excelente Michael B. Jordan – digno de premiações – e consegue remeter até ao Elefante de Gus van Sant.

Os cortes abruptos (a cena de mãe e filha no banho é notável), impactantes, ajudam a causar o desconforto que a história provoca, junto do trabalho de câmera naturalista, com belíssima fotografia em 16mm para se manter o mais documental possível. As intenções do diretor se revelam satisfatórias principalmente no clímax, que não deixa de causar tensão por um segundo sequer.

Não é um trabalho perfeito, porém. Já que Oscar é uma vítima das consequências, Coogler não se contenta apenas em fornecer a visão em volta do jovem, manipulando o ambiente para deixar sua maldade mais clara; pesa a mão demais no drama e acaba o atenuando. O cachorro atropelado do início até consegue dar uma visão desesperançosa ao ambiente, mas de nada serve para a jornada do personagem além de vitimizá-lo nesse mundo frio e cruel. A festa no metrô também é de uma inocência sem vez naquele pano de fundo; não é normal ver pessoas apertadas no metrô dançando do nada. Só soa dissonante em tom, como o plano dos parentes reunidos com fotos na geladeira: procura expor o forte conceito de família do filme, mas não deixa de ser um didatismo previsível.


Ryan Coogler e Michael B. Jordan constroem um personagem multifacetado. Oscar soa vivo nas telas, lidando com questões éticas até haver uma intervenção. Coogler pode ainda ser desmedido em suas metáforas, mas consegue, através dos cortes secos e da presença marcante de B. Jordan, criar uma digna jornada a um personagem dolorosamente real.


E é na hora de traduzir essa dor em réquiem que Fruitvale Station mostra seu poder.

domingo, 13 de outubro de 2013

É o Fim

É o Fim
(This is the End, 2013)
Comédia - 107 min.

Direção: Seth Rogen, Evan Goldberg
Roteiro: Seth Rogen e Evan Goldberg

com: Seth Rogen, Jay Baruchel, James Franco, Jonah Hill, Craig Robinson, Danny McBride, Emma Watson, Michael Cera

Pegue um grupo de atores famoso por comédias despudoradas e cheias de palavrões, referências sexuais e consumo de drogas (lícitas ou ilícitas), junte um monte de piadas internas, referências ao cinema catástrofe e de horror e você tem a receita utilizada por Evan Goldberg e Seth Rogen para criar essa bobagem razoavelmente divertida chamada É o Fim.

Interpretando "eles mesmos", o elenco tem o próprio Rogen ao lado de Jay Baruchel, James Franco, Jonah Hill, Danny McBride, Craig Robinson além de participações de Emma Watson, Michael Cera, Jason Segel, Christopher Mintz-Plasse, Rihanna entre outros. A trama por sua vez é simplória e direta: Jay Baruchel chega a Los Angeles para passar uns dias com seu amigo Seth Rogen, numa overdose de games e maconha. Só que Seth foi convidado para a festa de inauguração da nova casa de James Franco e decide ir até lá. Uma vez lá, encontram todos os outros citados e a diversão, piadas internas e bobagens mil rolam soltas até... o mundo começar a acabar.

A partir dai o filme toma o rumo da comédia de humor negro que beira o trash. Uma quantidade generosa de ofensas, palavrões, tiradas ácidas e satíricas fazem parte do menu que infelizmente não acerta sempre. Entre um futebol com uma cabeça decepada e uma Emma Watson e um Michael Cera como você nunca viu, existem diversos exageros como os cometidos por Danny McBride cada vez mais sem graça toda vez que está em quadro ou por Seth Rogen que mesmo sendo generoso ao fazer piada dele mesmo não consegue segurar a barra de dirigir e manter a piada divertida por tempo suficiente.



Lá pela metade do filme as piadas começam a se repetir e só melhoram com uma impagável "homenagem" a um dos maiores filmes de terror de todos os tempos, que geram gargalhadas generosas e uma versão "suecada" de uma eventual sequência de Pinneaple Express, um dos trabalhos mais divertidos que essa turma participou.

Existe algo de muito saudável em não se levar a sério e só pelo fato desses atores se prestarem a usarem seus nomes e "teoricamente" suas próprias personalidades para dar vida aos personagens já é algo de se respeitar. Exagerar elementos que o próprio público questiona como a sexualidade de James Franco ou o fato de Seth Rogen "interpretar sempre o mesmo papel", ou brincar com a indicação de Jonah Hill ao Oscar ou ao retumbante fracasso de "Your Highness" (comédia das piores com Franco e McBride) dão mais força ao filme e divertem o público. Especialmente quando essas personas não são exemplos de muita coisa. Se Craig Robinson bebe sua própria urina e Danny McBride tem problemas em "controlar seu desejo", James Franco parece apaixonado por Seth Rogen que por sua vez tem um trauma sexual bastante bizarro. Jay Baruchel talvez seja o único "menos estragado" da brincadeira embora sua personagem tenha um segredo referente a seu grande amigo Seth. E Jonah Hill impagável e cheio de cacoetes afetados é o que melhor se sai, ao lado das já citadas aparições de Michael Cera e Emma Watson.

Tudo em É o Fim é propositalmente "mal feito", incluindo ai oi uso de computação gráfica, a canastrice de muitos atores do filme e as dezenas de momentos simplesmente idiotas. Mas essa era a intenção dos caras. Pegaram uma câmera, tiveram essa ideia absurda e juntaram um monte de amigos para se filmar e fazer piada em frente da câmera. Nada mais do que isso. No meio dessa bagunça existe um filme, mas que por vezes simplesmente não tem graça.