quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Serra Pelada


Serra Pelada
(Serra Pelada, 2013)
Drama - 100 min.

Direção: Heitor Dhalia
Roteiro: Heitor Dhalia, Vera Egito

com: Júlio Andrade, Juliano Cazarré, Wagner Moura, Matheus Natchtergaele, Sophie Charlotte

O garimpo de Serra Pelada, localizado no estado do Pará, é um dos símbolos mais pulsantes da ganância humana e do desespero do brasileiro em busca de uma melhor condição de vida. Durante o auge da "corrida do ouro" brasileira, mais de 80 mil pessoas moravam ou no garimpo, ou próximo a ele. Literalmente transformaram o que antes era uma região coberta de vegetação em um imenso buraco que atingiu absurdos 200 metros de profundidade em meados de 1984. As autoridades creditam a extração de 30 toneladas de ouro, o que o torna o maior garimpo a céu aberto do mundo.

O potencial para histórias nesse cenário é praticamente inesgotável. Poderíamos acompanhar uma trama de viés político, sobre como o governo (primeiramente militar e depois civil) tomou para si o ouro encontrado no garimpo, ou mesmo sobre o primeiro sujeito que encontrou ouro ali, entre tantas outras histórias que poderiam surgir. Heitor Dhalia optou por aproveitar um tema universal - a ganância - e criar uma história original e ficcional a partir desse elemento misturando-o as coisas que se sabe que aconteciam no garimpo paraense.

Acompanhamos então os amigos Juliano e Joaquim, que saem de São Paulo rumo ao Pará em busca de fortuna. Júlio Andrade, é Joaquim, um professor de classe média baixa com uma mulher grávida e que se vê cansado de lutar todo dia e não conseguir dar nada de mais substancial para sua família. Juliano Cazarré é Joaquim, um sujeito que vivia de lutas de boxe clandestino na cidade e que sem nenhum nó que o ate, parte rumo ao desconhecido.


Serra Pelada é mais um conto sobre como o poder e a ganância corrompem o homem. Uma vez no garimpo, os amigos logo encontram ouro e decidem fazer aquele dinheiro render ainda mais. A narração em off de Júlio Andrade, apresenta-nos aquele mundo e nos diz que uma vez com condições financeiras, o próximo passo é comprar um lote e administrá-lo. Porém, a ganância faz com que a dupla comece a entrar em conflito e o que antes era harmônico passa a ser uma disputa por poder, com Juliano tentando voltar pra casa o quanto antes e Joaquim sem nada a fazer em São Paulo, tentando conseguir ficar cada vez mais rico.

O filme tem boa reconstrução de época e nos coloca em uma típica cidade de fronteira - cenário normalmente visto em um faroeste - que ao lado do ambiente inóspito do garimpo é recheado de violência. Como Juliano diz a seu amigo durante o filme, um ambiente que faz florescer o pior de cada um. As privações aliadas às diversas tentações obtidas com o dinheiro, são um cocktail de problemas em potencial.

O grande problema de Serra Pelada, e que faz o filme patinar é seu roteiro truncado. As diversas passagens no tempo em determinado momento parecem incompreensíveis (saltam-se meses entre algumas cenas) e o excesso de didatismo e a falta de ousadia na retratação daquele ambiente deixam o filme cansativo. Que pese, termos uma atriz global utilizando uma boa quantidade de termos chulos - chocando apenas aqueles que não estão acostumados a palavrões - já que a personagem em si é mais um caso de "mulher de malandro" que passa de mão em mão sem conseguir achar um rumo.


Os atores no entanto estão bem, mesmo a citada global (Sophie Charlotte que se esforça genuinamente para dar algum estofo a uma personagem rasa). Se Júlio Andrade é o mais próximo do público leigo e serve - por esse motivo - como condutor da trama com seu off é Juliano Cazarré que faz muito bem seu papel. Sendo muito natural, faz de Joaquim um sujeito que vai deixando seu carisma ser tomado por uma aura de podridão que o arrasta para uma existência triste e solitária. Enquanto Matheus Nachtergaele está correto mas sem brilho, Wagner Moura apresenta uma de suas melhores interpretações em anos. Seu Lindo Rico, levemente fora de forma, careca e de fala mansa é cruel, inteligente, sagaz e verdadeiramente assustador. Se existe um grande destaque em Serra Pelada esse é o ator baiano, que está em estado de graça roubando todas as cenas em que está presente. Outro destaque do grupo de atores é a escolha inteligente para a criação de antagonistas dos dois amigos. Utilizar-se de travestis vingativos e "sangue ruim" é ousado por dar uma botinada no "certinho" e por fugir do clichê do homossexual fragilizado.

Heitor Dhalia, diretor que pessoalmente gosto, não está em um bom momento. Se inicia seu filme numa (na minha interpretação) referência a Scarface de Brian DePalma e insere uma "vendetta" típica da trilogia Poderoso Chefão filma as sequências de ação de uma forma a quase causar epilepsia nos espectadores. A maldita mania de "tremer tudo" para transformar aquilo em "verdade" aqui está muito bem representada com sequências praticamente incompreensíveis e que fariam Michael Bay e McG se orgulharem. Além disso, o uso excessivo de imagens de arquivo deixa a produção cansativa e diminui a escala construída para o filme por sua produção.

Esquecendo-se de elementos importantes da historia do lugar e focando-se apenas na história dos amigos, Dhalia e equipe tentaram aproximar a situação do público. Em partes conseguem, já que os atores fazem o seu trabalho com competência. Uma pena, no entanto, que a produção não consiga entregar palavras tão fortes e inspiradas quanto os melhores momentos de seus interpretes.


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