Um Episódio na Vida de um Catador de Ferro-Velho
(Epizoda u Zivotu Beraca Zeljeza, 2013)
Drama - 75 min.
Direção: Danis Tanovic
Roteiro: Danis Tanovic
com: Senada Alimonavic, Nazif Mujic, Sandra Mujic, Semsa Mujic
Nazif é um homem comum, trabalhador que sustenta sua
família, ele, sua mulher e duas filhas. Sai de tarde para cortar lenha, raspa o
gelo do carro, e procura ferro-velho abandonado para catar e vender – a
baixíssimo custo. O protagonista do novo filme do bósnio Danis Tanovic habita
uma história tipicamente neo-realista, com seus homens sofrendo na pele os
problemas econômicos do país. E o diretor reconhece isso a todo o momento,
realizando um drama muito próximo da verdade, não coincidente, por valorizar o
que há de mais social no caráter populacional da Bósnia atual.
A estrutura do roteiro se concentra na rotina de Nazif e
Senada para introduzir a humilde vida do homem, sempre preocupado em conseguir
arranjar o dinheiro necessário para passar o mês. O desenvolvimento ocorre com
poucos diálogos, pacientemente observando os personagens e o ambiente onde vivem
com atuações marcantes de todos da família. Tanovic não se preocupa em
estabelecer uma mise-en-scene complexa, compondo situações naturalistas,
eficientes em provocar uma intimidade com os habitantes da aldeia. A câmera na
mão auxilia nessa intimidade, criando momentos até claustrofóbicos que a montagem
ressalta, com cortes abruptos (como do carro ruim para o cano de descarga). E
nessa iniciativa, Tanovic concebe momentos poderosos, que soam tão espontâneos
quanto simbólicos, como a montanha de lixo.
Quando Senada sofre com uma dor no abdômen, Nazif tem de
levá-la ao hospital. É aí que o filme tem seu ponto de ruptura: a secretária do
hospital se nega a tratar de Senada, com sérios riscos de aborto, e o
momento-chave leva o longa a uma discussão sobre o papel do governo na
qualidade de vida do cidadão – novamente, como o Neo-realismo. Nazif implora,
em vão, porque sabe não estar em um ambiente propício à qualidade de vida. Em
certo momento, Nazif diz que “era melhor na Guerra”, o que denota um desespero
claro em seu pensamento. O homem divaga sobre seu momento na guerra, de como
servira o país e fora esquecido. Não é uma fala apenas sobre o passado; é sobre
o presente.
Essa discussão social é o que Um Episódio na Vida de um
Catador de Ferro-Velho tem de mais complexo. A família de Nazif vive numa
aldeia onde todos se respeitam se cumprimentam, se ajudam; é o contraponto
extremo da impessoalidade do sistema de saúde da Bósnia-Herzegovina. O hospital
onde Senada é levada insiste na apresentação do dinheiro para tratar um caso de
emergência, o que culmina no desespero de Nazif buscando recursos financeiros.
O lixo, a degradação do ambiente gelado e as agruras do catador são expostos de
maneira simples, por toques visuais (a já citada montanha de lixo) ou pelo
próprio texto (“94 marcos”).
As usinas da cidade, visão corriqueira no drama, são a
representações que Tanovic encontra para comentar a frieza da metrópole, um
lugar onde o protagonista fica claramente desconfortável. Um lugar de dualidade
temporal. É um parecer realista não só pelo fato de Nazif-personagem e
Nazif-ator serem praticamente a mesma pessoa; é uma extensão da realidade do
leste europeu filmada pelo bósnio desde seu Terra de Ninguém, que dolorosamente
soa politicamente estagnada – ainda que inversa – há mais de 20 anos, desde o
fim da União Soviética.
Além da camada social, há um belo estudo de personagem no
filme. Um desenvolvimento de personagens é bem realizado quando se sente à emoção de um homem que tenta
fazer de tudo para tranquilizar sua família. Seja no ótimo plano dos quatro
deixando o hospital ou no semblante feliz de Nazif, o filme é tocante, cheio de
vida. Uma influência, diga-se de passagem, dos heróis de Vittorio de Sica, que
tem a árdua tarefa de viver em tempos difíceis, mas o superam com solidariedade
e a pureza da humilde alegria de abraçar sua mulher.
E é a solidariedade dos aldeões versus a impessoalidade da
cidade moderna é o que Um Episódio... é eficiente em expor. Quando as barreiras
do que é ficcional e do que é real é rompida – ao surgir o nome dos “atores” –,
o filme adentra num contexto de confissão documental. Visceralmente documental.
Nenhum comentário:
Postar um comentário