domingo, 6 de outubro de 2013

Festival do Rio: Night Moves

Night Moves
(Night Moves, 2013)
Drama/Thriller - 112 min.

Direção: Kelly Reichardt
Roteiro: Jonathan Raymond, Kelly Reichardt

com: Dakota Fanning, Jesse Eisenberg, Peter Sarsgaard, Alia Shawkat

Numa discussão moral do que é mais importante, é natural o confronto entre elementos antagônicos, contrastantes. Estudos de personagem, onde a moral dos protagonistas é posta em cheque em prol do debate, rendem filmes ricos em argumentos e ideias. Desde os heróis errantes de Hitchcock até os cuidadosos dramas como O Voo e A Caça, o conflito entre o Certo e o Errado rende boas histórias. Em Night Moves, a diretora americana Kelly Reichardt dá um passo adiante em sua filmografia ao conceber um desses estudos, mas habilidosamente disfarçado como um thriller sobre terrorismo ecológico.

Em Meek’s Cutoff, o filmaço anterior de Reichardt, a aridez do deserto americano era registrada com propriedade, conferindo o tom necessário para a densa trama de travessia. Aqui, os planos em ângulos arrojados (como o ótimo tracking shot da bicicleta, no início) dão certa gravidade, uma urgência necessária à filmes de conspiração em geral. Conforme conhecemos os personagens, o discurso ecológico começa a aparecer sutil nas reuniões, sem entrar em discussões muito aprofundadas sobre o tema, apresentando dados difusos e esquecíveis. O roteiro de Jon Raymond e Reichardt foge do panfletário, ao preferir se construir em cima do plano dos personagens – e na interação entre eles. É visualmente que a diretora prefere comentar sobre seu discurso, optando por planos abertos que mostrar natureza, matas virgens, sempre buscando ilustrar algum ambiente mais vasto; com simplicidade, procura dar lastro às ações dos personagens.

A utilização da janela 1.85:1 de exibição, num belíssimo digital, também favorece o filme. Se em Meek’s Cutoff a americana subverteu – inteligentemente - qualquer guia de fotografia ao filmar em janela 1.33:1, suas intenções no novo trabalho são mais contidas. Night Moves não é nenhum manifesto pró-natureza para ter paisagens filmadas em Scope à todo momento – e a janela convencional prepara o filme para sua mudança de tom.
Até a represa, tudo caminha com um ritmo fluente e uma precisa trilha de Jeff Grace, crescendo a tensão até a catártica execução do plano.


E é aí que Reichardt puxa o tapete.

O suspense inicial se revela uma introdução ao real propósito do filme: observar a reação dos personagens à suas ações. O reservado protagonista Josh, vivido por Jesse Eisenberg (ameaçador e distante de seus papeis habituais), ganha foco e seu dilema moral entra em pauta. O sentimento do personagem transforma-se em conto sobre consequência. Não há nenhuma parede emocional para se apoiar: sua família aparece pela primeira vez com uma hora de filme, já explicitando seu distanciamento deles. E mesmo recorrendo à sua parceira Dena, Josh acaba subvertido, já que a menina se impõe como a voz da razão na segunda metade.

A parcimônia na construção de Josh é um dos elementos mais interessantes que Night Moves tem a oferecer. Recluso, o homem se isola das pessoas em uma festa, se revelando gradativamente mais amargurado – e a trilha se intensifica com louvor nesses atos. A catarse que toma os momentos que antecedem o epílogo do filme, terminando em um paranóico anticlímax, é o ponto no qual Reichardt mais toma partido como esteta. A diretora, que entende de atmosfera, utiliza de contrastes – a bela dança das sombras na festa – e closes distorcidos para catalisar os acontecimentos – e a sequência no condomínio é particularmente marcante, finalizada com uma fantasmagórica fumaça.


Muito se reclamou dessa divisão complexa entre os dois atos do longa, mas a verdade buscada por Reichardt e Raymond se encontra justamente no destoar entre o thriller e o drama. É um filme que entende bem a construção de expectativa e a subverte a favor de sua narrativa (o que já era uma constante em Meek’s Cutoff, com suas ambiciosas fusões e arcos incompletos).


Quem é fã da diretora não precisa desconfiar; Night Moves não é uma mudança de direção dos temas da americana, mas apenas um novo olhar. Mantém temas caros à cineasta – como o feminismo sutil na fala de Dakota Fanning ao comprar sementes -, mas oferece uma visão narrativa que casa o intimismo com o discurso, a ação com a reação. Reunião, portanto, do que os dois trabalhos anteriores de Kelly Reichardt tinham de melhor.

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