Night Moves
(Night Moves, 2013)
Drama/Thriller - 112 min.
Direção: Kelly Reichardt
Roteiro: Jonathan Raymond, Kelly Reichardt
com: Dakota Fanning, Jesse Eisenberg, Peter Sarsgaard, Alia Shawkat
Numa discussão moral do que é mais importante, é natural o
confronto entre elementos antagônicos, contrastantes. Estudos de personagem,
onde a moral dos protagonistas é posta em cheque em prol do debate, rendem
filmes ricos em argumentos e ideias. Desde os heróis errantes de Hitchcock até
os cuidadosos dramas como O Voo e A Caça, o conflito entre o Certo e o Errado rende
boas histórias. Em Night
Moves , a diretora americana Kelly Reichardt dá um passo
adiante em sua filmografia ao conceber um desses estudos, mas habilidosamente
disfarçado como um thriller sobre terrorismo ecológico.
Em Meek’s Cutoff, o filmaço anterior de Reichardt, a aridez
do deserto americano era registrada com propriedade, conferindo o tom
necessário para a densa trama de travessia. Aqui, os planos em ângulos
arrojados (como o ótimo tracking shot da bicicleta, no início) dão certa
gravidade, uma urgência necessária à filmes de conspiração em geral. Conforme
conhecemos os personagens, o discurso ecológico começa a aparecer sutil nas
reuniões, sem entrar em discussões muito aprofundadas sobre o tema,
apresentando dados difusos e esquecíveis. O roteiro de Jon Raymond e Reichardt
foge do panfletário, ao preferir se construir em cima do plano dos personagens
– e na interação entre eles. É visualmente que a diretora prefere comentar
sobre seu discurso, optando por planos abertos que mostrar natureza, matas
virgens, sempre buscando ilustrar algum ambiente mais vasto; com simplicidade,
procura dar lastro às ações dos personagens.
A utilização da janela 1.85:1 de exibição, num belíssimo
digital, também favorece o filme. Se em Meek’s Cutoff a americana subverteu –
inteligentemente - qualquer guia de fotografia ao filmar em janela 1.33:1, suas
intenções no novo trabalho são mais contidas. Night Moves não é nenhum
manifesto pró-natureza para ter paisagens filmadas em Scope à todo momento – e
a janela convencional prepara o filme para sua mudança de tom.
Até a represa, tudo caminha com um ritmo fluente e uma
precisa trilha de Jeff Grace, crescendo a tensão até a catártica execução do
plano.
E é aí que Reichardt puxa o tapete.
O suspense inicial se revela uma introdução ao real
propósito do filme: observar a reação dos personagens à suas ações. O reservado
protagonista Josh, vivido por Jesse Eisenberg (ameaçador e distante de seus
papeis habituais), ganha foco e seu dilema moral entra em pauta. O sentimento do
personagem transforma-se em conto sobre consequência. Não há nenhuma parede
emocional para se apoiar: sua família aparece pela primeira vez com uma hora de
filme, já explicitando seu distanciamento deles. E mesmo recorrendo à sua
parceira Dena, Josh acaba subvertido, já que a menina se impõe como a voz da
razão na segunda metade.
A parcimônia na construção de Josh é um dos elementos mais
interessantes que Night Moves tem a oferecer. Recluso, o homem se isola das
pessoas em uma festa, se revelando gradativamente mais amargurado – e a trilha
se intensifica com louvor nesses atos. A catarse que toma os momentos que
antecedem o epílogo do filme, terminando em um paranóico anticlímax, é o ponto
no qual Reichardt mais toma partido como esteta. A diretora, que entende de
atmosfera, utiliza de contrastes – a bela dança das sombras na festa – e closes
distorcidos para catalisar os acontecimentos – e a sequência no condomínio é
particularmente marcante, finalizada com uma fantasmagórica fumaça.
Muito se reclamou dessa divisão complexa entre os dois atos
do longa, mas a verdade buscada por Reichardt e Raymond se encontra justamente
no destoar entre o thriller e o drama. É um filme que entende bem a construção
de expectativa e a subverte a favor de sua narrativa (o que já era uma
constante em Meek’s Cutoff, com suas ambiciosas fusões e arcos incompletos).
Quem é fã da diretora não precisa desconfiar; Night Moves
não é uma mudança de direção dos temas da americana, mas apenas um novo olhar.
Mantém temas caros à cineasta – como o feminismo sutil na fala de Dakota
Fanning ao comprar sementes -, mas oferece uma visão narrativa que casa o
intimismo com o discurso, a ação com a reação. Reunião, portanto, do que os
dois trabalhos anteriores de Kelly Reichardt tinham de melhor.
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