Os Suspeitos
(Prisoners, 2013)
Thriller/Drama - 153 min.
Direção: Denis Villeneuve
Roteiro: Aaron Guzikowski
com: Hugh Jackman, Jake Gylenhaal, Viola Davis, Maria Bello, Terrence Howard, Melissa Leo, Paul Dano
Denis Villeneuve me impressionou
positivamente com "Incêndios", um dos filmes mais intensos que vi em
2012. Antes disso ele também foi muito elogiado por "Politécnica",
produção que vergonhosamente ainda não consegui ver. Portanto, havia uma
expectativa para sua estreia no mercado americano e com dois filmes de uma vez:
o suspense Enemy e o filme analisado aqui, Os Suspeitos.
Confesso que vendo a divulgação do filme,
especialmente o trailer apresentado, e a sinopse da produção me questionei se o
canadense não estaria estreando com um projeto "sem assinatura", onde
seria controlado pelo estúdio em busca de um veículo para Hugh Jackman e Jake
Gyllenhaal. Porém, além da presença dos dois atores, o elenco ainda apresentava
Maria Bello, Terrence Howard, Viola Davis, Paul Dano e Melissa Leo. Todos os
atores com indicações ao Oscar e com talento. Passou-se algum tempo e o filme
estreou em diversos festivais e foi muito bem recebido. Opa, talvez existisse
alguma coisa ali, talvez eu tivesse sido tomado pelo ranço do trailer expositivo e
óbvio. Ou, talvez existisse uma predisposição dos colegas em gostar do filme pelo pedigree
de seu condutor. Dúvidas que só poderiam ser respondidas quando assistisse a
produção.
Durante "Os Suspeitos" fui
percebendo que não conseguia piscar. Não era - felizmente - um problema físico,
mas a excelência da trama mostrada por Villeneuve. Utilizou-se dos clichês do
suspense a seu favor e criou uma trama em formato de quebra-cabeça (ou de labirinto,
elemento fundamental na trama) em que cada peça da trama nos é apresentada, mas sem a incomoda sensação de que os realizadores do filme consideram os espectadores
incapazes de compreender a trama. Em resumo: Suspeitos é um thriller de trama
intrincada com detalhes que precisam ganhar a atenção do espectador, sem, no
entanto, apelar para recordatórios, discursos explicativos e outros recursos
"for dummies" comuns no cinemão americano.
A história começa quando a família Dover visita
seus vizinhos (os Birch) para celebrar o dia de Ação de Graças. Keller e Grace tem dois
filhos, o garoto Ralph e garotinha Anna, assim como seus amigos Franklin e Nancy, que
também tem dois filhos, as meninas Eliza e Joy, praticamente da mesma idade dos
filhos de seus amigos. Em teoria são famílias espelhadas apenas com a diferença
de raça para diferenciá-los. Depois dos comes e bebes, as duas garotinhas
decidem irem até a casa dos Dover para encontrar o apito perdido da loirinha Anna.
E daí somem. A partir daí a trama se divide na perseguição de Keller ao principal
suspeito que a investigação do detetive Loki não consegue manter preso por falta
de provas, e o detetive tentando solucionar o caso.
Denis Villeneuve usa uma situação -
infelizmente - bastante comum para criar seu quebra-cabeça muito tenso que não
busca apenas a solução do thriller, mas também tem a intenção de falar sobre a
vingança e os limites de onde o sujeito pode ir para conseguir seu objetivo.
Cada peça do quebra-cabeça é importante e merece uma atenção especial do
espectador e vai se revelando um novo elemento de uma trama cada vez maior.
A fotografia lúgubre do filme só ajuda a
reforçar um ambiente que vai se entristecendo, se corrompendo e tornando-se claustrofóbico em frente aos
nossos olhos. A atmosfera calorosa - apesar do frio - da casa dos Birch no começo
do filme é radicalmente diferente do que o filme nos vai mostrando com o
decorrer do tempo. As sombras se apossam dos personagens e da vida daquela
família. O roteiro da produção é igualmente inteligente nos conduzindo por alguns
caminhos que parecem tão precisos e que vão se revelando não tão certeiros
assim, ao mesmo tempo em que são corretos dentro da intenção do filme.
A religiosidade, tema fundamental na trama, é outro elemento muito bem
utilizado e desde - literalmente - o primeiro plano, colocando a fé e a
ausência da mesma como mola propulsoras da trama.
O elenco está todo muito bem. Keller e o
detetive Loki são os protagonistas, cada um num espectro da investigação. Hugh
Jackman e Jake Gylenhaal que vivem os dois citados respectivamente estão muito
bem na produção. Esse talvez seja o personagem mais intenso e assustador do
ator em sua carreira (certamente o é dentre seus personagens nos Estados
Unidos). Keller é um pai de personalidade forte e que não mede as consequências de
seus atos, embora não encontre prazer em momento algum com o que tem de fazer,
destituindo-o na alcunha de sádico e afins. Loki beira o comportamento passivo-agressivo,
tendo de manter o controle da situação em meio a muita pressão dos pais das
garotas sumidas, da própria investigação, os problemas da policia e
traumas pessoais. Seu trabalho contido, revela um sujeito metódico, inteligente
e que em sua racionalidade consegue resolver as arestas da intrincada produção.
Ao lado dos dois lados dessa moeda, os
coadjuvantes também tem seu momento de brilhar, cada um com um
"solo", um momento em que podem demonstrar o talento que tem. Franklin (Terrence Howard) vai se fragilizando a cada nova situação enfrentada e vive em
conflito sobre suas ações até desabar em uma cena emocionante. Grace (Maria
Bello) entra em estado de negação e se mantém entorpecida diante de suas
suspeitas de que o pior acontecera com sua filha e a amiguinha. Nancy (Viola Davis) guarda para si suas impressões e dor, mas as deixa florescer em uma cena
maravilhosa e intensa, onde é impossível não se deixar emocionar pela
composição da atriz e nos chocar com suas conclusões sobre as ações de seu
marido. Paul Dano e Melissa Leo são outros que conseguem entregar
interpretações tão intensas quanto à dos dois casais protagonistas. Dano faz de
Alex um garoto de fala mansa e fragilidade perturbadora, que nos faz caminhar entre a compaixão e medo. E Melissa parece desde a primeira aparição uma mulher
machucada pela vida e a interpretação da atriz nos indica esse caminho.
Os Suspeitos é uma belíssima estreia em
território ianque do canadense Villeneuve. Angustiante, tenso, desagradável de
ser acompanhado consegue nos inserir naquele ambiente sombrio e cheio de relações com a vida real. Extremamente competente como
thriller e intrigante na proposta de não apoiar a posição do "olho
por olho, dente por dente" é dos casos raros de entretenimento para adultos.
Maduro, inteligente e sem muitas concessões.
Fiquei com dúvidas a respeito da identidade dos dois jovens, um deles Paul Dano, e o outro que se matou na delegacia. Pareciam ser a mesma pessoa, mas o um foi aprisionado por Dover. Outra coisa que acho que se perdeu na trama foi a questão do labirinto: o rapaz afirmava que as crianças estavam no labirinto, mas só vi medalhões e imagens que tinham esse ícone.
ResponderExcluir