Heli
(Heli, 2013)
Drama - 105 min.
Direção: Amat Escalante
Roteiro: Amat Escalante e Gabriel Reyes
com: Armando Espititia, Andrea Vergara, Linda González, Juan Eduardo Palacios
Amat Escalante ganhou o prêmio de melhor diretor em Cannes
por este seu novo trabalho. Logo no primeiro take, um plano sequência muito bem
realizado, já se percebe a estética handheld que o mexicano usa em Heli,
aplicada com eficiência. É um clichê do cinema verité desde a Palma de Ouro dos
Dardennes por Rosetta, mas ainda hoje é bem utilizado. No entanto, se muitos
diretores escolhem a câmera-na-mão pelo realismo, Escalante parece escolhê-la
pela maneira com que essa forma registra o choque. O diretor não apenas busca o
choque desde o citado primeiro take; ele subverte sua estética para investir em
planos estáticos, secos, para mostrar a violência.
Ao apresentar seus personagens, Escalante demonstra uma leve
falta de pulso como narrador. Eleger um censo, síntese da exposição de
informações, como maneira de introduzir seus personagens ao espectador é dos
recursos mais preguiçosos. No entanto, o roteirista compensa a fragilidade de
construção com um poderoso setting: o
deserto do México em Heli é frio e surreal, com uma aridez que a fotografia
dessatura; um palco adequado para o conto de abuso. Os planos abertos reforçam
o isolamento, como se aquela cidade fosse abandonada pelo resto do mundo, e as
cenas de treinamento militar são desconfortáveis, bem encaixadas na proposta. E
no contraste de qualidade entre pano de fundo e trama, os personagens, simples
em suas construções, acabam funcionando devido às situações que passam.
Esse contraste pode ser percebido através dos temas
trabalhados pelo diretor. À nível temático, Escalante desenvolve com destreza.
Sugere a hereditariedade na tortura da região – e na autoridade, como frisa a
policial que perdeu o marido; insinua a naturalidade com que tratam a violência
ali (a matriarca observa a mutilação e nada faz); e ressalta a burocracia nos
procedimentos policiais. A boa estrutura narrativa do filme é composta visando
atacar o abuso de poder dessas autoridades locais – sejam policiais, criminosos
ou militares –, mas logo se volta ao estudo de personagem, com diretrizes morais
ilógicas para a narrativa. Heli delira com a chegada de uma camionete militar
com uma imensa metralhadora, sofre com a repressão fascista das instituições
dali, mas é só após uma demonstração física de vingança que obtém paz de
espírito para se entregar aos seus prazeres. Seria uma nuance dramática forte
se questionada, mas ao registrá-la com atmosfera pacífica, Escalante se embola
– e se contradiz – em seu estudo. Não por acaso, a subtrama de abstinência
sexual soa deslocada até seu desfecho; é uma contradição que só se evidencia
nesse último take.
Não se condena tanto a vitimização com que Heli entrega seus
personagens (o choro de todos os torturados é silencioso) porque se adequam à
visão de mundo ali apresentada, mas cobrar do espectador uma cumplicidade com
um protagonista que só se sente realizado quando se torna um homem tão errado
quanto aqueles criticados ao longo da trama é um esforço over demais para passar batido.
As cenas de tortura, que chegam a envolver fogo nas partes
genitais de um homem, acabam vazias em seu contexto. Se a violência liberta, as
melhores apostas do eleito homem de bem são um taco de críquete, álcool e um
isqueiro?
Ou seriam essas as armas do amoral?
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