terça-feira, 8 de outubro de 2013

Festival do Rio: Heli

Heli
(Heli, 2013)
Drama - 105 min.

Direção: Amat Escalante
Roteiro: Amat Escalante e Gabriel Reyes

com: Armando Espititia, Andrea Vergara, Linda González, Juan Eduardo Palacios

Amat Escalante ganhou o prêmio de melhor diretor em Cannes por este seu novo trabalho. Logo no primeiro take, um plano sequência muito bem realizado, já se percebe a estética handheld que o mexicano usa em Heli, aplicada com eficiência. É um clichê do cinema verité desde a Palma de Ouro dos Dardennes por Rosetta, mas ainda hoje é bem utilizado. No entanto, se muitos diretores escolhem a câmera-na-mão pelo realismo, Escalante parece escolhê-la pela maneira com que essa forma registra o choque. O diretor não apenas busca o choque desde o citado primeiro take; ele subverte sua estética para investir em planos estáticos, secos, para mostrar a violência.

Ao apresentar seus personagens, Escalante demonstra uma leve falta de pulso como narrador. Eleger um censo, síntese da exposição de informações, como maneira de introduzir seus personagens ao espectador é dos recursos mais preguiçosos. No entanto, o roteirista compensa a fragilidade de construção com um poderoso setting: o deserto do México em Heli é frio e surreal, com uma aridez que a fotografia dessatura; um palco adequado para o conto de abuso. Os planos abertos reforçam o isolamento, como se aquela cidade fosse abandonada pelo resto do mundo, e as cenas de treinamento militar são desconfortáveis, bem encaixadas na proposta. E no contraste de qualidade entre pano de fundo e trama, os personagens, simples em suas construções, acabam funcionando devido às situações que passam.

Esse contraste pode ser percebido através dos temas trabalhados pelo diretor. À nível temático, Escalante desenvolve com destreza. Sugere a hereditariedade na tortura da região – e na autoridade, como frisa a policial que perdeu o marido; insinua a naturalidade com que tratam a violência ali (a matriarca observa a mutilação e nada faz); e ressalta a burocracia nos procedimentos policiais. A boa estrutura narrativa do filme é composta visando atacar o abuso de poder dessas autoridades locais – sejam policiais, criminosos ou militares –, mas logo se volta ao estudo de personagem, com diretrizes morais ilógicas para a narrativa. Heli delira com a chegada de uma camionete militar com uma imensa metralhadora, sofre com a repressão fascista das instituições dali, mas é só após uma demonstração física de vingança que obtém paz de espírito para se entregar aos seus prazeres. Seria uma nuance dramática forte se questionada, mas ao registrá-la com atmosfera pacífica, Escalante se embola – e se contradiz – em seu estudo. Não por acaso, a subtrama de abstinência sexual soa deslocada até seu desfecho; é uma contradição que só se evidencia nesse último take.


Não se condena tanto a vitimização com que Heli entrega seus personagens (o choro de todos os torturados é silencioso) porque se adequam à visão de mundo ali apresentada, mas cobrar do espectador uma cumplicidade com um protagonista que só se sente realizado quando se torna um homem tão errado quanto aqueles criticados ao longo da trama é um esforço over demais para passar batido.

As cenas de tortura, que chegam a envolver fogo nas partes genitais de um homem, acabam vazias em seu contexto. Se a violência liberta, as melhores apostas do eleito homem de bem são um taco de críquete, álcool e um isqueiro?


Ou seriam essas as armas do amoral?

Nenhum comentário:

Postar um comentário