Battle Royale
(Batoru Rowaiaru, 2000)Ação - 114min.
Direção: Kinji Fukasaku
Roteiro: Kenta Fukasaku
Com: Tatsuya Fujiwara, Aki Maeda, Tarô Yamamoto, Chiaki Kuriyama
Para analisar um filme adaptado de uma fonte externa, seja livro, animação, quadrinhos ou mangás, geralmente se faz o seguinte exercício: ler o material original e interpretar as mudanças feitas pela equipe de produção ou ignora-se o material original e julga-se a obra por seus próprios méritos.
Na maioria das vezes - comigo pelo menos funciona assim - o acesso (a exceção de adaptações de filmes mais populares) ao material original dificilmente acontece no período em que o filme é lançado, ou visto. As editoras costumam aproveitar o "embalo" do filme e lançam o original para capitalizar em cima.
No caso de Battle Royale, um famoso mangá, eu tive acesso e consegui ler o material que serve de base para o filme antes de ver a produção audiovisual.
A boa crítica - pelo menos a "escola" que sigo - diz que não é correto analisarmos um filme como comparativo direto do material em que ele se baseia. Em outras palavras, o filme deve se bastar. Ele tem que cativar aquele que leu e aquele que não leu, não por ser baseado em x ou y, mas por apresentar qualidades como produto cinematográfico ou televisivo.
Mesmo assim, é sempre interessante situar aquele que leu - e aquele que não leu também, caso queira ir atrás do material original - sobre as mudanças, acréscimos, erros e acertos diante da obra original. Minha experiência com o mangá de Battle Royale foi bastante visceral. A narrativa e a história sórdida me pegaram pelo colarinho não dando chance de escapatória. Battle Royale trata de um jogo doente elaborado pelo governo, que seleciona "na sorte" uma classe de estudantes colegiais para participarem de uma competição que visa à sobrevivência. Todos são jogados nessa ilha e devem se matar - literalmente - até restar apenas um. Esse por sua vez será declarado vencedor e poderá retornar ao convívio da sociedade. O mangá segue as intrigas, disputas dos mais de 40 personagens, todos com algum tipo de destaque por longos dez volumes.
Os problemas em Battle Royale (o filme) são muitos. Na questão da adaptação do material original, uma série de liberdades foi tomada para aliviar o tom do mangá, que é violento e sexualizado em níveis altíssimos. Compreensível, sem dúvida, mas ao "limar" algumas seqüências, em especial as que envolvem a personagem Mitsuko, o filme perde a chance de explorar com mais força essa personagem, por exemplo. No filme Mitsuko é uma garota violenta e só, seu background é apresentado de forma "leve" e suas motivações nunca ficam claras. Outro problema é a mudança total na personalidade do diretor do jogo, Battle Royale. No mangá, ele é vil, cruel e quase caricatural, mas naquele contexto utópico funciona bem. No filme, apesar da utopia ser mantida, o personagem ganhou mais "cores" e um contexto diferente, dando a ele mais tridimensionalidade - o que é bom - mais influindo diretamente no desfecho - risível - da produção. Talvez o fato do grande Takeshi Kitano (homenageado com seu nome dando batismo ao personagem) ser o interprete tenha feito com que essas mudanças fossem realizadas.
Mas esses são apenas problemas que o leitor do mangá vai descobrir, já que não alteram a narrativa. Para os que não leram os problemas são ainda piores.
Primeiro que no afã de adaptar a obra da melhor forma possível, recorre-se ao clichê número zero em adaptações de obras com grande apelo popular: o efeito "melhores momentos". Pouco importa o foco em 5 ou 6 personagens mais importantes, mas em mostrar todos eles, assim como o mangá faz. Se tivéssemos falando de uma série de TV, com tempo para esse tipo de apresentação, funcionaria muito bem, mas com pouco mais de duas horas de filme, tudo surge corrido e desnecessário, fazendo o diretor ter de recorrer a flashbacks para demonstrar algum carinho com aqueles personagens. Flashbacks que não causam nenhuma sensação no espectador, já que aqueles personagens aparecem e somem com a mesma velocidade com que morrem. Um erro crasso e que derruba qualquer tentativa de proximidade do espectador com aquela gente.
O ritmo, resultado direto dessa escolha, é claudicante durante toda a produção. Se o começo do filme inspira o espectador a torcer por aquele pessoal (usando um recurso manjado mais necessário de apresentação nominal de diversos personagens), isso vai morrendo quando as diversas questões interessantes apresentadas são descartadas de maneira vazia.
Mais se o objetivo do programa é que eles morram, porque isso seria um defeito?
É um defeito na medida em que o protagonista não consegue convencer o espectador. Shuya (que serviria como protagonista) é "assombrado" com a morte do pai e com diversos flashbacks desnecessários e alguns até bobos que o "inspiram" a seguir em frente. Kawada que deveria ser a figura forte que contrabalancearia a doçura - sem trocadilhos gays - de Shuya também é subaproveitado assim como Noriko, a protagonista feminina. Todos eles não conseguem apresentar diálogos que convençam quem está assistindo de que eles realmente se importam uns com os outros. Tudo é tão exageradamente melodramático e apresenta um festival de "quem você está apaixonado" e "gosto de você e vou ficar em pé até te salvar" , numa tentativa patética de dar alguma profundidade ao filme.
Apesar de com a contagem de corpos cair, a questão narrativa melhorar - tornando-a mais fluída - ainda sim esses excessos e essa tentativa de ser profundo e de discutir o papel dos pais e a "revolta" dos adolescentes é patética. Vende uma violência que não se justifica, um exagero dramático que é pior do que os apresentados pelos participantes de reality shows (que no fundo é Battle Royale, pelo menos no mangá) que com um dia de convivência fazem juras de amor entre si. A inteligência critica que o mangá usa com parcimônia, apresentando motivações doentias do governo e mídia, no filme é descartado.
Não se sabe exatamente o porquê existe esse jogo (no filme), além das medíocres apresentações gráficas no início do filme, que são genéricas.
Os atores, quase todos são limitados. Ou por sua falta de talento e carisma, ou por seu tempo de tela. Outros como é o caso do interprete de Kuryiama (de grande importância no mangá) são rasos e vazios, não cabendo nem uma análise de seus papéis no filme. As interpretações seguem o exagero e a falta de timing entre os interpretes é absurda. Destaco a seqüência no farol, onde fica claro a falta de capacidade das seis atrizes presentes. Uma seqüência com muita tensão, acusações e armas em punho, que não ofende, não agride e nem trás compaixão.
Battle Royale, o mangá, é subversivo. Agride os olhos, a mente e faz pensar quando a leitura se encerra. O filme parece um decalque mal realizado. Se o objetivo era "chocar", a violência presente não assusta uma criança de dez anos, se a idéia era "discutir" não consegue, já que o filme se auto-sabota ao não conseguir dar profundidade nem mesmo as relações de seus personagens que já se conhecem e se a idéia era fazer do filme um filme de ação teen, igualmente falha, já que a ação apresentada é genérica e vista antes - e depois - de forma mais bem realizada.
O que resta do filme é uma bela idéia - retirada do mangá - que não conseguiu ser bem realizada, pelos inúmeros motivos que descrevi acima. Sobra ainda a certeza que certas obras mais longas e mais restritas talvez não funcionem no audiovisual ou apenas como uma série de TV, com mais tempo para que o espectador consiga entender aquele universo e conhecer aqueles personagens.
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