domingo, 15 de janeiro de 2012

Sherlock Holmes: O Jogo das Sombras


Sherlock Holmes: O Jogo das Sombras
(Sherlock Holmes: A Game of Shadows, 2011)
Ação/Aventura - 129 min.


Direção: Guy Ritchie
Roteiro: Michele Mulroney e Kieran Mulroney


Com: Robert Downey Jr., Jude Law, Noomi Rapace e Jared Harris


O primeiro Sherlock Holmes de Guy Ritchie foi um bom início para uma renovação do personagem, que veio muito bem a calhar. Os contos de Sir Arthur Conan Doyle eram de um suspense muito mais cadenciado, e o Sherlock retratado originalmente tinha uma seriedade britânica típica. Obviamente a persona encarnada por Robert Downey Jr. teria uma irreverência moderna, que revitalizaria a franquia nas telonas. No primeiro capítulo, basicamente o que funcionou de melhor foi a intenção. Não que o longa de 2009 seja ruim, longe disso. O problema foi justamente a falta de apuro no roteiro estrutural, que apresentava problemas sutis de organização - como um acúmulo de sequências de ação no terceiro ato - e a irritante insistência de explicar cada um dos eventos ocorridos, dando ares de um verdadeiro "Scooby Doo" á narrativa. Além disso, a trama pouco envolvente também não gerava muito interesse. Realmente memorável era a performance de Downey Jr. - que rendeu ao ator o Globo de Ouro no ano seguinte - e a parceria muito carismática com Jude Law.

Ao fim da exibição do primeiro filme, ainda surgia um grandioso gancho para continuação. Embora o fato de perder tempo em um filme incutindo nele sugestões de um próximo capítulo possa parecer um tanto estressante, ficava a esperança de que um longa futuro pudesse aproveitar o carisma de seus personagens e aplicá-lo numa trama inteligente, e que demonstrasse um pouco mais de esmero nas suas construções narrativas. Podemos dizer que essa expectativa é um tanto quanto correspondida em Sherlock Holmes - O Jogo de Sombras. Embora ainda permaneça com alguns dos defeitos do original, esta nova produção dirigida por Ritchie é mais sofisticada que a que a precede - e isso gera um gás muito favorável e necessário á franquia do detetive inglês.

A história da vez trás para as telas o arquiinimigo de Holmes, o professor Moriarty (Jared Harris) como uma ameaça de nível mundial. Em 1891, a Europa está à beira de uma guerra entre suas principais potências - e Alemanha e França são as grandes candidatas a iniciar o conflito a qualquer momento. Através de atentados contínuos por meio de bombardeios á determinados locais, Moriarty parece estar inflamando as desavenças internacionais para ver as batalhas serem declaradas o quanto antes. Cabe a Sherlock Holmes e seu ajudante John Watson (Jude Law) desvendarem o plano do vilão, e impedirem que ele atinja sua meta.




Escrito por Kieran e Michelle Mulrooney - mais eficientes que o trio o qual elaborou o script do primeiro filme - o roteiro deste segundo Sherlock apresenta muitas melhorias em relação ao original, e a mais notável delas é a sua estrutura de arcos mais coerente, fruto de uma mente criativa mais organizada do que aquela que concebeu o primeiro longa. Desta vez, o projeto se firma mais constante e estável do que o anterior, e seu desenvolvimento, apesar de esquemático, favorece uma melhor apreciação de suas cenas, conseguindo distribuí-las de maneira uniforme e bem pensada, culminando num belo clímax sem soar apressado, muito menos entediante.

Dito isso, também é preciso reconhecer que só a presença de James Moriarty já acrescenta muito mais fervor á película. O clássico nêmesis de Holmes abre brechas para um embate de nível muito mais elevado. Isso já era inerente ao personagem, sem o toque dos roteiristas. Estes, contudo, têm habilidade suficiente para construir o personagem no cinema de maneira redonda, sem exageros megalomaníacos, porém possuindo frieza e inteligência bastante consideráveis, servindo de contraponto ideal para o astuto protagonista. Aliás, o vilanesco Moriarty é um dos grandes responsáveis pela melhor parte não só do filme, mas também de toda a franquia até aqui - o grande clímax do já clássico jogo de xadrez. Possuindo o melhor tom de suspense de toda a projeção, carrega o aspecto legítimo de tensão dos contos de Sherlock Holmes originais. O ponto alto do filme, que foi projetado com talento pela dupla responsável pelo roteiro.

Entretanto, é impossível negar a presença de alguns erros remanescentes do longa anterior. As constantes explicações que explicavam desnecessariamente o contexto do filme, permanecem, permitindo que a franquia continue com o cheiro familiar do Dogue Alemão que desmascara vilões em desenhos animados. Ademais, a narrativa também peca pelo desenvolvimento de seus novos coadjuvantes. Embora tenha uma participação importante em determinada parte da trama, a cigana Simza (Noomi Rapace) esmorece em momentos cruciais, não conseguindo sustentar sua relevância - culpa não da belíssima e talentosa atriz sueca, mas sim do roteiro, que torna sua participação menor e não dedica atenção necessária á personagem. Outro que parece um bônus no filme é Stephen Fry, interpretando Mycroft, o irmão de Sherlock. Apesar de divertido, o personagem se monta subaproveitado, servindo apenas como alívio cômico pontualmente.




Entretanto, se personagens secundários não são tão bem valorizados, temos na contramão protagonistas de grande apelo ao público - a química indiscutível entre Law e Downey Jr. está ainda mais forte neste capítulo - e as atuações da dupla, á vontade como de costume, beneficiam-se muito da contínua lapidação de suas personas. Outro que consegue transmitir toda a personalidade daquele que encarna nas telas é Jared Harris. O ator de Mad Men tem sucesso ao passar ao público a mentalidade fria e genial de seu personagem. Sem exagerar indo para o caricato, mas também não dando margem para uma insensibilidade inexpressiva - como Michael Nyqvist fez no recente Missão Impossível 4 - o inglês adere ao caráter de seu personagem, com todo o mérito, a expressão "sem pontas soltas".

Cabe a Guy Ritchie filmar o satisfatório roteiro com seus maneirismos típicos, usando e abusando dessa vez da câmera lentíssima - como na espetacular sequência na floresta, onde nossos protagonistas são alvos de metralhadoras, e os disparos podem ser acompanhados pelas câmeras de 1000 quadros por segundo, que foram usadas nessa ocasião. Várias oportunidades da câmera lenta "clássica" são aproveitadas em diversos combates muito bem capturados- e tudo soa ainda mais interessante com a trilha de Hans Zimmer, que mantém o tema do original, mas produz variações que acompanham o ritmo do filme - e é muito sonora e empolgante a trilha no momento em que Holmes trava uma luta pelo cassino. A bela direção de arte parece ainda mais grandiloquente e bem realizada que a do primeiro filme, e isso se deve provavelmente ao aumento do orçamento.

Apesar de uma aventura esquemática, Sherlock Holmes - O Jogo de Sombras, ainda é um produto escapista muito mais bem realizado que seu antecessor. Usando um ritmo acelerado que não cessa, esta obra consegue de vez estabelecer uma "mitologia" para a franquia de um Sherlock renovado e a cada episódio mais moderno. Um verdadeiro James Bond da Inglaterra Vitoriana. Para este Holmes bonachão e aventureiro concebido por Downey Jr., só faltam os gadgets, cuja época não permite a introdução. E, com a muito provável vinda de um terceiro filme para a série, parece que Guy Ritchie saiu do nicho de filmes de gangsteres, para cair em blockbusters de época.



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