quinta-feira, 7 de junho de 2012

Deus da Carnificina


Deus da Carnificina
(Carnage, 2011)
Drama/Comédia - 80 min.

Direção: Roman Polanski
Roteiro: Yasmina Reza e Roman Polanski

Com: Kate Winslet, Jodie Foster, John C. Reilly e Christoph Waltz

Curto e bastante objetivo, Deus da Carnificina é um estudo sobre o ser humano despido de toda e qualquer vaidade e amarra social. Por meio de um evento traumático, dois casais se encontram e aos poucos vão se transfigurando, de pessoas - cada um a seu jeito - socialmente convencionais a criaturas que abandonam a civilidade para agirem de acordo com os instintos.

O tal evento traumático é mostrado durante os créditos do filme, de forma distanciada e voyeuristica ao som de tambores quase primitivos (trilha a cargo de Alexandre Desplat) acompanhado de cordas. E assim que a câmera vai se aproximando de um grupo de garotos que discute em um parque, o ataque acontece: uma violenta pancada na cabeça de um deles.

Segundos depois, já estamos no apartamento de classe media alta, do casal Penelope e Michael Longstreet (Jodie Foster e John C. Reilly) pais do garoto atingido. Também estão Nancy e Alan Cowan (Kate Winslet e Christoph Waltz) os pais do agressor. A ideia de Penelope é a de conversarem, tentando uma conciliação ordeira e civilizada para entenderem as motivações para aquele ato e principalmente estabelecer a culpabilidade do agressor. Mais do que isso ainda, tentar incutir um senso de responsabilidade, uma noção de que aquilo não se faz e que o garoto precisa - no mínimo - se desculpar.


Penelope é uma cria do fim do século. Politicamente correta, pacifista, profunda amante do senso de comunidade que nos coloca como membros de uma aldeia global, ela tenta chegar a um acordo - digamos - humanizado para a situação. Seu marido, Michael, é aparentemente um sujeito bonachão, que vê as coisas a partir de um prisma positivo, que foge de confusões. Nancy tenta ser simpática, é interessada no que os outros dizem, se mantém firme quando encontra alguma adversidade e é uma pretensa ativista pela resolução pelo meio mais pacifico possível. E Alan é um homem entediado com sua vida, que vive para seu trabalho (bem representado pela quantidade inacreditável de vezes em que atende o celular) e que observa o mundo de um patamar superior.

Polanski - a partir da apresentação dos personagens nos primeiros dez minutos do filme - cria sua panela de pressão e vai aos poucos acendendo o fogo, esperando os apitos estridentes de uma panela em brasa. A curta duração do filme (cerca de oitenta minutos) ajuda a dar urgência ao filme, que mesmo que se passe quase exclusivamente dentro de um mesmo ambiente, nunca fica enfadonho ou cansativo.

São esses ótimos atores que vão se transformando diante de nossos olhos que causam essa ótima impressão. Alguns detalhes da produção do filme auxiliam essa percepção. A mais clara delas é o figurino. Se Penelope e Michael vestem-se em tons quentes, vermelhos e marrons, Nancy e Alan estão com longos casacos escuros, com tons de marinho e preto como vestimenta. Uma clara observação sobre a imagem que aqueles personagens querem projetar. Os Longstreet são amáveis e carinhosos, e os Cowan são mais sérios e mais frios aparentemente.


Durante o filme as máscaras vão caindo e essas questões vão se transfigurando. Casacos são tirados, e o que parecia vermelho sangue, se transforma em vinho e as sombras passam a acompanhar aquela discussão e aqueles personagens.

Algumas cenas pontuais ajudam ao ótimo roteiro de Polanski e Yasmina Reza (adaptado da peça da própria) a funcionar ainda mais. A primeira é quando Nancy passa mal de forma grosseira, o que revela o que está por trás de tanta civilidade por parte de Penelope. Revelando sua verdadeira face, não se preocupa - como propagava até então - com o bem estar da mulher a sua frente, mas com seus pertences.

A cena que se segue, que divide o filme praticamente, é emblemática. É a única vez que não vemos os quatro personagens juntos no mesmo ambiente, e é ali que tudo o que está engasgado é aos poucos mostrado e o espectador percebe quem são aquelas figuras. Longe de serem modelos de conduta, mas seres humanos, com qualidades e defeitos que o filme não julga, apenas observa de forma cruel e masoquista. Sem pudor nos mostra quatro seres humanos se rasgando diante da tela, gritando todos os seus preconceitos enraizados, se abrindo para toda e qualquer observação nociva e nada correta.


O que era uma simples discussão sobre garotos que perdem a calma, se transforma em divã onde Waltz se revela ainda mais cínico do que parecia, Winslet mostra sua verdadeira face burguesa, Reilly estoura como um legítimo cowboy, enquanto Foster transforma sua tensão em raiva e fúria.

Polanski é contido e se contenta em acompanhar os seus atores que desfilam pela tela. E é profundamente inteligente ao rimar a primeira a última cena, transformando o filme em uma ácida comédia sobre o comportamento humano.


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