quarta-feira, 24 de abril de 2013

Homem de Ferro 3


Homem de Ferro 3
(Iron Man 3, 2013)
Aventura - 130 min.

Direção: Shane Black
Roteiro: Drew Pearce e Shane Black

com: Robert Downey Jr., Gwyneth Paltrow, Ben Kingsley, Guy Pearce, Don Cheadle, Jon Favreau

A maldição da expectativa. Se existem filmes que sofrem desse mal, alguns sequer sobrevivem sem o arfar no cangote de fãs alucinando a cada nova imagem, trailer e pôster divulgado. Fazendo aqui um mea culpa, muito dessa loucura causada por quem divulga (eu, por exemplo) cada nova ação de marketing dos filmes. Mas, espera-se que em pleno século XXI, os fãs (e os curiosos) percebam que tudo é uma estratégia para deixar o espectador salivando por aquilo, e que não é porque o pôster é incrível, as fotos te animam e o trailer te fez arrepiar que o filme vai ser bom. Ou melhor, mesmo com tanta propaganda não o julguem por isso, mas por seus próprios méritos.

Dito isso, vamos a Homem de Ferro 3, um desses exemplos mais claros de filmes fadados a serem consumidos meses antes de sua estreia. Sem Jon Favreau no comando, e com Shane Black (roteirista da serie Máquina Mortífera, O Último Grande Herói e diretor do bom Beijos e Tiros) assumindo a responsabilidade de lidar com o personagem mais rentável e popular da Marvel Studios. A pergunta que todos vocês fazem é: E aí, é bom?

Sim, Homem de Ferro 3 é divertido, mas paremos por aí. Não "explode cabeças", tem problemas diversos na estrutura da narrativa, um excesso de humor que surge em momentos onde ela simplesmente não deveria existir, uma pretensa "seriedade" que soa galhofa demais e alguns elementos que farão os fãs de quadrinho xiita xingarem até a décima geração de Shane Black.



Vamos por partes: Shane Black pega Tony Stark após os eventos vistos em Vingadores e o transforma em um sujeito que não dorme, obcecado na construção de uma infinidade de armaduras e que sofre de uma espécie de ataque de pânico que é repetido a exaustão durante a produção. Stark também se vê mudado pelos eventos do filme citado e questionando sua força, sua real importância como herói e em ultima instancia seu passado, responsável direto pelos acontecimentos desse terceiro filme.

Sem me ater a spoilers, basta dizer que nessa terceira aventura, um Stark pré-filme original comete um erro e o resultado desse erro (de caráter) vem bater a sua porta. Soma-se a uma dificuldade de relacionamento de Tony e Pepper e o cenário está criado para os problemas enfrentados nesse filme.

Shane Black assina o filme de verdade. Diferente do que poderia parecer, Black não age aqui como diretor de aluguel, mas trás seu humor cortante para a produção de forma bastante aguda. Isso quer dizer que o Homem de Ferro usa e verdadeiramente abusa de piadas por todo o tempo. Em comparação direta com os outros filmes, é de longe o filme mais engraçado e que talvez funcione melhor para um público mais multifacetado sem tanto interesse em quadrinhos (e aqui especulo de forma arrogante, admito).



O primeiro Homem de Ferro (de longe o melhor filme da Marvel Studios até aqui, seguido de perto por Vingadores) tem um saudável equilíbrio entre o bom humor - especialmente na figura e na personalidade de Tony Stark, e ótimas sequências de ação, que dão credibilidade aos desafios do personagem em ver-se livre do mal que suas empresas produziam e enfrentam a traição no seio de sua companhia.

Já no segundo, esse elemento de bom humor ainda existe, mas foi suplantado por uma preocupação maior na criação de um vilão - Ivan Vanko/Mickey Rourke - que não é carismático e rumina suas frases sem causar qualquer tipo de impacto. Se tínhamos Sam Rockwell como o outro vilão (mais interessante e carismático) ele acabou sendo deixado de lado, e acrescido ao surgimento do Máquina de Combate e da Viúva Negra, o filme padeceu dos problemas que sempre acabam acometendo filmes com excesso de gente em tela: mau desenvolvimento dos mesmos. Que pese que o filme mantém a qualidade de ação, é um passo atrás em relação aos muitos acertos (de tom principalmente) do filme original.

Já a terceira aventura, como disse é a mais engraçada das três. Tirando inclusive o impacto de diversas cenas de ação com essa mania de a cada segundo precisar justificar a personalidade de Tony Stark. Sabemos que ele é um gozador, sabemos que ele é um sujeito sarcástico e que não se leva a sério (esse é seu charme e grande diferencial em relação a todos os heróis de quadrinhos que o cinema mostrou até aqui), mas precisamos ser lembrados disso a cada cinco minutos? É plausível que em meio a uma batalha, o sujeito simplesmente faça uma piada segundos depois de imaginar que alguém que ele verdadeiramente se importa acaba de morrer? É plausível que cada capanga dos vilões da vez sejam excelente humoristas? É plausível que mesmo nas situações em que o filme tenta criar uma crise (seja de consciência ou simplesmente um evento que precisa ser evitado), sempre exista uma tirada engraçadinha?


Voltemos aos filmes anteriores. Quando Tony era espancado por Obadiah no final do primeiro filme ele fazia piadinhas? Quando foi espancado em Monte Carlo por Vanko, ele saiu-se com uma anedota? Não. Então Black exagera aqui, fazendo do Tony Stark uma versão de armadura de uma comediante. Os traços da personalidade de Stark não justificam esse excesso, principalmente quando essas ideias prejudicam o andamento e tiram o impacto das sequências de ação.

E os problemas de estrutura? Não existe um real impacto na trama. Seguindo o mal da maioria dos quadrinhos de heróis, nada de fato muda. Black brinca de cubo mágico aqui. Pega a estrutura pronta de Favreau/Whedon (diretor de Vingadores), muda as peças de lugar e inverte as cores para no fim, de fato, mudar quase nada. Sim, existe aqui um sentimento de final de trilogia, e me pergunto por quê? Seria Downey Jr. dando adeus ao personagem? Emulando os quadrinhos, esse seria o fim de um arco? Se formos pensar assim, porque ignorarmos elementos plantados ali no primeiro filme? A tal irmandade dos 10 anéis, que era tão poderosa no primeiro Homem de Ferro, ressurge aqui nas mãos do vilão Mandarim, mas de uma forma completamente distorcida, por exemplo.

As cenas finais do filme (não se preocupem, não vou contar) explicitam essa intenção quase Batman de Christopher Nolan de passar o bastão, para nos momentos finais mudar de ideia. Então para que seguir por esse caminho? Como disse, Black pega seu cubo mágico,  gira, mexe e remexe e no fim deixa-o como encontramos antes. Todo o mal perpetrado enfim, não serve de muita coisa. Nem mesmo as ideias que ele mesmo planta (o tal surto de ansiedade) tem um final digno.


E chegamos àquilo que deve (de novo, me dou o direito de especular aqui) irritar os fãs mais xiitas do Homem de Ferro. Na mitologia do herói, o Mandarim é seu nêmesis. Seu Coringa, seu Lex Luthor, seu Doutor Octopus (ou Duende Verde), seu Loki, enfim... aquele sujeito que realmente dá trabalho ao herói.

Falando do ponto de vista quadrinhístico, e aqui confesso não ser um leitor do personagem, mas conheço um pouco sua mitologia, Black faz algo parecido com o que Joel Schumacher fez com Duas Caras em Batman Eternamente (pra ficar num exemplo). Deu medo né? Mas calma, apesar do Mandarim que vemos em tela não ser exatamente aquele que o público imagina, ele funciona muito bem. Isso me leva ao questionamento que fiz no inicio desse texto sobre expectativa. Durante todos os trailers e pôsteres, a figura do Mandarim de Ben Kingsley serviu como símbolo do poder e do mal. O departamento de marketing da Marvel agiu de forma brilhante aqui, e assim como acontece na trama do filme, despistou completamente os fãs (e leigos) sobre o que de fato é sua trama e de que forma o Mandarim funciona na produção e isso leva a reflexão do ponto de vista cinematográfico. Nesse sentido, o Mandarim é maravilhoso, talvez a grande sacada do estúdio Marvel até aqui. Uma ideia tirada da cartola que o aproxima do mundo real e cria uma discussão curiosa e bastante válida em uma produção com interesses meramente escapistas (não é um demérito tá gente, é só uma constatação, afinal ninguém vai ver um filme do Homem de Ferro esperando uma discussão sobre o universo, não é?). Estou verdadeiramente curioso para ver (e ler) as reações do público em relação a esse personagem. De minha parte, fica o aplauso a ousadia da equipe do filme.

Downey Jr. conhece o personagem como ninguém (usando um lugar comum). Por isso, dizer que ele novamente acerta em cheio como aquele playboy redimido cheio de marra é chover no molhado. Ben Kingsley como o citado Mandarim está no mesmo nível de Downey Jr., divertindo-se com os elementos visuais e com o uso da linguagem por seu personagem. Guy Pearce faz de Aldrich Killian, um Tony Stark sem charme, o que para a historia contada é funcional, enquanto Don Cheadle volta à carga como um Rhodes menos sisudo. Enquanto Gwyneth Paltrow tem mais destaque emocional, sendo a real motivação para quase tudo que Stark faz na trama.


Em termos de ação, a coisa funciona novamente muito bem. Que pese a quantidade inacreditável de armaduras (que a gente sabe servem para vender toneladas de brinquedos) e que de fato só acabam sendo usadas de forma efetiva em uma cena, a antecipada cena de destruição da mansão de Stark é muito boa, assim como (minha favorita) a que envolve um salvamento de uma serie de pessoas em pleno ar. Como em todo filme de quadrinho que se preze, uma gigantesca sequência final aqui também se faz presente e ela é divertida, explosiva e repleta de gadgets (no caso armaduras). Tudo bem construído, fugindo do "piscou-perdeu" embora envolva uma quantidade obscena de personagens e uma montagem frenética. O mesmo vale para a citada sequência do avião, onde o sentido de urgência é evidenciado pela dificuldade em executar o salvamento.

Homem de Ferro 3 é uma aventura divertida e só. Talvez seja na medida do que de fato esse tipo de produção deva ser, mas diante de um primeiro filme impactante e vindo do mega sucesso de Vingadores, era de se esperar que Tony Stark tivesse seu primeiro arco no cinema (se é que se pode dizer assim) melhor arrematado. Diverte, entretém, faz rir, mas está longe do que o personagem e a Marvel mostraram poder fazer com o herói.

sexta-feira, 19 de abril de 2013

A Morte do Demônio


A Morte do Demônio
(Evil Dead, 2013)
Terror - 91 min.

Direção: Fede Alvarez
Roteiro: Fede Alvarez e Rodo Sayagues

com: Jane Levy, Shiloh Fernandez, Lou Taylor Pucci, Jessica Lucas, Elizabeth Blackmore

O primeiro Evil Dead, no longínquo ano de 1981, fez muito sucesso e virou cult imediato, pois conseguia a proeza de em uma história aparentemente sanguinolenta, atrair a atenção de um público muito mais amplo. Qual a mágica? O uso sem pudor do humor negro, que garantia aquela historia absurda uma cara de quadrinhos de terror e gerava simpatia em quem não tinha a menor inclinação a curtir produções recheadas de mutilações ou bruxaria.

A serie como a imensa maioria de vocês sabe (eu acho, pelo menos) ganhou mais duas sequências e fez de Bruce Campbell (seu protagonista) uma figura marcante na cultura pop. Avançamos para a contemporaneidade, nessa releitura dos temas de Evil Dead. Acho que releitura cabe melhor a produção do que remake, já que se mudam os personagens, a desculpa para que um grupo de adolescentes tenha se enfiado em uma cabana no meio do nada e principalmente, o tom da história.

Essa não é uma história que abraça o humor negro, pelo contrário. Evil Dead 2013 é um slasher movie, daqueles bem crus, com nenhum pudor em despedaçar (literalmente) seus protagonistas sem procurar concessões bem humoradas. E isso é um problema sério.



Não que tramas de terror ou gore precisem ter humor, não é esse o ponto, principalmente se levarmos em consideração outras produções do gênero que são bem sucedidas apostando apenas no slasher, sobrenatural e afins. O problema é quando ela se leva a sério demais, ou realmente acha que sua historia é boa e suficiente para levar noventa minutos de filme em frente. Sem querer comparar, apenas como dado para explicar minha observação, no original dos anos 80 o grupo de adolescentes vai para aquela cabana - que ninguém conhece, se minha memória não falha - para se divertirem. Nesse, a seriedade é implícita desde a saída. Em busca de um refugio para tratar da dependência química de Mia, interpretada por Jane Levy, o grupo de amigos - que inclui o irmão da garota - resolve se refugiar na velha cabana da família da menina.

Entenderam? Sai a diversão descabida cheia de excessos, entra a seriedade do século 21, onde tudo precisa ter uma explicação metafísica para ser comprada pela audiência. Sim, garotos numa cabana no meio do nada é um clichê e hoje funciona muito melhor como paródia (Cabin in the Woods que o diga). O que nos levaria a inevitável pergunta do "por que então se fazer um remake". Mas, enfim, essa é uma pergunta de resposta óbvia e que vocês aí do outro lado da tela devem imaginar qual seja. Apesar dessas mudanças fundamentais, o destino daqueles jovens como os do filme original é mantido. Eles também encontram um livro macabro, liberam um demônio e essa entidade passa a persegui-los.

Saindo de uma trama que quer ser séria, a produção tem até um desnecessário prólogo para explicar alguns elementos que os protagonistas vão acabar encontrando escondido na cabana, especialmente o famigerado Livro dos Mortos. O filme se enfia na caverna sem fundo dos clichês do filme ruim de terror, como personagens que demoram a perceber que existe algo realmente errado nas crises de Mia. O fato dela estar sofrendo com a abstinência das drogas é a forma como o pavoroso roteiro de Alvarez e Sayagues tem para justificar a ação dos personagens que não percebem que ela de fato pode estar sofrendo de outra coisa. Morte do Demônio também tem entre seus personagens aquele sujeito que encontra um livro em meio ao caos e imundice - coberto de arames pra deixar ainda mais claro que aquilo não deve ser lido - e simplesmente o lê, além de uma serie de clichês que uma audiência mais esperta já viu tantas vezes que até nem tem mais ânimo para "reclamar com a tela" chamando aqueles personagens de burros e afins. Isso sem citar a óbvia questão de que aquelas pessoas jamais devem ter visto um filme de terror, mas relevemos porque aí isso acabaria virando uma tese.



Os personagens - todos, sem exceção - são bem ruins. Se a garota em recuperação até tenta esboçar alguma coisa já que é quem tem "uma jornada" na historia, esbarra nos excessos e no over-acting. Os demais são realmente pavorosos. O jovem Shiloh Fernandes que serve como protagonista masculino da trama e que vive o irmão da garota, é tão fraco que não deve ter convencido nem mesmo sua mãe. É um daqueles casos em que se pergunta se o diretor de casting foi de fato pago por essa contratação, já que o garoto não consegue acertar em nenhum aspecto. Não tem carisma para levar a trama, não convence como herói acidental e muito menos nas decisivas e fundamentais cenas de emoção. O hippie perdido, Eric (Lou Taylor Pucci) faz o tipo cético e reclamão e de fato é o catalisador da trama por sua arrogância típica dos personagens metidos a inteligentes em filmes de terror. Existe ainda a presença da loira "muda" que é a namorada de Fernandez e da enfermeira "eu sei o que fazer para curar qualquer pessoa" que de saída parece ser a líder da turma, mas que se amedronta e perde a aura de liderança quando a coisa começa a complicar.

Mas o filme tem elementos positivos também. Como filme slasher ele funciona. O diretor Fede Alvarez tem controle sobre a violência mostrada na tela e até consegue criar tensão em diversos momentos, como a que revela o destino de uma das mulheres da trama. Essa sequência é muito bem construída, e me fez criar uma expectativa sobre seu destino cruel e violento. Talvez com uma história menos fajuta o diretor pudesse se sair melhor, pois demonstra com um material fraco que consegue dirigir sequências de ação com qualidade. Também não tem medo de mostrar os resultados da violência e aí vale uma deferência ao espetacular trabalho de próteses e maquiagem do filme. Realmente muito, muito bom e ao lado de bons efeitos visuais fazem a credibilidade das ações violentas do filme parecerem reais, o que é objetivo do filme, sejamos honestos. Nenhum slasher funciona se o público não sentir asco ou sentir-se atingido por aquelas situações na tela, e nisso esse remake de Evil Dead acerta em cheio. Ele realmente consegue fazer vocês sentir-se mal, realizando algumas sequências verdadeiramente grosseiras e "estúpidas".

Os fãs do original vão reconhecer algumas homenagens ao filme de Sam Raimi como a presença da floresta funcionando como torturadora, a natureza conspirando para que os jovens não consigam ir embora, a câmera acelerada que "corre" pela floresta, a prisão da garota possuída num porão entre outros detalhes. Claro que se nos anos 80 isso era abordado de uma forma quase fabulesca e cheia de exageros, aqui é tudo mostrado de forma "séria e adulta". O humor do filme é involuntário, graças aos diálogos primários e evolução da trama que cria um absurdo ato final que só está ali para justificar duas cenas de gore muito boas, já que são tão ridículas que geram risos involuntários, em momentos em que a trama tenta ser dramática e séria.



Essa releitura do cult oitentista é uma versão sem graça e sem a mistura de humor e terror que funcionou duas décadas atrás. Tem acertos por sua construção do gore e dos elementos do slasher movie, mas isso não salva uma trama tão estúpida, personagens ruins e pretensão dramática exagerada.


Logo na campanha de divulgação, o novo Evil Dead apostou em usar os créditos de Sam Raimi como produtor do novo filme. Não é pra menos: a cultuada cinessérie, que rendeu três excelentes filmes, desenvolveu uma legião de fãs aficionados. Com sua estética caseira, dose cavalar de gore, um senso de humor bizarro e a presença de Bruce Campbell, mito máximo do cinema de horror oitentista, Evil Dead já demonstrava o bom olho de Raimi para a construção de uma intrigante atmosfera e uma coerente mitologia, sempre com muita concisão. Não por acaso, os dois primeiros filmes da trilogia Aranha do diretor têm uma identidade tão forte, oscilando com perfeição entre a homenagem e a consciência do espírito do personagem. Ao incluir Raimi nos créditos, haveria uma expectativa mais abrangente por parte dos fãs. 

E, de fato, A Morte do Demônio é um bom reinício pra saga. Ainda que não invista no humor que tanto marcou a série no passado, o filme cria um tenso horror de cabana que se destaca diante do subgênero através de marcas criativas semelhantes às vistas no próprio Evil Dead original. 

Para dirigir o projeto, Raimi honrou suas origens e contratou um novato que tenha gosto pelo gênero. Fede Alvarez, egresso dos comerciais e do curta Ataque de Pânico, hit da internet, elabora diversas técnicas mecânicas para filmar o espetáculo sangrento do projeto, remetendo à própria estratégia utilizada por Raimi no passado, quando esse não tinha orçamento suficiente para ir além da praticidade mambembe. A caricatura continua presente, já que objetos de cena (como o cortador de frango e o galão de gasolina) estão sempre à mão para o objetivo necessário, mas sem tirar a gravidade de certas situações. A falta do humor no filme, portanto, não impede o mesmo de possuir certa irreverência e descompromisso com o verossímil. 


Os benefícios do roteiro, escrito por Alvarez e Rodo Sayagues, residem justamente ao explorar as limitações do gênero. Sem ter muito o que inovar na estrutura trivial do terror-de-cabana, os roteiristas criam previsíveis interações entre os jovens e os alucinados pelo Mal que está por perto. É compreensível, portanto, que o início do filme seja o maior problema dele. Ao desenvolver os personagens da maneira predominantemente desleixada no subgênero, o roteiro empalidece ao focar em seus clichês e demora certo tempo para engrenar seu ritmo. O drama baseado no vício de Mia é simplório e definitivamente não se apresenta como um bom motivo para nos importarmos com a personagem; o protagonista masculino, vivido pelo fraquíssimo Shiloh Fernandez, evoca os jovens idiotas que vivem habitando os filmes de terror (o que representa também sua namorada); o geek, que entende tudo de bruxaria, é o arquétipo do nerd, por mais que desenvolva mais carisma que o próprio Shiloh; a adolescente responsável, que exala uma responsabilidade que some assim que é conveniente. 

No entanto, desde o início há uma certa presença da boa mão de Alvarez e Sayagues. A criação do clima assustador da película é ressaltado pela dessaturada fotografia de Aaron Morton e por decisões acertadas de roteiro, como a de isolar a cabana através da cheia do rio (o que rende um belo take). A própria cena onde o corpo é tomado pelo demônio é cheia de truques eficazes (os galhos se mexendo de maneira rastejante), o que gera desconforto sem muito esforço. E quando se há uma consciência geral do espírito slasher da produção e de sua simplicidade, A Morte do Demônio cresce. Interessado no gore, Alvarez exacerba o desconforto criado pela violência ao dar atenção especial aos detalhes de cada desmembramento sofrido pelos personagens. Desde os fluidos nojentíssimos, que espirram na cara dos personagens volta e meia, até os instantes de aliança da tensão com a tortura (como a excepcional cena que envolve o cortador de frango e um braço), a construção do puro gore de Evil Dead se adequa perfeitamente à proposta, se destacando ainda ao conciliar o banho de sangue com um legítimo horror. 

Indo além, através de cuidadoso trabalho de decupagem, o diretor filma instantes expressivos e que evocam o opressivo clima do original. O travelling acelerado de fora da cabana até a porta causa uma tensão marcante, auxiliado pelo forte design de som (que teve o gênio Ren Klyce como supervisor). A partir da prisão do corpo tomado, o uruguaio usa muito de zooms lentos e planos-detalhe no sótão para ressaltar a expectativa (ou ojeriza) do espectador acerca dos eventos, o que culmina em bons sustos, como o da namorada e do demônio no subsolo. E apesar da pontualmente intrusiva trilha de Roque Baños, Alvarez compõe cenas que dependem apenas do silêncio para se fazer tensas, o que sempre é bem-vindo num gênero que geralmente depende de música alta e súbitos sustos baratos.


Para a mitologia característica da série, o filme funciona ainda mais, já que dá consideráveis dicas de que é um reboot que também serve de continuação. Todo o cuidado visual com o livro maldito é notório e os métodos nele descritos funcionam como elementos de horror, sejam eles bruxarias ou antídotos. A desconfortável mutilação facial, contida no livro, é presente em mais de um momento, o que em conjunto com os citados planos-detalhe de Alvarez, rendem algumas cenas onde os com menos estômago irão desviar o olhar (a do prego entranhado próximo ao olho é minha preferida). E o exorcismo, de três formas diferentes, que funciona igualmente para a atmosfera. 

Demonstrando força como narrador, Fede Alvarez concebe um poderoso terceiro ato, que investe menos nas fracas interações entre os personagens, se focando mais na solidão claustrofóbica do local e em surpresas baseadas nas pistas que plantou ao longo do segundo ato. Empolgante, o clímax ainda apresenta a melhor sacada visual de Alvarez: uma bela chuva de sangue, plástica e dramaticamente excelente, que dura o final inteiro. E as mutilações tomam conta da ação, como um verdadeiro descarregamento de adrenalina. 

Obviamente, é uma obra imperfeita, diferente do curioso e ainda relevante Evil Dead oitentista, mas se fecha com louvor em sua empreitada, sendo uma boa prova que a franquia pode sobreviver sem seu humor peculiar. Ao deixar pontas soltas e eventos em aberto (sem que isso sacrifique a concisão da obra, vale lembrar), o novo filme da série é muito bom tanto para revelar o talento de Fede Alvarez quanto para revitalizar (e apresentar para uma nova geração) a série querida de todo boa fã de gore, slasher, terror-de-cabana e do velho "terrir”. do o humor negro nos próximos.



quinta-feira, 18 de abril de 2013

Ginger & Rosa


Ginger & Rosa
(Ginger & Rosa, 2012)
Drama - 90 min.

Direção: Sally Potter
Roteiro: Sally Potter

com: Elle Fanning, Alice Englert, Alessandro Nivola, Christina Hendricks, Timothy Spall, Oliver Platt, Annette Benning

Os americanos têm um termo que adoram usar para definir dramas adolescentes: "coming of age". Em tradução livre, seria como chegada da idade, mas de fato significa amadurecimento. Ginger & Rosa apesar de não ser americano é exatamente isso, um filme sobre o crescimento e a perda da inocência de uma garota em meio à paranoia da guerra fria.

Ginger (Elle Fanning) é uma garota impressionável que em meio às tensões entre soviéticos e americanos no início dos anos sessenta tenta encontrar seu lugar no mundo, saindo da infância e enfrentando a - sempre difícil - adolescência. Ao seu lado Rosa (Alice Englert) que nasceu - literalmente - ao seu lado, é sua amiga desde sempre. Muito próximas graças à amizade de suas mães, as jovens não poderiam ser mais diferentes. Enquanto Ginger guarda uma inocência e uma ingenuidade típicas da infância, Rosa é mais prática e prefere se preocupar com seus próprios problemas e dramas em vez de "salvar o mundo", embora acompanhem a amiga em ações pacifistas. É legal contextualizar a trama. A produção se passa durante o período em que a guerra fria quase deixou de ser fria (com o perdão da piada infame) e que culminou na famigerada crise dos mísseis em Cuba.

Nesse processo de amadurecimento da garota, dois elementos são fundamentais para a destruição de seus ideais ingênuos de certezas e verdades absolutas. Sua mãe Nat (interpretada pela sempre linda Christina Hendricks) uma pintora que desistiu da vida nas artes quando ficou grávida da garota ainda bem jovem e seu pai Roland (o competente Alessandro Nivola), um professor "intelectualóide" que vomita teorias sobre "liberdade", "contrariar o status quo", apenas como disfarce para sua covardia patológica em assumir qualquer tipo de responsabilidade. De fato o personagem arca com as consequências de seus atos (como a prisão depois de se negar a participar da segunda guerra mundial), e talvez isso tenha criado um ranço ainda mais profundo quanto a qualquer tipo de responsabilidade e autoridade.



E isso é fundamental para entender a trama. Ginger tem uma imagem idealizada de seu pai. Um quase complexo de Electra (não a dos quadrinhos, por favor) e se vê numa posição de substituir sua mãe - tão parecidas inclusive fisicamente - e ficar com o pai só para ela. Isso sem nenhuma conotação sexual, que fique claro.

Por isso, quando Rosa se interpõe nessa relação, a garota entra em choque e começa a perceber que a ideia de perfeição idealizada jamais existiu e que de fato sua mãe não é o monstro que pintou. Trocando em miúdos a garota percebe que - no mundo real e adulto - as coisas não são completamente pretas ou brancas e que o "mundo cinzento" de fato ocupa a imensa maioria das relações humanas.

Ginger e Rosa é dirigido e escrito por Sally Potter e tem como grande problema sua dificuldade em engrenar e personagens coadjuvantes discursivos em excesso. Compreendo que o ambiente semi-boêmio em que a trama se passa gere personagens como os de Timothy Spall e Oliver Platt (seriam um casal gay, isso não ficou claro na trama?) e o da militante de uma Annette Benning bem diferente. Essa "família" proto-revolucionária que abraça a garota é importante para servir de ombro amigo para as perturbações adolescentes de Ginger, mas perdem impacto com o decorrer da trama, graças aos excessos de teorias que levam a lugar nenhum.



Minha impressão é que todo mundo fala, fala, fala e na verdade não está dizendo quase nada. Teorizam demais e não percebem o óbvio. Ginger é uma garota com problemas e que precisa de atenção e carinho, como qualquer humano normal, e muito de seu envolvimento e sua angustia com o fim do mundo tem fundo psicológico. Ela se enxerga como uma garota que "não fez nada e nem tem ninguém" e por isso seu pai é uma figura tão importante.

Essa é a consolidação de Elle Fanning como uma atriz diferenciada (usando um termo da moda). A jovem consegue emocionar com pouco, é absolutamente natural em tudo que faz e consegue ir da alegria a tristeza com igual competência. Se não escolher mal seus projetos, terá um futuro brilhante pela frente. Alice Englert, que esteve em cartaz recentemente em Dezesseis Luas, se não é brilhante como Fanning (que rouba a cena em todas as cenas inclusive quando contracena com atores muito mais experientes que ela) acerta na composição da garota metida à adulta que no fundo tem tantos problemas emocionais quanto aqueles que julga.

Ginger e Rosa é assertivo em seus personagens, mas não funciona tão bem assim por esses excessos de discursos que parecem querer justificar uma posição da época. A produção parece defender que todas as pessoas eram politizadas e engajadas em alguma coisa, e seus comportamentos sempre eram fruto do ambiente externo e características como personalidade ou mesmo caráter eram sumariamente modificados pelas ações do ambiente. É quase uma justificativa para comportamentos estúpidos e o discurso final de Ginger parece justificar essa análise. Mas, no que se propõe é eficiente, e tem grande momento dessa jovem muito talentosa chamada Elle Fanning.


sábado, 13 de abril de 2013

Vocês Ainda Não Viram Nada


Vocês Ainda Não Viram Nada
(Vous N'Avez Encore Rien Vu, 2012)
Drama - 115 min.

Direção: Alain Resnais
Roteiro: Alain Resnais e Laurent Herbiet

com: Mathieu Almaric, Pierre Arditi, Sabine Azéma, Jean-Noel Broute, Anne Consigny, Anny Duperey, Hyppolite Girardot, Gérard Lartigau, Michel Piccoli, Denis Podalydès, Michel Robin, Andrzej Seweryn, Jean-Chrétien Sibertin-Blanc, Michel Vuillermoz, Lambert Wilson

Experimentar no cinema é muito bom. Mesmo quando os resultados finais não atingem o ápice imaginado pelos realizadores, a tentativa sempre merece nosso respeito. Felizmente, Vocês Ainda Não Viram Nada, não fica apenas na categoria de "boas tentativas" e de fato é uma produção muito interessante.

Em seus primeiros minutos, Alan Resnais (o lendário diretor francês responsável por clássicos do cinema como O Ano Passado em Mariembad, Hiroshima Mon Amour, Eu te Amo, Eu Te Amo, Ervas Daninhas entre outros) nos apresenta seus atores, uma seleção de grandes nomes do cinema francês como Mathieu Almaric (de Escafandro e a Borboleta e Turnê), Pierre Arditi (de Medos Privados em Lugares Públicos, Smoking/No Smoking), Sabine Azéma (Amores Parisienses, Um Sonho de Domingo, Smoking/No Smoking), Anne Consigny (Escafandro e a Borboleta, Um Conto de Natal, Inimigo Público Nº 1), Michel Piccoli (Habemus Papam, A Bela da Tarde), Lambert Wilson (Homens e Deuses, Matrix) entre outros. E de fato os introduz não como personagens fictícios, mas por seus nomes de batismo. Por meio de telefonemas estes homens e mulheres são chamados a bela mansão do dramaturgo Anthony D'Anthac, que acabara de falecer e que como seu último desejo, pede para estarem presentes quando da abertura de seu testamento. O testamento na verdade se revela sendo uma avaliação dos presentes para o pedido de um jovem grupo teatral para adaptar a versão do dramaturgo morto para o clássico mito de Orfeu e Eurídice. Por quê? Porque cada um daqueles homens e mulheres presentes foram - em diferentes momentos - interpretes daqueles personagens em montagens do falecido dramaturgo fictício.

E aí é que a mágica acontece: Alain Resnais coloca seus atores interpretando o que se vê na tela já que o grupo teatral gravou uma apresentação para servir de avaliação. Então temos esse grupo de atores maravilhosos interpretando essa versão de Eurídice do dramaturgo Jean Anouilh que Resnais mistura a outra peça do mesmo autor, Cher Antoine e tudo funciona de forma esplendorosa. Enquanto Pierre Arditi e Lambert Wilson são Orfeu, Sabine Azéma e Anny Consigny são Eurídice, Michel Piccoli é o pai de Orfeu, e o magnífico Mathieu Almaric é o misterioso Henry.



Diferente do que possa parecer, o filme não é um teatro filmado mas uma elegante virtuose de Resnais sobre seu profundo controle da mise-en-scene. A mistura da realidade - aqueles homens e mulheres em uma sala vendo uma fita de uma gravação de uma peça - com o onírico, daqueles atores aos poucos assumindo o papel de protagonistas da história é fluída e incorpora elementos externos. Os atores começam essa transposição ou incorporação, sentados em suas confortáveis poltronas de couro e vão - aos poucos - se levantando e quando o público percebe, aquele ambiente se transforma em um café, um quarto de hotel ou mesmo uma estação ferroviária. As luzes se acendem e os personagens caminham em direção a estes cenários que passam a ser a representação de Eurídice que o público está vendo.

Para quem lê o texto e pode estar achando tudo muito "cabeça", "difícil" ou tantos outros adjetivos usados para transformar uma experiência cinematográfica mais exigente em algo simplesmente chato, um recado: o filme é de facílima compreensão sobre aquilo que pretende ser. Uma colagem de grandes atores interpretando esse texto de grande qualidade. E para que escolhermos entre Wilson e Arditi como Orfeu? Por que não termos os dois, se revezando em diferentes trechos da peça? Ou por quê Sabine Azéma seria a preterida diante de Anne Consigny? Vamos colocar as duas como Eurídice e seus muitos conflitos internos.

A trama da peça - uma tragédia basicamente - acompanha um jovem Orfeu que se apaixona perdidamente pela misteriosa Eurídice. Ele, tem problemas com um pai possessivo que o quer ao seu lado todo o tempo, enquanto ela sofre com a "libertinagem" da mãe enquanto guarda seus próprios segredos. Se você conhece a historia de Orfeu minimamente sabe como ela termina, embora aqui a trama não se passe em um ambiente mitológico, existem elementos de realidade fantástica no personagem de Almaric, por exemplo. Mas a magia de fato está na forma como Resnais constrói sua historia, rigidamente fotografada e ao mesmo tempo fluída, integrando o teatro filmado ao cinema de forma muito convincente. Esse tipo de escolha narrativa quando se misturam teatro e cinema ajuda o público a não se cansar do que vê em tela, mesmo com um texto por vezes poético em excesso, que verdadeiramente funciona muito melhor no teatro, quando nossa atenção é toda dada ao palco iluminado e a seus interpretes.



Por mais maravilhoso que seja um filme, diversos elementos que o compõe - seja a iluminação, ângulos de câmera, um figurino entre outras coisas - as vezes nos tiram a atenção completa que um texto mais complexo mereça. Felizmente, apesar de escorregar em alguns momentos (em especial nos quase monólogos das Eurídices na parte final do filme), Resnais tem tal controle sobre o que quer contar que nos vemos intrigados a acompanhar a trama.

Resnais mostra que mesmo aos noventa e um anos, tem vontade de ousar, de apresentar criativas formas de contar uma historia que o público talvez já conheça até de cor. E ao conseguir dar frescor a um mito grego adaptado a contemporaneidade, acerta muito mais do que a maioria das produções ditas "inovadoras" que reciclam ideias batidas com visual ultrapassado.



sexta-feira, 12 de abril de 2013

Chamada de Emergência


Chamada de Emergência
(The Call, 2013)
Thriller - 93 min.

Direção: Brad Anderson
Roteiro: Richard D'Ovidio

com: Halle Berry, Abigail Breslin, Morris Chestnut, Michael Eklund, David Otunga, Michael Imperioli

Não é raro encontrar filmes que se propõe a criar tensão em ambientes ou situações limitado (a)s. Desde os recentes - e ótimos - Enterrado Vivo e 127 Horas até o competente Por Um Fio, o horror gerado pela angústia do protagonista em estar preso a algo acaba por render um desconforto sempre bem-vindo em filmes de suspense. Há também, porém, os diretores que aproveitam das pequenas pretensões, e do baixo orçamento, para realizar thrillers psicológicos com situações que soam mais angustiantes na ideia do que na prática: o péssimo ATM, o mediano Pânico na Neve, o primeiro Jogos Mortais, e diversos outros.

Definitivamente, Chamada de Emergência utiliza das limitações do gênero para maquiar suas evidentes fraturas narrativas e ideológicas, criando uma trama ofensiva que, volta e meia, se esconde atrás de uma estética corretamente aterrorizante.

O diretor Brad Anderson, eficiente responsável pelo intrigante O Operário, não é um charlatão qualquer que aparece em Hollywood de vez em quando. Mesmo suas quedas, como o ridículo O Mistério da Rua 34, tem uma estética um tanto além do padrão. E logo no início, ao registrar o sequestro da menina Leah Templeton, Anderson utiliza de hiper-closes para realçar a sensação de perigo em volta da personagem. Essa mesma lógica, mais à frente, é usada tanto nas situações de perigo (com Abigail Breslin) quanto nas de tensão (com Halle Berry). Além disso, o diretor cria um desconforto claro ao utilizar lentes angulares junto ao rosto das sequestradas, o que emula bem uma atmosfera de terror crescente.




De certa forma, as soluções narrativas funcionam de início; Jordan (vivida por Berry) concede instruções interessantes para Casey contornar o seu problema. A tinta, por exemplo, é um eficiente recurso narrativo. O problema é quando o espectador percebe que as duas protagonistas não estão sendo bem-sucedidas na luta propriamente por serem inteligentes; estão por lutarem contra o sequestrador Michael Foster, que é um completo débil mental.

Não cabe apontar como falha os pormenores (Casey fala alto até demais no porta-malas, até mesmo quando a música está alta); reclamar deles seria subestimar os erros bem mais grotescos presentes no filme. Escrito por Richard D'Ovidio, o roteiro é infeliz ao elaborar situações que dependem estritamente das coincidências para darem certo. Logo no início, fica estabelecido que o rastreamento é essencial para as ligações do 911. Porém, mais a frente, uma amiga de Casey fala com ela que o celular dela não tem rastreamento só para depois, oh!, a personagem se ver em apuros justamente por não ser rastreada. Se a tensão não está alta o suficiente, um noticiário de TV anunciando o sequestro passa exatamente na hora que Michael abastece o carro. E as ligações não param: um incêndio é causado ali pelo vilão, em decorrência do isqueiro, que ganhou quando matou um homem que, claro, por acaso, entrou em seu caminho. E se há uma bem-vinda naturalidade em um homem parar o sequestrador no trânsito para apontar uma falha da lanterna, fica difícil engolir que esse homem SEGUIRIA o vilão após.

Essas irritantes conexões que D'Ovidio faz para criar sua historia seriam até divertidas em um mero exercício de gênero, mas isso se torna inviável quando o tom de Chamada de Emergência é muito mais sério do que deveria ser. Além disso, D'Ovidio escreve certos diálogos de forma bem cafona ("Que tipo de pessoa não sairia com um tira?"), o que suprime a tensão. Ou seja, o que poderia ser um novo B-movie à moda do divertidíssimo Celular, acaba se tornando um suspense involuntariamente cômico.




No desenvolvimento de personagens, o roteirista não se mostra muito melhor. Jordan é traumatizada, como mostra o prólogo, mas nada além disso. Para curá-la, apenas uma situação idêntica a anterior. Casey é apenas uma vítima comum, ao que parece (onde estão seus pais?), já que sabemos pouco sobre a vida dela, e a empatia do espectador com a personagem se dá apenas pela situação de perigo que ela corre. Já Michael, por mais mentalmente instável que seja, é o psicopata mais tolerante em anos no Cinema: não adverte uma, nem duas, nem três, mas QUATRO vezes que, se Casey tentar escapar de novo, ele vai matá-la. Fico feliz de não ter atuado em Chamada de Emergência; eu não conseguiria encarar Michael Eklund sem rir de suas ameaças. O rosto pálido, um tanto desesperado, do ator, é sub-aproveitado de tal maneira que, perto do fim, quando o canadense encara a câmera com rosto inchado e olhos sem vida, o terror planejado pelos realizadores explode em humor involuntário.

De problemático suspense, porém, Chamada de Emergência começa a se afundar em seu terceiro ato. Elevando o inverossímil a níveis risíveis, o clímax do filme constrói uma conclusão que não apenas abusa da crença do espectador como desacredita toda o sentimento de impotência que pairava sobre Jordan. Não apenas isso: em uma leitura mais aprofundada, Chamada de Emergência pode ser classificado como completamente a favor da postura dos Estados Unidos como xerifes do mundo. (Spoilers a seguir) A bandeira americana, de certa forma, é responsável por resolver o caso. Além de ufanista, no contexto da vigilância extrema que o filme aborda (os dados pessoais de diversos personagens são mostrados com naturalidade), essa afirmação pode ser nociva. No final, quando Halle Berry é captada em absoluto contra-plongeé com a bandeira americana se impondo ao fundo, o sentimento de que a invasão a privacidade pós-Ato Patriótico é justa, toma o filme. Mais: a última cena pode até dar um senso de justiça, mas soa puramente pró-tortura, neste contexto.

É uma leitura mais complexo do que o filme merecia, mas ao cair em armadilhas narrativas, Chamada de Emergência se presta a ela. Não apenas narrativamente equivocado, como ideologicamente infeliz.




É evidente que Halle Berry tem usado sua credibilidade bem mal após ganhar o Oscar por A Última Ceia, mas frente às declarações da atriz, que julgou seus X-Men como "puro comércio" e filmes como este The Call como "autorais", fica a dúvida sobre o gosto da americana para filmes. Não quero parecer chato ou pesquisador de mercado, mas suponho que ninguém ficará com Maré Negra, Na Companhia do Medo, Movie 43 e este Chamada de Emergência, na memória por mais de um minuto após a sessão. 


Se Berry quer criar "filmes de arte" como esses que escolhe, é bem melhor ficar sendo a Tempestade pra sempre.


quinta-feira, 11 de abril de 2013

Oblivion


Oblivion
(Oblivion, 2013)
Aventura/Ficção Científca - 126 min.

Direção: Joseph Kosinski
Roteiro: Joseph Kosinski, Karl Gajdusek e Michael Arndt

com: Tom Cruise, Andrea Riseborough, Olga Kurylenko, Morgan Freeman, Nikolaj Coster-Waldau e Melissa Leo.

A expectativa no cinema é trágica. Quando ela é provocada por gente sedenta para divulgar um filme pode ser enganosa, às vezes até vexatória e ridícula. Quando ela surge dos fãs de uma obra muito conhecida, pode se transformar em ódio ou tristeza (ou alegria extrema, sejamos justos). Mas, nada é pior do que ver na tela um filme criar expectativas e ir se desfazendo em erros e clichês na nossa frente.

É o caso de Oblivion, produção ancorada no carisma de Tom Cruise e dirigida por Joseph Kosinski, o mesmo por trás de Tron: O Legado. Os primeiros vinte minutos da produção são espetaculares. Sem exagero. Mesmo com uma narração absurdamente expositiva de Tom Cruise, que conta toda a historia da Terra até aquele momento, Kosinski consegue criar uma escala enorme e muito elegante para ilustrar a imensidão da tarefa do personagem de Jack Harper (Tom Cruise). A grandiosidade da natureza que invade antigas moradas humanas, destruindo pontes, prédios, estádios e tudo mais é uma versão "tunada" daquilo que a serie do Discovery, "Um Mundo sem Ninguém" apresentou ao público como factível.

Inegavelmente, Kosinski sabe filmar. Ele tem ótimas ideias visuais e conceitos para os elementos de ficção cientifica mais óbvios como veículos e gadgets, que apesar de serem futuristas, guardam uma praticidade e uma sensação de "sim, isso poderia existir", garantindo a funcionalidade das coisas e dando credibilidade a toda a construção desse mundo.


A trama é uma variação do tema do futuro apocalíptico. Sessenta anos antes do presente do filme, a Lua foi atacada e depois a Terra foi invadida por alienígenas. Os humanos lutaram e venceram, porém o planeta foi completamente comprometido, sobrando apenas os destroços e um planeta quase que completamente tomado pela radiação. Os sobreviventes humanos, dividem-se entre uma morada em um satélite que fica em órbita do planeta e a vindoura passagem de ida para uma lua de Saturno. A função de Jack Harper/Cruise na trama é a de fiscalizar as gigantescas máquinas que sugam a água dos mares do planeta, transformando-a em água doce para servir de combustível e alimento para a população que se divide entre os dois ambientes habitados pelos humanos. Ao seu lado, Vika/Andrea Riseborough é ao mesmo tempo sua companheira de trabalho e de alcova, servindo como oficial de comunicações e de ligação entre os dois e o satélite.

O drama está no personagem de Cruise, um nostálgico e obcecado pelo passado, que recolhe livros, objetos dos mais genéricos e vive sonhando com uma outra realidade quando - ao lado - de uma mulher desconhecida vivia numa realidade bastante próxima da nossa. Por outro lado Vika é uma mulher segura das regras, seguindo sua rotina, esperando ansiosamente o dia em que seu trabalho na Terra se encerre e que ela possa - ao lado de Jack é claro - finalmente ir para a lua de Saturno.

A historia vira completamente quando um acidente faz uma antiga nave cair na Terra e com ele, um segredo ser revelado. É claro que não vou contar a vocês do que se trata, pois esse é daquele tipo de filme onde a trama te leva a querer saber respostas para uma situação que parece desde a saída estranha. E o problema está justamente aí. Criada uma expectativa pelo filme, especialmente pelas perguntas colocadas em questão e pela forma com que Kosinski conduz com grandiosidade seu filme, esperamos atingir uma resolução digna.


Não é o caso. Não que Oblivion jogue pro alto tudo o que mostra até ali, mas é inegável que a produção é derivativa. Trabalhar com clichês do gênero é complicado. A chance da mistura de elementos conhecidos não funcionar é sempre grande. Aqui, algumas soluções encontradas para a trama são bastante questionáveis, em especial a que explica a origem dos sonhos do protagonista. Por outro lado, é curioso que Kosinski aposte em uma abordagem diferente do esperado, subvertendo a opinião do publico a respeito dos protagonistas, o que funcionaria se a trama desse mais tempo para que os antagonistas de Cruise pudessem ser mais explorados, talvez evitando algumas descrições em diálogos e apostando em soluções cinematográficas (trocando em miúdos: em vez de falar sobre, seria mais impactante mostrar aquilo).

As tais referências vem de todas as eras. Se existe - por exemplo - um deserto radioativo, em algum momento um dos personagens da trama diz a Cruise que lá "ele encontrará mais que a verdade", uma observação que remete ao fabuloso final de Planeta dos Macacos. Além dele, 2001 é grosseiramente referenciado sem nenhum pudor, assim como o recente (e ótimo) Lunar é responsável pela referência mais absurda, e que me parece uma solução - que apesar de funcionar na trama - desnecessária.

É difícil escrever a respeito do filme sem especificar detalhes importantes da trama, mas tento explicar: o roteiro dentro da proposta da produção funciona bem, não existem furos grosseiros ou algo do tipo. Porém a sensação é que as respostas aos questionamentos produzidos não atingem o nível da expectativa gerada pelo próprio Oblivion.


Além disso, a inserção de uma historia de amor na produção - e que é fundamental para o andamento da mesma e desenvolvimento do personagem de Tom Cruise - não tem a força necessária para que consigamos comprar o sacrifício daqueles personagens na trama.

Cruise atua com seu carisma e num ambiente seguro. Cheio de seus tiques e momentos em que sua presença física é exigida está longe de seus grandes momentos interpretativos, mas acerta por compor um personagem que gostamos facilmente, um sujeito bacana e interessado em conhecer, em saber, em descobrir.

Oblivion é menos cheio de surtos estéticos do que Tron: O Legado e mostra que Kosinski é um diretor com bons instintos e olho. Cria aqui uma historia de impacto visual muito grande (ainda mais visto em IMAX), com som monstruoso e uma trilha sonora que acerta em cheio (a cargo de Anthony Gonzales e M83) criando uma atmosfera épica ideal para a grandiosidade da historia contada, mesmo que essa grandiosidade se apresente com tão poucos personagens importantes. A engenhosidade das perguntas e de algumas respostas dadas, perdem impacto quando confrontadas com outras opções que seguramente poderiam ter sido evitadas.


Esse é um ano especialmente fértil para a ficção cientifica no cinema. Esperemos que Oblivion seja apenas um aperitivo para produções mais fortes. Se encararmos como aquele couvert antes do prato principal, até que se sai bem. Porém, vendido como o "novo filme de Tom Cruise", com tanto barulho envolvido e chegando ao público em uma linda bandeja de prata e champagne, Oblivion é apenas mediano.