quinta-feira, 4 de abril de 2013

Uma História de Amor e Fúria


Uma História de Amor e Fúria
(Uma História de Amor e Fúria, 2013)
Drama - 78 min.

Direção: Luiz Bolognesi
Roteiro: Luiz Bolognesi

com as vozes de: Selton Mello, Camila Pitanga, Rodrigo Santoro

(obs: por se tratar de um filme que tem em sua narrativa diversos avanços temporais, essa crítica acaba tendo spoilers).

O Brasil não tem tradição no mundo dos longas metragens animados, sejamos claros. Por uma serie de motivos que vão desde a dificuldade técnica para criá-los (no passado), até a captação de recursos complicada, a concorrência com os produtos que vem de fora, passando até pela falta de interesse de uma serie de realizadores, que talvez enxerguem a animação apenas como mais uma forma de entretenimento para crianças, tudo isso contribui para a quantidade mínima de animações em longa metragem feitas por aqui.

Não é assim que pensa Luiz Bolognesi, que usou a incomensurável tela em branco que é a animação para produzir seu novo filme, uma história séria, cheia de críticas sociais agudas que se traveste de história de amor, conseguindo sucesso na primeira contenda e ficando na média na segunda tentativa.

Tecnicamente, para uma geração acostumada a ver animações em 3D pipocando na tela, o visual da produção pode parecer sem refinamento e de fato sofre com alguns problemas no sincronizar entre as vozes ditas pelos atores/dubladores e o que é visto na tela. Um mal que mesmo em produções bem antigas, a Disney (pra ficar num exemplo bem grandioso e até injusto admito) não sofria. Por outro lado, o visual da ação bebe muito no anime com sequências simples, trechos que parecem saídos de um splash page de quadrinhos, misturado com a fluência e realismo dos cenários que bebem na fonte dos japoneses.



A trama divide-se em quatro contos sobre esse homem que não morre e que foi agraciado com esse dom para combater Anhangá, a encarnação do mal para os tupinambás (segundo o filme, confesso que não sei se isso corresponde à verdade dos fatos). Em sua primeira aparição cerca de cinquenta anos depois do descobrimento do Brasil, Selton Mello dá voz ao índio tupinambá que vive encantado por Janaína (voz de Camila Pitanga) e que tenta a todos os custos evitar uma guerra entre sua tribo - que é auxiliada pelos franceses - contra os tupiniquins e seus aliados, nossos colonizadores lusitanos. Nesse primeiro trecho, Bolognesi faz sua primeira crítica. Colocando uma gigantesca cruz subindo nas praias da Guanabara para ilustrar seu destemor ao falar dos massacres produzidos pelos colonizadores diante dos índios, verdadeiros "donos" da terra. O poder dado ao índio o faz voar, mas apenas quando ele se encontra em real perigo, portanto, vendo sua tribo e sua amada ser morta ele, se transforma em um pássaro e voa para o norte, local da segunda trama.

Em 1800, a trama gira em torno da revolta da Balaiada, transformando o herói indígena em Francisco dos Anjos Ferreira o idealizador do movimento revolucionário que lutava contra o governo central do Império e que acabou devassado pelo exército liderado por Luís Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias. Bolognesi aqui aponta seu fuzil na cara do exército e da exaltação de quem o filme acusa ser, um assassino.

A trama ainda aponta para um momento mais óbvio da história do país, a ditadura militar. Em um período onde vemos infelizmente uma série de pessoas vendo vantagens no tirânico momento de nossa história, Bolognesi fala daqueles mesmos crápulas que a história - felizmente - vem condenando.



E no futuro, o segmento mais criativo, Bolognesi cria um Rio de Janeiro protegido por milícias particulares que transformaram a cidade numa metrópole "segura" mas fascista, onde todos aqueles que contrariam a ordem do poder são chacinados. A batalha é pela água controlada por uma empresa multinacional muito poderosa que me pareceu lembrar a Petrobrás, pelo menos no conceito de empresa nacional. Talvez Bolognesi não esteja criticando a empresa em seu filme, mas use seu nome para representar a empresa fictícia Aquabrás.

Em todos esses segmentos duas coisas são claras: que o amor do herói imortal por Janaína não tem fim, em suas muitas re-encarnações e seu apreço pela ideia de que os heróis do Highlander tupinambá não se transformaram em estátuas, mas viraram rodapés em livros de história.

É uma postura ousada para o cinema comercial nacional, e Bolognesi é inteligente ao apostar na animação para contar sua história. Além de provar o tal espaço em branco para a criação de exércitos indígenas, batalhas entre os balaiados e o exercito, torturas dos militares e uma cidade saída do encontro entre Akira, Matrix e toda a sorte de animações futurísticas, atinge o curioso, o mais jovem na tentativa de transmitir a mensagem de não acreditar apenas na versão oficial. De não crer cegamente no que o seu livro de história conta. Pesquisar, ir além do lugar comum, o que é salutar, não importando aí sua posição política, já que uma sociedade justa e correta é aquela que tem o acesso universal a cultura e conhecimento.



Como disse, o grande destaque técnico do filme vai para a construção dos cenários dos diferentes ambientes em que a historia se passa. Se os personagens e a movimentação dos mesmos não são grande coisa, esses elementos são balanceados com os ambientes ricamente construídos e que trafegam do foto realismo da floresta, da influência barroca nos anos de 1800, na linguagem de quadrinhos nos anos 60 e nos néons azuis e no alto contraste no futuro.

Se as mensagens políticas são bem apresentadas e funcionam bem, o romance não agrada de todo. Talvez pelos personagens não estarem tão desenvolvidos, não consegui acreditar nesse amor profundo do nosso Highlander por Janaína. O romance me parece apenas uma desculpa para manter o protagonista interessado em combater o mal, já que a forma com que ele conhece e desenvolve seus poderes também surge de forma corrida.

Pela ousadia de abordar temas adultos num formato que no Brasil dificilmente recebe essa temática, História de Amor e Fúria merece a atenção. Talvez não atinja seus objetivos como narrativa, já que sua premissa de amor além dos tempos empaca no desenvolvimento dos protagonistas, mas tem ideias sérias e bem apresentadas por baixo da cobertura.


Nenhum comentário:

Postar um comentário