sexta-feira, 19 de abril de 2013

A Morte do Demônio


A Morte do Demônio
(Evil Dead, 2013)
Terror - 91 min.

Direção: Fede Alvarez
Roteiro: Fede Alvarez e Rodo Sayagues

com: Jane Levy, Shiloh Fernandez, Lou Taylor Pucci, Jessica Lucas, Elizabeth Blackmore

O primeiro Evil Dead, no longínquo ano de 1981, fez muito sucesso e virou cult imediato, pois conseguia a proeza de em uma história aparentemente sanguinolenta, atrair a atenção de um público muito mais amplo. Qual a mágica? O uso sem pudor do humor negro, que garantia aquela historia absurda uma cara de quadrinhos de terror e gerava simpatia em quem não tinha a menor inclinação a curtir produções recheadas de mutilações ou bruxaria.

A serie como a imensa maioria de vocês sabe (eu acho, pelo menos) ganhou mais duas sequências e fez de Bruce Campbell (seu protagonista) uma figura marcante na cultura pop. Avançamos para a contemporaneidade, nessa releitura dos temas de Evil Dead. Acho que releitura cabe melhor a produção do que remake, já que se mudam os personagens, a desculpa para que um grupo de adolescentes tenha se enfiado em uma cabana no meio do nada e principalmente, o tom da história.

Essa não é uma história que abraça o humor negro, pelo contrário. Evil Dead 2013 é um slasher movie, daqueles bem crus, com nenhum pudor em despedaçar (literalmente) seus protagonistas sem procurar concessões bem humoradas. E isso é um problema sério.



Não que tramas de terror ou gore precisem ter humor, não é esse o ponto, principalmente se levarmos em consideração outras produções do gênero que são bem sucedidas apostando apenas no slasher, sobrenatural e afins. O problema é quando ela se leva a sério demais, ou realmente acha que sua historia é boa e suficiente para levar noventa minutos de filme em frente. Sem querer comparar, apenas como dado para explicar minha observação, no original dos anos 80 o grupo de adolescentes vai para aquela cabana - que ninguém conhece, se minha memória não falha - para se divertirem. Nesse, a seriedade é implícita desde a saída. Em busca de um refugio para tratar da dependência química de Mia, interpretada por Jane Levy, o grupo de amigos - que inclui o irmão da garota - resolve se refugiar na velha cabana da família da menina.

Entenderam? Sai a diversão descabida cheia de excessos, entra a seriedade do século 21, onde tudo precisa ter uma explicação metafísica para ser comprada pela audiência. Sim, garotos numa cabana no meio do nada é um clichê e hoje funciona muito melhor como paródia (Cabin in the Woods que o diga). O que nos levaria a inevitável pergunta do "por que então se fazer um remake". Mas, enfim, essa é uma pergunta de resposta óbvia e que vocês aí do outro lado da tela devem imaginar qual seja. Apesar dessas mudanças fundamentais, o destino daqueles jovens como os do filme original é mantido. Eles também encontram um livro macabro, liberam um demônio e essa entidade passa a persegui-los.

Saindo de uma trama que quer ser séria, a produção tem até um desnecessário prólogo para explicar alguns elementos que os protagonistas vão acabar encontrando escondido na cabana, especialmente o famigerado Livro dos Mortos. O filme se enfia na caverna sem fundo dos clichês do filme ruim de terror, como personagens que demoram a perceber que existe algo realmente errado nas crises de Mia. O fato dela estar sofrendo com a abstinência das drogas é a forma como o pavoroso roteiro de Alvarez e Sayagues tem para justificar a ação dos personagens que não percebem que ela de fato pode estar sofrendo de outra coisa. Morte do Demônio também tem entre seus personagens aquele sujeito que encontra um livro em meio ao caos e imundice - coberto de arames pra deixar ainda mais claro que aquilo não deve ser lido - e simplesmente o lê, além de uma serie de clichês que uma audiência mais esperta já viu tantas vezes que até nem tem mais ânimo para "reclamar com a tela" chamando aqueles personagens de burros e afins. Isso sem citar a óbvia questão de que aquelas pessoas jamais devem ter visto um filme de terror, mas relevemos porque aí isso acabaria virando uma tese.



Os personagens - todos, sem exceção - são bem ruins. Se a garota em recuperação até tenta esboçar alguma coisa já que é quem tem "uma jornada" na historia, esbarra nos excessos e no over-acting. Os demais são realmente pavorosos. O jovem Shiloh Fernandes que serve como protagonista masculino da trama e que vive o irmão da garota, é tão fraco que não deve ter convencido nem mesmo sua mãe. É um daqueles casos em que se pergunta se o diretor de casting foi de fato pago por essa contratação, já que o garoto não consegue acertar em nenhum aspecto. Não tem carisma para levar a trama, não convence como herói acidental e muito menos nas decisivas e fundamentais cenas de emoção. O hippie perdido, Eric (Lou Taylor Pucci) faz o tipo cético e reclamão e de fato é o catalisador da trama por sua arrogância típica dos personagens metidos a inteligentes em filmes de terror. Existe ainda a presença da loira "muda" que é a namorada de Fernandez e da enfermeira "eu sei o que fazer para curar qualquer pessoa" que de saída parece ser a líder da turma, mas que se amedronta e perde a aura de liderança quando a coisa começa a complicar.

Mas o filme tem elementos positivos também. Como filme slasher ele funciona. O diretor Fede Alvarez tem controle sobre a violência mostrada na tela e até consegue criar tensão em diversos momentos, como a que revela o destino de uma das mulheres da trama. Essa sequência é muito bem construída, e me fez criar uma expectativa sobre seu destino cruel e violento. Talvez com uma história menos fajuta o diretor pudesse se sair melhor, pois demonstra com um material fraco que consegue dirigir sequências de ação com qualidade. Também não tem medo de mostrar os resultados da violência e aí vale uma deferência ao espetacular trabalho de próteses e maquiagem do filme. Realmente muito, muito bom e ao lado de bons efeitos visuais fazem a credibilidade das ações violentas do filme parecerem reais, o que é objetivo do filme, sejamos honestos. Nenhum slasher funciona se o público não sentir asco ou sentir-se atingido por aquelas situações na tela, e nisso esse remake de Evil Dead acerta em cheio. Ele realmente consegue fazer vocês sentir-se mal, realizando algumas sequências verdadeiramente grosseiras e "estúpidas".

Os fãs do original vão reconhecer algumas homenagens ao filme de Sam Raimi como a presença da floresta funcionando como torturadora, a natureza conspirando para que os jovens não consigam ir embora, a câmera acelerada que "corre" pela floresta, a prisão da garota possuída num porão entre outros detalhes. Claro que se nos anos 80 isso era abordado de uma forma quase fabulesca e cheia de exageros, aqui é tudo mostrado de forma "séria e adulta". O humor do filme é involuntário, graças aos diálogos primários e evolução da trama que cria um absurdo ato final que só está ali para justificar duas cenas de gore muito boas, já que são tão ridículas que geram risos involuntários, em momentos em que a trama tenta ser dramática e séria.



Essa releitura do cult oitentista é uma versão sem graça e sem a mistura de humor e terror que funcionou duas décadas atrás. Tem acertos por sua construção do gore e dos elementos do slasher movie, mas isso não salva uma trama tão estúpida, personagens ruins e pretensão dramática exagerada.


Logo na campanha de divulgação, o novo Evil Dead apostou em usar os créditos de Sam Raimi como produtor do novo filme. Não é pra menos: a cultuada cinessérie, que rendeu três excelentes filmes, desenvolveu uma legião de fãs aficionados. Com sua estética caseira, dose cavalar de gore, um senso de humor bizarro e a presença de Bruce Campbell, mito máximo do cinema de horror oitentista, Evil Dead já demonstrava o bom olho de Raimi para a construção de uma intrigante atmosfera e uma coerente mitologia, sempre com muita concisão. Não por acaso, os dois primeiros filmes da trilogia Aranha do diretor têm uma identidade tão forte, oscilando com perfeição entre a homenagem e a consciência do espírito do personagem. Ao incluir Raimi nos créditos, haveria uma expectativa mais abrangente por parte dos fãs. 

E, de fato, A Morte do Demônio é um bom reinício pra saga. Ainda que não invista no humor que tanto marcou a série no passado, o filme cria um tenso horror de cabana que se destaca diante do subgênero através de marcas criativas semelhantes às vistas no próprio Evil Dead original. 

Para dirigir o projeto, Raimi honrou suas origens e contratou um novato que tenha gosto pelo gênero. Fede Alvarez, egresso dos comerciais e do curta Ataque de Pânico, hit da internet, elabora diversas técnicas mecânicas para filmar o espetáculo sangrento do projeto, remetendo à própria estratégia utilizada por Raimi no passado, quando esse não tinha orçamento suficiente para ir além da praticidade mambembe. A caricatura continua presente, já que objetos de cena (como o cortador de frango e o galão de gasolina) estão sempre à mão para o objetivo necessário, mas sem tirar a gravidade de certas situações. A falta do humor no filme, portanto, não impede o mesmo de possuir certa irreverência e descompromisso com o verossímil. 


Os benefícios do roteiro, escrito por Alvarez e Rodo Sayagues, residem justamente ao explorar as limitações do gênero. Sem ter muito o que inovar na estrutura trivial do terror-de-cabana, os roteiristas criam previsíveis interações entre os jovens e os alucinados pelo Mal que está por perto. É compreensível, portanto, que o início do filme seja o maior problema dele. Ao desenvolver os personagens da maneira predominantemente desleixada no subgênero, o roteiro empalidece ao focar em seus clichês e demora certo tempo para engrenar seu ritmo. O drama baseado no vício de Mia é simplório e definitivamente não se apresenta como um bom motivo para nos importarmos com a personagem; o protagonista masculino, vivido pelo fraquíssimo Shiloh Fernandez, evoca os jovens idiotas que vivem habitando os filmes de terror (o que representa também sua namorada); o geek, que entende tudo de bruxaria, é o arquétipo do nerd, por mais que desenvolva mais carisma que o próprio Shiloh; a adolescente responsável, que exala uma responsabilidade que some assim que é conveniente. 

No entanto, desde o início há uma certa presença da boa mão de Alvarez e Sayagues. A criação do clima assustador da película é ressaltado pela dessaturada fotografia de Aaron Morton e por decisões acertadas de roteiro, como a de isolar a cabana através da cheia do rio (o que rende um belo take). A própria cena onde o corpo é tomado pelo demônio é cheia de truques eficazes (os galhos se mexendo de maneira rastejante), o que gera desconforto sem muito esforço. E quando se há uma consciência geral do espírito slasher da produção e de sua simplicidade, A Morte do Demônio cresce. Interessado no gore, Alvarez exacerba o desconforto criado pela violência ao dar atenção especial aos detalhes de cada desmembramento sofrido pelos personagens. Desde os fluidos nojentíssimos, que espirram na cara dos personagens volta e meia, até os instantes de aliança da tensão com a tortura (como a excepcional cena que envolve o cortador de frango e um braço), a construção do puro gore de Evil Dead se adequa perfeitamente à proposta, se destacando ainda ao conciliar o banho de sangue com um legítimo horror. 

Indo além, através de cuidadoso trabalho de decupagem, o diretor filma instantes expressivos e que evocam o opressivo clima do original. O travelling acelerado de fora da cabana até a porta causa uma tensão marcante, auxiliado pelo forte design de som (que teve o gênio Ren Klyce como supervisor). A partir da prisão do corpo tomado, o uruguaio usa muito de zooms lentos e planos-detalhe no sótão para ressaltar a expectativa (ou ojeriza) do espectador acerca dos eventos, o que culmina em bons sustos, como o da namorada e do demônio no subsolo. E apesar da pontualmente intrusiva trilha de Roque Baños, Alvarez compõe cenas que dependem apenas do silêncio para se fazer tensas, o que sempre é bem-vindo num gênero que geralmente depende de música alta e súbitos sustos baratos.


Para a mitologia característica da série, o filme funciona ainda mais, já que dá consideráveis dicas de que é um reboot que também serve de continuação. Todo o cuidado visual com o livro maldito é notório e os métodos nele descritos funcionam como elementos de horror, sejam eles bruxarias ou antídotos. A desconfortável mutilação facial, contida no livro, é presente em mais de um momento, o que em conjunto com os citados planos-detalhe de Alvarez, rendem algumas cenas onde os com menos estômago irão desviar o olhar (a do prego entranhado próximo ao olho é minha preferida). E o exorcismo, de três formas diferentes, que funciona igualmente para a atmosfera. 

Demonstrando força como narrador, Fede Alvarez concebe um poderoso terceiro ato, que investe menos nas fracas interações entre os personagens, se focando mais na solidão claustrofóbica do local e em surpresas baseadas nas pistas que plantou ao longo do segundo ato. Empolgante, o clímax ainda apresenta a melhor sacada visual de Alvarez: uma bela chuva de sangue, plástica e dramaticamente excelente, que dura o final inteiro. E as mutilações tomam conta da ação, como um verdadeiro descarregamento de adrenalina. 

Obviamente, é uma obra imperfeita, diferente do curioso e ainda relevante Evil Dead oitentista, mas se fecha com louvor em sua empreitada, sendo uma boa prova que a franquia pode sobreviver sem seu humor peculiar. Ao deixar pontas soltas e eventos em aberto (sem que isso sacrifique a concisão da obra, vale lembrar), o novo filme da série é muito bom tanto para revelar o talento de Fede Alvarez quanto para revitalizar (e apresentar para uma nova geração) a série querida de todo boa fã de gore, slasher, terror-de-cabana e do velho "terrir”. do o humor negro nos próximos.



Nenhum comentário:

Postar um comentário