sexta-feira, 28 de junho de 2013

Guerra Mundial Z

Guerra Mundial Z
(World War Z, 2013)
Ação/Aventura - 116 min.

Direção: Marc Forster
Roteiro: Matthew Michael Carnahan, Drew Goddard, Damon Lindelof e J. Michael Straczynski.

com: Brad Pitt, Mireille Enos, Daniella Kertesz, Fana Mokoena

Zumbis estão na moda há algum tempo. Não sei precisar quando esse boom de fato começou, mas não dá pra não citar "Extermínio" ou a serie de quadrinhos (e posteriormente serie de TV) "Walking Dead" como estopins dessa "revolução". Esse retorno ao imaginário popular dos zumbis comedores de cérebro ajudou muita gente, dos mais famosos e lendários (como George Romero que voltou a lançar filmes), aos jovens escritores que tentavam lançar seus títulos (ou que simplesmente se aproveitaram da moda para escrever a respeito) e que agora conseguiram um apoio de editoras. É o caso de Max Brooks, que com seu Guerra Mundial Z, trouxe um ar diferente ao já desgastado "mundo" dos zumbis. No livro - que não li, portanto não esperem comparações com o material fonte - o autor narra em forma de relatos, diversos pontos de vista de uma guerra de proporções mundiais envolvendo a população e os zumbis. No filme, isso serve apenas como ponto de partida para uma historia mais vertical e simples.

Na produção dirigida por Marc Foster, o foco recai sobre a família Lane, formada por Gerry (Brad Pitt), Karin (Mireille Enos) e suas duas filhas Constance e Rachel. Ele, é um investigador da ONU aposentado, que quando estava na ativa sempre era enviado para os locais mais ermos em busca de respostas para os problemas enfrentados pela organização. Como em grande parte dos filmes sobre zumbis, não se explica exatamente como a praga começou e logo nos primeiros minutos já acompanhamos a família de Gerry, fugindo desesperadamente em busca de abrigo. Ao mesmo tempo, o ex-ONU mexe seus pauzinhos pra entender o que está acontecendo, e consegue uma carona num dos últimos helicópteros que estão partindo. Uma vez salvo (e isso não é spoiler, já que é mostrado no trailer) descobre que a boa ação da ONU tinha como objetivo usá-lo como chefe da investigação a procura de uma cura para a infestação zumbi.

A partir dai a historia adquire um tom que lembra o jogo e desenho animado Carmem Sandiego, com o investigador da ONU cruzando o mundo atrás de respostas para a praga (e uma possível cura), passando por diversos lugares do mundo, sempre enfrentando ameaças em sequências de ação muito bem orquestradas, conduzidas e centradas como capítulos de um livro, ou episódios de uma série. Tais sequências poderiam funcionar por si só e por isso, o ritmo da produção, com vários pequenos clímax é sempre mantido.



Existe pouco a se destacar entre os atores. Pitt sabe que seu personagem é o herói da vez, e não se esforça sem necessidade. Mantém a carga emocional com os espectadores a partir das conversas por telefone com sua mulher, que já havia sido estabelecida no primeiro ato quando se mostra (obviamente) ligado a suas filhas. Já os demais personagens tem funções especificas e como a trama viaja o mundo apenas o seu amigo da ONU (vivido pelo ator Fana Mokoena) e sua família ganham uma ligeira profundidade. Mesmo a soldado israelense que se torna fundamental na parte final da trama, é basicamente um rascunho de personagem.

Os destaques vão mesmo para as ótimas sequências de ação, especialmente a que se passa em um aeroporto da Coréia do Sul, que usa de uma característica dada aos monstros para criar tensão, usando da surpresa como fundamento na construção da ação. A ótima sequência em Israel, que é á única a mostrar de fato a "polêmica" movimentação de enxame dos zumbis é outra que merece destaque, já que é construída para causar no público aquele frisson típico de "eles estão fazendo uma bobagem enorme", já que o público já foi informado das características dos zumbis e aqueles que de forma não intencional os provocam, não sabem.

Em todo filme de zumbi, se espera aquele banho de sangue e gente sendo comida a cada cinco minutos. Não é o caso de Guerra Mundial, que pode até ser caracterizado como filme de zumbi para "toda a família", já que existe uma clara preocupação da produção em maquiar os efeitos mais violentos de uma infestação zumbi. Então apesar do filme apresentar mutilações, cortes, tiroteios e tudo mais, quase nada acaba sendo visto pelo público, que percebe essas ações por meio do som, que é peça fundamental na trama inteira.



Sem entrar em maiores detalhes da trama, existe um sentimento de início de franquia bastante claro diante da magnitude do que somos envolvidos. Na tentativa de globalizar os acontecimentos ao máximo (como já expus acima, criando um jogo de gato e rato entre o investigador da ONU e a praga zumbi) fica impossível crer que tudo magicamente se resolverá, e por isso a ideia de "solução" proposta me parece bastante eficiente. Se não é originalíssima - mas afinal, o que de fato é - pelo menos ganha tempo para não tenhamos um final de conto de fadas, mesmo com nossa "ligação emocional" com aqueles personagens sendo bem resolvida. Isso abre espaço para que a história possa continuar com outros protagonistas, já que em uma tragédia de escala global quantas historias sobre o assunto não podem ser contadas; o que também vai de encontro ao espírito do livro, que ao que me parece (leitores por favor manifestem-se) serviu apenas de ponto de partida.

Guerra Mundial Z é um bom filme pipoca. Entretém e mantém o espectador preso à cadeira pelo tempo de sua projeção, cria um vinculo (mesmo que frouxo) com seus protagonistas e garante-se de forma elegante como eventual franquia, sem apelar para pontas soltas forçadas. Num evento cataclísmico como o mostrado no filme, é importante manter-se crível, mostrando que essa crise não seria magicamente solucionada. Zumbis light encontrando Carmem Sandiego e ótimas sequências de ação. E é claro, um astro encabeçando tudo isso.

quinta-feira, 27 de junho de 2013

Amantes Passageiros

Amantes Passageiros
(Los Amantes Passajeros, 2013)
Comédia - 90 min.

Direção: Pedro Almodóvar
Roteiro: Pedro Almodóvar

com: Antonio de la Torre, Hugo Silva, Miguel Angél Silvestre, Javier Cámara, Carlos Areces, Raúl Arévalo, Guillermo Toledo, José Luís Torrijo, Lola Dueñas, Cecila Roth, Paz Vega

Marcando o retorno de Pedro Almodóvar as comédias rasgadas que beiram o non-sense, Amantes Passageiros não chega a rivalizar com as obras mais antigas do diretor (como Mulheres a Beira de um Ataque de Nervos, Kika, De Saltos Altos, Ata-me, A Lei do Desejo), mas é uma indicação de que Almodóvar talvez esteja voltando aos temas e ao clima dessas primeiras produções. Um mundo mais ácido e irônico, onde suas críticas a "moral do povo espanhol" eram diluídas pela comédia de diálogos espertos e ágeis.

Amantes Passageiros coloca uma fauna de personagens excêntricos presos dentro de um avião com problemas para pousar. Na primeira sequência do filme, acompanhamos um imprevisto que envolve o responsável por manter as rodas do avião "calçadas" (participação especial de Antonio Banderas) e a responsável por levar as malas para a mesma aeronave (Penelope Cruz). Por causa dessa confusão, o avião parte com o trem de pouso avariado. Para conter o eventual desespero dos passageiros, toda a classe econômica é sedada pela tripulação, restando acordados apenas os pilotos, os comissários de bordo e alguns poucos passageiros da primeira classe. Obviamente, essa também é uma estratégia para diminuir o numero de personagens, deixando-os numa quantidade viável para que conheçamos cada um deles (pelo menos superficialmente).

A partir desse evento - avião com problemas que pode cair e todos morrerem - Almodóvar cria mais uma comédia onde o amor (em todas as suas tendências) é explorado. Desde o capitão casado que tem um caso com um dos comissários, passando pela vidente virgem sedenta pelo passageiro digamos "bem servido", um empresário corrupto com sérios problemas com a filha, o co-piloto que talvez esconda sua bissexualidade, o comissário gay e carola, o outro comissário solitário, o sujeito que tem um relacionamento complicado com uma mulher destrutiva, um misterioso homem, a mulher que esconde segredos de vários poderosos e o casal de recém-casados completamente apaixonados.



Essa fauna de personagens tipicamente "almodovarianos", garante a diversão do publico com ótimos diálogos que abordam a sexualidade, política, amor e sexo, sempre de forma leve e que não cansam o espectador. Almodóvar acerta ao não focar-se em apenas um personagem, e apesar de algumas historias serem mais interessantes que outras, nenhuma delas é ruim. O relacionamento entre o empresário e sua filha e o do homem e sua mulher complicada (que garante o único momento fora do avião após a introdução com os famosos amigos do diretor) são os mais complexos e interessantes, enquanto os demais variam entre a comédia non-sense (como a da vidente virgem e seu interesse no "belo adormecido" na classe econômica) e a comédia de situação.

Entre os atores, é impossível não destacar o trio impagável formado por Javier Cámara, Carlos Areces e Raúl Arévalo, os três comissários quase alcoólatras e gays que tem os momentos mais divertidos do filme, com direito até mesmo a uma apresentação de dança ao som de "I'm so Excited", que apesar de deslocada na história é divertida.

Porém, apesar de divertida, o filme não vai muito além e não parece que Almodóvar queira algo mais do que apenas diversão. Parece que se cansou de tantos filmes com algo muito mais complexo a ser dito, ou de experimentar gêneros. Amantes Passageiros é Almodóvar se divertindo com a situação. Fazendo uma historia leve para resgatar algumas das ideias que eram parte integrante de sua filmografia no início de sua carreira. Apesar de não ser nada demais, é sempre bacana ver um diretor competente e que assina cada um de seus filmes de forma muito clara, produzindo coisa nova.

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Universidade Monstros

Universidade Monstros
(Monsters University, 2013)
Aventura/Comédia - 110 min.

Direção: Dan Scanlon
Roteiro: Robert L. Baird, Daniel Gerson e Dan Scanlon

com as vozes de: Billy Crystal, John Goodman, Helen Mirren, Steve Buscemi

A Pixar vem de dois fracassos. Ok, posso estar sendo exagerado, mas Valente e principalmente Carros 2, tiveram uma recepção muito ruim mundo afora. Valente não se acertou entre ser uma historia de inspiração e um "mommy issue", apesar de absurdamente bem realizado. E Carros 2, o que dizer? Nem parece uma produção Pixar, com um enredo bem fraco, desenvolvido de maneira equivocada e que apostou naquele coadjuvante divertido - e que tinha um apelo monstruoso com as crianças pequenas - como protagonista.

Assim como Carros 2 e Toy Story 2 e 3, Universidade Monstros retoma uma produção da Pixar. Porém, diferente de todas essas, a historia nos trás para o passado dos protagonistas, nos mostrando como eram Mike Wazowski e James P. Sullivan antes de se tornarem as estrelas da Monstros S.A. (que no susto e no grito fazem bonito), no divertidíssimo e ótimo filme de 2001. Começando com uma pequena introdução que apresenta um (muito) pequeno Mike se encantando com o ofício de Assustador, Universidade Monstros é uma overdose de novas criaturas que povoam o campus da instituição de ensino dos monstros. E mesmo com esse mundo novo, quase todos ganham contornos de personalidade definidos e características físicas únicas, o que é muito bem exemplificado pelas diferentes fraternidades mostradas no filme. 

Vale lembrar também que Universidade Monstros marca o retorno da Pixar as observações adultas e inteligentes em suas produções, que ao lado de tramas engenhosas e personagens cativantes sempre foram à marca registradas do estúdio. Isso faz do filme um retorno bastante saudável ao caminho do sucesso. Ainda não estamos no mesmo nível de excelência de Ratatouille, Wall-E e Toy Story 3, mas deixamos para trás os fracassos dos últimos trabalhos.



A trama é bastante simples (até simplória em alguns momentos) e mistura Vingança dos Nerds com comédia de situação, lembrando muito trabalhos oitentistas, o que é um tremendo acerto, já que foge das lições de moral óbvias e lugares comuns. Mas elas estão ali, embaixo de diversão e boas piadas. Se em Monstros S.A., não havia uma lição propriamente dita, aqui ela existe e é bastante clichê, o que enfraquece o material. É no fundo, mais uma historia sobre se esforçar para conseguir o que quer, enfrentar as dificuldades e prevalecer.

A interação entre Mike e Sully continua funcionando muito bem. Partindo da ideia de dois sujeitos que não se acertam e que aos poucos descobrem a amizade, o filme porém apenas resvala no potencial da dupla, tendo apenas (e somente no último ato, que lembra bastante à perseguição de ET) um único momento terno e que acerta em cheio. Vale lembrar que o ato final é interessante por não se furtar a fazer comentários sobre "finais felizes". Sem me estender demais sobre a trama, basta dizer que as coisas não terminam como em contos de fada para nossos heróis que precisam aprender o valor do "trabalho duro", no melhor estilo american way of life.

O grande destaque entre os novos personagens é a diretora da Universidade (Hardscrabble), uma dragoa de visual austero que comanda com descrença a instituição. Fazendo-se de durona, não consegue crer que alguém irá conseguir atingir seu patamar (representado pelo cilindro amarelo colocado em uma sala de aula, que contém seu recorde para o maior grito conseguido por um monstro). Outro que retorna é Randall (o monstro vilão do filme original) mas de forma muito diferente. Além da fraternidade que Mike se associa no decorrer da trama, que - pra manter o estereotipo Vingança dos Nerds - é formado por monstros rejeitados, incluindo ai um sujeito com duas cabeças, uma garotinho mimado pela mãe, um quarentão que esta de volta a faculdade e uma criatura estranha (me lembrou um Muppet) que é dona das tiradas non-sense da trama.



Universidade Monstro não é ruim como os dois últimos filmes da Pixar, mas ainda está longe da excelência dos maiores trabalhos do estúdio. Isso é ruim? Não. Já que o filme não envergonha seus irmãos e o filme de 2001, mas está longe de entrar para o hall dos melhores filmes da produtora.

quarta-feira, 19 de junho de 2013

O Lugar Onde Tudo Termina

O Lugar Onde Tudo Termina
(The Place Beyond the Pines, 2013)
Drama - 140 min.

Direção: Derek Cianfrance
Roteiro: Derek Cianfrance, Ben Coccio e Darius Marder

com: Ryan Gosling, Bradley Cooper, Eva Mendes, Dane DeHaan, Ray Liotta, Ben Mendelsohn, Rose Byrne.

(Devido à natureza da historia, alguns pequenos spoilers se fazem necessários. Nada que prejudique as surpresas do filme).

"O Lugar onde Tudo Termina", tradução ruim para Place Beyond the Pines, novo trabalho do já interessante realizador Derek Cianfrance (Blue Valentine, outro filme com tradução nacional bisonha: Namorados para Sempre) é daqueles filmes surpreendentes por não ter pudor em transformar-se em melodrama. Narra uma epopéia de cidade pequena que envolve um motociclista que trabalha no globo da morte em um circo itinerante e que descobre que em uma das passagens por um das muitas cidades visitadas por seu emprego, deixou uma "semente plantada" em uma bela jovem local. Ousando ao não deixar clara a passagem de tempo nos primeiros dois terços do filme (que não por acaso são os mais interessantes), Luke/Ryan Gosling em mais uma "interpretação" praticamente muda, o que vem limitando o ator desde Drive, é o motociclista que em sua primeira aparição é visto em sua rotina pré-apresentação culminando em um belo plano sequência que o acompanha de seu trailer ao inicio de seu show.

Ao final deste segmento é visitado pela bela jovem citada, (Romina/Eva Mendes) que parece apreensiva, mais que não entrega noticias ao homem que ela sabe não ter uma vida fixa e muito menos a possibilidade de criar um filho. Essa curta sequência inicial nos dá as bases daquele relacionamento estranho e da psicologia de Luke, um sujeito sem nada a oferecer e sem nenhuma pretensão na vida. O filme salta no tempo e vemos o jovem motociclista indo visitar sua eventual amante e descobrindo que tem um filho. A partir dai sua vida precisa forçosamente mudar. Vendo-se como aquele bebe num passado não tão distante, ele não quer que a criança cresça sem um pai presente e portanto decide ajeitar-se na vida. Larga a existência nômade e arruma um emprego numa oficina empobrecida e sem muitos clientes. Em uma conversa aparentemente banal descobre que pode conseguir dinheiro - olha só que descoberta - assaltando bancos e é aí que sua vida se entrelaça de forma brutal com a de Avery/Bradley Cooper, um policial que acaba perseguindo-o.

Cianfrance é ousado ao quebrar a expectativa dos espectadores de forma "Hitchcokiana" e subverter o protagonismo do filme, que ganha aí sim ares de melodrama mais óbvio. Tira um pouco o brilho do drama com ares de tragédia - já que ela chega de forma antecipada - mas ganha em profundidade na sua discussão sobre a natureza do local onde tudo aquilo se passa. Em vez de O Lugar onde Tudo Termina, um bom título nacional - e que faz sentido diante da morosidade local - seria O Lugar onde Tudo Para, já que a cidadezinha é uma das muitas cidades empobrecidas onde se passam dez, quinze, trinta anos e nada parece de fato mudar.



Outra coisa positiva da produção é que Cianfrance não opta pela santificação de seus personagens. Se Luke é claramente um anti-herói que simpatizamos (afinal seus roubos são motivados pela tentativa de dar um futuro para o filho), Avery não é um "herói", mas um sujeito que usa o sistema para conseguir o que quer, mesmo que precise delatar e usar de seu "pistolão" para atingir seus objetivos. O grande problema do filme é o salto de tempo que Cianfrance dá entre o fim do segundo ato e o inicio do terceiro. A ideia das dificuldades que são enfrentadas pelo personagem de Cooper são manjadíssimas e por mais que revelem a falta de heroísmo de seu personagem esbarram nas obviedades do digamos, "gênero". Bradley Cooper está contido e seguro, mas esbarra na dificuldade de desenvolver seu personagem para além do estereotipo. Mesmo evitando o heroísmo do personagem ele se mantém preso às obviedades e portanto seu desespero não parece genuíno.

Com três atos divididos rigidamente (um deles com fade e letreiro de passagem de tempo), o filme ganha em impacto, já que tem de fato três protagonistas, mas perde uma grande chance ao apostar na obviedade das ligações entre os personagens. A entrada de Dane DeHaan, jovem ator de Poder sem Limites e que estará no novo filme do Homem-Aranha é um acréscimo já que o garoto é bom ator, mas seu personagem é daqueles que parece ter sido criado para justificar os "pecados do passado", já que não existe a não ser para cumprir a função de julgamento moral das consequências e dos acontecimentos do segundo ato.

Cianfrance não tem medo de abraçar o melodrama e o faz com algum sucesso. Que pese sua dificuldade de fugir de certos clichês e de querer entrelaçar tudo como uma grande tragédia familiar, o filme é superior à média do que vem sendo produzido nos Estados Unidos.

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Antes da Meia-Noite

Antes da Meia-Noite
(Before Midnight, 2013)
Drama - 109 min.

Direção: Richard Linklater
Roteiro: Richard Linklater, Julie Delpy e Ethan Hawke

com: Ethan Hawke, Julie Delpy

Não faço parte do clã de fanáticos pelos filmes do diretor Richard Linklater, que junto a esse Antes da Meia-Noite formam um trilogia sobre o amor, a vida e os encontros de Jesse e Celine, dois jovens que reapresentam muito bem, as várias fases de um relacionamento amoroso. Como todo casal de apaixonados, enfrentam as dificuldades de manter-se juntos e durante os três filmes sofreram com a distância e nós - espectadores - sofremos com a espera para saber se aqueles dois simpáticos idealistas de Antes do Amanhecer chegariam - como ficou subentendido no final de Antes do Pôr-do-Sol (desculpe pelo spoiler) - ao final (será?) de suas jornadas juntos.

Ancorado em quatro enormes cenas, Antes da Meia-Noite é uma maravilhosa jornada por uma relação humana. Não existe espaço para o melodrama, para o final óbvio, para conversas saídas de sonhos coloridos ou de filmes eróticos de segunda. O grande trunfo - e que faz o filme ser um dos grandes lançamentos de 2013 até aqui - é sua ousadia em ser verdadeiro. Honesto e direto, mas sem ser raso ou mesmo redundante aposta na naturalidade com que Ethan Hawke e Julie Delpy navegam pela doçura ou amargor das palavras. Não é a toa que os dois ao lado do diretor Linklater assinam o roteiro do filme.

Não existe nada próximo de uma história como em geral os filmes são realizados. Existe, no entanto uma jornada e um ponto de partida de um plot, que envolve o filho de Jesse, que está voltando para a casa de sua mãe depois de passar suas ferias de verão com o pai na Grécia. Linklater não é nada "sensível" ao logo de cara apresentar o destino do casal depois da famigerada cena de despedida no aeroporto em Antes do Pôr-do-Sol. Esse naturalismo em logo revelar o que aconteceu aos dois é saudável já que engrena na primeira das ótimas cenas e revela o tal ponto de partida que gera a enorme e deliciosa discussão sobre a natureza do amor, companheirismo, manter um relacionamento feliz, a finitude das relações humanas entre outros pequenos momentos de humor ácido, leveza crônica e romance na medida.


Pode parecer enfadonho, mas - e me permitam uma dose de acidez - se o sujeito consegue acompanhar uma dezena de sujeitos absolutamente sem graça conversando sobre seus feitos medíocres em reality shows da vida, porque não se encantaria em acompanhar duas pessoas complexas e verdadeiras falando sobre suas vidas e que falam sobre aquilo que qualquer um de nós que já teve qualquer tipo de relacionamento amoroso já passou em sua vida. Jesse, o escritor bem sucedido, parece confuso em relação a seu filho. Sente-se culpado pelo que causou ao garoto que vive distante de sua convivência diária. Celine é uma mulher engajada que luta para manter-se ativa, e que tem a chance de um emprego dos sonhos batendo a sua porta. Esse conflito - meio velado - entre seus anseios é o que move o filme e as discussões.

Antes da Meia-Noite observa com ternura a realidade. Conciso e delicioso, onde suas quase duas horas passam voando, nos apegamos novamente ao casal mais verdadeiro que o cinema americano recente apresentou. São chatos, divertidos, amorosos, sensuais, irritantes, odiosos, calorosos, inteligentes, práticos, sonhadores e verdadeiros. Igualzinho a mim e a você.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Além da Escuridão - Star Trek

Além da Escuridão - Star Trek
(Star Trek - Into Darkness, 2013)
Ação/Aventura - 132 min.

Direção: J.J. Abrams
Roteiro: Roberto Orci, Alex Kurtzman e Damon Lindelof

com: Chris Pine, Zachary Quinto, Benedict Cumberbatch, Zoe Saldana, Simon Pegg, John Cho, Karl Urban, Anton Yelchin, Peter Weller, Alice Eve

O que faz um excelente blockbuster? Existe alguma fórmula para que uma produção que tem como alvo a pura e descompromissada diversão (em primeiro momento) consiga verdadeiramente se destacar? Qual a formula mágica que parece ter JJ Abrams, que em suas produções para o cinema (a saber Missão Impossível 3, Star Trek, Super 8) ainda não errou a mão. Por maiores discussões que se possamos ter sobre uma escala de qualidade em seus filmes e o seu fetiche incorrigível pelo uso de flares de maneira industrial, pra mim fica claro que o sujeito sabe - como poucos - contar uma historia de maneira satisfatória para o público. Seja ele o comedor de pipoca, o cinéfilo regular, o especialista chato ou o especialista chato e pago (meu caso).

Além da Escuridão - Star Trek acerta em muitos aspectos. No mais raso e óbvio, é um excelente blockbuster. O melhor da temporada até aqui. Elétrico desde o primeiro segundo, com sequências de ação mais do que inspiradas, uma qualidade na construção de mundos precisa e a sensação de estarmos dentro de uma gigantesca montanha russa que brinca - sem pudor - com nossas emoções. Mas também acerta (e muito) quando estabelece relações com a serie de TV original e coloca por trás de tantos flares, explosões e grandes sequências de ação, algo a ser discutido, como a serie criada por Gene Roddenberry conseguia fazer. A ficção cientifica de Star Trek, muito mais do que um retrato de um futuro distante e utópico, é uma crônica de seu tempo e utiliza da metáfora que a ficção proporciona para se posicionar e debater sobre os assuntos palpitantes de sua contemporaneidade, nesse caso especifico, o terrorismo e suas formas de combate.

Ancorado por um tremendo vilão, o misterioso Harrison, a produção é engenhosa ao deixar na penumbra as verdadeiras intenções de seu antagonista por boa parte do filme. Por outro lado, é inteligente ao ir revelando aos poucos os planos do vilão, de forma sutil evitando o plot twist final e ajudando ao espectador a compreender aquele sujeito misterioso e suas intenções. Benedict Cumberbatch faz de seu personagem, um vilão icônico, sem ter medo algum de parecer exagerado nas palavras. Acertando em cada aspecto básico da composição de personagens, Benedict o faz ameaçador - como todo grande vilão deve ser - mas sem deixar de emocionar o espectador a ponto dele quase (eu disse, quase) torcer para que ele consiga cumprir seus objetivos. Sem deixar o personagem cair na caricatura, consegue de forma visceral tocar o espectador sempre auxiliado por sua sorumbática voz, que consegue dar gravidade até mesmo se estiver a serviço da leitura de uma bula de remédio. Abrams, sabe do potencial de seu vilão e de seu interprete e por isso não se furta ao destacar sempre que pode seu antagonista.



Abrams dá um passo além do que havia feito em seu primeiro Star Trek e insere uma quantidade generosa de novas referências a serie clássica e aos filmes com a tripulação original, sem no entanto parecerem vazios ou perdidos. Cada referência acaba funcionando a serviço da trama e sem ter muito medo de ser ousado e "ofender os puristas" redimensiona e altera completamente uma das mais importantes sequências dos filmes originais. Entre essas referências (que posso falar sem estragar a diversão do pessoal) estão à presença dos Tribbles (aqueles bichinhos peludos que infernizaram a tripulação clássica em um dos episódios mais famosos da serie), a aparição de uma civilização das mais tradicionais e importantes na mitologia da serie (com um visual renovado e bem próximo a visão - sem recursos - dos anos 60) entre outros detalhes bacanas e que estão organicamente integrados a trama, não servindo apenas para a diversão eventual dos fãs.

Mais, o mais importante e que faz esse novo Star Trek se destacar frente a outros muitos blockbusters é o cuidado com que o roteiro de Roberto Orci, Alex Kurtzman e Damon Lindelof (sim, estou elogiando o mestre dos conceitos geniais e finais trágicos) trata a ação, a interligação dos eventos do filme e seus personagens. É um salto enorme entre o que víamos em Star Trek de 2009 e este novo filme. Se alguns personagens perderam espaço como Chekov e Sulu e mesmo Uhura, a interação entre Kirk e Spock nunca esteve mais afiada.

A partir de um evento que dá o pontapé - em alta velocidade - a trama, fica clara a diferença entre a forma de lidar com as situações que os dois protagonistas tem. E é nessa disputa que está o segredo e a força do filme, que mesmo com muita ação, não esquece dos seus personagens. Kirk, mais cafajeste do que nunca, continua o sujeito arrogante e que acha que pode dobrar as regras a seu bel prazer. Porém, é um sujeito justo, que apóia e defende seus companheiros e amigos com a mesma paixão que encara duas gêmeas alienígenas com rabinho de gato ou "seca" de maneira nada discreta a jovem doutora Carol Marcus (Alice Eve, que é apenas uma decoração bonita na trama). 


Spock por sua vez, é o personagem mais complexo de todo o universo Star Trek e isso fica claro nesse filme, já que o vulcano vive dividido entre seus valores vulcanos e a sua metade humana. Sim, esse foi o mote do primeiro filme, mas aqui isso ganha ares de dramaticidade muito mais intensos, com um frenesi violento no ato final que coloca o personagem em um outro prisma para uma eventual sequência. 

Chris Pine consegue seu melhor desempenho na carreira e mesmo que ainda seja no fundo um canastrão (assim como William Shatner) consegue transmitir fragilidade ao seu capitão quando se percebe sem forças para enfrentar os perigos que arrogantemente levou sua tripulação a enfrentar. Também acerta ao ir do prisma do frágil e arrogante à herói acidental que precisa assumir de fato sua condição de comandante. Quinto entrega outra bela interpretação de Spock, um homem marcado pela dualidade e que expressa sua "humanidade" quando enxerga aqueles que ama (ou o equivalente vulcano) em apuros. Não é a toa que diante de uma ameaça grosseira que vem do lugar que deveria servir como santuário daqueles viajantes do espaço e tendo que enfrentar a perfeição física e intelectual de Harrison, sua dualidade tem enormes dificuldades em racionar. Se o coração o impele a um confronto visceral e violento, sua racionalidade o controla e o transforma em articulador das estratégias da tripulação da Enterprise.

Quem ganha muito espaço na trama é o coração da nave, Scott (Simon Pegg) que serve como primeiro aviso de que "algo está podre no reino da Federação". Servindo como um (ótimo) alívio cômico constante, Pegg tem espaço para se divertir em meio à trama que é basicamente séria e que tem algo a dizer. Karl Urban (que parece ter achado um personagem perfeito para si), faz de McCoy ainda mais rabugento do que víamos na aventura anterior. Sempre descrito (e interpretado por DeForrest Kelley) como o equilíbrio entre a paixão de Kirk e a frieza de Spock, sua atuação na trama é cirúrgica e eficiente, como bom médico. Urban ainda desfila frases de efeito divertidas e ao lado de Pegg equilibram a balança a serviço do "time do humor", já que a trama por mais engajada que tente ser, não se esquece de que é um filme de verão e precisa divertir a platéia.



Outra adição excelente ao elenco é o sempre interessante Peter Weller, que faz do comandante Marcus, um homem austero, que não faz muita questão de andar pelos caminhos da legalidade para conseguir o que quer. Essa zona sombria que faz parte de sua vida é o que move o personagem e o transforma em um sujeito tridimensional, que apesar de (ligeiro spoiler) agir de forma condenável e absurda, tem uma justificativa que não difere de muitos líderes mundiais por aí.

Para dizer que Star Trek não é perfeito, Abrams continua com sua irritante mania de usar o flare a todo o momento, irritando o espectador. Isso parece ser uma assinatura do diretor que espero ver diminuída ao limite da inexistência em vindouros trabalhos. O roteiro da produção acerta ao não deixar as pontas soltas (o que evita a continuação banal), mas sabe que está abrindo as portas para uma franquia - muito mais do que o Star Trek original havia conseguido. Por isso, o filme é tão maior do que o anterior. Por isso, os muitos cenários, a ação que se passa em diversos planetas e que dá igual importância ao que acontece em terra e no espaço. Uma das criticas a serie é que ela era basicamente apresentada em um mesmo cenário por boa parte dos episódios. As sequências em solo eram sempre deixadas de lado, diante das aventuras na ponte de comando. Abrams, para desespero dos puristas, colocou um tanto de "fantasia espacial" no caldo da ficção científica mais cabeça do mundo criado por Roddenberry. É muito válido, já que as características da serie continuam lá e se ganha uma possibilidade de ir além e explorar outro lado dos conceitos que até então víamos muito pouco, mesmo nos filmes que abordavam a tripulação clássica ou a Nova Geração.

Muito mais ousado, e sem medo de desvirtuar (ainda mais) a mitologia da serie, Abrams apostou e ganhou. Manteve aquilo que essencialmente fazia de Star Trek, um mundo diferente, onde a utopia venceu e os conflitos são decididos pela argumentação e inteligência e coloriu os momentos de pasmaceira com a energia daquela galera dos sabres de luz, conseguindo a proeza de reunir em um mesmo recipiente a fluidez da água e a efervescência do óleo e apresentar o mais retumbante e glorioso blockbuster da temporada 2013 até aqui. Vida (muito) longa e próspera.

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Depois da Terra

Depois da Terra
(After Earth, 2013)
Ação/Aventura - 100 min.

Direção: M. Night Shyamalan
Roteiro: Gary Whitta e M. Night Shyamalan

com: Will Smith, Jaden Smith

Após um início de carreira promissor, com Wide Awake, O Sexto Sentido e Corpo Fechado, o diretor M. Night Shyamalan começou a se perder em meio a suas ideias - ou apenas as explicitou? - de tramas como fio condutor do seu sempre caro suspense. A partir de Sinais, com seu imenso buraco de roteiro crucial à trama, seus roteiros abusavam da suspensão de descrença e criavam mundos através de didatismo exacerbado, inversamente proporcionais às sempre intrigantes atmosferas de seus filmes. Havia certo consenso entre os críticos sobre o cinema do indiano: com seus roteiros cada vez mais convolutos, problemáticos, era melhor o diretor se focar apenas na direção, que era, afinal, o seu ponto forte desde o princípio.

Depois da Terra conta com um roteiro de Gary Whitta, apenas revisado por Shyamalan, mas não necessariamente representa um retorno à boa forma do diretor.

Por mais que tenha sua cara de projeto dos Smith dirigido por Shyamalan, o filme tem, surpreendentemente, algumas das marcas do diretor - mesmo o que há de errado. Logo na primeira cena, que se situa no futuro numa tentativa tola de criar expectativa acerca de como Kitai foi parar ali, a narração em off de Jaden Smith já constrói todo o background do mundo de Depois da Terra. Não é surpresa que, durante o filme, ficaremos sabendo das mesmas coisas novamente, tudo bem mastigado. Em Fim dos Tempos, a quantidade de informações divulgadas por televisão e rádio era o que criava todo o pano de fundo; em Depois da Terra, são os diálogos expositivos.


Nos filmes de Shyamalan dos quais a omissão de informação não é presente, as relações dos personagens eram empobrecidas pelos diálogos operísticos - Fim dos Tempos implode logo na primeira aparição de Zooey Deschanel, quando sua explicação ressalta o que havia acabado de ser dito pela âncora na TV -, o que não é diferente em Depois da Terra. Ainda no princípio, a mãe de Kitai diz para Cypher que "seu filho precisa de um pai", logo depois da cena do jantar, que deixa clara a distância emocional de pai e filho. Ao perder contato com seu filho, o texto obriga Will Smith a proclamar falas como "Onde está o meu filho?". No final, Cypher narra tudo o que seu filho deve fazer, mesmo que ele não possa ouvi-lo, o que só soa minimamente possível se fosse fruto de uma telepatia entre os protagonistas (mais no parágrafo sobre a Cientologia).

Não é por acaso que os personagens essencialmente sensoriais de Shyamalan costumam didatizar tanto o que já era perceptível na expressão dos atores; é muito sentimento em pouco escopo. O melhor exemplo disso é a exageradíssima cena de pesadelo de Kitai, que tenta transmitir a culpa e insegurança do menino através de texto, levando à exaustão essa prática. Lições de honra, valores de família, que são encaixadas em cenas que soam emocionalmente forçadas, como a cena do amputado, que encontrará um paralelo que tenta emocionar, mas não consegue.

A tendência ao ideal da Cientologia, do poder da valorosa mente sobre o sujo e vil corpo, aparece em diversos níveis, desde a proposta quase religiosa de tratamento entre os personagens no início (o chefe Ranger, o próprio Cypher com o filho) até os messiânicos monólogos de Will Smith ("o perigo é real, o medo é uma escolha", a narração edificante no clímax, a transmissão de pensamento na fala "Ajoelhe-se"), passando, claro, pela estética clean da direção de arte. A característica chegou a levar Depois da Terra a ser comparado com o escabroso Battlefield Earth, mas, felizmente, não toma a narrativa de assalto a esse ponto.


Já em nível de simples narrativa, Whitta e Shyamalan voltam a se mostrar problemáticos. Desde o supracitado didatismo, a forma simplória com que informações são utilizadas e conflitos dramáticos são criados é um desleixo completo. O arco principal, o amadurecimento de Kitai, é medíocre em seu ponto de fusão; o garoto vira um jedi voador apenas ao gritar com o pai. A questão do medo de Kitai é repetida à exaustão num contexto pseudo-filosófico ("Saia da caixa. Ainda está nela?") que ecoa - sim - o desprezível Lanterna Verde. E não é só com o menino: o conflito dramático de Cypher se resume ao passado com a filha. Em síntese, as falhas de construção de mundo (como o sinal não pega na tal "Área Negra", se o planeta não é visitado há séculos?) acabam sendo menores que os problemas de núcleo dramático do filme - como a cena da floresta, que nada acrescenta à trama além de mais esoterismo. Além disso, não é possível que um cineasta com o nome de Shyamalan acredite em chamar um protocolo de "Escapar e Evadir" e levar isso a sério.

Não que o filme seja um tédio absoluto; quando não está na sua atual mania de adotar um bizarro ultra-close em seus atores (a vítima da vez é Jaden), Shyamalan continua conduzindo bem seus enquadramentos e concebe sequências de ação visualmente interessantes. Por mais que os efeitos dos animais não convençam, a luta final é plasticamente bela e a jornada de Kitai pela floresta tem momentos de suspense convincente. Mas é igualmente brilhante a forma com que Shyamalan comete erros até no que acerta. A gravidade imposta pela fala de Cypher não é correspondida por Kitai - e nem em tela. É um filme com tom aventuresco (embalada pela correta trilha de James Newton Howard) sob a camada de auto-ajuda na relação pai-filho.

O carisma de Will Smith não se faz presente, mas a sobriedade inédita do ator funciona surpreendentemente, sempre seguro no papel. Além disso, faz um forte contraponto a indecisão do errante Jaden Smith. Ainda que combine com o arco do personagem, a distância emocional do ator, claramente perdido na metade inicial da narrativa, é visível. Por sorte, ou competência de Shyamalan, o filme toma uma dinâmica mais de ação ou de ensinamentos proferidos por Cypher, o que mascara habilmente a pontual inexpressividade de Jaden.


Depois da Terra tem um quê de uma aventura na tradição de Spielberg, e é sem dúvida um projeto dos Smith, mas entra perfeitamente na filmografia de M. Night Shyamalan como um exemplar da tendência atual do diretor de construir um mundo com informações didáticas e jogar suas emoções no ombro dos personagens. Não é vexaminoso como Fim dos Tempos, e constrói uma aventura divertida oposta à Last Airbender, mas ainda assim deficiente.

quinta-feira, 6 de junho de 2013

O Grande Gatsby

O Grande Gatsby
(The Great Gatsby, 2013)
Drama/Romance - 142 min.

Direção: Baz Luhrmann
Roteiro: Baz Luhrmann e Craig Pearce

com: Leonardo DiCaprio, Tobey Maguire, Carey Mulligan, Joel Edgerton, Elizabeth Debicki, Isla Fisher.

Pedante, exagerado, muito histérico, com problemas de ritmo enormes, O Grande Gatsby se arrasta como uma lesma por suas longíssimas duas horas e vinte e dois minutos, que passam ainda mais lentamente do que a duração sugere. Essa é a terceira vez que a obra de F. Scott Fitzgerald ganha as telas (quatro se contarmos um filme para TV de 2000). Confesso que nunca vi a versão de 1926, mas lembro-me da versão de 1974, vencedora de dois Oscar, que tinha roteiro de Coppola e Robert Redford e Mia Farrow como protagonistas. O Gatsby de 74 é um filme solene, "classudo" e que no meio da revolução da Nova Hollywood americana é quase um alienígena. Não que seja um filme ruim (não o é), mas é bastante datado.

A abordagem de Baz Luhrmann ao romance é curiosa. Conhecido por seus exageros visuais de produções como Moulin Rouge e Romeu e Julieta e do excesso de duração de abacaxis como Australia, Luhrmann mistura o pior desses dois mundos em uma produção que acerta na reconstrução de época, mas erra na forma como mostra esse mundo decadente.

Que se leve em consideração à ousadia ao ignorar a forma como a música da época soava, e apostar em uma trilha moderna (como Sofia Coppola fez em Maria Antonieta), é impossível para mim, não relatar um completo desconforto com a ideia, já que esse mundo exagerado e histérico de Luhrmann apenas camufla uma dificuldade crônica em apresentar seus personagens de maneira convincente. Em maio a tanto barulho e cores e som e glitter, ele tenta nos fazer esquecer da escolha equivocada do limitado Tobey Maguire para a função mais importante da historia, a do narrador Nick Carraday.



Assim como em Moulin Rouge - e sejamos justos, no livro também - a trama começa com o relato de Nick em um sanatório, onde o rapaz se recupera de uma crise nervosa, causada pelo desenrolar dos eventos que são relatados no filme. Luhrmann se apóia na muleta irritante da narração em off, que em geral sempre significa que o sujeito que fez o filme não tem muita confiança naquilo que filmou. Aqui, eu acrescentaria o fetiche de narrar trechos de um livro clássico. Luhrmann leva seu fetichismo ao pico quando ainda filma - no melhor estilo mensagens de corrente - as palavras (literalmente) cruzando a tela em determinado momento da trama.

Trama essa que fala do misterioso Gatsby (DiCaprio), um sujeito rico e que guarda segredos de seu passado, que envolvem Daisy Buchanan (Carey Mulligan). Maguire/Carraday é o primo da garota que aluga a casa ao lado da de Gatsby e se transforma em grande amigo e parceiro do milionário em sua historia trágica. Sem dar muito detalhes da historia, basta dizer que Gatsby está em busca de um amor perdido e que em sua ânsia de conquista descobre que a diferença entre as classes sociais e o orgulho, se sobrepõe às noções mais básicas da decência e de caráter.

A trama continua sendo muito interessante, mas Luhrmann faz de tudo para transformá-la em uma experiência muito difícil de ser apreciada. Quando não apela para o histerismo de cores e sons (em especial na primeira metade do filme), usa e abusa dos muitos zooms e efeitos visuais de gosto duvidoso para ilustrar os faraônicos cenários da historia, incluindo ai uma cidadela empobrecida, que ganha ares de futuro pós-apocaliptico pelo exagero nas diferenças entre os mais ricos e abastados e os trabalhadores comuns.



Isso sem contar o excesso de lentidão com que a trama se desenvolve. Apaixonado pelo texto de Fitzgerald, ao mesmo tempo em que visualmente até ousa, é reverente aos diálogos e trechos do livro de forma a transformá-lo em maçante, já que a experiência de saborear as palavras no papel - ao seu ritmo - é muito diferente do que ver uma serie de atores (alguns bastante questionáveis) vomitando sem muita noção as palavras do autor americano. Isso ocasiona uma quebra de ritmo assustadora, que racha a estrutura do filme em duas de forma muito clara. O histerismo da abertura - que eu até aceitaria se fosse constante - cede espaço a reverencia chata e pedante da segunda metade da trama quando os eventos emocionalmente mais expressivos acontecem. Uma narrativa esquizofrênica e morosa que só é mais prejudicada pela escolha equivocada de certos atores.

Não sou do tipo que ainda tem problemas com Di Caprio, mas vejo-o profundamente deslocado nessa produção. O ator tem m problema crônico (e genético) de nunca parecer ter a idade que tem de verdade. Se isso era um problema - pra mim ao menos - em J.Edgar e sua maquiagem medíocre, e em Ilha do Medo, aqui essa sensação ainda é mais intensa. Di Caprio precisa nos convencer de ser um homem calejado pela vida e que venceu depois de muita luta e de aproveitar suas oportunidades, o que não parece ser o caso, já que o garoto - eterno - deixou o sex-appeal juvenil que fez suspirar platéias em Titanic há tempos e hoje depende muito de um papel adequado a sua figura de garoto que não fica velho nunca. Mas, apesar desse incomodo estético - digamos assim - Leonardo é um bom ator e não compromete, embora não tenha o impacto do livro e da figura de Redford na encarnação mais famosa do cinema.

Carey Mulligan graciosamente dividida entre o presente/futuro e o passado acerta na composição, mas não é ajudada pela forma com que Luhrmann contou sua historia, deixando-a ainda mais desagradável que o é no papel. Uma garotinha mimada que não tem coragem para seguir um sonho e se apega a obviedade do lugar comum. Joe Edgerton me pareceu caricato com seu sotaque forçosamente exagerado, cheio de inflexões comuns às interpretações do início do cinema falado, o que não ganhou eco em nenhum dos outros atores do filme. E por fim Maguire, errado do inicio ao fim. Nunca fui do time que o considera grande ator, embora goste de Regras da Vida, Tempestade do Século e de sua versão sem sal para Peter Parker. Talvez por essa sensação constante de sujeito insosso e de voz monótona é que não me convenci com seu Nick Carraday, que parece constantemente inebriado e abobado diante dos fatos que ocorrem na sua frente.  A bela Jordan Baker (Elizabeth Debicki) e a elétrica Myrtle Wilson (Isla Fisher) completam o elenco e não se destacam embora suas personagens sejam importantes - em alguns momentos fundamentais - para o andamento da trama.



Baz Luhrmann fez aqui seu costumeiro carnaval e novamente não conseguiu ir além do kitsch e excêntrico. Quando optou pela ideia de deixar seu filme longuíssimo e com problemas de ritmo enormes, rachando-o em duas produções de visual e forma praticamente diferentes (uma cheia de cores e exagerada e outra "séria" e cheia de diálogos empolados e atores medianos deslocados) transformou a experiência de Grande Gatsby é uma bobagem. Sem o impacto de crítica aos mais ricos pretendido e sem emocionar como uma tragédia anunciada. Tolo e vazio, como boa parte da filmografia de seu realizador.