sexta-feira, 7 de junho de 2013

Depois da Terra

Depois da Terra
(After Earth, 2013)
Ação/Aventura - 100 min.

Direção: M. Night Shyamalan
Roteiro: Gary Whitta e M. Night Shyamalan

com: Will Smith, Jaden Smith

Após um início de carreira promissor, com Wide Awake, O Sexto Sentido e Corpo Fechado, o diretor M. Night Shyamalan começou a se perder em meio a suas ideias - ou apenas as explicitou? - de tramas como fio condutor do seu sempre caro suspense. A partir de Sinais, com seu imenso buraco de roteiro crucial à trama, seus roteiros abusavam da suspensão de descrença e criavam mundos através de didatismo exacerbado, inversamente proporcionais às sempre intrigantes atmosferas de seus filmes. Havia certo consenso entre os críticos sobre o cinema do indiano: com seus roteiros cada vez mais convolutos, problemáticos, era melhor o diretor se focar apenas na direção, que era, afinal, o seu ponto forte desde o princípio.

Depois da Terra conta com um roteiro de Gary Whitta, apenas revisado por Shyamalan, mas não necessariamente representa um retorno à boa forma do diretor.

Por mais que tenha sua cara de projeto dos Smith dirigido por Shyamalan, o filme tem, surpreendentemente, algumas das marcas do diretor - mesmo o que há de errado. Logo na primeira cena, que se situa no futuro numa tentativa tola de criar expectativa acerca de como Kitai foi parar ali, a narração em off de Jaden Smith já constrói todo o background do mundo de Depois da Terra. Não é surpresa que, durante o filme, ficaremos sabendo das mesmas coisas novamente, tudo bem mastigado. Em Fim dos Tempos, a quantidade de informações divulgadas por televisão e rádio era o que criava todo o pano de fundo; em Depois da Terra, são os diálogos expositivos.


Nos filmes de Shyamalan dos quais a omissão de informação não é presente, as relações dos personagens eram empobrecidas pelos diálogos operísticos - Fim dos Tempos implode logo na primeira aparição de Zooey Deschanel, quando sua explicação ressalta o que havia acabado de ser dito pela âncora na TV -, o que não é diferente em Depois da Terra. Ainda no princípio, a mãe de Kitai diz para Cypher que "seu filho precisa de um pai", logo depois da cena do jantar, que deixa clara a distância emocional de pai e filho. Ao perder contato com seu filho, o texto obriga Will Smith a proclamar falas como "Onde está o meu filho?". No final, Cypher narra tudo o que seu filho deve fazer, mesmo que ele não possa ouvi-lo, o que só soa minimamente possível se fosse fruto de uma telepatia entre os protagonistas (mais no parágrafo sobre a Cientologia).

Não é por acaso que os personagens essencialmente sensoriais de Shyamalan costumam didatizar tanto o que já era perceptível na expressão dos atores; é muito sentimento em pouco escopo. O melhor exemplo disso é a exageradíssima cena de pesadelo de Kitai, que tenta transmitir a culpa e insegurança do menino através de texto, levando à exaustão essa prática. Lições de honra, valores de família, que são encaixadas em cenas que soam emocionalmente forçadas, como a cena do amputado, que encontrará um paralelo que tenta emocionar, mas não consegue.

A tendência ao ideal da Cientologia, do poder da valorosa mente sobre o sujo e vil corpo, aparece em diversos níveis, desde a proposta quase religiosa de tratamento entre os personagens no início (o chefe Ranger, o próprio Cypher com o filho) até os messiânicos monólogos de Will Smith ("o perigo é real, o medo é uma escolha", a narração edificante no clímax, a transmissão de pensamento na fala "Ajoelhe-se"), passando, claro, pela estética clean da direção de arte. A característica chegou a levar Depois da Terra a ser comparado com o escabroso Battlefield Earth, mas, felizmente, não toma a narrativa de assalto a esse ponto.


Já em nível de simples narrativa, Whitta e Shyamalan voltam a se mostrar problemáticos. Desde o supracitado didatismo, a forma simplória com que informações são utilizadas e conflitos dramáticos são criados é um desleixo completo. O arco principal, o amadurecimento de Kitai, é medíocre em seu ponto de fusão; o garoto vira um jedi voador apenas ao gritar com o pai. A questão do medo de Kitai é repetida à exaustão num contexto pseudo-filosófico ("Saia da caixa. Ainda está nela?") que ecoa - sim - o desprezível Lanterna Verde. E não é só com o menino: o conflito dramático de Cypher se resume ao passado com a filha. Em síntese, as falhas de construção de mundo (como o sinal não pega na tal "Área Negra", se o planeta não é visitado há séculos?) acabam sendo menores que os problemas de núcleo dramático do filme - como a cena da floresta, que nada acrescenta à trama além de mais esoterismo. Além disso, não é possível que um cineasta com o nome de Shyamalan acredite em chamar um protocolo de "Escapar e Evadir" e levar isso a sério.

Não que o filme seja um tédio absoluto; quando não está na sua atual mania de adotar um bizarro ultra-close em seus atores (a vítima da vez é Jaden), Shyamalan continua conduzindo bem seus enquadramentos e concebe sequências de ação visualmente interessantes. Por mais que os efeitos dos animais não convençam, a luta final é plasticamente bela e a jornada de Kitai pela floresta tem momentos de suspense convincente. Mas é igualmente brilhante a forma com que Shyamalan comete erros até no que acerta. A gravidade imposta pela fala de Cypher não é correspondida por Kitai - e nem em tela. É um filme com tom aventuresco (embalada pela correta trilha de James Newton Howard) sob a camada de auto-ajuda na relação pai-filho.

O carisma de Will Smith não se faz presente, mas a sobriedade inédita do ator funciona surpreendentemente, sempre seguro no papel. Além disso, faz um forte contraponto a indecisão do errante Jaden Smith. Ainda que combine com o arco do personagem, a distância emocional do ator, claramente perdido na metade inicial da narrativa, é visível. Por sorte, ou competência de Shyamalan, o filme toma uma dinâmica mais de ação ou de ensinamentos proferidos por Cypher, o que mascara habilmente a pontual inexpressividade de Jaden.


Depois da Terra tem um quê de uma aventura na tradição de Spielberg, e é sem dúvida um projeto dos Smith, mas entra perfeitamente na filmografia de M. Night Shyamalan como um exemplar da tendência atual do diretor de construir um mundo com informações didáticas e jogar suas emoções no ombro dos personagens. Não é vexaminoso como Fim dos Tempos, e constrói uma aventura divertida oposta à Last Airbender, mas ainda assim deficiente.

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