quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Frankenweenie


Frankenweenie
(Frankenweenie, 2012)
Comédia - 87 min.

Direção: Tim Burton
Roteiro: Leonard Ripps

com as vozes de: Catherine O'Hara, Martin Short, Martin Landau, Winona Ryder, Charlie Tahan

Vai parecer reprise do que escrevi sobre Sombras da Noite (leia aqui), mas, Tim Burton está aposentado e ainda não o avisaram. Só esse tipo de afirmação rude é capaz de explicar a visível queda de qualidade de seus trabalhos na última década. Não vou me repetir, apenas afirmar - de novo - que o diretor precisa urgentemente de uma reciclagem e de terapia.

Reciclagem porque ele repete pela quadragésima oitava vez (número inventado ok crianças?) os mesmíssimos maneirismos técnicos de suas produções. Está lá a trilha óbvia e reaproveitada de Danny Elfman, personagens de animação primos/irmãos dos de Noiva Cadáver e Estranho Mundo de Jack, temas sobre o terror clássico, homenagens mil a Bela Lugosi, Vincent Price, Christopher Lee e afins e o pior, usar o mesmo plot de um curta para fazer um longa, sem, no entanto se preocupar em dar estofo aquela historia pueril e já derivativa.

Já a terapia passa pelo fato da obsessão de Burton com os mesmíssimos temas por toda a sua vida, me parecendo um garoto grande que não consegue crescer. Vemos Tim Burton "brincar de macabro" desde os anos 80 e por mais honesto que isso seja não existe uma grande evolução nestes trinta anos. Ele continua colocando seus personagens nos mesmos ambientes, com climas praticamente idênticos, visualmente bonitos, mas que depois de tantas produções similares parecem profundamente repetitivo.


Frankenweenie é a transposição do primeiro curta metragem de Tim Burton para o cinemão. Nele o garoto Victor Frankenstein (somos tão literais na nossa homenagem que nem mudaremos o nome do protagonista) é solitário e vive em uma pequena comunidade chamada New Holland. Seu único amigo é seu cachorro Sparky, um vira-lata esquisito e bastante inteligente. Em sua classe, Victor convive com variações - novamente - nada sutis de tipos clássicos do cinema de horror, como o corcunda, o "cientista" oriental maluco, o dândi afetado de sotaque britânico, a garota que vê coisas, o gorducho e sua vizinha que é "parente" da personagem de Winona Ryder em Beetlejuice (e vejam só, curiosamente dublada pela mesma Winona).

A trama realmente tem início quando, depois de seu cãozinho ser tragicamente atropelado, e inspirado por seu professor de ciência (que trás - redundância eu sei - mais uma homenagem nada discreta ao mundo do terror clássico, com Martin Landau reprisando sua imitação de Bela Lugosi de Ed Wood tendo o visual de Vincent Price) resolve ressuscitar seu cãozinho como o sujeito que lhe dá sobrenome um dia o fez no romance clássico de Mary Shelley.

O problema do filme é o mesmo de 99% dos filmes de Burton. Ele tem uma ótima premissa que se perde absurdamente durante a projeção porque o diretor não sabe desenvolver satisfatoriamente uma narrativa. O plot de Frankenweenie funciona que é uma beleza em um curta metragem, mas em um longa é tedioso e se arrasta sem nenhuma emoção por toda a trama. Exemplos: vejamos os pais de Victor. O Senhor Frankenstein é um sujeito amigo e companheiro e sua mãe é uma dona de casa dos anos 50 em pleno século XXI, algo que Burton já mostrou no ótimo Edward Mãos de Tesoura. Depois de ressuscitar seu cão, Victor fica profundamente tenso para esconder seu "projeto" dos pais, o que dá a entender que a reação dos progenitores seria no mínimo (e realisticamente) apavorante. Sem soltar muitos spoilers, não é isso que acontece e Burton não consegue desenvolver aqueles personagens.


A relação de amizade entre o cão e o garoto fica em segundo plano, em detrimento de coadjuvantes genéricos e mais uma dezena de homenagens e maneirismos já vistos antes. Apelando até mesmo para a piada do monstro nas sombras que se revela uma criatura nada ameaçadora, Frankenweenie padece de uma profunda falta de alma, tal qual um morto-vivo.

Tecnicamente, é difícil dizer que o filme é ruim, mas em meio a tantas coisas já vistas, é um trabalho inferior, tanto na criação de personagens (apenas a Garota Estranha - aquela que tem um gatinho - é uma coisa nova e assustadora), quanto nos cenários que dá até para dizer que são pobres. A ideia de filmar tudo em preto e branco é interessante, mas infelizmente isso só sacramenta ainda mais a sensação de estarmos vendo uma versão genérica e cheia de sacarose das historias clássicas de horror.

Outro problema - e aqui vou tentar não dar nenhum spoiler - é sua mensagem, que é assustadora em termos psicológicos. Em vez de apostar no - tudo na vida tem seu ciclo - Burton aposta no - tudo que você quiser vai conseguir até mesmo vencer a morte. Posso parecer reacionário e até chato, mas percebam se não é essa sensação incomoda que o filme transmite. Como disse, Burton precisa de um terapeuta que o faça ir em frente, como seu protagonista que para mim é o melhor dos avatares do diretor.


Nesse amalgama de sua carreira, Victor Frankenstein (do desenho) é a representação dos desejos de seu criador, tal qual no romance de Mary Shelley. Como a Criatura do romance clássico, Victor procura o amor e a amizade, enquanto Burton - me parece - querer apenas receber um cheque gordo e agradar os "burtonettes".

Frankenweenie é uma quase tragédia. Só não é pior, porque o elenco de vozes é muito bom. Martin Short e Catherine O'Hara fazem seis personagens ao todo e claramente se divertem com aquilo tudo. Burton, espero, reuniu toda sua coleção de homenagens e referencias nesse filme e expurgou tudo o que ainda tinha a dizer sobre o tema. Espero voltar a ver a originalidade que um dia fez com que Burton virasse até um adjetivo, que hoje parece muito mais pejorativo do que era no passado.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Selvagens


Selvagens

(Savages, 2012)
Drama - 131 min.

Direção: Oliver Stone
Roteiro: Shane Salerno, Don Winslow, Oliver Stone

com: Aaron Johnson, Emile Hirsch, Taylor Kitsch, John Travolta, Blake Lively, Salma Hayek, Benicio del Toro

Oliver Stone já foi relevante. Nos anos 80 e 90, Stone era uma voz forte que discordava do status quo e apontava suas câmeras diretamente para assuntos polêmicos e que sempre tinha algo interessante a ser dito. Hoje, parece um fóssil. Um gigantesco dinossauro que se move sem cautela pela sala derrubando a cristaleira da vovó.

Se em Wall Street 2 ele tentou ser novamente importante e fracassou por sua empáfia em não admitir que talvez Gordon Gekko tenha vencido a guerra, seu documentário Ao sul da Fronteira pode ser incluído na mesma categoria dos filmes militares americanos durante a segunda guerra, já que é pura propaganda. Não entrando no mérito político da coisa, é uma produção simplesmente esquecível que não busca documentar um fato, mas romancear e apresentar uma faceta cheia de beleza a uma personalidade - no mínimo - controvertida.

Chegamos a Selvagens, ou a visão de Stone sobre uma geração. "Uma geração que não lutou uma guerra", diriam os mais conservadores, e, portanto uma geração sem norte, sem comando, sem visão de futuro, uma coleção de selvagens que vagam sem rumo do nascer do sol ao crepúsculo. Estes são os personagens de Taylor Kitsch (Chon) e de Aaron Johnson (Ben), dois jovens traficantes "independentes" que se vêem colocados contra a parede por uma organização internacional. Em mais uma referência a sua visão de uma geração, Stone coloca uma garota no meio dos dois, que em uma controversa postura "mezzo" feminista controla com uma guia os dois machos. A bela Blake Lively (Ofelia) divide sua amizade e seu corpo, por igual e sem ciúmes com seus amores. Enquanto Cho é um homem marcado pela violência (serviu no Afeganistão, logo ve o mundo como uma guerra), Ben é um amante da paz, com seu dreadlock jamaicano e sua postura de evitar confrontos. Mas - na visão de Stone - os dois são selvagens por que buscam a paz em vez da matéria.


Como também são Selvagens os traficantes, que agem como animais em fúria, sempre buscando a próxima presa apta ao ataque. No visual imundo de Benicio Del Toro, e seu bigode mal cortado, seu cabelo que não deve ver um xampu há meses e seu olhar derrotado mas feroz, está ali a fúria animalesca. Como também está presente na sensualidade contida e frieza de Salma Hayek, como a manda-chuva local.

O discurso metafórico, cheio de citações literárias e bobagens mil é o calcanhar de Aquiles de Selvagens, que parece uma versão com pedigree do chatíssimo Alpha Dog (quem lembra?). A pretensão de realizar uma sequência emocional de Assassinos por Natureza, dessa vez apontando a câmera para uma juventude sem regras sabota os selvagens da tela e o selvagem por trás da câmera.

Além da historia principal não convencer ninguém e ser absolutamente rasa, sem significado algum, o desenvolvimento da mesma é truncado com personagens coadjuvantes absurdos como o hacker de Emile Hirsch ou o agente "malandro" absolutamente deslocado de John Travolta, em momento canastrão. Ao não saber se quer ser uma paródia ou sátira, ou mesmo um longa de ação "cool", Selvagens não é nem uma coisa nem outra, soando pretensioso e discursivo.


Se Aaron Johnson e Taylor Kitsch não estão mal, não é possível dizer que salvam o filme. Johnson é um ator muito mais competente que seu parceiro, mas é engessado por uma premissa óbvia, que coloca os protagonistas em busca da amada em um misto dos piores momentos dos filmes de gangster/máfia/policiais e o pior dos filmes de ação genéricos e de baixo orçamento passados no México. Além da câmera de Stone continuar surtada (pelo menos dessa vez ele não troca de filtro na lente a cada cena), a montagem não funciona principalmente nas sequências de ação que parecem até mal construídas.

Para jogar a terra por cima do caixão e baixá-lo a sete palmos, Stone ainda brinca de Michael Haneke em determinado momento do filme e "volta à fita" para mostrar uma versão "de sonho" e uma realista. Pelo menos a tal versão real é mais irônica e menos fajuta do que a sonhadora.

Oliver Stone devia se aposentar. Ir cuidar da vida, escrever uns livros de política, discursar na ONU, fazer campanha por um candidato, mas definitivamente precisa se reciclar. Selvagens é um amontoado de tudo que é datado, exagerado e panfletário em um mesmo filme. Levanta a bandeira de uma geração "no brain", fazendo um filme exatamente assim. Vai ver, Stone é um gênio e ninguém percebeu.



quinta-feira, 25 de outubro de 2012

007 - Operação Skyfall


007 - Operação Skyfall
(Skyfall, 2012)
Ação/Aventura - 143 min.

Direção: Sam Mendes
Roteiro: Neal Purvis, Robert Wade, John Logan

com: Daniel Craig, Javier Bardem, Judi Dench, Ralph Fiennes, Ben Whishaw, Naomi Harris

Em Skyfall, James Bond (Daniel Craig) não é mais o mesmo. Se em Cassino Royale ele perseguia a pé por quilômetros (e fazendo parkour durante o caminho) um inimigo, no mais recente filme da franquia o agente tem dificuldades para completar uma simples rotina de exercícios físicos, tem sua mira prejudicada e reflexos mais lentos. Em resumo, Skyfall apresenta um 007 quase veterano, marcado por muitas missões e ferido física e psicologicamente por cada uma delas.

O diretor Sam Mendes - o mais famoso diretor a dirigir uma aventura do agente secreto - coloca esse agente cansado em uma trama que o leva o mais próximo possível de sua casa, tanto em termos literais quanto metaforicamente, em relação aos exemplares mais antigos da série. Mendes pega o esqueleto construído por Martin Campbell em Cassino Royale (ignoremos Quantum os Solace, que é apenas mediano) com um agente bronco, imundo, que resolve muita coisa na base da bordoada e nunca termina uma missão sem uns hematomas e machucados no rosto e mistura com a verve clássica do agente secreto e todo o mundo de requinte, galanteios, martinis batido e não mexido, gadgets, smokings e Walther PPKs. Mendes encontra aqui um equilíbrio entre a noção "realista" de um agente secreto no século XXI e as aventuras escapistas do agente de sua majestade que conquistaram o mundo.

Isso não significa que o filme seja perfeito. Aliás, quais filmes são perfeitos, e ainda mais, qual aventura de Bond era perfeita? Esse abraço apertado no absurdo, essa noção de quase super-heroísmo do agente com permissão para matar é que faziam as gafes e o estilo quase kitsch em muitos momentos, se transformarem em triunfo.


Os problemas aqui são pontuais e dizem respeito diretamente ao desenvolvimento do argumento. Explicações apressadas e a tal lógica que acaba subvertida em detrimento do andamento da ação e que deve incomodar o pessoal que não consegue entender a diferença entre basear um filme em questões reais e o realismo.

A trama começa - e o trailer do filme já nos conta isso - quando Bond é dado como morto e retorna a ação depois de um atentado vitimar seus colegas do MI6. M, novamente vivida por Judi Dench, enfrenta um grande desafio que lhe atinge pessoalmente, enquanto Bond - como disse no começo da análise - precisa de alguma forma encontrar seu lugar. Dessa vez ele recebe auxílio de novos parceiros como Eve, vivida por Naomi Harris (a Tia Dalma da série dos Piratas do Caribe) e do armeiro Q (uma das muitas referências à série clássica que o filme apresenta), e que é vivido por Ben Whishaw, ator irregular de trabalhos como Perfume e Não Estou Lá, mas que aqui é um canal de humor importante para a historia. Se junta ao elenco a figura do burocrata vivido por Ralph Fiennes, que tem desempenho seguro, embora não se destaque.

Gosto de pensar, que filmes de ação e aventura (e até alguns dramas) podem ser julgados pela força de seus vilões. Em uma entrevista recente Sam Mendes disse que se inspirou no clima "real" que Christopher Nolan deu aos seus filmes de Batman, em especial ao segundo filme da franquia, o excepcional O Cavaleiro das Trevas. Essas semelhanças são possíveis de compreender na questão visual do filme, que apesar de não apostar tanto assim nos tons típicos de Nolan, tem escopo e grandiosidade o suficiente para colocar a fantasia dentro de um lugar comum, o grande mérito dos filmes de Nolan, nos colocar em um mundo que poderia existir de verdade com um sujeito vestido de morcego a tira-colo. Porém, é impossível lembrar de Cavaleiro das Trevas sem lembrarmos de Heath Ledger e seu Coringa.


Embora o vilão de Javier Bardem não seja anárquico como o Coringa de Ledger e nem tenha uma motivação tão imprevisível como simplesmente ver o circo pegar fogo, é um sujeito que é igualmente mortífero, perturbado e intenso. A cena em que o personagem encontra o agente James Bond pela primeira vez é fabulosa, de uma variação dramática magnífica e que vai do humor britânico em estado puro, ao medo e a tensão muito facilmente. Bardem consegue dar alma a um personagem que talvez fosse mais um vilão genérico de Bond se não tivesse sido interpretado por um ator tão talentoso.

Judi Dench por sua vez nunca foi tão exigida em um filme de Bond como é nesse Skyfall. Funcionando quase como a bond girl da vez, M é uma mulher que não suporta o fracasso e que precisa dar um norte a sua organização em um mundo cada vez mais cinzento, onde - e o filme nos diz isso - o inimigo não tem uma cara, nem mesmo uma nação. Dench se não tem um daqueles desempenhos fantásticos, concebe humanidade a personagem, fundamental a uma trama que lhe cala tão pessoalmente.

E Daniel Craig parece ter achado um tom confortável para seu Bond. Longe de ser aquele Bond maníaco e brutamontes que tanto chocou aos fãs xiitas da velha guarda do agente secreto, incapaz de beber um Martini e de mal usar um smoking, o James Bond de Skyfall é uma mistura do charme e "classismo" de Sean Connery em seu smoking e irônicos sorrisos e muito poder de sedução com aquela leve galhofa e bom humor que podia ser visto nos filmes estrelados por Roger Moore e que também se assemelha um pouco ao que Pierce Brosnan fez na sua era como o agente 007.


Tecnicamente sem nenhuma grande novidade, Skyfall abraça um pouco o que a franquia já construiu (nem precisaria ser diferente), sendo eficiente em suas sequências de ação, com uma montagem enérgica que consegue criar tensão e fazer-se compreensível para o espectador. Além disso, a trilha é funcional, utilizando o tema de Bond pela primeira vez em um momento que fará os saudosistas vibrarem, além de elevar o nível das canções tema da franquia depois da mediana música de Quantum of Solace (embora os viúvos de revista cancelada continuarem a reclamar).

007 - Operação Skyfall é um belo presente de aniversário do agente aos fãs que acompanham suas aventuras há 50 anos. Combina o que de melhor o agente já fez em suas aventuras: um bom vilão com um plano intrigante, mas que não é confuso ou enfadonho, coadjuvantes carismáticos, bom humor eventual e que sempre funciona e um protagonista que conseguiu encontrar uma maneira de fazer do personagem algo seu, trazendo o que de melhor cada um dos outros interpretes trouxeram ao agente misturado a suas próprias ideias e interpretações do papel. Sam Mendes acerta e os fãs do cinema agradecem.


sábado, 20 de outubro de 2012

Os Candidatos


Os Candidatos
(The Campaign, 2012)
Comédia - 85 min.

Direção: Jay Roach
Roteiro: Chris Henchy e Shwan Harwell

com: Will Ferrell, Zach Galifianakis, Jason Sudeikis, John Lithgow, Dan Aykroyd, Dylan McDermott, Katherine LaNasa, Sarah Baker, Brian Cox

A política por si só, já se presta a ser um alvo claro para paródias e escracho. No mundo em que vivemos a ideia de governar uma nação para o bem maior, tem se transformado em motivo de piada desde sempre. Seja por aqueles que discordam das direções tomadas por quem comanda a ação, seja pelas próprias ações de quem governa que, monitorada por um universo de pessoas 24 horas por dia, se vê num telão infinito, onde cada passo dado é julgado, analisado, ovacionado, odiado, parodiado e etc.

A comédia sempre usou a política como alvo, seja na parodia dos políticos corruptos, naqueles populistas, nos engajados e até mesmo na desconstrução da ideia de um governante. Os Candidatos é uma mistura de tudo isso, e embora tenha momentos realmente engraçados, perde muito com uma resolução edificante e que no fundo quer reforçar os conceitos do american way of life, que no fundo, vinham sendo criticados desde então.

A historia começa com um voice over que entrega a piada pronta do filme. O personagem de Will Farrell (Cam Brady) conversa antes de começar um pronunciamento e ouve as diretrizes de seu coordenador de campanha. Repete as ordens, falar sobre "America, Jesus and Freedom" (América, Jesus e Liberdade), algo muito próximo do que candidatos não só americanos adoram dizer durante as campanhas. Brady é um político profissional, daqueles que adora o "puder", mas que não realiza nada para o povo, gosta do status, mas não do trabalho. Não chega a ser um corrupto, mas é um sujeito preguiçoso e acomodado. A trama ganha corpo, quando surgem os misteriosos irmãos Motch (vividos pelas lendas do humor americano John Lithgow e Dan Aykroyd) que planejam um golpe absurdo que precisa da aprovação governamental. Depois de ver sua ideia ser recusada por um dos 88 assessores de Brady, partem para um plano mais ousado: criar um candidato do zero, que serviria aos interesses de seus planos, e que concorra com Brady ao posto de congressista em seu distrito.


O sujeito é o excêntrico Marty Huggins, vivido com habitual bizarrice por Zach Galifianakis, que parece ter criado uma persona cinematográfica que só funciona com esses tipos. Filho de um político aposentado (ponta de Brian Cox), Marty é tudo o que um político não deve ser. Inseguro, de visual estranho, voz anasalada e fina, que aos poucos vai tendo sua imagem e discurso alterado em prol da tal "campanha", que dá título ao filme originalmente.

O desenvolvimento do filme, quando somos alvo de uma serie de piadas que envolvem os meandros políticos, como debates em que o candidato se esquiva e na verdade não diz nada, ou sobre a deturpação das frases de determinado personagem para que aquilo se transforme em arma contra ele mesmo, ou a subversão do clichê de beijar um bebê ou ser legal com um cãozinho, funciona agradavelmente bem. Tudo isso, com um bom timing a cargo dos dois bons atores e da direção de Jay Roach (experiente em filmes do gênero, como as aventuras do agente Austin Powers e os dois primeiros Entrando numa Fria) que fazem dos absurdos de Candidatos uma ótima mostra dos exageros da política. Claro, que elevados à nonagésima potencia (ou não em alguns casos), mas que no fundo querem dizer a mesma coisa: a política é mal utilizada pelo ser humano, que deixa a cargo de gente mesquinha e ignorante no comando de seu país, cidade, estado. Além disso, mostra que o público é conivente, pois apóia e vibra com cada bobagem proferida pelos medonhos candidatos.

O problema do filme é que em vez de seguir em uma espiral de ofensas e bobagens até o tal dia de eleição, ele pretende apresentar uma mensagem, uma ideia "política" e que derruba o impacto das observações satíricas até ali vistas. Apesar de a mensagem ser óbvia e direta, esse conto de moralidade é tolo, já que perde a chance de ser ainda mais anárquico e contundente em um período (eleição presidenciais americanas) onde os olhos do público em geral voltam-se para o assunto. Ao optar pelo caminho da complacência, Candidatos - com o perdão do infame trocadilho - perde a eleição, e não vai para o segundo turno das comédias do ano.

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Vantagens de ser Invisível


Vantagens de ser Invisível
(The Perks of Being a Wallflower, 2012)
Drama/Romance/Comédia - 103 min.

Direção: Stephen Chbosky
Roteiro: Stephen Chbosky

com: Logan Lerman, Emma Watson, Ezra Miller, Paul Rudd, Dylan McDermott, Tom Savini, Kate Walsh, Johnny Simmons

Um elenco jovem em ótimo momento, um roteiro denso, emocionante e muito bem dirigido (pelo mesmo homem responsável pelo livro e por sua adaptação em forma de roteiro) e um grau de realismo muito próximo do que sofrem aqueles que apresentam problemas de depressão, ou simplesmente, daqueles que não conseguem encontrar seu lugar nessa selva chamada humanidade, Vantagens de ser Invisível (titulo que parece contar uma comédia, o que não é de todo incorreto, mas que não faz jus ao filme) é um dos grandes trabalhos do ano que chegam ao Brasil.

Mesmo soando "verde" em alguns momentos - muito pela inexperiência de Chbosky, o diretor realiza seu segundo filme - o filme se apóia em uma historia sensível para emocionar o espectador e trazer uma mensagem de amor e amizade muito poderosa. Partindo do jovem Charlie (Logan Lerman de Percy Jackson e de Três Mosqueteiros), o filme conta a sua historia, a partir de seu primeiro dia no High School (para quem não sabe, o nosso ensino médio), mas diferente do que a maioria das produções americanas sobre o tema faz, deixa seus dois pés no chão. Ambientado no início dos anos 90, uma era pré-internet, onde encontrar uma tribo para se fazer parte era mais difícil, o filme coloca Charlie como um garoto solitário, que encontra a amizade ao lado do sofrido Patrick (Ezra Miller) e da radiante Sam (Emma Watson), meio-irmãos que também estão fora do radar do ser popular. Patrick, por ser homossexual e Sam por ter tido problemas quando era "caloura". Ambos não têm a melhor das reputações entre o meio escolar politicamente correto. Ao lado das também excêntricas Alice (Erin Wilhelmi) uma apaixonada por vampiros e Mary Elizabeth (Mae Whitman) uma punk adolescente redatora de fanzines (quem lembra?) e do "lesado" Bob (Adam Hagenbuch) logo criam um grupo de amigos que envolve o garoto, pela primeira vez, em um ambiente acolhedor, onde seus sentimentos, medos e paixões afloram.

Tudo feito com muito cuidado e atenção para com os personagens, que são todos tridimensionais, até mesmo as participações pequenas dos pais de Charlie e seu irmão mais velho tem espaço para se desenvolver. O destaque é o excelente Ezra Miller, que faz de Patrick, um arquétipo do palhaço, que esconde uma profunda melancolia e tristeza por trás da atmosfera de alegria e despojamento. Já Emma Watson, despe-se de toda a aura fantasiosa de Harry Potter para apresentar Sam, como uma garota em busca de um norte, falível e capaz de servir de apoio e de objeto de desejo para a motivação de Charlie. Lerman por sua vez, surpreende com a complexidade de seu personagem, um garoto marcado por um trauma recente e que vive recluso em seu próprio mundo solitário. Com o desenrolar da historia, que mistura humor e dor, a crônica de sua vida ganha cores mais intensas que culminam em uma resolução visceral e chocante.


Em uma associação barata e até cruel (admito) Vantagens de ser Invisível, é próximo do que Walter Salles pretendeu com seu pedante Na Estrada. Explico minha lógica: em ambos vemos grupos adolescentes em busca de seu lugar no mundo. A diferença é que os adolescentes "libertários" de Salles eram rasos e não tinham traumas a serem enfrentados, apenas a incapacidade e falta de pretensão em crescer. Os garotos de Chbosky são muito mais honestos com suas dificuldades adolescentes e parecem muito mais críveis, principalmente emocionalmente. Se em Na Estrada, todos pareciam super homens (e mulheres) hedonistas sem qualquer envolvimento emocional, Vantagens mostra a dificuldade da paixão, as dificuldades em encontrar seu espaço e principalmente expõe motivos tangíveis às dificuldades dos personagens, sejam eles psicológicos ou não.

Embora o leitor possa pensar que a trama seja profundamente triste, Vantagens é igualmente engraçado e sutil em suas observações sobre o mundo que nos cerca. Auxiliado por uma trilha sonora que faz os trintões (e os mais velhos de espírito, como esse sujeito que escreve) se deliciarem, é um contraponto inteligente ao tal "coming-of-age" tão comumente retratado no cinema, mas dificilmente tão próximo de uma realidade tangível como essa. Da surpresa de Logan Lerman, a consolidação de Ezra Miller, a beleza e competência de Emma Watson e a ponta segura de Paul Rudd (como um professor de literatura que inspira o jovem Charlie), Vantagens é uma aberração no mundo dos filmes sobre adolescentes. Trata os objetos de estudo de forma calorosa, amorosa e piedosa, mas sem esquecer que estão inseridos no mundo real, muito mais duro e cruel do que imaginamos.

Obs: Impossível deixar de mencionar - especialmente para quem é fã, como eu - a homenagem ao fantástico musical Rock Horror Picture Show que está presente na produção.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Moonrise Kingdom


Moonrise Kingdom
(Moonrise Kingdom, 2012)
Comédia/Drama - 94 min.

Direção: Wes Anderson
Roteiro: Wes Anderson, Roman Coppola

Com: Jared Gillman, Suzan Hayward, Bruce Willis, Edward Norton, Bill Murray, Frances McDormand, Tilda Swinton, Jason Schwartzmann, Harvey Keitel


Existem diversos tipos de narradores no Cinema, na Literatura e nas Artes em geral. Obras calcadas em seus personagens, tem como recorrência a análise comportamental, enquanto outras são mais abrangentes e optam por criar um mundo antes de povoa-lo com os habitantes, caso bastante comum nas ficções-científicas conceituais. Wes Anderson, celebrado roteirista por conceber seus tipos cômico-dramáticos em um mundo fabulesco e diferenciado, é um caso raro de realizador que consegue ser bem sucedido nos dois espectros. Viagem a Darjeeling, Os Excêntricos Tenembaums, Três é Demais e até a sua animação stop-motion O Fantástico Senhor Raposo tinham uma visão particular sobre tudo á volta de seus personagens, com elementos que construíam um elegante realismo fantástico.

No primeiro travelling de Moonrise Kingdom, já se nota a personalidade de Anderson. O enquadramento milimétrico, sucedido por um movimento de câmera cuidadosamente planejado, revela a casa dos Bishop. A curiosa arquitetura do local ilustra com precisão a criação de um novo mundo. Os objetos estão dispostos de uma maneira que nos dá a impressão de que tudo ali é em miniatura. Logo depois, Anderson organiza um panorama sobre os escoteiros de New Penzance. Nos dois ambientes, falta alguém no quadro.

E Moonrise Kingdom parte do desaparecimento delas para criar uma mágica história de aceitação e inocência. É um conto fantasioso em sua ambientação, mas incrivelmente humano em seu desenvolvimento de personagens. Excêntrico e recheado de personagens atraentes por suas sutis nuances, o excelente novo filme de Anderson impressiona por seu equilíbrio emocional e uma honestidade característica.


A questão do conceito de ordem naquele encantador universo é curiosa, o que só reforça a fábula. Em certa passagem, o policial diz aos advogados para o chamarem, caso vejam algo fora do comum. Quando acontece o corte, vemos um plano aberto onde é revelada a estética de miniatura fantasiosa da casa. Além disso, uma casa da árvore, sustentada por um mísero tronco fino, surge em tela em outro momento, como algo vindo direto do mundo onírico. 

Em Moonrise Kingdom, o incomum é uma questão delicada: os escoteiros acham que são guerreiros (e são vistos como tal), são apresentados em um plano-sequência que parece um relatório de guerra e o exército de escoteiros parece vindo diretamente de Coração nas Trevas (até a estrutura da sub-trama lembra o livro de Joseph Conrad). E o respeitoso casal Bishop troca palavras de maneira mecânica, como se fossem apenas colegas de profissão.

Anderson apresenta o mundo de forma concisa, com uma direção de arte que consegue ser belíssima e criativa e, ainda assim, alcançar um nível teatral que só é reforçado pela estética do diretor, que sempre deixa claro que estamos em um universo à parte (como na cena em que o LP é desligado e a música não-diegética se torna diegética). E sua concisão ajuda o desenvolvimento de Sam e Suzy. O mundo é criado dessa forma para depois sabermos dos personagens – e nos aprofundarmos neles e entendermos seus conflitos.


O primeiro contato do casal é feito em uma situação infantil, mas o roteiro de Anderson e Roman Coppola constrói a cena com a maturidade característica dos pré-adolescentes que acompanhamos pelos lindos 95 minutos. A seriedade com que Sam aborda as meninas no camarim (na já clássica cena, presente no trailer) para, logo após, expressar com imponência seu interesse por Suzy é o que chama mais a atenção.

Ao procurar as motivações da fuga, o filme investe na expressiva montagem de Andrew Weisblum para mostrar a brilhante troca de cartas entre Sam e Suzy. A dificuldade da comunicação (que inclui cartas minúsculas, como “Quando? Sam.” “Onde? Suzy.”) é divertidíssima e a aproximação do casal nesse flashback é sensível de forma marcante, despertando uma leve nostalgia romântica no espectador. E o encontro no campo, aliado a essa breve demonstração de afeto e confiança entre as cartas dos dois protagonistas, serve como preparação para a imersão total nas ambições e expectativas dos maduros personagens. 

Na praia, Suzy lê seus livros e conversa com seu parceiro sobre sua relação complicada com as outras pessoas do seu círculo social. Já Sam trabalha com suas ferramentas de escoteiro e pensa no diferenciado gosto e temperamento de sua personalidade em comparação aos outros. Ambos interagem com um grande carinho que só é ressaltado pela expressividade do que pensam e transmitem um com o outro as nobres intenções que tem para suas vidas (o amor os motiva, afinal). Nisso, as soberbas atuações dos estreantes Jared Gilman e Kara Hayward são precisas: a sisudez dos dois nos passa uma ideia ainda maior da maturidade de seu relacionamento.


Seria estreito, porém, pensar no roteiro de Anderson e Coppola como um mero coming-of-age, ainda que muitos traços da tal chegada da idade apareçam. A peculiaridade do mundo ao redor de Sam e Suzy faz com que ambos se sintam atraídos a desfrutar dele, fugindo da sociedade um tanto repressora de New England. Outsiders mesmo em um mundo fabulesco onde Anderson é autor inquestionável, os dois jovens constroem seu próprio paraíso onde podem ser os ícones que quiserem, sem deixar de possuírem seus pensamentos. Sam é um herói de guerra que fuma cachimbo e bebe cerveja, Suzy é uma Lolita pintora que reage com naturalidade a conversas sobre depressão. Os dois dançam música francesa, pulam no mar e dormem juntos em uma barraca como se fossem dois artistas naturalistas dos anos 50. Ali, até o primeiro contato com a sexualidade (a cena do beijo na praia é ótima e engraçadíssima) acontece. E a divertida situação só não se destaca mais do que a reação deliciosamente sisuda de Suzy.

Como narrador Anderson também impressiona devido à estrutura interessante do roteiro. A citação inicial ao furacão dá um caráter urgente ao ritmo da narrativa, algo que só se exacerba no, acredite, tenso clímax da película. Se em O Fantástico Senhor Raposo Anderson exibia um olho especial para apresentar seus primeiros atos, mas falhava ao decair o ritmo no terceiro ato, aqui o diretor demonstra firmeza ao creditar na força de suas imagens (a face chamativa de Hayward registrada no final, na igreja, é marcante, com uma expressividade ímpar) concebidas com a fotografia precisa de Robert Yeoman. 

Mantendo a sua essência de mesclar com ternura a comédia e o drama, o diretor exibe sua estética com destreza e age como se estivesse na melhor forma de seu próprio gênero, bem característico a si. E os enquadramentos milimétricos aqui são impressionantes, já que funcionam para diferentes registros. Se Suzy e Sam são filmados assim por serem complementares, o take milimétrico que separa Sharp da outra voz no telefone é o mesmo na conversa com duas autoridades diferentes, o que só mostra que a reação passiva do policial é comum aos dois casos, o que é brilhante na sutileza.


Em certo ponto, Sam é questionado. “Por que a pressa?”, dizem ao menino. É uma necessidade bem contemporânea, essa de ter urgência em realizar tudo o que quer. É um conceito antigo o de que é com o tempo que se consegue as coisas, que o imediatismo não leva a nada. O que torna os heróis de Moonrise Kingdom diferenciados é que o desejo de ser adulto é acompanhado da maturidade necessária de um adulto formado. Maturidade essa que falta, curiosamente, aos personagens de mais idade no filme. O Capitão Sharp de Willis é amargurado e inseguro, o Escoteiro-Chefe de Norton diverte justamente pela sua rigidez exacerbada no posto, o casal de advogados vivido por Frances McDormand e Bill Murray se tratam como colegas de trabalho (mesmo casados), a atendente social é unidimensional em sua alma megera. E mesmo vivendo nesse realismo fantástico, onde nada é comum, os adultos são imaturos e as crianças que impressionam, o conflito da inocência do fortíssimo sentimento do casal é vista com inadequação perto da sociedade.

Não é questão de saber seu gosto e odiar o do outro por se julgar superior (nosso casal não é hipster). É um auto-questionamento sobre as diferenças que tornam o casal mais maduro que o resto. Em certo momento, Suzy diz que rouba livros apenas por saber que aquilo seria manter um segredo. É uma procura extremamente coerente, essa de buscar um sentido para suas ações em uma sociedade que, mesmo fabulesca, segue presa a convenções. Impõe um julgamento raso a crianças apenas pela sua idade, o que não poderia ir mais contra nossos protagonistas.

Na ótima cena da enfermaria (onde a tensão, por sinal, é pontuada por um aparelho de saúde), Sam questiona o porquê do outro escoteiro não gostar dele. A resposta não poderia representar mais o filme.


“Ninguém gosta. Por que eu deveria gostar?”

É por brigar contra o comum que Sam e Suzy conseguem um objetivo diferenciado. Mais ou menos o que procura Wes Anderson com seus filmes: abolir o normal com sua encantadora fantasia.


domingo, 14 de outubro de 2012

Oslo, 31 de Agosto - Abrir Puertas y Ventanas


Oslo, 31 de Agosto
(Oslo, 31. August, 2011)
Drama - 95 min.

Direção: Joachim Trier

Roteiro: Joachim Trier e Eskil Vogt

com: Anders Danielsen Lee, Hans Olav Brenner, Ingrid Olava



É comum na cinematografia de Lars Von Trier os temas que tratam da psique humana e de suas patologias. A depressão – que atingiu o realizador com dureza durante uma boa parte de sua vida – é o eixo principal da maioria de suas narrativas, tendo seus dois últimos filmes – O Anticristo e Melancolia – como exemplos cristalinos dessa recorrência temática.  Primo de Von Trier, o cineasta norueguês Joachim Trier busca em Oslo, 31 de Agosto um embasamento muito parecido com o do parente dinamarquês para falar da doença espiritual que aflige tantos pelo mundo, mas consegue ir além.
Baseado no romance Le Feu Follet, de Pierre Drieu La Rochelle, Oslo conta a história de Anders, um homem de 34 anos com histórico de vício, que está em processo de alta da clínica de reabilitação em que se encontra. Vemos desde o início, entretanto, que mesmo limpo - sem fazer uso de algum entorpecente há meses – a saúde de Anders não apresenta um real estado de melhora. Ora, não poderia ser diferente: o dilema do protagonista com as drogas não é a causa, mas sim um efeito de seus problemas. Tratando de seu comportamento viciado, a clínica apenas repara momentaneamente seus sintomas, mas não consegue alcançar de fato a origem de sua enfermidade – sua mente.
Desde o princípio vemos a afinidade de Anders com a morte, e mesmo que não esteja completamente decidido a efetuá-la, estar bem próximo desta, flertando com a mesma, já é algo que demonstra sua total deterioração por dentro. Trier mostra tudo isso com a frieza freudiana digna de um analista sedento por entendimento, mas que não compartilha emoções ou almeja ajudar seu paciente. Essa distância emocional do cineasta é ilustrada e reforçada pela fotografia gélida e praticamente destituída de cores que o diretor opta por utilizar. Esse tratamento direto e sem resquícios de sentimentalismo dá ao realizador uma posição mui privilegiada para realizar e aprofundar suas percepções sobre o tema.



Talvez seja justamente esse o cânion estilístico que separe os dois primos escandinavos. Enquanto Von Trier exibe constantemente o melodrama e as chagas sentimentais de seus personagens para comover o público, seu primo – distante que fique claro -  tende a posicionar-se como mero observador, sem conexões afetivas com seu personagem. As duas abordagens são igualmente válidas, mas para um estudo comportamental – que é a proposta de Oslo – uma postura mais analítica abre mais opções de aprofundamento.
O cineasta então pode dissertar sem receio de agredir as emoções do espectador, ou mesmo as emoções do personagem. Somos levados desta forma ao âmago do estudo, e diversos momentos do longa saltam aos olhos por sua sinceridade. O diálogo entre Anders e Thomas resulta numa conclusão bastante realista, mas amarga: a depressão é uma doença contagiosa. Ela pode ser transmitida de um doente para quem estiver por perto e ousar trocar idéias com o mesmo. Isso só gera mais isolamento para aquele que é atormentado pela depressão – e não é a toa que depois de ouvir certas verdades indigestas sobre sua vida, Thomas nem mesmo aparece de novo na película. Ironicamente, o isolamento só é um fator que potencializa a doença. Ainda pior é ter a mensagem nas entrelinhas que, além de ter sua vida destruída, o depressivo pode acarretar a desgraça de seus entes queridos caso peça ajuda. Com tais convicções – verídicas na maioria das vezes, infelizmente – realmente seria impraticável uma abordagem emotiva com seus personagens.
E talvez o ponto que mais ressoe por todo o filme seja o momento em que Anders entra em conflito com o mundo a sua volta. Isso está latente em toda a película e Trier é esperto por deixar essa indisposição gravada em imagens: em diversos takes, o diretor toma a decisão de mudar o foco, primeiro deixando o protagonista embaçado, com Oslo ao fundo, nítida. Depois o foco se inverte, mostrando que o mundo ao redor de Anders nunca se mistura com ele, e que os dois são estranhos, avessos um ao outro.



A insatisfação de Anders ganha corpo de fato na narrativa no momento em que ele passa a observar a conversa de pessoas a sua volta no bar.  Muito inteligente e original da parte do roteiro, que ao invés de focalizar o drama do protagonista ao chafurdar nos insucessos de seu próprio passado, foca no desespero do mesmo ao perceber os diversos insucessos futuros nas vidas de tantos anônimos. A menina que lista uma sequência irrealizável de afazeres que pretende alcançar pela vida é a encarnação da depressão futura. Nesse momento Anders sai do bar. Sua depressão entra em metástase e ele autoriza a si mesmo a seguir rumo à destruição.
Oslo é um filme muito bem estruturado em seus núcleos, e ao mostrar o atormentado protagonista passando por diversos pontos da cidade tentando exorcizar seus males, ele disseca vários aspectos da depressão, e remete-nos diretamente a filmes como Sozinho Contra Todos e até mesmo ao recente Cosmópolis. Um trabalho maduro de um diretor que mostra ter talento para fazer muito mais. A frase analítica de Proust que ecoa em nossa mente ao pensar sobre o filme é digna da postura freudiana escolhida pelo realizador: “Tentar entender o desejo como uma mulher nua é o mesmo que uma criança tentar entender o que é tempo ao quebrar um relógio.” Talvez essa falta de compreensão do que é o desejo seja um dos precursores da depressão vivida por Anders.

Abrir Puertas y Ventanas
(Abrir Puertas y Ventanas, 2011)
Comédia - 99 min.

Direção: Milagros Mumenthaler
Roteiro: Milagros Mumenthaler

com: María Canale, Martina Juncadella, Ailín Salas

Desde o primeiro frame da produção independente argentina  Abrir Puertas y Ventanas, a curiosidade pelo que desconhecemos na narrativa nos intriga. O drama familiar sobre três irmãs desconexas pinta uma história que aparentemente discursa sobre uma família disfuncional, mas que na realidade trata de assuntos mais primitivos e complexos do que se imagina.  O filme da estreante em longas-metragens Milagros Mumenthaler fala sobre culpa, segredos guardados, mas principalmente sobre contato humano.
O roteiro assinado por Mumenthaler constrói a trama de três irmãs bastante distintas entre si – Marina, Sofia e Violeta Tauss - que tentam superar a recente morte da avó que as criou. Cada uma tem sua própria forte personalidade, e também seus segredos e preocupações.  O filme se desenrola inicialmente sem contar explicitamente nenhuma história, mas na verdade, constrói aos poucos personagens verdadeiros com conflitos que são demonstrados sutilmente, e que crescem de maneira gradativa ao longo da projeção.
A justificativa para o título fica evidente com pouco tempo de tela: numa apertada (e quente) casa que é habitada por três mulheres, há muito que pode passar despercebido entre elas – mas não para o espectador. Uma visita que ainda não foi embora e ouve a conversa é observada pelo reflexo na janela; uma porta entreaberta permite que uma irmã espione o guarda-roupa da outra; o barulho de cada uma pode ser aumentado ou diminuído pela decisão de bater a porta ou não. Esses pequenos fragmentos que se perdem no universo diegético do filme são importantíssimos na composição do ambiente de constante desconfiança instaurado na casa. Com mão boa para a direção, Mumenthaler não perde esses momentos, e auxiliada por um design de som invejável, consegue deixa-los mais representativos para a platéia.
Tudo isso serve para ilustrar o sentimento de cada irmã em relação à outra, e não são poucos. Sofia entra sempre no embate com Marina, que é aquela que se sente responsável pelas outras. Em contrapartida, Marina repreende as roupas decotadas de Sofia. Nesse meio, Violeta assume uma postura mais reservada e cínica, e acaba se firmando como a mais consciente do que ocorre entre os muros da casa. A grande dificuldade nesse imbróglio é estabelecer o contato – seja ele visual ou físico – entre as irmãs.  É clássica a dificuldade de se relacionar para aqueles que sofrem o luto, mas em Abrir Puertas y Ventanas o objetivo não é em saber como esse contato se perdeu, mas de que forma ele pode ser restabelecido.



Por isso mesmo o título faz ainda mais sentido no que tange o sentido figurado. É preciso que as irmãs abram as portas de suas almas para que a família volte ao equilíbrio.  Durante o primeiro ato do longa, vemos que todas se escondem por trás de máscaras da fachada. Então, numa belíssima cena que serve de turning point para a narrativa, vemos as irmãs juntas, emocionando-se com uma música melódica. É o primeiro momento até ali em que as irmãs conseguem imprimir uma abertura. Ali elas se dão conta da perda, não só da avó, mas também da relação entre elas mesmas.
A partir daí, o contato volta a ser estabelecido, mas nada é tão fácil. Com o retorno da sinceridade, do diálogo, voltam também os conflitos, as brigas. O momento em que Marina parte pra cima da irmã;  ou quando Sofia bate a porta repetidas vezes; ou naquele onde Marina procura contato com outra pessoa:  são momentos simbólicos. Um processo natural e verossímil que compreende que antes do entendimento, é necessária a catarse, para exorcizar o tempo de isolamento por trás das máscaras de cada uma. A direção, muito perspicaz e segura, consegue realizar em várias situações planos estáticos, mas também planos-sequência de movimentação muitíssimo lenta, que configuram em tela o entendimento de que o processo de reconciliação é gradativo e não automático.
Uma grata surpresa de orçamento baixo, Abrir Puertas y Ventanas ainda impressiona pela qualidade de suas jovens atrizes, que respondem ao chamado assim que se faz necessária uma postura mais forte ou uma demonstração de carga dramática mais pesada. Atuam com naturalidade e ajudam a construir personagens completamente tridimensionais. Por ser um trabalho de estréia na direção de longas, perdoa-se um erro aqui ou ali na montagem- algumas partes poderiam ser simplesmente suprimidas- ou na decupagem, em detrimento de um belo trabalho narrativo que demonstra grande sensibilidade ao tratar de relações humanas.