domingo, 14 de outubro de 2012

Oslo, 31 de Agosto - Abrir Puertas y Ventanas


Oslo, 31 de Agosto
(Oslo, 31. August, 2011)
Drama - 95 min.

Direção: Joachim Trier

Roteiro: Joachim Trier e Eskil Vogt

com: Anders Danielsen Lee, Hans Olav Brenner, Ingrid Olava



É comum na cinematografia de Lars Von Trier os temas que tratam da psique humana e de suas patologias. A depressão – que atingiu o realizador com dureza durante uma boa parte de sua vida – é o eixo principal da maioria de suas narrativas, tendo seus dois últimos filmes – O Anticristo e Melancolia – como exemplos cristalinos dessa recorrência temática.  Primo de Von Trier, o cineasta norueguês Joachim Trier busca em Oslo, 31 de Agosto um embasamento muito parecido com o do parente dinamarquês para falar da doença espiritual que aflige tantos pelo mundo, mas consegue ir além.
Baseado no romance Le Feu Follet, de Pierre Drieu La Rochelle, Oslo conta a história de Anders, um homem de 34 anos com histórico de vício, que está em processo de alta da clínica de reabilitação em que se encontra. Vemos desde o início, entretanto, que mesmo limpo - sem fazer uso de algum entorpecente há meses – a saúde de Anders não apresenta um real estado de melhora. Ora, não poderia ser diferente: o dilema do protagonista com as drogas não é a causa, mas sim um efeito de seus problemas. Tratando de seu comportamento viciado, a clínica apenas repara momentaneamente seus sintomas, mas não consegue alcançar de fato a origem de sua enfermidade – sua mente.
Desde o princípio vemos a afinidade de Anders com a morte, e mesmo que não esteja completamente decidido a efetuá-la, estar bem próximo desta, flertando com a mesma, já é algo que demonstra sua total deterioração por dentro. Trier mostra tudo isso com a frieza freudiana digna de um analista sedento por entendimento, mas que não compartilha emoções ou almeja ajudar seu paciente. Essa distância emocional do cineasta é ilustrada e reforçada pela fotografia gélida e praticamente destituída de cores que o diretor opta por utilizar. Esse tratamento direto e sem resquícios de sentimentalismo dá ao realizador uma posição mui privilegiada para realizar e aprofundar suas percepções sobre o tema.



Talvez seja justamente esse o cânion estilístico que separe os dois primos escandinavos. Enquanto Von Trier exibe constantemente o melodrama e as chagas sentimentais de seus personagens para comover o público, seu primo – distante que fique claro -  tende a posicionar-se como mero observador, sem conexões afetivas com seu personagem. As duas abordagens são igualmente válidas, mas para um estudo comportamental – que é a proposta de Oslo – uma postura mais analítica abre mais opções de aprofundamento.
O cineasta então pode dissertar sem receio de agredir as emoções do espectador, ou mesmo as emoções do personagem. Somos levados desta forma ao âmago do estudo, e diversos momentos do longa saltam aos olhos por sua sinceridade. O diálogo entre Anders e Thomas resulta numa conclusão bastante realista, mas amarga: a depressão é uma doença contagiosa. Ela pode ser transmitida de um doente para quem estiver por perto e ousar trocar idéias com o mesmo. Isso só gera mais isolamento para aquele que é atormentado pela depressão – e não é a toa que depois de ouvir certas verdades indigestas sobre sua vida, Thomas nem mesmo aparece de novo na película. Ironicamente, o isolamento só é um fator que potencializa a doença. Ainda pior é ter a mensagem nas entrelinhas que, além de ter sua vida destruída, o depressivo pode acarretar a desgraça de seus entes queridos caso peça ajuda. Com tais convicções – verídicas na maioria das vezes, infelizmente – realmente seria impraticável uma abordagem emotiva com seus personagens.
E talvez o ponto que mais ressoe por todo o filme seja o momento em que Anders entra em conflito com o mundo a sua volta. Isso está latente em toda a película e Trier é esperto por deixar essa indisposição gravada em imagens: em diversos takes, o diretor toma a decisão de mudar o foco, primeiro deixando o protagonista embaçado, com Oslo ao fundo, nítida. Depois o foco se inverte, mostrando que o mundo ao redor de Anders nunca se mistura com ele, e que os dois são estranhos, avessos um ao outro.



A insatisfação de Anders ganha corpo de fato na narrativa no momento em que ele passa a observar a conversa de pessoas a sua volta no bar.  Muito inteligente e original da parte do roteiro, que ao invés de focalizar o drama do protagonista ao chafurdar nos insucessos de seu próprio passado, foca no desespero do mesmo ao perceber os diversos insucessos futuros nas vidas de tantos anônimos. A menina que lista uma sequência irrealizável de afazeres que pretende alcançar pela vida é a encarnação da depressão futura. Nesse momento Anders sai do bar. Sua depressão entra em metástase e ele autoriza a si mesmo a seguir rumo à destruição.
Oslo é um filme muito bem estruturado em seus núcleos, e ao mostrar o atormentado protagonista passando por diversos pontos da cidade tentando exorcizar seus males, ele disseca vários aspectos da depressão, e remete-nos diretamente a filmes como Sozinho Contra Todos e até mesmo ao recente Cosmópolis. Um trabalho maduro de um diretor que mostra ter talento para fazer muito mais. A frase analítica de Proust que ecoa em nossa mente ao pensar sobre o filme é digna da postura freudiana escolhida pelo realizador: “Tentar entender o desejo como uma mulher nua é o mesmo que uma criança tentar entender o que é tempo ao quebrar um relógio.” Talvez essa falta de compreensão do que é o desejo seja um dos precursores da depressão vivida por Anders.

Abrir Puertas y Ventanas
(Abrir Puertas y Ventanas, 2011)
Comédia - 99 min.

Direção: Milagros Mumenthaler
Roteiro: Milagros Mumenthaler

com: María Canale, Martina Juncadella, Ailín Salas

Desde o primeiro frame da produção independente argentina  Abrir Puertas y Ventanas, a curiosidade pelo que desconhecemos na narrativa nos intriga. O drama familiar sobre três irmãs desconexas pinta uma história que aparentemente discursa sobre uma família disfuncional, mas que na realidade trata de assuntos mais primitivos e complexos do que se imagina.  O filme da estreante em longas-metragens Milagros Mumenthaler fala sobre culpa, segredos guardados, mas principalmente sobre contato humano.
O roteiro assinado por Mumenthaler constrói a trama de três irmãs bastante distintas entre si – Marina, Sofia e Violeta Tauss - que tentam superar a recente morte da avó que as criou. Cada uma tem sua própria forte personalidade, e também seus segredos e preocupações.  O filme se desenrola inicialmente sem contar explicitamente nenhuma história, mas na verdade, constrói aos poucos personagens verdadeiros com conflitos que são demonstrados sutilmente, e que crescem de maneira gradativa ao longo da projeção.
A justificativa para o título fica evidente com pouco tempo de tela: numa apertada (e quente) casa que é habitada por três mulheres, há muito que pode passar despercebido entre elas – mas não para o espectador. Uma visita que ainda não foi embora e ouve a conversa é observada pelo reflexo na janela; uma porta entreaberta permite que uma irmã espione o guarda-roupa da outra; o barulho de cada uma pode ser aumentado ou diminuído pela decisão de bater a porta ou não. Esses pequenos fragmentos que se perdem no universo diegético do filme são importantíssimos na composição do ambiente de constante desconfiança instaurado na casa. Com mão boa para a direção, Mumenthaler não perde esses momentos, e auxiliada por um design de som invejável, consegue deixa-los mais representativos para a platéia.
Tudo isso serve para ilustrar o sentimento de cada irmã em relação à outra, e não são poucos. Sofia entra sempre no embate com Marina, que é aquela que se sente responsável pelas outras. Em contrapartida, Marina repreende as roupas decotadas de Sofia. Nesse meio, Violeta assume uma postura mais reservada e cínica, e acaba se firmando como a mais consciente do que ocorre entre os muros da casa. A grande dificuldade nesse imbróglio é estabelecer o contato – seja ele visual ou físico – entre as irmãs.  É clássica a dificuldade de se relacionar para aqueles que sofrem o luto, mas em Abrir Puertas y Ventanas o objetivo não é em saber como esse contato se perdeu, mas de que forma ele pode ser restabelecido.



Por isso mesmo o título faz ainda mais sentido no que tange o sentido figurado. É preciso que as irmãs abram as portas de suas almas para que a família volte ao equilíbrio.  Durante o primeiro ato do longa, vemos que todas se escondem por trás de máscaras da fachada. Então, numa belíssima cena que serve de turning point para a narrativa, vemos as irmãs juntas, emocionando-se com uma música melódica. É o primeiro momento até ali em que as irmãs conseguem imprimir uma abertura. Ali elas se dão conta da perda, não só da avó, mas também da relação entre elas mesmas.
A partir daí, o contato volta a ser estabelecido, mas nada é tão fácil. Com o retorno da sinceridade, do diálogo, voltam também os conflitos, as brigas. O momento em que Marina parte pra cima da irmã;  ou quando Sofia bate a porta repetidas vezes; ou naquele onde Marina procura contato com outra pessoa:  são momentos simbólicos. Um processo natural e verossímil que compreende que antes do entendimento, é necessária a catarse, para exorcizar o tempo de isolamento por trás das máscaras de cada uma. A direção, muito perspicaz e segura, consegue realizar em várias situações planos estáticos, mas também planos-sequência de movimentação muitíssimo lenta, que configuram em tela o entendimento de que o processo de reconciliação é gradativo e não automático.
Uma grata surpresa de orçamento baixo, Abrir Puertas y Ventanas ainda impressiona pela qualidade de suas jovens atrizes, que respondem ao chamado assim que se faz necessária uma postura mais forte ou uma demonstração de carga dramática mais pesada. Atuam com naturalidade e ajudam a construir personagens completamente tridimensionais. Por ser um trabalho de estréia na direção de longas, perdoa-se um erro aqui ou ali na montagem- algumas partes poderiam ser simplesmente suprimidas- ou na decupagem, em detrimento de um belo trabalho narrativo que demonstra grande sensibilidade ao tratar de relações humanas.

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