quinta-feira, 20 de dezembro de 2012


As Aventuras de Pi
(Life of Pi, 2012)
Drama/Aventura - 127 min.

Direção: Ang Lee
Roteiro: David Magee

com: Suraj Sharma, Irrfan Khan, Adil Hussein, Tabu, Rafe Spall, Gérard Depardieu

Essa é a melhor representação que vi na tela grande sobre a necessidade do ser humano em ter fé e acreditar em alguma coisa além do que seus olhos veem. E você nem precisa acreditar nessa visão de mundo para entender e se apaixonar pela jornada de beleza impecável do jovem Pi, um garoto indiano que, perdido no mar, precisa encontrar uma forma de sobreviver. Também é um tratado sobre a força do contador de histórias, uma tradição humana que remonta as cavernas e que é fundamental na construção de nossa sociedade. 

Dirigido por Ang Lee, um dos diretores de maiores sensibilidade do cinema mundial, Aventuras de Pi é um deslumbre para os olhos e uma historia aguda, levemente questionadora com final surpreendentemente agridoce e com personagens (humanos ou não) absolutamente carismáticos.

Pi (ou melhor Piscine) é um jovem indiano cujo pai tem um zoológico e que foi criado num lar amoroso, entre um pai racional e uma mãe aberta as mais diferentes manifestações de fé, embora mantenha sua crença no hinduismo. Pi, um garoto curioso, abraça todas as características que para ele são positivas em cada uma das manifestações religiosas exemplificado num dos momentos mais geniais do ano em que agradece a Vishnu (divindade hinduísta) por ter lhe apresentado Cristo, num maravilhoso exemplo de sincretismo religioso.


Reconheço, no entanto, que a narrativa tem suas falhas pontuais. Todo o primeiro arco do filme, ambientado na Índia e que mostra o dia a dia de Pi, suas descobertas e primeiras "aventuras" é cansativo, mas essencial para a compreensão dos personagens e principalmente da personalidade do protagonista.

A trama se desenrola em dois tempos. Na atualidade, um Pi de meia idade conta sua historia para um escritor francês intrigado com sua historia de sobrevivência. A outra linha narrativa é justamente a historia contada por Pi. Esse detalhe é importante e fundamental para o espectador não sair do cinema perdido com o que viu. Assim como em J.Edgar (quem lembra?) pra ficar em um exemplo recente, a historia da vida de Pi nos chega depois de filtrada pelos olhos, imaginação, lembranças e omissões do hoje senhor de meia idade. É como ouvir um conto de um sujeito, a partir de seus relatos e depois confrontá-los com os fatos. É a forma que Ang Lee encontrou para ir além das ideias sobre sincretismo e fé, e também abordar a força de uma boa história.

É por isso, que a Índia de Pi é tão bucólica e de sonho, já que é a lembrança de um homem a respeito de sua terra natal. Essa sensação é elevada à enésima potencia quando sua família está de saída da Índia, em busca de um novo começo no Canadá a bordo de um navio levando a tiracolo os animais do zoológico. Um terrível acidente vitima a embarcação e Pi sobrevive cercado de alguns animais do zoológico. Uma zebra ferida, um orangotango, uma hiena e o mítico Richard Parker, um tigre de bengala temperamental.


A partir dai, somos envolvidos em uma narrativa de sobrevivência, mas diferente do melodrama fácil de O Náufrago, Pi tenta nos encantar pelas imagens impecáveis, de uma beleza plástica incomum, realmente nos dando a impressão de não estarmos com o garoto no mar, mas em um mundo onírico, único e inalcançável.

A qualidade visual também esbarra na criação de animais absurdamente críveis, mas ainda sim com um toque quase mágico em suas expressões faciais e movimentação. Sim, Richard Parker, em grande parte do filme é fruto da tecnologia. Um deslumbre verdadeiramente impressionante. Desde a criação da movimentação do animal, passando pela pelagem e seus olhos profundos, tudo encanta.

A grande dúvida, conhecendo a sinopse, era a mágica que deveria ser feita para que o espectador não dormisse no cinema, depois de acompanhar mais de uma hora de um jovem sozinho dentro de um barco, quase sem diálogos. O uso de um improvisado diário, sua interação absolutamente natural com o tigre Richard Parker e pontuais retornos aos dias de hoje, fazem da montagem do filme uma das mais inteligentes do ano, conseguindo a proeza de não entediar o espectador.


Aventuras de Pi é um filme de camadas, com interpretações variadas sobre alguns assuntos e que culmina em uma chocante e tocante reviravolta que nos diz muito a respeito das ações do ser humano (sem o pedantismo tão comum em obras assim). A partir de um microcosmo, Lee consegue contar uma historia sobre as aventuras da vida de todos nós, e das escolhas que fazemos para nos mantermos sãos e felizes.

Uma delas é a relação realista com um animal feroz. Depois que terminamos o filme e somos apresentados às respostas a respeito dessa incrível jornada, podemos percebemos ainda mais essa ideia de Lee em nos aproximarmos da natureza, da visão da deidade, sem, no entanto, nos esquecermos de que animais e humanos são diferentes em diversos aspectos e que não devemos ver um tigre (no caso) como um animal dócil, mas como um ser irascível e capaz de tudo para sobreviver. Em uma analogia óbvia (e que o filme faz), é a mesma visão que Lee tem para com nós mesmos. Dentro de toda nossa civilidade, somos capazes de momentos de pura fúria e de encantamento. Somos mais um grão na infinidade do universo, capazes de tudo para sobrevivermos.

Outro questionamento, para mim, o maior de todos eles, é sobre a importância dos fatos mediante as muitas lendas que povoam nossas vidas. Nossas opções de crença e de valores são diretamente influenciadas pela nossa felicidade. Nossa fé nos leva a crer naquilo que - primeiramente - nos faz nos sentir bem. Essa é uma discussão dolorosa, complexa e agridoce, e que faz do filme muito mais importante do que uma mera viagem astral/transcendental com um tigre.


Seus questionamentos sobre a natureza da fé, sobre nossa identificação com aquilo que nos serve como porto seguro e que nos afaga num momento de tristeza são muito bem colocados. É um retrato duro, doloroso, belíssimo e tocante sobre a relação da fé com o ser humano e do poder das historias em nossa vida. 

Contando com uma interpretação inspiradíssima do garoto Suraj Sharma (que atua boa parte do tempo sozinho), Aventuras de Pi é um amalgama sobre fé, humanidade, escolhas, virtudes e defeitos que todos nós podemos enfrentar. Um verdadeiro catecismo.

domingo, 16 de dezembro de 2012

A Origem dos Guardiões


A Origem dos Guardiões
(Rise of the Guardians, 2012)
Aventura - 97 min.

Direção: Peter Ramsey
Roteiro: David Lindsey-Abaire

com as vozes de: Hugh Jackman, Alec Baldwin, Isla Fisher, Jude Law, Dakota Goyo

O mercado das animações blockbuster de estúdios consagrados anda um tanto estagnado. Todo ano, havia os lançamentos das três grandes: Pixar, Dreamworks e Disney. Enquanto a Pixar representava uma bússola de qualidade, sempre ousando mais que a concorrente e a parceira Disney, a produtora de Spielberg se entregava à sua já conhecida diversão passageira e recheada de referências à cultura Pop. Após a queda de qualidade da Pixar com os fracassados lançamentos de Valente e, principalmente, Carros 2, a Dreamworks teve finalmente uma chance de se destacar desses estúdios, tanto nas premiações quanto no próprio imaginário do espectador. Afinal, para o espectador seria mais fácil se lembrar da qualidade de Como Treinar o Seu Dragão se Toy Story 3 não tivesse sido lançado no mesmo ano.

Porém, se antes o descompromisso e o deboche eram a regra (Shrek, O Espanta Tubarões, Os Sem-Floresta), com o tempo o estúdio foi se adequando ao mercado e investindo em conceitos formulaicos para obter sucesso. A partir do leve fracasso de Bee Movie, as animações da casa raramente surpreendiam o espectador, entregando entretenimento bem executado, mas nada memorável. Como agora os super-heróis estão novamente em pauta, os criadores de Kung Fu Panda, como em Megamente, lançam um produto do subgênero.
E a prometida revolução ensaiada em Megamente, como debatida na minha crítica do filme, novamente permanece suspensa. A Origem dos Guardiões é interessante e intenso, puxando um pouco do apelo emocional que tornou Como Treinar... o melhor filme do estúdio, mas pouco faz pelo gênero além de entregar um Vingadores versão Contos de Fada.

Desde o princípio, fica clara a intenção do filme de Peter Ramsey em construir uma jornada de superação ao protagonista eleito, Jack Frost. A bela cena inicial, que impacta pela queda no lago e prossegue detalhando a vida de Frost com seus poderes recém-adquiridos, serve bem ao ambientar o passado e motivação do herói (ainda que a narração em off seja bem expositiva). Após a origem de Frost, o panorama super-heroico do grupo do título se estabelece aos poucos. O sinal da Lua avisa ao Papai Noel que o vilão Bicho Papão está de volta, dessa vez, muito poderoso. Rapidamente, ele se reúne com o Coelho, a Fada do Dente e Sandman, o senhor dos Sonhos.


Como em um filme de roubo, o novato no grupo Frost é o encarregado de mostrar todos os pormenores do grupo. Assim, a Dreamworks é liberada para executar cenas como a dos ajudantes do Noel se preparando para o Natal, o Coelho concebendo seus ovos para a Páscoa e as fadas-mirins auxiliando a Fada do Dente a entregar todos os dólares pelo mundo inteiro. Além de visualmente impressionantes (Guillermo Del Toro é produtor-executivo e consultor visual do filme), essas sequências divertem por conferir explicações “plausíveis” para esses mitos que entregam tantos presentes em tão pouco tempo. Então, os ovos de Páscoa são coloridos em uma espécie de refúgio artesanal subterrâneo, e as distribuições de Natal e dos dentes são transformadas em mega-operações quase de espionagem, onde tudo é minuciosamente estudado e executado. Além, é claro, de serem divididas em segmentos regionais (muito esperta a ideia de criar um “setor europeu” para as fadas). Funcionam também as piadas entre os mitos, que trocam diálogos divertidos baseados em suas funções (a Fada diz para Noel que “é fácil falar quando se trabalha só uma vez ao ano, diferente de mim”). E por mais que essas tiradas sejam por vezes bastante óbvias (Sandman aparecer dormindo às vezes é de uma previsibilidade ímpar), o senso de humor do filme é tão bobo e sua narrativa é tão leve que nem se percebe com incômodo esses fatores.

A caracterização dos personagens também acerta ao ser eficaz, apesar de bem econômica e conhecida do gênero. O Papai Noel tem um porte físico característico e falas professorais/paternais que os identificam de cara como o líder do grupo; o Coelho, ágil, imponente e bad-ass (no original, dublado pelo australiano Hugh Jackman), usa um boomerang e vários gadgets para suas tarefas, sendo basicamente o “homem de ação” do grupo; a Fada do Dente é fofinha e colorida, serelepe, simpática e falante; Sandman é o mais introspectivo e a figura mais emblemática do filme, de longe o melhor personagem; e Pitch, com seu jeito gótico, figurino sóbrio e físico nosferático, apresenta uma ameaça urgente e satisfaz na tarefa de assustar. Interessante, ademais, é a escolha de representar a personalidades de alguns dos personagens por quesitos culturais/geográficos. Além do já citado jeitão australiano do Coelho, a expressividade russa do Papai Noel sempre diverte. 

E a parcimônia digna de um lorde inglês de Pitch é bem relevante para o papel, que o faz um vilão melhor ainda. E abordando a comparação a Vingadores, Pitch é um vilão inclusive melhor que Loki, que nunca apresentara ameaça naquele filme, nem mesmo no momento-chave envolvendo o Agente Coulson.


O longa peca, porém, na estrutura. Se a já citada estereotipada criação dos personagens (Noel é o líder, Fada a tagarela, Coelho o durão, Sandman o velho sábio, Jack o herói em formação) termina sendo eficaz, a decisão de narrar a história por confrontos esporádicos com o vilão acaba cansando. E se o esboço é raso, o miolo se preocupa pouco em inovar. 

Temos o arco clichê de superação do herói, que precisa se tornar responsável e assumir sua condição de herói (o “grande poderes, grandes responsabilidades” ganha até elemento narrativo no filme, a descoberta pelo “lema” do herói); a esperança representada pela figura de um menino comum; e a tentativa do vilão seduzir o protagonista para a turma do mal. Além disso, o roteiro usa de um deus ex machina dos mais difíceis de engolir ao solucionar a queda e ascensão de Jack Frost. Como o bastão é quebrado ao meio e se conserta apenas após Jack simplesmente juntar os dois pedaços? E que vilão jogaria o herói em uma vala se sabe que ele pode só pular dali e voltar como ameaça?

São os mesmo defeitos corriqueiros dos filmes da casa, mas para um roteiro escrito pelo consagrado dramaturgo David Lindsay-Abaire, se esperava mais. A ideia de transformar figuras mitológicas pra crianças em um Vingadores infantil é, sem dúvida, chamativa, mas uma execução tão average não é tradição de um roteirista com tanto potencial. Aqui e ali, se notam as intervenções dramáticas de Abaire (a morte de um personagem, e o medo dos heróis pelo possível esquecimento perante as crianças, são trabalhados com esmero), mas é pouco perto da trivialidade do entretenimento correto que é A Origem dos Guardiões. 


Fica difícil saber se as coisas poderiam ser diferentes para o filme, mas a impressão que fica é que a abordagem escolhida simplesmente impedia o longa de alçar voos maiores. Talvez nem se Jack Frost fosse um protagonista menos opaco o filme empolgaria mais.
O que nos traz de volta à questão de Megamente. Ousadia não é esperada na fórmula adotada pelos criadores, mas sempre é com bem-vinda surpresa que surge algo como um Como Treinar seu Dragão. Da ambição presente no longa do alien azul em criar a desconstrução definitiva dos super-heróis, ao menos, o filme não sofre. Desde o princípio, se assume que o plot comporta uma aventura de grandes feitos, mas que mantém o diferencial, prometido anteriormente, de molho.

A Origem dos Guardiões tem ritmo envolvente e uma galeria de personagens que são atraentes o suficiente para manter a atenção por 100 minutos. Há uma óbvia intenção em criar novos episódios com estes personagens, mas infelizmente o filme fracassou nas bilheterias mundiais. O ponto de partida simplório fecha seu arco com eficácia e dá a lição para a criançada que o selo Dreamworks costuma oferecer. Tem-se a certeza que o estúdio cada vez mais se estabelece como um produtor de blockbusters de apelo infantil, que se resolvem bem melhor no setor da animação. Diversão rápida, ainda que nunca memorável. Ainda um degrau abaixo de um Kung Fu Panda, mas absolutamente superior ao aceitável e esquecível Gato de Botas.

Em um ano onde Frankenweenie é anunciado como o filme de animação do ano, até que dá para reconhecer o valor super-heroico e os personagens carismáticos de A Origem dos Guardiões.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

O Hobbit: Uma Jornada Inesperada


O Hobbit: Uma Jornada Inesperada
(The Hobbit: An Unexpected Journey, 2012)
Aventura - 169 min.

Direção: Peter Jackson
Roteiro: Fran Walsh, Philippa Boyens, Peter Jackson e Guillermo del Toro

com: Martin Freeman, Ian McKellen, Richard Armitrage, Ken Stott, Graham McTavish, William Kircher, James Nesbitt, Stephen Hunter, Dean O'Gorman, Aidan Turner, John Callen, Peter Hambleton, Jed Brophy, Mark Hadlow, Adam Brown, Hugo Weaving, Cate Blanchett, Christopher Lee, Andy Serkis, Sylvester McCoy


Certos filmes são cercados de tanta expectativa e antecipação que qualquer palavra colocada, qualquer opinião emitida a respeito torna-se uma desnecessária batalha. O Hobbit é um desses casos. Desde que Peter Jackson adaptou a mítica obra de J.R.R. Tolkien em O Senhor dos Anéis na década passada, as pessoas salivam por mais Tolkien, mais PJ, mais Gollum de Andy Serkis e mais Terra-Média.

Natural, é claro, já que o filme gostando-se ou não (sou do time que gosta, mas que nas revisões vem gostando cada vez menos) é um triunfo técnico e uma verdadeira construção de uma realidade, transformando hoje, a belíssima Nova Zelândia na capital mundial de Tolkien e uma representação terrena de muito daquilo que Tolkien imaginava.

Depois de uma gestação dolorosa e demorada (que começou com Guillermo Del Toro como diretor e Peter Jackson como produtor) o primeiro dos três filmes que adaptam o pequeno e singelo Hobbit chega aos cinemas, recheado de muita propaganda, gente que já gostou sem ter visto e uma preocupação cada vez menor em realmente analisar se a produção realmente se sustenta e mais em falarmos sobre 48 frames e 3D.


Pois bem. O Hobbit: Uma Jornada Inesperada é longo, arrastado, tenta transformar uma narrativa leve e claramente juvenil em um épico magnânimo para fazer frente ao seu antecessor e tem um visual quase brega, chupado sem nenhuma piedade (e pior: sem nenhum upgrade) da trilogia dos anéis, quase uma década atrás.

Agora que as pedras já foram atiradas, continuemos.

A ideia de transformar o infanto-juvenil Hobbit, de narrativa leve, em três filmes opulentos é uma bobagem que só prejudica o andamento não só deste, mas possivelmente afetará todos os demais filmes vindouros. Parecendo encabulado em vender-se como uma fantasia para crianças, e amparado pela legião de fãs fanáticos dos livros de Tolkien, Peter Jackson e sua equipe, igualmente fãs dos livros, foram atrás de outros escritos do autor sul-africano tentando encontrar ligações entre os personagens e histórias a ponto delas fazerem sentido. No papel, até poderia funcionar, porém essas incursões paralelas só prejudicam o andamento da produção, que consegue parecer mais longa do que é muito graças à sensação de que a história simplesmente não anda.


Para aqueles que não são familiarizados com a obra de Tolkien é bom lembrar que esse Hobbit, foi escrito antes de Senhor dos Anéis, contando uma historia anterior à saga do anel. No cinema, obviamente, ela surge agora com o inconsciente coletivo já recheado de imagens da ameaça de Sauron a Terra-Média e a defesa do mundo pela sociedade do anel. Por isso, é muito complicado tentar "ganhar" em sensação épica da trilogia original. Se nos Senhor dos Anéis a luta era para salvar o mundo, aqui é uma aventura mais simples. Um grupo de anões, um mago (Gandalf) e um Hobbit (Bilbo, que para aqueles que não se recordam é o tio de Frodo da primeira trilogia e que surgia velho, "aposentando-se" de aventuras e deixando o famigerado anel para seu sobrinho) partem em direção a Montanha Solitária, lar do dragão Smaug, na tentativa de expulsá-lo e recuperar o lar dos anões (o que altera a premissa do livro original, onde os anões buscavam apenas o tesouro escondido na montanha, o que me pareceu um acréscimo motivacional válido).

Notem a discrepância do tamanho dessas histórias: salvar o mundo versus expulsar um dragão. Porém, na tela, parece que o dragão Smaug é uma criatura tão aterradora quanto Sauron, uma ameaça tão poderosa quanto o senhor das trevas. Jackson e equipe recheiam o filme com trechos de outras obras de Tolkien como disse, tentando achar uma ligação temática com a trilogia original, num desespero em dizer ao espectador que "um mal perigoso os aguarda". Algo quase "for dummies", num absurdo cronológico que enfraquece a diversão leve do plot principal do Hobbit e dos anões.

Nessa estrada tortuosa, o plot principal se enfraquece, uma tonelada de personagens é apresentada, poucos são marcantes e o roteiro transita entre a comédia juvenil (novamente representada pelos anões) e uma sensação épica fajuta, já que muitas situações apresentadas como perigos mortais são vencidas de forma banal. Como exemplo dessa última afirmação, peço ao leitor para perceber a construção da cena que envolve uma perseguição aos heróis feita por uma matilha de orcs montada, liderados pelo sinistro Orc albino (que é citado apenas nos apêndices de Senhor dos Anéis, o que demonstra o apreço de Peter Jackson em agradar os fãs). Depois de encurralar os pequenos, os mesmos são vencidos pela combinação de banalidade mágica e um pedido de socorro idêntico ao visto no primeiro e no terceiro Senhor dos Anéis, o que denota uma falta de criatividade temática.


Sobre o personagem do orc, é mais um elemento criado para dar um conflito, apresentar um vilão malvado (já que não existem magos cruéis e Sauron é apenas uma sombra) movido pela pura vingança. Outra curiosidade sobre os personagens é que mesmo acompanhando uma enorme tropa de anões, alguns deles podem ser vistos como estereótipos de outros personagens da trilogia original, remetendo diretamente ao grupo de heróis dessa trilogia. Se Gandalf (aqui ainda o cinzento) mantém-se e o Hobbit da vez é Bilbo, Thorin (Richard Armitage) o líder dos anões é o Aragorn dessa trilogia, com conflitos de identidade e a busca por um reinado como sua versão mais alta, enquanto Kili (Aidan Turner) é o Legolas anão, disparando flechas com uma habilidade quase élfica. A todo o momento o filme tenta emular a trilogia original, apostando na fórmula vencedora anterior, porém (e soando muito repetitivo, eu sei) esquece que seu material de origem é infinitamente mais leve.

Ainda na ceara dos problemas é inegável a qualidade fotográfica do filme, já que os cenários escolhidos continuam belíssimos, embora com aquela sensação de já vimos isso antes, o que é absolutamente natural, já que o filme é ambientado no mesmo universo. No entanto, não existem justificativas plausíveis para tecnicamente o filme ter decaído. Parecendo só conhecer três momentos do dia (a saber: amanhecer, noite e por do sol), PJ e equipe optaram pela saída fácil colocando seus personagens sob o entardecer alaranjado facilmente fotografado ou a aurora dourada. Como disse, lindo, mas com aquele pezinho brega, óbvio e que acaba dando problemas narrativos, já que algumas ações são transferidas do dia para a noite em uma piscadela (volto a sequência da perseguição do Orc albino para exemplificar mais uma vez).

Outro "problema" são os efeitos visuais, que dez anos mais tarde não evoluíram tanto assim como poderíamos prever. Se o Gollum é um triunfo técnico inegável, os trolls cozinheiros, por exemplo, parecem saídos do filme original (tecnicamente) e embora protagonizem meu momento favorito de todo o filme, visualmente não são grande coisa. Não estou dizendo que eles sejam ruins, mas era de se esperar uma evolução técnica fulgurosa nessa nova trilogia.



O que "salva" Hobbit de ser mais uma das bobagens de fantasia que aparecem todos os dias no cinema são o fato daquele universo de Tolkien ser muito rico e o fato de que os atores são quase todos muito competentes. Destacar Ian McKellen e dizer que ele conhece aquele personagem talvez até mais que Tolkien é chover no molhado, assim como são interessantes as "visitas" de Cate Blanchett, Hugo Weaving e até mesmo um envelhecido Chrostopher Lee. Os anões - treze no total -  e que ao final da sessão duvida você leitor lembrará de todos os seus nomes, cumprem as funções humorísticas de ação na historia. Enquanto Thorin, mais alto e quase galã, é o herói primordial, Balin (Ken Stott) é a voz da sabedoria e o responsável por apresentar ao público aquele mundo desconhecido. O visual dos personagens é bem realizado, dando personalidade visual a cada um deles, mas são muitos poucos realmente que se destacam. O mesmo vale para Andy Serkis, que revisita seu Gollum com primor, em uma sequencia intrigante, mas longa demais. 

E chegamos a Martin Freeman, um ator zilhões de vezes mais interessante do que Elijah Wood (que faz ponta no filme também) e que faz de seu Bilbo algo seu, esquecendo-se da atuação de Ian Holm. Bilbo de Freeman é um herói acidental, um sujeito de olhares bondosos, frases simples e muita naturalidade. É o grande destaque do filme. Não consegui deixar de fazer a relação entre seu Bilbo e sua interpretação de Arthur Dent na adaptação cinematográfica do Guia do Mochileiro das Galáxias. Ambos vêm suas normalidades invadidas pelo incomum e precisam aprender a lidar com isso.

O Hobbit é uma lição, espero para Peter Jackson, que parece ser filhote de Ridley Scott, tendo uma absurda dificuldade de largar seus projetos, inflando-os de maneira assustadora. Se quando o Hobbit começou a ser desenvolvido tudo indicava (o bom senso também) que tudo seria resolvido em apenas um filme, o brilho de um oceano de notinhas verdes fez com que o filme ganhasse uma segunda parte, e meses atrás, uma terceira parte, o que nos faz questionar: como isso vai acontecer?


Se o filme foi desenvolvido como um mix entre a simplicidade do Hobbit e uma tentativa desesperada de encontrar links a todo o momento com a trilogia original, deve ser julgado dessa forma. As soluções são banais, medianas e apenas regulares. Caso tivesse apenas mantido sua premissa leve, sem medo de aceitar-se como um filme de fantasia juvenil (quase como um Labirinto na Terra-Média, porque não?) os resultados poderiam ser mais consistentes. Na ânsia de ganhar mais, expandir e agradar os fanáticos que consomem qualquer coisa que venha de Tolkien, pouco se importando com sua qualidade, o filme torna-se - infelizmente - uma fantasia comum e que pouco tem do brilho criativo da saga do anel. Uma pena.

Observação: não existe nenhum comentário sobre o 3D ou a tecnologia dos 48fps no texto, pois a exibição para imprensa do filme não foi realizada com esses elementos presentes.

sábado, 8 de dezembro de 2012

A Escolha Perfeita


A Escolha Perfeita

(Pitch Perfect, 2012)
Comédia - 112 min.

Direção: Jason Moore
Roteiro: Kay Cannon

com: Anna Kendrick, Brittany Snow, Skylar Astin, Ben Platt, Anna Camp, Rebel Wilson

Você gosta de Glee? Se sua resposta for sim, a chance de gostar de Escolha Perfeita será enorme. Você não gosta de Glee? Então, a chance de não ver nada demais na produção é igualmente generosa. Sei que dificilmente uma crítica "séria" deve se propor a servir como guia de consumo (sim, amigos, eu fiz cursos a respeito), mas nesse caso específico, acho que combina perfeitamente esse tipo de introdução questionadora em relação ao público.

Por quê?

Porque, Escolha Perfeita é basicamente uma versão universitária de Glee, no tocante ao seu plot básico (um pessoal que não se encaixa no padrão se reúne para cantar). Porém, não tem muito a ver na forma de lidar com o humor e principalmente nos conflitos dos personagens. Se em Glee, existe até certa sutileza, aqui os personagens são abertamente estereotipados. No grupo das cantoras "a capella" principal, temos a loira neurótica e desesperada, a segunda em comando com bom coração, a gordinha boca suja, a negra que parece ser lésbica porque se veste como um garoto, a oriental que fala muito baixo, a latina gostosa e Anna Kendrick, que é a única que até tenta fugir - a principio - do estereotipo, nos fazendo crer que sua personagem (nos apresentada como uma DJ) será uma peça fora de lugar, uma outsider dentro de um grupo de outsiders. Mas não é o caso, rapidamente, Beca transforma-se em uma espécie de líder e também uma cantora de talento.


Os vilões do filme são o grupo masculino da mesma universidade. Guiados por um estereotipo de vilão, rude, grosseiro e estúpido é a casa onde o affair da personagem de Kendrick encontra seu lar. Também visto a principio como alguém diferente naquele meio de estereótipos, que inclui o negro rapper alternativo e um companheiro de quarto nerd e mágico, também é outro que logo se rende as competições estudantis de cantoria.

Como está na moda, o humor "de banheiro" da às caras por aqui, com algumas cenas de pura grosseria, enquanto os melhores momentos cômicos (não muitos, é verdade) acontecem quando a personagem Lilly (a tal oriental calada) tenta se comunicar com suas companheiras.

As canções - quase todas dos anos 2000 o que talvez ajude a uma identificação do público - estão bem interpretadas, todas corretas, mas sem nenhum momento espetacular. Todo mundo ali canta bem, mas falta um grande destaque individual.


Uma coisa curiosa são as referências a John Hughes e ao Clube dos Cinco, feitas por Jesse (o galã vivido pelo ator da Broadway Skylar Astin) que deseja ser um compositor de trilhas sonoras. Além de demonstrar ser um rapaz que fica apenas na superfície da superfície no que tange boas trilhas (posso ter pegado pesado aqui, mas foi minha impressão), as referências ao Clube dos Cinco não podem passar em branco. John Hughes era o mestre de transformar o estereótipo em "realismo". O filme referido é o ápice nessa questão, quando ele faz cinco tipos se transformarem em cinco pessoas durante a produção. A Escolha Perfeita faz exatamente o oposto, transformando as premissas críveis de Kendrick e Skylar em mais um estereotipo banal.

Mesmo assim, o filme não é desagradável. Têm bom ritmo, canções bem interpretadas e até passa rápido (mesmo sendo exageradamente longo para sua proposta). Uma pena que o roteiro é tão esquemático e os personagens tão finos quanto uma folha de papel.



quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Entre o Amor e a Paixão


Entre o Amor e a Paixão
(Take this Waltz, 2011)
Romance/Drama - 116 min.

Direção: Sarah Polley
Roteiro: Sarah Polley

com: Michelle Williams, Seth Rogen, Luke Kirby, Sarah Silverman

Este é o terceiro filme dirigido pela atriz Sarah Polley, reconhecida do grande público por seus papéis completamente diferentes em Minha Vida sem Mim e no remake de Madrugada dos Mortos. Como diretora Polley abraça sem pudor os estereótipos do cinema indie americano, realizando obras dramáticas e tocantes.

Entre o Amor e a Paixão (uma boa tradução do sentido da obra, diga-se de passagem) é um exemplar de filme romântico "sério", daqueles que tenta transmitir em uma historia fictícia, as muitas nuances e dificuldades de se manter um relacionamento a dois, passando pelos diferentes estágios do mesmo.

Michelle Williams é a complexa Margot, uma mulher bela e profundamente introvertida que vive um relacionamento que funciona na base de brincadeiras quase infantis com o aspirante a escritor (de livros de receitas) Lou, vivido por Seth Rogen. Apesar de uma existência quase idílica e recheada de momentos onde os personagens nada fazem além de comer (frango) e dormir, aparentemente o relacionamento funciona. A coisa começa a complicar quando Margot conhece o sedutor Daniel (Luke Kirby), outro sujeito que trabalha de forma recreativa, numa existência igualmente frugal. Sentindo-se atraída pelo novo, enquanto ainda ama o velho, a personagem de Michelle Williams passa boa parte da projeção indecisa sobre seus sentimentos e sobre o caminho a seguir.


Esse é mais um desempenho interessante de Michelle Williams que consegue trazer humanidade e sensibilidade a uma personagem difícil de gostar. Eterna insatisfeita com sua própria existência, e vivendo ao lado de um homem que a ama verdadeiramente, é muito fácil detestá-la, ou julgar cada passo que ela dá rumo à destruição de uma relação estável. Mas, por outro lado, manter-se infeliz em um relacionamento simplesmente pela comodidade é algo igualmente idiota. E é por essa ideia que a interpretação contida e introspectiva de Williams, apostando demais na linguagem corporal funciona bem. Notem como a cada vez que a personagem tem alguma dúvida sobre seus sentimentos ela chega perto de seu marido e tenta acarinhá-lo, beijá-lo, abraça-lo, como se estivesse tentando encontrar a paixão nesses gestos.

Seth Rogen por sua vez encontra-se em um papel bastante diferente do que o público está acostumado a vê-lo. Bastante sereno e usando seu ótimo timing cômico para enriquecer o filme em vez de deixá-lo cair na piada pronta, é especialmente sensível nos momentos derradeiros da trama, conseguindo (auxiliado por uma boa montagem) passar por diferentes estágios da confrontação. Negação, desespero, ódio, humor, chantagem emocional, Rogen transita por esses e outros momento comuns em relacionamentos.

Porém, Sarah Polley parece não conseguir simplesmente contentar-se em apresentar uma historia de amor, praticamente sabotando toda a jornada física e emocional de sua personagem, nos dizendo que de fato, ela não acredita em nada daquilo, fazendo com que nossa compaixão pela personagem de Michelle Williams praticamente seja sepultado.


Take this Waltz não chega a ser um fiasco, mas é uma historia de amor envergonhada demais para assumir-se assim, e leve demais para ser encarado sobre um drama sobre relacionamentos.


quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Curvas da Vida


Curvas da Vida
(Trouble with the Curve, 2012)
Drama - 111 min.

Direção: Robert Lorenz
Roteiro: Randy Brown

com: Clint Eastwood, Amy Adams, Justin Timberlake, John Goodman, Matthew Lillard


Clint Eastwood sabe como poucos usar a sua idade a seu favor. Octogenário, é dos poucos atores americanos que não teve o menor pudor em envelhecer diante do público. Talvez, pelo fato de ter se consolidado por trás das câmeras, Clint nota que não precisa esconder as (muitas) rugas de seu rosto, ou a fragilidade de seus movimentos, sabendo encontrar - cada vez mais raramente - papeis ideais para sua idade e forma física.

É o caso desse Curvas da Vida, dirigido por Robert Lorenz (antigo diretor de segunda unidade em diversos filmes de Clint como Sobre Meninos e Lobos, Menina de Ouro, Dívida de Sangue) onde Clint vive Gus, um antigo olheiro de beisebol que começa a perder a visão. Esse problema, obviamente, prejudica demais seu trabalho, que ao lado de um novo manda-chuva do time para qual trabalha, que é adepto de muita tecnologia para encontrar novos jogadores, são garantia de uma aposentadoria muito em breve.

Ao mesmo tempo, o filme aborda a conflituosa relação de Clint e sua filha vivida pela bela e versátil Amy Adams. Mickey é uma advogada sem tempo para sua vida pessoal e que tem uma relação distante com um pai que a relegou em detrimento de sua profissão. Porém, alertada sobre a condição física de Gus, decide acompanhá-lo na que parece ser sua derradeira viagem em busca de futuros craques do beisebol.


Durante a jornada, o mote do filme (que já era óbvio) ganha ares de fábula incluindo alguns personagens quase caricaturais como o jogador prodígio arrogante, os velhos companheiros de arquibancada de Gus e até mesmo o jogador aposentado que pretende seguir carreira na imprensa, vivido por Justin Timberlake. Mesmo com Timberlake provando a cada papel que tem jeito para a coisa, seu personagem é um mero enfeite que funciona como "agente da mudança", surgindo de forma apressada no filme.

A pressa é um dos elementos mais incômodos do filme, já que tenta resolver os conflitos propostos pela produção de forma preguiçosa e até incomoda, como a solução milagrosa que funciona como prova da capacidade do personagem de Eastwood em encontrar craques.

Outro problema reside em Matthew Lillard, famoso como o Salsicha das adaptações para o cinema de Scooby Doo, o ator está tentando encontrar um caminho distante da comédia infantil e vem atuando em dramas e dramalhões, filmes mais leves ou mais pesados. Aqui, seu Philip Sanderson, é um vilão de folhetim, cheio de frases prontas e que simplesmente é "babaca". Sem nenhuma motivação, apenas é um completo idiota. Com um vilão fajuto e uma historia claramente água com açúcar, fica difícil vê-lo como ameaça a alguém.


Como em todo filme de redenção/reconciliação existem momentos mais emotivos e que forçam o espectador a se emocionar (e nesse caso, não conseguindo), misturando-o a momentos leves e que resvalam na comédia de situação, e embora Adams e Eastwood funcionem muito bem em tela, o roteiro - que ainda inclui um plot twist revelador bastante forçado - não ajuda aos seus intérpretes.

Curvas da Vida é um drama genérico sobre encontrar seu lugar no mundo, não fugir de seus sonhos e acreditar em quem se é. Nada revolucionário, nada inovador, mas que pelo carisma de Clint e o talento de Adams, tem bons momentos.

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Os Penetras


Os Penetras
(Os Penetras, 2012)
Comédia - 88 min.

Direção: Andrucha Waddington
Roteiro: Andrucha Waddington, Nina Crintzs, Rafael Dragaud e Marcelo Vindicato

com: Marcelo Adnet, Eduardo Sterblich, Mariana Ximenes, Mielle, Stephan Nercessian, Suzana Vieira, Elena Sopova

Você tem dois comediantes interessantes. Você tem um diretor de cinema talentoso e reconhecidamente competente. Uma fotografia ensolarada que só ajuda ao filme, transformando o Rio de Janeiro em uma metrópole (ainda mais) calorosa, e que também funciona como amplificador da sensação de que os moradores de grandes cidades vivem em extremos de alegria e tristeza. Também é possível perceber um cuidado com a cenografia e até mesmo com algumas pequenas inserções mais cínicas sobre o cotidiano.

Mas, mesmo com tudo isso, por que Os Penetras não deixa de ser apenas mais uma produção cômica nacional, apenas - e sendo bastante gentil - mediana? Por que dando corpo a todo esse esmero técnico está um roteiro juvenil, sem graça e bastante irregular, até mesmo quando tenta ser simplesmente bobo. A própria ideia da produção é derivativa e no caso de um filme que não consegue nem mesmo fazer o arroz com feijão bem feito, o resultado não pode ser muito melhor.

Mas, sejamos justos: essa não é uma daquelas comédias onde o foco é o riso fácil, as gags físicas, mas um humor de situação. No caso, dois homens que se envolvem graças a um desentendimento, e seguindo a tradição das comédias de erros, acabam criando uma improvável amizade. Porém, esse tipo de comédia mais sutil, precisa ser baseada em um texto minimamente interessante, onde os acasos e as idas e vindas soem orgânicos, o que não é o caso. Tudo parece acidental em excesso, mesmo que levarmos em consideração que o filme tem um tom leve. Fica claro que mesmo tentando se desprender do rótulo de "new chanchada", os momentos mais engraçados da produção aconteçam quando Eduardo Sterblich se solta e protagoniza gags hilariantes, muito próximas de improvisos. Um grande achado.


Porém, se Sterblich está bem, graças ao seu estilo de fazer humor, que é o de criar tipos únicos, com uma construção de personalidade, fala e gestual que resvala no caricatural, Adnet se ve refém de um texto que nos tenta convencer de toda a malandragem de seu personagem. Adnet me parece um comediante/ator que funciona muito melhor (visto suas experiências cinematográficas recentes) com um texto seu, onde ele possa criar seus próprios cacos e desenvolvê-los. Aqui, apesar de muito mais contido do que no inclassificável Agamenon, ainda sofre com um personagem simplório. Mesmo assim, se a dupla não fosse boa (como disse na frase que abre esse texto) o filme seria praticamente insuportável.

Andrucha Waddington diretor talentoso de filmes como Casa de Areia é muito seguro com o que quer mostrar e consegue - felizmente - fugir da estética do "filme de TV de luxo" que a imensa maioria das comédias brasileiras infelizmente parece abraçar.

Os coadjuvantes (inúmeros) do filme em geral também são boicotados pelo texto frágil do filme. Mariana Ximenes surge deslumbrante, mas pouco tem a acrescentar além de uma dose generosa de beleza e sex appeal a uma personagem que serve deveria servir como grande mote do filme. O mesmo vale para Stephan Nercessian, descolado de diversas chanchadas, que como o parceiro de gaiatices do personagem de Adnet, tem brilharecos. Os demais pouco a se dizer, Suzana Vieira, uma atriz limitada e Mielle tem pouco a apresentar e a bela atriz russa/brasileira Elena Sopova, tem função semelhante à de Ximenes, embora revele um plot twist curioso a sua personagem.


Outra questão curiosa, é que esse tipo de produção, caso fosse rodado nos anos 70 ou 80, certamente apresentaria uma dose generosa de mulheres nuas, cenas de sexo simulado e afins. O que funcionaria muito bem para o filme, que tem cenas "pseudo-quentes" com alguns personagens. Porém, é tudo muito frio, muito carola, indicado para a mamãe, o papai e o filhinho darem risadinhas vendo as mesmas "sacanagens" que veem nas novelas da TV. Reflexos de uma cultura plastificada onde nem mesmo a sacanagem passa incólume. Hoje em dia, cena de sexo no cinema nacional, só mesmo nas produções independentes e que atraem um público menor. Que mundo maluco é esse, não? Onde um peitinho vende menos do que uma bad trip em uma viatura policial.


terça-feira, 27 de novembro de 2012

Operação Invasão



Operação Invasão
(The Raid, 2011)
Ação/Thriller - 101 min.

Direção: Gareth Evans
Roteiro: Gareth Evans

com: Iko Uwais, Joe Taslim, Donny Alamsyah, Yayan Ruhian

De modo geral, os filmes de ação pouco sofisticados que integram um grupo maior conhecido como o dos “filmes B”, possuem características típicas, recorrentes em maior ou menor frequência nos títulos que surgem ao longo dos anos. Grande parte das produções de ação B vem direto ao mercado de home vídeo – principalmente aqueles projetos estrelados por velhos atores que já não chutam ou atiram como antigamente, mas ainda precisam pagar a conta da hipoteca – e não se envergonha de ser um amálgama muito mal elaborado entre homens musculosos, armas de grosso calibre, combates corporais e péssimas direções de fotografia. Tais projetos se assumem como são: rasos, baratos e descerebrados. Têm o seu público, e uma vez ou outra, vemos filmes de pancadaria chegar aos cinemas. 

Um grande exemplo atual de filmes desse tipo que conseguem chegar aos cinemas é o de The Expendables. O projeto de Stallone reúne todas as características clássicas de um filme B oitentista, mas falta algo mais que o destaque da franca mediocridade. Falta algum clamor cinematográfico, uma força que atraque o espectador à poltrona e o faça sair da sessão energizado pelo espetáculo exibido. Esse clamor, essa energia fundamental se encontra em The Raid, filme indonésio de ação aclamado pela crítica estrangeira. 

The Raid chegou ao Brasil direto em vídeo justamente por se tratar, na sua sinopse, de um filme oriental simples de pancadaria, mutilações e violência. Um Ong-Bak genérico para as mentes dos distribuidores. Ledo engano, e um tremendo mau negócio para quem tutela os direitos de exibição do filme no Brasil, pois o longa do galês Gareth Evans produz uma catarse que arrebataria as bilheterias brasileiras. Certamente The Raid não impressiona pela sua trama, (que remete a outro filme de invasão recente, Dredd) que é rasa e narra à aventura semi-suicida de um grupo de 20 policiais que invade um prédio gigantesco em cujo interior aloja-se uma grande organização criminosa. Determinados a prender os criminosos e capturar os chefes da gangue, os oficiais da lei partem rumo à morte certa, sob um plano que não estava tão bem explicado assim...



Seu enredo assumidamente destituído de muitas complicações ou entraves narrativos proporciona a adrenalina que jorra aos litros ao longo da película. A antecipação pelo embate mortal entre a polícia e os criminosos só se equipara pela emoção que agitava os gamers de Counter-Strike antes do início de um jogo. Desse modo, a simplicidade de entendimento do confronto, mas também a grande importância e periculosidade inferidas a ele na cena inicial antes da invasão são estratégias inteligentes ao despertar no espectador o famoso frio na barriga. A expectativa ansiosa pelo que vêm a seguir. 

O que difere The Raid dos filmes médios do subgênero é que a expectativa criada tem resposta no decorrer da exibição. São muitas cenas de tiroteio realista, além de combates físicos estupendos. O design de som dessas partes só é superado em competência pelas coreografias de luta, que são as melhores que eu já vi nos últimos dez anos, e umas das melhores que já cheguei a assistir na vida. Diferente de toda a gama de longas do gênero que optam por cortar seguidamente as cenas de embate físico aqui se opta por takes únicos que permitem a apreciação do duelo.

É também grande mérito do diretor conseguir registrar as sequências de golpes com a vivacidade necessária. Os planos-sequência ganham movimentos minuciosos que ajudam a configurar a energia e potencia dos socos e chutes, como se a câmera do diretor de fotografia Matt Flannery bailasse junto aos atores. A fotografia extremamente granulada também auxilia na composição da atmosfera do local, enriquecendo o ambiente no que diz respeito à sujeira, enquanto a grande dessaturação representa a desolação que paira naquele local de violência aguda. Um trabalho técnico inquestionável também no que tange à trilha sonora. Se o design de som é um primor, as composições criadas com o auxílio de Mike Shinoda são coerentes com os momentos do filme, se revelando incrivelmente competentes no resultado final. 



Competência, aliás, é a palavra que melhor define The Raid. Tendo este elemento em abundância, o filme de Gareth Evans consegue subverter um gênero que tem por característica principal a falta de substância. A partir deste conceito, os realizadores tornam a própria sanguinolência e brutalidade do projeto na substância faltante. Não só pelo fascínio estético que causará em quem assiste, mas no efeito emocional que elas geram ao ameaçar seus vívidos personagens. A cena chave: o momento onde o protagonista, Rama, e outro policial se escondem numa parede falsa. A machete perseguidora cruza o anteparo e corta o herói no seio da face. Ele não grita, nem tampouco se choca. Preocupa-se, no entanto, em limpar o sangue da lâmina afiada que acabara de lhe cortar a carne.  A elevação da violência em The Raid ocorre num patamar onde ela é trazida a condição de atração principal, sem esquecer de levar em consideração seus efeitos futuros, passados e presentes na aura de cada personagem, e também no espectador. 

Dentro de suas limitações, The Raid é uma obra que destoa do geral por conseguir conferir certa vida a uma entidade inanimada – a violência. Consegue, através da excelência técnica, dar estofo e força a um item que é sub-aproveitado e mal executado em diversos filmes que, além de não possuírem substância, também não acertam a mão na ação. Um belo exemplar de que, às vezes, de coreografia e violência, também se faz cinema.