domingo, 16 de dezembro de 2012

A Origem dos Guardiões


A Origem dos Guardiões
(Rise of the Guardians, 2012)
Aventura - 97 min.

Direção: Peter Ramsey
Roteiro: David Lindsey-Abaire

com as vozes de: Hugh Jackman, Alec Baldwin, Isla Fisher, Jude Law, Dakota Goyo

O mercado das animações blockbuster de estúdios consagrados anda um tanto estagnado. Todo ano, havia os lançamentos das três grandes: Pixar, Dreamworks e Disney. Enquanto a Pixar representava uma bússola de qualidade, sempre ousando mais que a concorrente e a parceira Disney, a produtora de Spielberg se entregava à sua já conhecida diversão passageira e recheada de referências à cultura Pop. Após a queda de qualidade da Pixar com os fracassados lançamentos de Valente e, principalmente, Carros 2, a Dreamworks teve finalmente uma chance de se destacar desses estúdios, tanto nas premiações quanto no próprio imaginário do espectador. Afinal, para o espectador seria mais fácil se lembrar da qualidade de Como Treinar o Seu Dragão se Toy Story 3 não tivesse sido lançado no mesmo ano.

Porém, se antes o descompromisso e o deboche eram a regra (Shrek, O Espanta Tubarões, Os Sem-Floresta), com o tempo o estúdio foi se adequando ao mercado e investindo em conceitos formulaicos para obter sucesso. A partir do leve fracasso de Bee Movie, as animações da casa raramente surpreendiam o espectador, entregando entretenimento bem executado, mas nada memorável. Como agora os super-heróis estão novamente em pauta, os criadores de Kung Fu Panda, como em Megamente, lançam um produto do subgênero.
E a prometida revolução ensaiada em Megamente, como debatida na minha crítica do filme, novamente permanece suspensa. A Origem dos Guardiões é interessante e intenso, puxando um pouco do apelo emocional que tornou Como Treinar... o melhor filme do estúdio, mas pouco faz pelo gênero além de entregar um Vingadores versão Contos de Fada.

Desde o princípio, fica clara a intenção do filme de Peter Ramsey em construir uma jornada de superação ao protagonista eleito, Jack Frost. A bela cena inicial, que impacta pela queda no lago e prossegue detalhando a vida de Frost com seus poderes recém-adquiridos, serve bem ao ambientar o passado e motivação do herói (ainda que a narração em off seja bem expositiva). Após a origem de Frost, o panorama super-heroico do grupo do título se estabelece aos poucos. O sinal da Lua avisa ao Papai Noel que o vilão Bicho Papão está de volta, dessa vez, muito poderoso. Rapidamente, ele se reúne com o Coelho, a Fada do Dente e Sandman, o senhor dos Sonhos.


Como em um filme de roubo, o novato no grupo Frost é o encarregado de mostrar todos os pormenores do grupo. Assim, a Dreamworks é liberada para executar cenas como a dos ajudantes do Noel se preparando para o Natal, o Coelho concebendo seus ovos para a Páscoa e as fadas-mirins auxiliando a Fada do Dente a entregar todos os dólares pelo mundo inteiro. Além de visualmente impressionantes (Guillermo Del Toro é produtor-executivo e consultor visual do filme), essas sequências divertem por conferir explicações “plausíveis” para esses mitos que entregam tantos presentes em tão pouco tempo. Então, os ovos de Páscoa são coloridos em uma espécie de refúgio artesanal subterrâneo, e as distribuições de Natal e dos dentes são transformadas em mega-operações quase de espionagem, onde tudo é minuciosamente estudado e executado. Além, é claro, de serem divididas em segmentos regionais (muito esperta a ideia de criar um “setor europeu” para as fadas). Funcionam também as piadas entre os mitos, que trocam diálogos divertidos baseados em suas funções (a Fada diz para Noel que “é fácil falar quando se trabalha só uma vez ao ano, diferente de mim”). E por mais que essas tiradas sejam por vezes bastante óbvias (Sandman aparecer dormindo às vezes é de uma previsibilidade ímpar), o senso de humor do filme é tão bobo e sua narrativa é tão leve que nem se percebe com incômodo esses fatores.

A caracterização dos personagens também acerta ao ser eficaz, apesar de bem econômica e conhecida do gênero. O Papai Noel tem um porte físico característico e falas professorais/paternais que os identificam de cara como o líder do grupo; o Coelho, ágil, imponente e bad-ass (no original, dublado pelo australiano Hugh Jackman), usa um boomerang e vários gadgets para suas tarefas, sendo basicamente o “homem de ação” do grupo; a Fada do Dente é fofinha e colorida, serelepe, simpática e falante; Sandman é o mais introspectivo e a figura mais emblemática do filme, de longe o melhor personagem; e Pitch, com seu jeito gótico, figurino sóbrio e físico nosferático, apresenta uma ameaça urgente e satisfaz na tarefa de assustar. Interessante, ademais, é a escolha de representar a personalidades de alguns dos personagens por quesitos culturais/geográficos. Além do já citado jeitão australiano do Coelho, a expressividade russa do Papai Noel sempre diverte. 

E a parcimônia digna de um lorde inglês de Pitch é bem relevante para o papel, que o faz um vilão melhor ainda. E abordando a comparação a Vingadores, Pitch é um vilão inclusive melhor que Loki, que nunca apresentara ameaça naquele filme, nem mesmo no momento-chave envolvendo o Agente Coulson.


O longa peca, porém, na estrutura. Se a já citada estereotipada criação dos personagens (Noel é o líder, Fada a tagarela, Coelho o durão, Sandman o velho sábio, Jack o herói em formação) termina sendo eficaz, a decisão de narrar a história por confrontos esporádicos com o vilão acaba cansando. E se o esboço é raso, o miolo se preocupa pouco em inovar. 

Temos o arco clichê de superação do herói, que precisa se tornar responsável e assumir sua condição de herói (o “grande poderes, grandes responsabilidades” ganha até elemento narrativo no filme, a descoberta pelo “lema” do herói); a esperança representada pela figura de um menino comum; e a tentativa do vilão seduzir o protagonista para a turma do mal. Além disso, o roteiro usa de um deus ex machina dos mais difíceis de engolir ao solucionar a queda e ascensão de Jack Frost. Como o bastão é quebrado ao meio e se conserta apenas após Jack simplesmente juntar os dois pedaços? E que vilão jogaria o herói em uma vala se sabe que ele pode só pular dali e voltar como ameaça?

São os mesmo defeitos corriqueiros dos filmes da casa, mas para um roteiro escrito pelo consagrado dramaturgo David Lindsay-Abaire, se esperava mais. A ideia de transformar figuras mitológicas pra crianças em um Vingadores infantil é, sem dúvida, chamativa, mas uma execução tão average não é tradição de um roteirista com tanto potencial. Aqui e ali, se notam as intervenções dramáticas de Abaire (a morte de um personagem, e o medo dos heróis pelo possível esquecimento perante as crianças, são trabalhados com esmero), mas é pouco perto da trivialidade do entretenimento correto que é A Origem dos Guardiões. 


Fica difícil saber se as coisas poderiam ser diferentes para o filme, mas a impressão que fica é que a abordagem escolhida simplesmente impedia o longa de alçar voos maiores. Talvez nem se Jack Frost fosse um protagonista menos opaco o filme empolgaria mais.
O que nos traz de volta à questão de Megamente. Ousadia não é esperada na fórmula adotada pelos criadores, mas sempre é com bem-vinda surpresa que surge algo como um Como Treinar seu Dragão. Da ambição presente no longa do alien azul em criar a desconstrução definitiva dos super-heróis, ao menos, o filme não sofre. Desde o princípio, se assume que o plot comporta uma aventura de grandes feitos, mas que mantém o diferencial, prometido anteriormente, de molho.

A Origem dos Guardiões tem ritmo envolvente e uma galeria de personagens que são atraentes o suficiente para manter a atenção por 100 minutos. Há uma óbvia intenção em criar novos episódios com estes personagens, mas infelizmente o filme fracassou nas bilheterias mundiais. O ponto de partida simplório fecha seu arco com eficácia e dá a lição para a criançada que o selo Dreamworks costuma oferecer. Tem-se a certeza que o estúdio cada vez mais se estabelece como um produtor de blockbusters de apelo infantil, que se resolvem bem melhor no setor da animação. Diversão rápida, ainda que nunca memorável. Ainda um degrau abaixo de um Kung Fu Panda, mas absolutamente superior ao aceitável e esquecível Gato de Botas.

Em um ano onde Frankenweenie é anunciado como o filme de animação do ano, até que dá para reconhecer o valor super-heroico e os personagens carismáticos de A Origem dos Guardiões.

Nenhum comentário:

Postar um comentário