sexta-feira, 27 de setembro de 2013

R.I.P.D. - Agentes do Além

R.I.P.D. - Agentes do Além
(R.I.P.D., 2013)
Ação/Comédia - 96 min.

Direção: Robert Schwentke
Roteiro: Phil Hay e Matt Manfredi

com: Ryan Reynolds, Jeff Bridges, Mary Louise Parker, Kevin Bacon, Stephanie Szostak

Se tivesse sido lançado em meados dos anos 90, RIPD seria muito melhor recebido, já que o filme parece ter saído de uma máquina do tempo diretamente de duas décadas atrás. Tanto em sua trama - que ganha a comparação óbvia com Homens de Preto - quanto (infelizmente) no visual, que não está entre as melhores produções visuais do ano (de fato, está entre as piores).

Conceitualmente a trama do filme é até interessante. Acompanha o policial Nick (Ryan Reynolds), um sujeito bacana, mas que parece envolvido em atividades ilegais ao lado de seu parceiro Hayes (Kevin Bacon). Quando ele percebe que sua motivação de dar um futuro bom para a sua mulher é alterada por uma conversa em uma manhã de sol com a referida (porque né, o sujeito está casado com a pessoa, mas parece não conhecê-la muito bem) que diz que quer apenas uma casa e amor (mais que lindeza), ele decide sair dos negócios ilegais. Nosso amigo Hayes, não aceita muito bem a negativa do personagem de Reynolds em continuar com as trambicagens e simplesmente mata o sujeito. Uma vez morto, Reynolds é contratado pela tal RIPD (em inglês Rest in Peace Department), a polícia dos mortos que impede que os que passaram dessa para uma melhor encham a paciência dos vivos. Recrutado pela excêntrica Proctor (Mary Louise Parker), Nick é obrigado a trabalhar com o cowboy do asfalto Roy (Jeff Bridges) e parte para a ação.

Como deu para perceber (espero), a trama lembra a dos Homens de Preto, substituindo os alienígenas pelos mortos, porém diferente do frescor e das boas atuações de Will Smith (o carisma em pessoa nessa produção) e Tommy Lee Jones (que depois desse filme, esteve em diversos outros basicamente adaptando esse personagem para as mais diferentes realidades), Ryan Reynolds e Jeff Bridges tem a sua mão um roteiro que nunca acerta na graça das piadas e que repete uma mesma situação bem pensada pelo roteiro à exaustão.



Uma vez que os agentes do além precisam circular no nosso mundo para ir atrás dos mortos que se escondem por aqui (nunca fica muito claro de que forma eles conseguem esse intento) sua fisionomia é alterada. Reynolds, uma vez na Terra é um velhinho chinês e Bridges uma loira voluptuosa com seios fartos e que abusa da sensualidade. Uma boa ideia e que é exaustivamente utilizada pela produção ao ponto de perder completamente a graça.

Assim como não tem muita graça a caracterização de Jeff Bridges, que faz de seu cowboy um arremedo de seu personagem em Bravura Indômita e seu sotaque praticamente indecifrável. Se na produção dos Coen, o sotaque era mais um elemento que caracteriza aquele homem como uma fera que não gostava do contato humano e muito menos de ser compreendido, aqui é apenas uma piada do roteiro e que não acerta, já que o personagem de Bridges não é um mentor, ou mais um amigo de Reynolds, mas um elemento cômico. Reynolds, entrega mais uma interpretação canastra e cheia de trejeitos que não funcionam. Seu desespero em reencontrar sua esposa e mostrar que "por trás" daquele chinês estava seu marido morto chega e irritar.

Assim como irrita o personagem de Kevin Bacon ser tão óbvio. Claro que ele é o vilão, já que nos primeiros minutos ele mata nosso protagonista, mas a ideia de fazer dele um super vilão com planos megalomaníacos simplesmente não convence, assim como a relação dos mortos e o espaço da Terra. Se existe tanta dificuldade para que os mortos escapem - e isso é dito mais de uma vez - como é que a polícia tem tanto trabalho? E o próprio plot da trama (que claro, não vou contar) que envolve essa dificuldade dos personagens é muito mal explicado e parece ter sido pensado apenas para dar um sentido maior a existência do vilão do filme. Ele não podia ser apenas um policial corrupto, ele precisava estar diretamente envolvido no plot central da trama.



Visualmente o filme é bem pobre. Em produções de ficção científica ou fantasia, os efeitos visuais são absolutamente fundamentais para criar o universo em que tais histórias se passam. Os cenários da polícia do além parecem excessivamente acanhados e por mais que se leve em consideração de que o que vemos é apenas um dos distritos policias dentre tantos existentes, a impressão é que existem apenas meia dúzia de cadeiras, um depósito e um cano dourado por onde os chefes da instituição se comunicam. Pior do que os cenários, são os mortos vivos. Quando estão cobertos de próteses até surgem divertidos, mas quando é necessário que os mesmos corram ou se movimentem e a computação gráfica é utilizada, é como se estivéssemos acompanhando uma produção da - já citada - década de noventa. Quando vemos a pele dos personagens computadorizados temos a impressão de estarmos vendo uma dezena de bonecos de borracha e que se movimentam de forma absolutamente irreal, e isso prejudica demais a credibilidade naquelas criaturas.

Para deixar a coisa ainda pior, o roteiro cria uma trama rocambolesca e bastante clichê (sim, envolve salvar o mundo) para resolvê-la em poucos minutos e de forma apressada e simplista. O mesmo vale para o vilão de Bacon, apresentado como um sujeito realmente manipulador e inteligente, mas que tem sua participação concluída de forma banal. RIPD é um abacaxi, daqueles azedos e praticamente intragáveis. Um desperdício de três atores cults (a saber: Jeff Bridges, Kevin Bacon e a musa Mary Louise Parker) em detrimento de mais um veículo equivocado e estrelado pelo cada vez mais fraco, Ryan Reynolds.

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Família do Bagulho

Família do Bagulho
(We're the Millers, 2013)
Comédia - 110 min.

Direção: Rawson Marshall Tucker
Roteiro: Bob Fisher, Steve Faber, Sean Anders e John Morris

com: Jason Sudeikis, Jennifer Aniston, Emma Roberts, Will Poulter, Ed Helms

Vamos tirar logo o elefante da sala: a tradução "engraçadinha" para We're the Millers (Nós somos os Millers em tradução literal) é das mais medíocres da história recente. A ideia tenta remeter ao tema do filme (tráfico de quilos de maconha, o "bagulho") e fazer um trocadilho com Família do Barulho, entenderam (insira mentalmente aquele sinalzinho universal do "deu pra sacar"). É daqueles títulos infelizes que acha que dessa forma vai conseguir turbinar a graça da produção. Na realidade, um título assim só atrapalha a comercialização do filme, já que afasta o pessoal que não tem muita paciência com pastelão (o que o título indica e o filme não é).

A família Miller do título é formada quando o traficante de quinta David (Jason Sudeikis) perde todo seu dinheiro e maconha (produto que trafica) ao tentar ajudar um garoto ingênuo - sendo delicado - que mora no mesmo prédio que ele, a não ser espancado. O garoto - doado de um código de ética e respeito enorme - tentava salvar uma garota que vivia na rua de ser assaltada. Quando David precisa relatar o assalto ao seu fornecedor recebe um ultimato: ou ele vai até o México servir de "mula" para o transporte de drogas para seu "chefe" ou será sumariamente eliminado graças a suas dívidas assumidas a partir da perda da droga.

Tentando encontrar uma solução para ir e voltar sem ser preso, decide simular que está viajando com a família em um daqueles trailers que os americanos adoram ter. Os membros da família de mentira são o tal garoto ingênuo, Kenny (Will Poulter) e a menina "mendiga" Casey (Emma Roberts) e uma vizinha stripper (Jennifer Aniston) que serve como sua esposa. Juntos partem ao México em busca de drogas e é claro que as personalidades avessas e conflitantes dos personagens entram em choque e que tudo isso caminha para aquele clichê que o espectador já viu antes.


Vestida e vendida como "comédia politicamente incorreta", a produção tem muito pouco de fato de rebelde. Fala de drogas? Sim, mas sempre de uma forma profundamente caricata e reforçando os estereótipos de usuários e traficantes (especialmente os mexicanos). Tem "sexo"? Muito pouco e sempre de forma "engraçada" já que para o cineasta médio americano, sexo é uma coisa feita pra dar risada, principalmente se ela envolver alguma coisa diferente do "papai e mamãe", incluindo aí os momentos em que Jennifer Aniston usa seus dotes de stripper, sendo de longe a stripper com mais roupa que o cinema já mostrou.

Para piorar, não existe o frescor em falar e mostrar coisas "proibidas" como aconteceu no primeiro Se Beber, Não Case, Missão Madrinha de Casamento ou até mesmo em Projeto X. O filme lembra essa fase nova e cheia de mensagens positivas que os irmãos Farrelly (famosos por besteiras divertidas como Quem Vai Ficar com Mary? e Debi e Loide) vem passando em produções como "Passe Livre". Em meio a tanta "perversão", de fato aqueles personagens são caretinhas e só querem o mesmo que a dona de casa americana - aquela da cerca branca - também quer.

Sudeikis até se esforça em fazer graça, principalmente na primeira parte do filme, mas é engessado por um roteiro que vai castrando sua personalidade individualista e canalha. Will Poulter tem o trabalho mais simples, já que seu ingênuo e bobo Kenny é um clichê ambulante do garoto que não cresceu e está em busca de uma família de verdade, já que a sua inexiste. O mesmo vale para a garota Casey, que afirma várias vezes que tem uma casa, mas que prefere não estar nela. Seu gênio forte é a camuflagem daquela personagem da rebelde sem causa que precisa de uns abraços e palavras doces para se transformar. E Jennifer Aniston vive tentando fugir da imagem de Friends, engatando duas comédias politicamente incorretas em sequência, embora nessa segunda o politicamente incorreto fique apenas na superfície.


Errando muito mais do que acertando em suas piadas e com uma abundância de coadjuvantes (ainda mais) estereotipados do que seus protagonistas, a Família do Bagulho (e cá estou eu escrevendo esse medonho título mais uma vez) era uma ideia com potencial para um roadie movie divertido e realmente engraçado. Mas, talvez medroso pela censura ou com pudores sobre o tema, fica medindo piadas e quando parece que realmente vai ousar, explica ao público que aquele personagem tem bom coração ou que o vilão merece mesmo sofrer. Mesmo com uma cena final que talvez indique que aqueles personagens não levarão uma vida tão dentro da lei assim, as reais gargalhadas só surgem nas já batidas cenas de erros de gravação, onde dá pra notar que a alegria e a diversão encontrada pelos atores ao fazer o filme, infelizmente, não chegou até o público.


quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Festival do Rio: The Way, Way Back

The Way, Way Back
(The Way, Way Back, 2013)
Comédia/Drama - 103 min.

Direção: Nat Faxon, Jim Rash
Roteiro: Nat Faxon, Jim Rash

com: Liam James, Steve Carrell, Toni Collette, Sam Rockwell, Maya Rudolph

Ator da cultuada Community, Jim Rash é também conhecido por seus roteiros de séries de TV (inclusive para a própria Community). Junto com Nat Faxon, também roteirista e ator, ambos fazem sua primeira incursão como diretores em The Way, Way Back. É um trabalho charmoso, com um domínio de linguagem cinematográfica bom por parte de seus diretores, que, ainda que não passe incólume, consegue utilizar seus clichês com dignidade.

O roteiro segue Duncan, adolescente tímido e entediado, que precisará viajar com sua “nova família”, que inclui o namorado de sua mãe, Trent, e sua filha. No verão do lugar, ele passará pelo processo de amadurecimento que precisa. É um "coming of age" em todas as suas nuances – e os diretores não procuram fugir disso -, desde seus personagens arquétipos (o padrasto escroto, a menina alternativa, a patricinha, o sábio mentor do jovem, a mãe dispersa) até seu desenrolar dos fatos, que em nada subverte a narrativa comum dos filmes-de-amadurecimento americanos. O clima tropical, com os conflitos de mais uma família disfuncional, chega a lembrar Os Descendentes; um filme roteirizado pela dupla, vale lembrar.

Os fatores que tornam o filme diferenciado, no entanto, é seu tom leve, bastante feliz em seus pontuais alívios cômicos e conferindo um descompromisso eficiente, seu desenvolvimento de personagens e o bom ritmo da narrativa. O desenvolvimento melhor apresentado é o de Trent, o personagem vivido por um contido Steve Carell, já demonstrando seu caráter duvidoso de primeira. Enquadrado pelo espelho do carro em seu primeiro take, como uma figura opressora aos olhos de Duncan, o personagem se tornará o maior obstáculo para o amadurecimento do reprimido menino. Sua filha se faz apenas uma alegoria, um arquétipo ambulante, mas a relação de pai-e-filha serve bem para um contraponto com a relação de Duncan e sua mãe, Pam.


Pam, por sinal, se revela o maior trunfo dramático de Rash e Faxon. À primeira vista, a personagem parece apenas uma representação de mãe distante para Duncan. Porém, através de sutilezas em cena, a mulher se torna bem mais interessante, digna de discussão. Ao contar sua história sobre uma duna, Pam não arranca os risos que seus amigos conseguiram contando suas experiências. Durante o jantar, ela é enquadrada de longe, com uma iluminação sutil, como se fosse distante não apenas de Duncan, mas de todos ali. É uma outsider como Duncan, afinal, o que justifica bastante suas ações com o filho. É ao longo da narrativa que Pam vai tomando consciência disso (com a ajuda do menino), e se esforça para não apenas se misturar aos outros. O paralelo entre os “dois” coming-of-age (de Pam e Duncan) ganha maior abrangência, quando a personagem de AnnaSophia Robb fala sobre a tendência do lugar em transformar os adultos em crianças novamente (“it’s spring breaks for adults”), um questionamento deveras contemporâneo. E bem embasado pelos roteiristas, que demonstram entender bem algumas dessas estruturas emocionais modernas daqueles seres humanos.

A noção de carpintaria dramática dos diretores é notável, também, em outras situações. No primeiro ato, Duncan reclama com alguma constância do lugar, da praia, do calor. Seria válido desenvolver a maturidade do protagonista num local bucólico, como a própria praia, mas Rash e Faxon resolvem com certo brilhantismo a questão: elegem um parque aquático para ambientar as descobertas do menino. Um ambiente bucólico, mas que nunca deixa de ser artificial; a representação perfeita para um início de amadurecimento para Duncan.

Ainda assim, The Way, Way Back não consegue fugir de suas limitações e utiliza das soluções fáceis que costumam habitar os filmes do gênero. O amadurecimento do personagem soa didático à exaustão por vezes (Sam Rockwell não precisava dizer duas vezes o chavão “Ache seu próprio caminho!”), as piadas vez ou outra não funcionam. Ver uma AnnaSophia Robb distante, lendo na praia e conhecendo aquela música diferente, é um clichê indie dos mais manjados; tampouco eficiente é a ideia de mostrar Duncan divagando na praia. Além do que, bom, adolescente andando de bicicleta infantil não é a melhor das gags – tudo embalado por uma trilha correta, mas comum, de Rob Simonsen.



São características que deixam o filme imperfeito. Mas devido à completa honestidade da proposta de Rash e Faxon, The Way, Way Back termina agradável, um bom estudo de personagens e uma narrativa alegre, divertida. Não tem o ambicioso alcance dramático e a construção absurdamente precisa de Mud (um coming-of-age que funciona em diversos níveis), mas é menos pretensioso e mais competente que Os Descendentes. Rash e Faxon não só meramente contam sobre como chegar à vida adulta, mas criam pessoas que vivem e sentem isso de verdade.

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

A Família

A Família
(The Family, 2013)
Ação/Comédia - 111 min.

Direção: Luc Besson
Roteiro: Luc Besson, Michael Caleo

com: Robert De Niro, Michelle Pfeiffer, Dianna Agron, John D'Leo, Tommy Lee Jones

A Família é Luc Besson brincando com os clichês do filme de máfia em prol de uma comédia de humor negro que ora funciona muito bem, ora parece arrastada. Em resumo, Besson quis criar uma brincadeira a partir dos personagens de filmes como os de Scorsese (que inclusive é um dos produtores do filme) transformando-os em estereótipos quase cartunescos do "mundo da máfia".

A família do crime cansada pelas constantes mudanças desde que o pai Giovanni (De Niro) resolveu entregar seus colegas da máfia para a polícia, está chegando a uma minúscula e isolada cidadezinha francesa na região da Normandia, conhecida pelo frio e umidade constante. Se De Niro vive um mafioso em crise e querendo encontrar uma forma de manter a sanidade, Michelle Pfeiffer (ainda linda) faz de sua esposa uma mulher cansada pelas mudanças e em busca de redenção. Os filhos Warren/John D'Leo e Belle/Diana Agron seguem estereótipos adolescentes e de elementos do mundo do crime. Enquanto ele é um pequeno gênio do crime elaborando planos mirabolantes para se dar bem, ela é uma garota violenta e que não leva desaforo para casa. No elenco, ainda existe espaço para o agente interpretado por Tommy Lee Jones, que está no modo "Tommy Lee clichê", fazendo as mesmas caretas, cara de mal e de ranzinza que o ator apresenta em diversos outros filmes.

Uma qualidade - e que infelizmente é deixada de lado no decorrer da produção - é uma discussão divertida sobre preconceito por parte dos habitantes franceses com os novos moradores americanos, especialmente porque vem de uma produção assinada por um diretor francês. Fala-se sobre a ignorância americana, sua dificuldade em se adaptar a um lugar onde, por exemplo, não se encontra manteiga de amendoim. Isso rende alguns bons diálogos e sequências de humor negro que até funcionam.



Apresentado como mais um capítulo das "aventuras" dessa família em fuga, Besson não parece muito interessado em dar um encerramento definitivo aos seus personagens, deixando escancarado a possibilidade de sequências futuras. Mas, apesar disso, usa o recurso do flashback - a partir de um livro de memórias - para explicar ao público muitas das situações que fizeram os personagens chegarem até aquele momento em que a história se inicia.

Besson amarra a trama sobre essa família perseguida pela máfia, trazendo os perseguidores para a narrativa principal de forma orgânica ao clima do filme. Mesmo apelando para uma daquelas coincidências brutais e nada verossímeis, quando a vemos diante da narrativa proposta (uma comédia de humor negro com diversos elementos que beiram o non-sense) não parece fora de lugar. Como não existe pretensão por aqui, encaramos aquela coincidência como mais um absurdo nessa história cheia de excessos.

De Niro parece bem à vontade nessa auto paródia, emulando filmes que fizeram sua fama e homenageando Scorsese na melhor sequência do filme, que envolve um cineclube e uma comunidade salivando por "causos da máfia", narrados por um escritor americano famoso (identidade mentirosa que o personagem assume).



Um problema incômodo no filme é que a cidade parece ficar maior no decorrer da trama Quando somos apresentados à pequena vila francesa - encravada no meio do "nada" - percebemos o quanto ela é bucólica e pequena. No decorrer da história, no entanto, ela parece ficar cada vez maior e com novos lugares a serem explorados. Seria a percepção dos personagens sobre aquele lugarejo minúsculo que mudou? Ou, minha aposta, problemas no roteiro que se esquece do cenário criado até ali? O mesmo vale para a quantidade industrial de franceses que falam inglês nessa pequena cidade. Por mais que isso pareça uma bobagem diante da trama que não pretende ser um retrato fiel de uma família no serviço de proteção a testemunha é um elemento que poderia gerar uma infinidade de situações engraçadas e ampliar a sensação de isolamento que a família Manzoni/Blake sente na pequena cidade.

A Família não é - nem de longe - um grande filme. Tem problemas para resolver-se, já que começa como comédia de humor negro sobre esses sujeitos mal encarados que tem de se passar por uma família normal e no decorrer da mesma descamba para o clichê do filme de ação anos 90, mesmo ainda sendo engraçado e tendo elementos de paródia que até funcionam. Besson é bastante irregular em sua carreira, especialmente nos últimos anos, e Família não vai tirá-lo do buraco que se enfiou.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Elysium

Elysium
(Elysium, 2013)
Ficção Científica - 109 min.

Direção: Neill Blomkamp
Roteiro: Neill Blomkamp

com: Matt Damon, Jodie Foster, Sharlto Copley, Wagner Moura, Alice Braga

Embora vá até parecer perseguição começo o texto relembrando uma entrevista que o diretor Neill Blomkamp deu ao site Collider pouco antes do lançamento de Elysium nos Estados Unidos. Entre outras coisas, Neill disse que não via televisão há oito anos. Esse tipo de afirmação, além de me parecer arrogante (do tipo: o que se faz na TV é "arte de segunda" e não merece meu precioso tempo) demonstra o quão fechado para o que se passa no mundo a sua volta, o diretor parece estar. Em um momento em que as produções televisivas vem se mostrando cada vez mais afiadas técnica e principalmente narrativamente, não me parece uma boa ideia que um sujeito metido no audiovisual diga isso sem um mínimo de vergonha.

E o que isso tem a ver com Elysium? Explico. Ao não perceber e absorver (porque não) aquilo que de melhor vem sendo produzido por aí, faz de seu filme um arremedo de ficção científica, com os mesmíssimos defeitos do superestimado Distrito 9, que conseguiu uma injusta indicação ao Oscar de melhor filme.

Elysium versa sobre um mundo abandonado por guerras e fome em que vivem apenas os mais pobres. Acima de todos numa espécie de satélite que orbita o planeta (o tal Elysium), os ricos e poderosos vivem a boa vida. O protagonismo é de Max (Matt Damon), eu ex-condenado em busca de uma segunda chance. Ao sofrer um acidente na fábrica em que trabalha e ser informado de quem tem poucos dias de vida, decide viajar a qualquer custo ao Elysium, para, uma vez lá, conseguir se curar em uma das máquinas de "cura mágica e instantânea" capazes de salvar qualquer um de qualquer enfermidade, desde que, seja um cidadão do Elysium.


Assim como em Distrito, Neill prova sua capacidade para conceber - teoricamente - um mundo que ao mesmo tempo em que é critico com a realidade em que vivemos todos os dias, aponta potenciais problemas futuros a partir de nossas ações de hoje. Se em Distrito eram os "camarões" que simbolizavam os negros sul-africanos (país de origem do diretor e roteirista) suprimidos e vitimas de abusos e preconceito, aqui ele expande seu escopo e fala de todos os que são considerados cidadãos de segunda classe, dividindo de forma arbitrária e irreal (típico de alguém que não tem contato com as diferentes visões de mundo que os mais ricos e pobres tem das coisas) o planeta entre pobres miseráveis e ricos super ricos. Ok, relevando a visão estreita sobre as pessoas que Blomkamp demonstra aqui, a trama até se justificaria se não apelasse para clichês na forma de apresentar seus personagens e seu mundo.

Como disse, Max é um ex-condenado e que vive numa imensa favela - que é o se tornou a cidade de Los Angeles - uma imensa massa de pessoas e casas que falam inglês, espanhol, português e todo tipo de dialeto em uma imensa bagunça imunda. Claro, que não basta o sujeito ser o herói, ele precisa ser "o escolhido", como o filme nos informa assim que os créditos são apresentados. Max foi criado em um orfanato ouvindo de uma freira que ele estava destinado a coisas grandiosas. Ao lado do garoto, a jovem Frea (Alice Braga) vive no mesmo orfanato e se torna o "amor impossível" de nosso protagonista. 

Se não bastassem tantos clichês, a representação dos habitantes desse mundo apodrecido é a mais risível possível. A impressão que se tem é a que todos os personagens saíram de um spin off mal sucedido de Mad Max. Todos são "malvados", "grosseiros", "mal encarados" e "ruins". Pessoas boas entre os pobres praticamente não dão as caras. Essa visão simplista acompanha também a visão que Blomkamp tem dos abastados no satélite do Elysium. Todos vestindo branco (e uma população basicamente caucasiana) bebem champanhe, ouvem concertos sinfônicos e se curam do câncer de pele com a facilidade de quem come uma uva. Simplista, apresenta uma população xenofóbica e limitada onde também não existe espaço para aqueles que pensam de forma diferente desse padrão.


Ué, mas isso é uma produção de ação com elementos de ficção científica, porque tanto "mimimi"? Porque Blomkamp enxerga seu filme como uma peça de relevância. Seu filme não é relevante, aliás, ao contrário, é simplista demais e não percebe a ótima ideia que teve em prol de personagens profundamente estereotipados, ações absolutamente injustificadas e desperdício de uma excelente premissa.

Ao ignorar a via do meio, os insurgentes dos dois lados (ou mesmo a classe média, onde será que eles estão escondidos?) Blomkamp limita seu mundo ao velho -e óbvio - clichê do herói versus o vilão sem desenvolver nada além disso, como havia se proposto a fazer nos primeiros minutos. Notem - quando virem o filme - como a primeira meia-hora do filme (mesmo com o discurso "você está destinado a mudar o mundo") funciona muito bem e nos insere naquela realidade suja e em contraste com o mundo etéreo de Elysium. Uma pena que isso pare ali. 

A trama em si é absolutamente derivativa (Blomkamp não deve ter visto muitos filmes também) e no fim se torna um jogo de gato e rato entre a versão "ninja da favela" de Damon contra o brutamontes barbudo e com cara de viking de Sharlto Copley (que nesse mundo simplista é o que melhor se sai e se diverte fazendo de seu vilão assustador). Toda a propaganda sobre o personagem de Jodie Foster é exagerada. Sua personagem, apresentada como uma mulher forte, cruel e decidida, vai se revelando rasa e facilmente substituível e sem nenhuma grande motivação para seus atos. Se o vilão de Copley abraça o "coringismo", e é daqueles clichês do sujeito que quer ver o circo pegar fogo, a possível percepção de que a personagem de Foster é astuta e inteligente é deixada de lado em detrimento do vilanismo puro e simples.


Os brasileiros (sem nenhum ufanismo) são os que se saem melhor na produção. Alice Braga é a única personagem "real" naquele mundo de excessos. A garotinha amiga de Damon torna-se uma enfermeira que luta contra problemas pessoais e precisa desesperadamente de ajuda. Talvez seja o melhor desempenho da atriz em inglês, que precisa de papéis melhores, porque talento não lhe falta. E Wagner Moura? Seu Spider é um hacker/gangster cheio de cacoetes, problemas de locomoção e com uma atitude enérgica e histérica que confere ao mesmo quase o posto de alívio cômico. Wagner compôs o personagem como um sujeito esguio e ardiloso que trabalha nas sombras para a destruição de um sistema. Sua atitude virulenta diante das ações e sua falta de escrúpulos para conseguir seus objetivos fazem do personagem bastante convincente, embora - como todo o filme - sofra no ato final redentor.

Damon não compromete, mas está longe de seus melhores momentos. A excelente construção técnica do exoesqueleto (presente nos trailers e pôsteres de divulgação) funciona muito bem e agrega um ar cyborg fundamental para que sejamos convencidos de que o personagem está à beira do abismo já que seus implantes são - na melhor das hipóteses - rudimentares. Esse visual, também ajuda a nos convencer de que Max está disposto à atos de extremismo para conseguir seus objetivos.

Lembrando demais a tecnologia de Distrito 9 - o mesmo vale para o cenário do mundo árido que se tornou a Terra - os efeitos visuais são competentes, mas não saltam aos olhos. A construção dos diversos robôs marcados pelos anos de serviço é uma adição óbvia mas bem vinda que garante mais credibilidade aquele universo, servido por máquinas velhas. A fotografia do filme é a mesma nos dois ambientes em que o filme se passa o que é uma escolha - a meu ver - infeliz. Seja no mundo arenoso da Terra ou no idílico paraíso (com o perdão da piada pronta) de Elysium a fotografia aposta no naturalismo. Nem o uso de algum tipo de filtro para criar alguma espécie de contraste visual, Blomkamp utilizou. Tudo está nas costas do design de produção que acaba dando conta do recado construindo cenários críveis e bastante diversos, mesmo em ambientes iguais.


Elysium se transforma em uma grande decepção. Por algum motivo maluco (ou sádico) mesmo vendo a estética dos pôsteres e trailers, imaginei que Blomkamp não cairia de novo na armadilha que seu Distrito 9 caiu. Desenvolve uma ideia boa, cria-se um mundo que pretende ser crítico, mas prefere-se apostar no lugar comum, no filme de ação clichê e que não tem novidades ao que foi feito até aqui. Mais uma dessa e o diretor sul-africano entra pro hall de Tim Burton: sujeito que tem ótimas ideias e conceitos mas que os desenvolve de forma preguiçosa.



Neill Blomkamp ainda quer fazer Halo. Não é difícil entender o por que: a trama presente nos jogos, envolvendo uma gama de civilizações visitadas para estabelecer um cenário político, usa da ação para manter certo descompromisso, o que acaba a afastando de Mass Effect e sua forte filosofia. Quando lançou Distrito 9, Blomkamp queria dar seu parecer sobre a segregação racial e o debate que ela gera, mas termina usando da ação frenética para terminar o seu conto, com a consagrada trama do infilitrado-que-se-encanta-pelo-inimigo. Era uma trama vitoriosa, um setting interessante e um formato documental que trazia alguma novidade, mas com os rumos fracos que o roteiro tomava Distrito 9 acabava se achando muito mais inteligentes do que era de fato.

Agora, em Elysium, Blomkamp é muito mais claro no que quer fazer, sendo apenas um filme de ação grandiloquente, com o mesmo pano de fundo de Distrito 9 (e de Halo). Demonstra tanta falta de habilidade em sua condução ideológica que se sobressai mais como sátira, uma mera desculpa para o sul-africano filmar o que mais gosta: ação.

Desde seu princípio, Elysium já mantém uma lógica interna de linguagem. Inicia com um didático letreiro, que deixa explícito o que as imagens já deixavam óbvio. Perto do fim do primeiro ato, um take nos lembra quem é certo personagem, já que o didatismo aqui impede que o espectador relembre sozinho. Na introdução, porém, Blomkamp usa da competente trilha minimalista do novato Ryan Amon para dar imponência à breve sequência de cenas, precisa ao construir o imaginário do herói que Max será e ambientar o espectador naquele futuro através de planos eficientes, seja com câmera na mão ou em takes aéreos.



Ao construir seu filme como uma jornada de herói na luta contra o sistema, Blomkamp demonstra uma honestidade que não era tão evidente em seu filme anterior, que apelava para essa jornada sem nunca ter preparado o espectador para ela durante os primeiros atos. Já aqui, o herói é construído até à exaustão. Uma freira conta ao pequeno Max que, um dia, ele “fará algo maravilhoso”; já no presente, o seu amigo vivido por Diego Luna pergunta o que aconteceu com Max, já que o homem “costumava ser uma lenda”; durante uma revista policial, o protagonista tira sarro com o robô, que deixa claro que ele tem antecedentes criminais. É um herói consagrado do subgênero de pós-apocalipse, o homem oprimido lutando contra a tirania do governo, um clichê que implodiu filmes como o ambicioso O Preço do Amanhã ao privilegiar arquétipos. No entanto, o roteiro consegue usar o clichê a seu favor: a aceitação na construção de Elysium em volta do personagem de Matt Damon evita que o discurso social do diretor sufoque a narrativa.

Discurso social esse que está, por sua vez, mais afetado do que nunca. É interessante construir alegorias sobre o contraste sócio-econômico que o futuro poderia trazer, como o próprio O Preço do Amanhã; a ficção-científica é, talvez, o melhor gênero para debater assuntos instigantes, maiores que o Homem. Mas para tentar extrair questionamentos e ideias de uma narrativa, tem que confiar muito em sua mão. Aqui, Blomkamp confia até demais, e nos apresenta um reducionismo geral que espanta uma caricatura em forma de mundo. Os principais atores da resistência são latinos; os ricos são arrogantes, poderosos e sentem nojo do ar da Terra (eles são muito maus); e como Blomkamp costuma ser extremo em seus debates, obviamente isso se refletiria na narrativa: como apontou Chico Fireman em sua crítica, aparentemente o diretor se esqueceu da existência de uma classe média. São grandes problemas em um roteiro metido à intelectual, mas em Elysium é difícil se importar; mais legal é tentar ver que estamos diante de uma atmosfera absurdamente satírica. É um filme onde os pobres ouvem dubstep e os ricos ouvem Bach, ora.


O diretor sul-africano faz aquela média para parecer engajado, diz que “isso não é ficção-científica, isso é o mundo de hoje”, mas no fundo isso é tudo uma ilusão, um divertido background para Elysium. Estamos lidando com um filme que utiliza do sócio-político para abusar (positivamente) da cultura Pop numa frenética ficção-científica de ação. O agente Kruger, vivido por Copley, tem uma espada ninja; Matt Damon usa uma AK-47 toda modificada, com uma faca que remete à baioneta de Gears of War; tanto Max quanto Kruger têm modificações em seus corpos, o que gera um combate digno de filmes super-heróicos; Kruger tem um escudo de força (!) em forma de bastão, que impressiona em sua primeira aparição. E como os cartazes já mostravam, há exoesqueletos; eles transformam os humanos em quase mechas. A violência, por sua vez, é estilizada (cabeças explodem mesmo), e usada em prol do espetáculo (a regeneração de certa cabeça).




Tudo isso mantém a narrativa em segundo plano e melhora a impressão que Elysium deixa. Caso se focasse em suas discussões e ideias, resultaria mais problemático do que já é: Blomkamp não só resolve da maneira mais simplória e previsível possível o conflito dos povos como apresenta o já citado didatismo de forma inacreditável. Basta dizer que, em certo ponto, Max explica exatamente tudo o que já havia sido dito por Spider anteriormente (“recapitulando...”).

Nisso, as atuações do filme se encaixam com a proposta de seus personagens. Se Alice Braga e Diego Luna fazem bem personagens com pouco tempo de tela, Matt Damon nunca deixa a desejar como um herói de ação, se apresentando menos vulnerável e mais destruidor que em seus tempos de Jason Bourne. Wagner Moura, em seu primeiro papel em Hollywood, deixa uma boa impressão, já que mantém sob controle a afetação de seu Spider, causando até certa empatia pelo personagem. E com Jodie Foster e William Fichtner debaixo de camadas e camadas de caricatura, Sharlto Copley se sobressai como o trunfo do terceiro ato, com um vilão sádico e altamente pop (ele tem um exoesqueleto ninja). É mais um chefe de fase, metade humano-metade ciborgue, que um personagem tridimensional – e Copley entende isso perfeitamente, se divertindo no papel.


Claro que mesmo assim a narrativa tem problemas imperdoáveis: o desenvolvimento dos coadjuvantes geralmente apresenta didatismo constante (o único que se salva é Spider, que tem uma introdução decente), o golpe político em Elysium serve só como desculpa para manter a canastrona Jodie Foster na tela, os conflitos dramáticos e as metáforas são comuns. Mas o roteiro de Blomkamp pega uma estrutura de objetivos que remete diretamente aos games (como o pen-drive neural que move a narrativa), o que não só mantém o fôlego da narrativa como dá uma ideia de como seria o tal Halo planejado pelo diretor. O ritmo fluido do filme casa perfeitamente com a construção de seu herói e, mais ainda, com sua salada pop, concebendo uma ficção que, mesmo sendo rasa e inocente, diverte e deixa uma boa impressão. Ao mirar mais baixo, Neill Blomkamp consegue satisfazer às médias expectativas, diferente do grande quase-acerto que foi Distrito 9.





sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Lovelace

Lovelace
(Lovelace, 2013)
Drama - 93 min.

Direção: Rob Epstein e Jeffrey Friedman
Roteiro: Andy Bellin

com: Amanda Seyfried, Peter Sarsgaard, Sharon Stone

Linda Lovelace entrou para a história do cinema por ter participado de um único filme. Parece absurdo, pensarmos que na década de 70 um filme pornográfico faria tanto sucesso e receberia tanta atenção da mídia. Se hoje, estamos a um clique de todo tipo de material (inclusive pornográfico), na década de 70 a situação era muito diferente e "Garganta Profunda", o filme estrelado por Lovelace, era de fato completamente novo para o público da época.

Lovelace tinha talento para a pornografia e habilidade para fazer uma coisa que na tela poucas vezes tinha sido vista (se é que tinha sido). Isso catapultou o filme a um sucesso estratosférico. Dizem que faturou impensáveis 600 milhões de dólares, o que me parece um completo absurdo. Mas sim, faturou um dinheiro alto e entrou para a história.

Porém, à margem de tanto glamour, dinheiro e sexo estava a jovem e ingênua Lovelace, uma garota criada em uma família religiosa e tradicional e que se sentindo castrada por sua mãe sai de casa, e encantada com um jovem sedutor embarca em uma vida complicada e sofrida, que geraria traumas e que no futuro faria dela ativista contra a violência contra a mulher e a pornografia.



Lovelace é um filme esperto em sua montagem (a grande qualidade do filme), pois brinca com as expectativas do espectador sobre a produção. Dividido quase que formalmente em duas partes, o filme nos apresenta primeiramente uma história cheia de glamour sobre aquela garota inocente, com cara de menina que consegue atingir o sucesso, conhecer celebridades e entrar para o hall das pessoas interessantes naquele período. Depois, quase que sadicamente, o filme retira o véu de beleza e aprofunda os traumas enfrentados pela garota e tudo aquilo "que as câmeras não mostraram", reproduzindo as mesmas cenas e acrescentando elementos que dão força a tragédia de Linda.

Amanda Seyfried faz um trabalho competente, embora o roteiro de Andy Bellin, não lhe de tempo para desenvolver sua personagem. Apesar de vermos seu sofrimento, a personagem permanece ingênua e frágil mesmo diante de tantos abusos e quem acaba roubando a cena são os coadjuvantes. Sarsgaard, que vive seu marido abusivo, é ao mesmo tempo obcecado por Linda, como violento e dependente. Existe uma gama maior de características nesse homem detestável que como todo sedutor enlaça sua vitima ao ponto dela ver-se prisioneira daquela situação. Outro destaque é Sharon Stone, que vive a mãe da protagonista. Ironicamente (duvido que isso não tenha sido pensado) Stone, que se consagrou com filmes absurdamente eróticos, aqui é a mãe recatada e que tem uma visão de mundo bastante patriarcal, mesmo diante dos claros problemas da filha. Auxiliada por uma maquiagem pesada que a deixa ainda mais severa, reforçando linhas de expressão, Stone é a personagem mais interessante da trama.

Se o roteiro não ajuda Seyfried a ir muito além do retrato raso da protagonista, faz o mesmo com Stone e os coadjuvantes ao escolher um retrato que não responde muito bem as perguntas levantadas pela trama: o que acontece com seu marido, Chuck? Como Linda conheceu seu novo marido? Quando teve a vontade de escrever um livro? Como se transformou em ativista? Como a indústria pornográfica enxergou esse movimento? E a máfia - parte integrante da trama - onde estava? E os diretores/produtores, que são retratados de forma simpática, como reagiram a "nova Linda"?



Esse tipo de cine biografia tende a ser criticada exatamente por esse tipo de escolha. Optar por um recorte da vida do biografado tende a não responder perguntas importantes sobre o mesmo. No caso do filme, falta-lhe ainda um fator importante em toda a narrativa: sensualidade. Estamos falando sobre um filme que retrata a maior sensação do cinema pornográfico na história, e mesmo assim muito pouco é mostrado a respeito. Parece que a intenção era seguir o ideal de Linda de que isso "é feio", mas se você está contando essa história como abdicar disso? Mesmo tentando emular Boogie Nights (a comparação mais óbvia pelo período retratado), o filme não consegue de fato nos convencer que esse mundinho pornô é de fato um ambiente tão cruel como Linda pregava. O que é cruel, sem dúvida, é o tratamento dado a ela por seu marido. Isso é sem dúvida, uma afronta, e mesmo assim, com todos esses problemas, não existe sequer um desfecho competente para essa situação.

Lovelace é uma biografia que poderia ir muito além. A partir da personagem poderia ter entrado de cabeça no mundo que a biografada tanto criticou. Prefere no entanto, ir para o lado mais fácil e chocante: mais uma história triste - e que o cinema já contou melhor, com mais emoção e impacto - sobre uma garota ingênua que sofreu abusos de um sujeito que merecia passar o resto da vida preso.


quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Aviões

Aviões
(Planes, 2013)
Aventura/Comédia - 91 min.

Direção: Klau Hall
Roteiro: Jeffrey M. Howard

com as vozes de: Dane Cook, Stacy Keach, John Cleese, Teri Hatcher, Julia Louis-Dreyfus, Carlos Alazraqui

O que acontece com a Disney? Sei que a margem de lucro do estúdio com suas animações não para de crescer, mas e a qualidade? Antes que alguém argumente, "mas o povo gosta", vamos lembrar que as animações Disney quase sempre foram sucessos de bilheteria. Porém, a qualidade das mesmas também sempre variava. Especialmente no final da vida do estúdio de animação tradicional, a qualidade dos desenhos animados vinha ladeira abaixo.

De outro lado, estava a Pixar. Considerada (e com razão) o estúdio mais assertivo do cinema americano, desde sua primeira animação em longa metragem vinha num crescente de qualidade e esmero técnico. Filmes como Wall-E, Ratatouille ou a trilogia Toy Story falam por si. Mesmo os filmes mais fracos do estúdio, como Carros, tinham lá seu charme. Mas, a Pixar vem errando feio. Errou ao apostar na pavorosa sequência de Carros, no mediano Valente e em liberar "seu mundo de Carros" para que a Disney produzisse o ainda mais fraco Aviões.

Se o espectador já viu os dois Carros, já viu Aviões. Simples assim. Alguém sem nenhuma noção de timing, achou por bem que um roteiro que fala sobre um aviãozinho humilde e responsável pela pulverização de plantações e que se mete em competir em uma corrida global não pareceria demais com a franquia Carros. O protagonista, o aviãozinho Dusty, não é abobalhado como Mate, mas enfrenta uma jornada global como acontece no segundo filme dos automóveis da Pixar. E como no primeiro Carros, o avião tem um mentor misterioso e de voz cavernosa e que esconde um passado cheio de traumas, um inimigo clichê e 110% malvado, um coadjuvante bobo (e que espero sinceramente que numa eventual sequência de Aviões não ganhe papel de destaque) e uma narrativa que é um daqueles road movies sem nada a dizer. Você acompanha os aviões voando por diferentes partes do mundo, enquanto o protagonista aprende "alguns valores da vida".



A animação mais infantil sempre se propõe a passar mensagem positivas ao seu público, é verdade, mas quando isso vem acompanhado de uma história - na melhor das hipóteses - fraquinha, o resultado não pode ser bom. Aviões não engrena, tem um humor arrastado e que repete clichês que já havíamos visto em Carros 2. Se na versão automobilística tínhamos os carro estereotipados que representavam diversos países do mundo, o mesmo acontece com os aviões. Avião mexicano, britânico, indiano e até brasileiro, todos retratando "elementos culturais" de seus países. Como "fan service" vale - a única boa sacada do filme - a lembrança a Top Gun, com dois caças saídos diretamente do filme de 1986 e dublados (na versão original) por Val Kilmer e Anthony Edwards, que atuaram no filme que lançou definitivamente Tom Cruise ao estrelato.

A animação como era de se esperar em se tratando de uma das empresas mais ricas e competentes do mercado é visualmente competente. Ao situar-se no mesmo universo que outra franquia já consolidada tudo fica mais fácil na hora de moldar as criaturas que habitam esse mundo. Gostando-se ou não de Carros, é fácil perceber que tanto os automóveis quanto os aviões fazem parte do mesmo universo, seja pela aparição de outros veículos automotivos quanto pelos cenários que seguem a paleta de cores ensolarada e abusando de muitas cores quentes e fortes como a franquia citada.

Uma pena que tanto trabalho e investimento dê origem a uma das piores animações da Disney em sua história. Sem originalidade na trama, com personagens nada cativantes (talvez o coadjuvante principal, o avião mexicano El Chupacabra, mesmo irritando por seus estereótipos seja o menos pior) e ritmo arrastado embora seja um filme bastante enxuto em sua duração, Aviões - com o perdão do trocadilho infame - não consegue sequer taxiar na pista de pousos e decolagens.

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Rush: No Limite da Emoção

Rush: No Limite da Emoção
(Rush, 2013)
Ação/Drama - 123 min.

Direção: Ron Howard
Roteiro: Peter Morgan

com: Daniel Bruhl, Chris Hemsworth, Olivia Wilde, Alexandra Maria Lara

Começo o texto com uma daquelas confissões que estão se tornando bastante comuns por aqui: sou apaixonado por Fórmula 1. Mais do que por cinema. Aos dois anos de idade minha festa de aniversário teve o tema Fórmula 1, e estava lá eu vestido com um macacão da Lotus preta (a famosa John Player Special) que na época era dirigida pelo Ayrton Senna. Tenho álbuns de figurinhas, guias de corridas no Brasil, documentários, revistas, até sabia decorado todos os nomes dos pilotos que participaram da temporada de 1991 e até escrevi um livro (não publicado, infelizmente) sobre a década de oitenta do "circo da Fórmula Um" entre mais um monte de outras coisas.

Esse parágrafo todo foi escrito apenas para justificar minha ansiedade para ver Rush: No Limite da Emoção, um dos dois filmes que realmente aguardava com ansiedade para ver nesse ano de 2013 (o outro era Círculo de Fogo). Sei que não se deve ansiar por um filme, porque a chance de uma decepção com o mesmo é enorme, mas existem filmes que nos remetem a paixões muito grandes ou lembranças da infância e que desafiam a nossa racionalidade e lógica adulta.

Dito isso tudo, o que de fato faz de Rush um dos meus filmes (até agora) favoritos do ano? O carinho. Carinho e atenção com que Ron Howard tem por sua história. Que pese não ser um retrato fidelíssimo à realidade dos fatos, o é diante da ideia de contar a história de dois sujeitos apaixonados por uma mesma coisa e que rompiam os limites (sejam os da pista ou os pessoais) em busca de um objetivo: a vitória.



Mesmo que a rivalidade entre Hunt e Lauda não esteja entre as mais agressivas e raivosas da categoria, o drama vivido durante a temporada de 1976 (esse sim), é dos mais impressionantes na história do esporte. Se o filme tem uma falha "grave" é a de não avançar mais além na cronologia, optando por um encerramento que é poético e singelo, sem dúvida, mas que cria uma aura de que aquela disputa foi mais além do que de fato foi na realidade.

Se existe um protagonista em Rush, esse é Niki Lauda/Daniel Bruhl. Mesmo com muitos dos problemas de Hunt ocuparem até mais da projeção, é no drama vivido pelo piloto austríaco que o filme se debruça com mais atenção e cuidado. Lauda é retratado como um quase estereótipo do sujeito alemão (embora seja austríaco). Rígido, severo, sem tempo para perder com diversão ou distrações, chega a resvalar do inverossímil, mas a desempenho excelente de Daniel ameniza os problemas do estereótipo, principalmente quando notamos que apesar de sua visível "ranhetice", Niki é apenas um apaixonado pelo esporte e que presa pelos valores do mesmo.

A surpresa vem na interpretação segura de Chris Hemsworth, confortável como o playboy James Hunt. Hemsworth ainda precisa provar que é um ator de primeiro time, mas aqui está em um habitat bastante seguro, onde Chris parece bastante à vontade. Hunt é visto aqui da mesma forma que Lauda, quase resvalando no estereótipo do playboy boa vida, mas Hemsworth consegue dar mais camadas ao personagem, fazendo-o o esportista obcecado pela perfeição, muito talentoso e com dificuldades com seus relacionamentos. Embora tenha todas as mulheres (que na produção são meras figuras decorativas) a sua disposição, no fim do dia o piloto volta pra casa sozinho (metaforicamente falando).



Ron Howard acerta na reconstrução de época, conseguindo recriar um período muito rico para a categoria. Durante todo o filme o mantra de que todo o ano um piloto morria é repetido, e a produção parece - com razão - encantada pelo destemor desses sujeitos que arriscavam a vida pelo prazer da vitória. Em uma época em que a Formula 1 é acusada de ser cada vez mais mecanizada, é interessante esse retorno ao romantismo, quando os pilotos bebiam antes de pilotar, divertiam-se fartamente na véspera das corridas ou quando acidentes impressionantes marcavam para sempre aqueles que sobreviviam.

O interesse maior de Rush está ai: a partir da disputa de Lauda e Hunt contar um pouco sobre a historia do esporte nesse período, marcado pelos muitos acidentes e por um ar amador e ingênuo, onde o sujeito mais rápido venceria a corrida e o campeonato.

Visualmente o filme impressiona. A fotografia evoca o período retratado com grande competência e a forma com que as corridas (não tantas como os trailers pareciam dizer) são mostradas detalha alguns elementos importantíssimos na pilotagem como as trocas de marcha em alta velocidade, à dificuldade monstruosa de se guiar em uma pista molhada, os pit stops e até mesmo (e graças ao uso de efeitos visuais, imagino) o funcionamento do motor de um carro de corrida.



O que nos leva a bater palmas para a montagem de Daniel P. Henley e Mike Hill. Um trabalho difícil já que ao mesmo tempo em que monta um filme de ação com as corridas ganhando destaque, principalmente durante o ato final, também estamos acompanhando um drama sobre os limites daqueles homens na tela. Optando por não cair na vala comum do videoclipe, a montagem das corridas apesar de enérgicas são facilmente compreendidas e realmente emocionantes mesmo para quem já conhece o desfecho da maioria delas. De fato, apenas a corrida final - que definiu o campeonato de 76 - ganha maior destaque, embora tenhamos imagens que reproduzem diversas corridas da temporada.

Ao final de Rush fica a dúvida: teríamos visto o mais impressionante filme sobre automobilismo já produzido? Se formos tentar responder essa pergunta à comparação óbvia (e mais justa) é com o clássico Grand Prix de John Frankenheimer. Se Grand Prix era mais um filme de corrida puro, com muito mais cenas dentro da pista e usando praticamente os mesmos carros das equipes participantes do campeonato retratado no filme (1966), Rush é mais completo, pois além de apresentar as corridas (em menor numero que Grand Prix, é verdade) com grande competência e usando carros reais encontrados com diversos colecionadores pelo mundo, tem um elemento dramático mais empolgante e uma reverência mais ingênua, o que condiz com o período retratado. 

Talvez por ter sido realizado muito próximo a temporada retratada (Grand Prix é de 1966 e retrata justamente uma fictícia temporada do mesmo ano), existe uma dose de cinismo naqueles personagens. Com o saudável distanciamento dos fatos, a trama de Rush é mais redonda, tem mais carinho por seus personagens e não "vilaniza" ninguém. Vilão, que se existe em Rush é o tempo, que esses dois homens lutaram durante toda a vida para vencer.