segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Argo


Argo
(Argo, 2012)
Drama/Thriller - 120 min.

Direção: Ben Affleck
Roteiro: Chris Terrio

com: Ben Affleck, John Goodman, Alan Arkin, Bryan Cranston, Victor Garber


Ben Affleck se redescobriu na função de diretor. Ainda que consagrado comercialmente como ator (após seus sucessos em blockbusters como Armageddon, Pearl Harbor e Demolidor), fora em 2007 que sua volta aos holofotes da crítica ocorreu. Retornando ao posto de roteirista que o colocou no mapa de Hollywood no premiado Gênio Indomável (escrito em parceria com seu amigo Matt Damon), Affleck recebeu vastos elogios por sua estreia na direção em Medo da Verdade. Em 2010, se estabeleceu como promissor realizador de policiais expressivos ao dirigir o aclamado (e seguro) Atração Perigosa. Mas se parecia que o reinventado Affleck, ávido por uma segunda chance da indústria, rumava para uma carreira semelhante à de Michael Mann, acabou se mostrando estreito. Em sua nova obra, Argo, o californiano expande suas ambições e cria uma politizada visão sobre uma época e ainda se afirma um interessante criador de tensão.

Ambientado no final dos anos 70, o filme conta a história da Crise dos Reféns em Teerã, quando houve a tentativa de resgate pela CIA através da falsa equipe de filmagens de um longa que seria ambientado no Oriente Médio. Para uma trama com características tão singulares em sua mescla de absurdo com uma crescente tensão, o roteiro de Chris Terrio constrói uma estrutura muito hábil e que se prova satisfatória em conjunto com a forte montagem. Na busca por uma unidade na distinta narrativa, Terrio consegue um mote para cada elemento da narrativa: enquanto o nervosismo toma conta da tela no tratamento dado ao sequestro dos diplomatas, o absurdo na consistência da missão planejada pela CIA se mostra coerente na sátira realizada a toda Hollywood. Entre esses dois espectros, o protagonista Tony Mendez tenta organizar sua missão.

Mas primeiro, o absurdo da sátira. Sátira essa que é representada brilhantemente pelo executivo Lester, vivido por Alan Arkin, e pelo maquiador John Chambers, interpretado por John Goodman. Logo que entra em contato com os dois representantes da indústria, Mendez é recebido com ácidos comentários dos velhos jogadores da Terra da Mentira. Enfileram-se as marcantes passagens, tanto sobre as excentricidades do local quanto sobre os simplismos dos que o povoam. Quando o protagonista fala do perigo que o Aiatolá representa, Lester compara o segundo ao Sindicato dos Roteiristas; ao falar de cavalos, alguém compara o filme fajuto a um faroeste porque “se tem cavalos, só pode ser faroeste”. Não cabe me estender ao revelá-las, já que uma das surpresas de Argo é justamente esse comentário cínico que a Warner faz a si mesma, algo sem a visão quase surrealista de Trovão Tropical e que possui um conteúdo tão forte e engraçado quanto.


Se a primeira vista a ideia de mesclar o ridículo da missão (“É nossa melhor pior ideia”, diz o agente vivido por Bryan Cranston) com uma crise violenta é arriscada por talvez tirar a gravidade da situação, Affleck e Terrio (junto com William Goldenberg, montador do também ritmado Medo da Verdade) surpreendem ao saberem criar um ritmo que freie a sátira quando o filme parece que vai ficar muito descompromissado – e que sabe ser engraçado quando a situação fica insustentável de tão grave. Para as imagens de impacto, Affleck é bastante feliz ao conceber tensão através de pequenas ações. Repare como a impressão das passagens é bem desconfortável, sem que isso se torne muito forçado ou inverossímil. Tanto as imagens de arquivo, como as dos protestos no Irã, quanto às recriadas pelo diretor (a montagem com a cena da tortura é espetacular) são fantásticas na função dramática. E apesar da cena com os fiscais, no clímax, ter alguns empecilhos em horas convenientes demais, a tensão é tão bem construída por Affleck que a cena se torna totalmente satisfatória, compensando esse pequeno erro.

Indo além da narrativa, Argo ainda se demonstra poderoso retrato da época. Visualmente, o diretor cria com o fotógrafo colombiano Rodrigo Prieto uma excepcional atmosfera setentista divididas nas duas camadas do filme. Em Hollywood, há certa tendência solar ao clima, sempre otimista e dotado de leve glamourização (o que reforça o amor cinéfilo de Argo, que falarei a seguir). Já no Irã, na desesperadora situação da guerra, a granulação domina quase todas as cenas e a calculadamente nervosa câmera registra cenas chocantes (como as citadas cenas do galpão da tortura e da à multidão com raiva). Até mesmo no mercado de especiarias, a tensão domina com a granulação, mesmo que a câmera fique um pouco mais estática. Somando isso aos precisos figurinos e maquiagem (Affleck parece oriundo dos 70 por completo) e ao excelente uso de músicas da época, com as breves utilizações de When the Levee Breaks e Sultans of Swing, e temos uma atmosfera muito bem definida e instalada para abrigar uma história com temas complexos como esta.

Temas complexos, esses, que conseguem até mesmo criar uma (ótima) cena toda baseada em ideologias. Os problemas contra estrangeiros são mostrados na já citada cena do mercado. Quando Affleck passa com sua equipe no meio de tantos orientais, uma briga começa do nada. Então, a intolerância xenofóbica é demonstrada verbalmente e quase fisicamente, dando um mal-estar marcante à situação. Além disso, ao final, discute-se muito sobre o papel que os Estados Unidos pode fazer no mundo em termos de intervenção militar (“por que não fazemos ações como essa?”, diz alguém, injustamente, no final), mas de uma maneira que é otimista sem soar ufanista. Nesses temas, Affleck se aproxima bastante do cinema de George Clooney (não por acaso, produtor do longa), que realiza crônicas fortes baseadas em tópicos políticos, mas não soa propagandista. Como registro narrativo, porém, o californiano Affleck é mais feliz que Clooney, já que é o que melhor concilia sua história com seus temas de subtexto sem que isso intervenha tão ativamente na trama.


Mas se a ficcionalização de alguns fatos é inevitável, esta serve mais ainda para falar do amor cinéfilo do filme. A câmera de Affleck e Prieto anda pelos cantos de Hollywood com um misto de nostalgia e admiração por aquele cinismo todo. O letreiro da cidade é mostrado em seu estado incerto da época, enquanto a coletiva de imprensa falsa passa aos olhos do espectador com várias luzes e em uma câmera lenta que parece eternizar os fatos; action-figures são vistas nos créditos finais, uma leve representação da própria Hollywood; e mesmo quando conversas banais ocorrem na cidade, algo interessante parece estar ocorrendo. Quando Lester e John conversam sobre Tony, perto do final, eles acabam passando por uma gravação. A prova definitiva desse amor soberano, porém, vem naquele que é o melhor diálogo do filme; ao citarem uma passagem de Marx para Lester, o personagem de Arkin rapidamente questiona: “Groucho disse isso?”

Surpreendendo ainda como ator, Affleck supera novamente o desafio de protagonizar o próprio trabalho. E repare como as expressões do ator, sempre levemente sisudas, parecem calculadamente entre a bondade e a observação, o que nos assegura tanto da competência quanto da honestidade de Mendez. Além do mais, o americano prepara o elenco secundário com destreza, já que os diplomatas sempre convencem em suas funções (e seus rostos pouco conhecidos do público dão mais gravidade à situação). E John Goodman e Alan Arkin formam uma das mais divertidas presenças cômicas no ano, com uma afinação incrível e comentários tão esclarecedores quanto ácidos e divertidos. Digno de prêmios coadjuvantes, até.

Embasado político sem perder a maturidade (sempre se reconhece que a missão, por mais benéfica, fora baseada em diversas farsas), mesmo sem esconder sua devoção pela cinefilia, Argo tem tudo para acumular estatuetas. E o melhor: com todos os merecidos aplausos possíveis. E um especial a Ben Affleck, se revelando um diretor muito interessante (repare o imponente zoom na comemoração do final) e que dá um passo a frente em sua carreira ao discutir com relevância ímpar sobre temas relevantes e contemporâneos, além de se revelar um excepcional narrador.



Um comentário:

  1. Alem da boa direção do Ben Affleck, uma tema que os americanos adoram, o heroísmo americano. é um bom termometro para o Oscar

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