sábado, 12 de janeiro de 2013

A Viagem


A Viagem
(Cloud Atlas, 2012)
Drama/Sci-Fi/Aventura - 172 min.

Direção: Andy Wachowski, Lana Wachowski e Tom Tykwer
Roteiro: Andy Wachowski, Lana Wachowski e Tom Tykwer

com: Tom Hanks, Halle Berry, Jim Broadbent, Hugh Grant, Ben Whishaw, Hugo Weaving, James D'Arcy, Doona Bae, Susan Sarandon

Os irmãos Wachowski vivem à sombra de Matrix. Isso parece (pra ficar no tema do filme) um karma cósmico que sempre nos fará comparar cada uma de suas obras com a mais bem sucedida. O mesmo pode ser dito de Tom Tykwer, outro assombrado por sua própria glória pregressa com o fenomenal Corra, Lola Corra. Da união dessas três mentes surge a adaptação de Cloud Atlas de David Mitchell, um livro daqueles que o próprio autor considerava inadaptável para a tela grande, mediante a quantidade absurda de tramas paralelas e da tentativa de misturá-las. Digo tudo isso baseado em comentários daqueles que leram o livro e do próprio autor.

Pois bem, A Viagem (ou Cloud Atlas, título mais poético) narra uma serie de historias que tem como tema provar a teoria de que estamos todos interligados, de que nossas vidas são eternas e que nosso espaço no cosmo é infinito. Espinhoso, não? Como conseguir filmar uma teoria de forma a mantê-la coesa e ainda sim não esquecer de que antes mais nada, existe um filme a ser mostrado.

Saúdo os realizadores por sua audácia, por ousarem, por pensarem fora da caixa e de tentarem apresentar coesão em suas histórias. Mas, infelizmente, essa tentativa esbarra na qualidade dessas histórias, em quesitos técnicos e na escolha equivocada de manter os mesmos interpretes em quase todas as narrativas.


Comecemos explicando de fato, o que são as "viagens" do filme: em 1849 acompanhamos a viagem de Adam Ewing (Jim Sturgees) que cruza o Pacífico da Austrália até San Francisco para encontrar sua amada; em 1939, as vésperas da Segunda Guerra Mundial, um prodigioso compositor (Robert Frobisher vivido por Ben Whishaw) tenta encontrar seu caminho de sucesso enquanto mantém um caso secreto com seu amante mais rico; na década de setenta, uma jornalista (Luisa Rey vivida por Halle Berry) investiga uma usina nuclear prestes a ser aberta; em 2012 um agente literário (Timothy Cavendish vivido por Jim Broadbent) precisa fugir da sua prisão imposta em um asilo; em 2144 vemos a Nova Seul recheada de clones produzidos para servir o homem e a revolta de uma delas (Sonmi 451 vivido por Doona Bae) contra o sistema em que vive e finalmente um futuro muito a frente (2321 e 2346), um homem (Zachry vivido por Tom Hanks) precisa enfrentar seus medos e levar uma estranha a um monte sagrado em sua vila, diante de uma realidade pós-apocalíptica onde o homem vive em condições quase neandertais.

Parece confuso não? E principalmente como podemos conseguir acompanhar tantas historias sem nos perder? Vendido como algo complexo e indecifrável, na verdade A Viagem é bastante simples. Basta compreender que cada história é interligada a uma outra, que os temas são repetidos e que os personagens "dialogam" entre si, diante da teoria da conectividade. Basicamente, quando vemos Luisa Rey (Halle Berry), lendo as cartas de Frobisher (Ben Whishaw) para seu amante, ou quando a composição de Frobisher é executada em Nova Seul, ou quando a andróide Sonmi 451 vira peça importantíssima na vida e cultura em um futuro ainda mais distante. Isso sem contar com as referências temáticas, que colocam casais trágicos, lutadores pela liberdade, sonhadores, espalhados em cada realidade. 

Vale lembrar que apesar de cada historia ter um protagonista claro, todos esses atores que encabeçam suas historias, ao lado de figuras como Hugh Grant, Susan Sarandon, Hugo Weaving, Keith David e James D'Arcy se encarregam de viver os coadjuvantes de cada historia, o que para cada ator deve ter proporcionado muito trabalho, mas uma tremenda diversão, já que Tom Hanks, por exemplo, vive um médico cafajeste e interesseiro, um gerente de hotel mesquinho, um cientista nuclear, um escritor mal encarado, um ator e o já citado homem simplório. Cada um com mais ou menos importância para as tramas.


Porém, para o filme realmente não parecer enfadonho ou cansativo (em suas mais de três horas de duração) cada uma dessas narrativas precisaria ser de alta qualidade, o que não é caso. 

Na trama do navio, além do cenário ser praticamente o mesmo, a relação entre o personagem de Sturgees e o de Tom Hanks demora a engrenar e é levada em "banho-maria" e mesmo com a adição de uma sub-trama que envolve um escravo fugitivo parece vazia e com cheiro de já vi isso antes. Nem mesmo visualmente o filme acerta aqui, já que temos uma serie de planos abertos do navio, mas muito pouco dele em ação. A segunda trama já é mais interessante, graças a bons momentos de Ben Whishaw e de seu patrão vivido por Jim Broadbent. Apesar de estarmos vendo um dramalhão típico inglês (uma quase versão de Jane Austen gay) com direito a tragédias mil, a trama por si só é interessante. Não é inovadora e tem cheiro de comida requentada, mas agrega valor pelos bons atores. 

A pior das tramas (e que curiosamente parece ser a que mais tem sequências de ação) é a ambientada nos anos 70. Além da ideia da investigação ser óbvia do primeiro ao último minuto, a revelação do segredo da usina é genérica e por mais que possamos vê-lo ressoar em outras narrativas, é uma ideia rocambolesca demais que não convence de sua seriedade. A trama que mais me agradou é que parece ser a mais singela e simples de todas. Uma mistura de Guy Ritchie com comédia de situação, sobre um molho do melhor do humor negro a trama do agente literário de Jim Broadbent e sua fuga desesperada para escapar dos capangas de seu escritor maluco é muito divertida e fica melhor depois que ele acaba preso e precisa fugir.


As duas ultimas tramas merecem um parágrafo especial já que brincam com a ficção científica, tema que os Wachowski são muito bons (ou eram, enfim). Na trama em Nova Seul, o visual é impecável realmente, mas novamente esbarramos em uma historia corrida demais, em que não conseguimos nos afeiçoar aqueles personagens em especial ao caso de amor trágico entre a clone de Doona Bae e o rebelde vivido por Jim Sturgees. Mesmo com visual futurista bem construído, fica a impressão de que estamos vendo um trailer muito longo de um filme inacabado. O mesmo vale para o último segmento, que mistura um futuro a lá Mad Max na floresta com conceitos de divindade ritualísticos, selvagens saídos da imaginação de Robert Howard ou figurantes do Highlander original e a personificação de seres futuristas vestidos de branco e cheios de tecnologia e em busca de respostas. Quando elas chegam, a sensação é de vazio, e a compreensão de que as respostas não existiam, que a tal busca era um grande McGuffin e que a historia real era a daquela jornada. Curiosa, mas ainda assim irregular.

Percebam então que a irregularidade narrativa mata a ideia de coesão e de unidade que é a mola propulsora do filme. Essa mesma irregularidade é percebida nas questões técnicas. Se os efeitos visuais futuristas são excelentes e muito bonitos de serem vistos, a montagem de Alexander Berner é hercúlea e muito, mas muito boa, já que consegue ir ligando as narrativas por questões visuais, mas principalmente por diálogos que apresentam o segmento a seguir, o que pode ser visto com alguma frequência em histórias em quadrinhos. 

Em compensação a maquiagem é constrangedora em muitos momentos. Por mais que possamos levar em consideração a ideia de que "estamos todos juntos nesse caldeirão e somos todos iguais" o que e espera é um mínimo de qualidade, o que poderia evitar verdadeiras aberrações visuais como tentar nos convencer de Halle Berry como uma loira judia, todo o elenco ocidental maquiados como orientais no segmento em Seul, Doona Bae surgindo ocidentalizada (ruiva e com direito a sardas), na ideia, que não funciona, em termos alguns homens vestidos de mulheres ou a personagem que Hugh Grant interpreta em 2012 e sua papada que faria Jabba ter inveja. Isso porque nem cheguei a falar dos péssimos efeitos conseguidos para envelhecer parte do elenco.


Erros assim, em um filme que procura a unidade a todo o tempo, quase um alinhamento estelar para passar sua mensagem tira imediatamente o espectador do filme, já que não é possível crer naquelas figuras a nossa frente, mesmo levando em consideração questões como o ambiente em que as historias se passam. Em determinado momento a narrativa é tão fajuta que passamos a tentar adivinhar quem está por baixo de cada camada de látex mal colocado.

Como disse acima os atores devem ter se divertido demais com essa oportunidade, mas a ideia de manter um mesmo elenco para interpretar praticamente todos os papéis cria um incomodo tanto visual, como de qualidade de interpretação, já que não são todos os atores que conseguem acertar. Hugh Grant, por exemplo, mesmo com a maquiagem ruin, está ótimo como o já citado Jabba cover no segmento contemporâneo, mas péssimo como o dono de usina. Já Halle Berry está mal no segmento em que é protagonista (o texto não ajuda), mas bem no segmento hiper-futurista, e mesmo Tom Hanks é um coadjuvante mediano no segmento do navio. O único que parece parecer incólume é Jim Broadbent, muito bem em cada segmento.

A Viagem é uma experiência incompleta. Perde-se na tentativa de ser profundo, de ter conceitos filosóficos e talvez no afã de ser relevante escorregue na questão mais importante em qualquer filme: contar uma boa história. A Viagem é formada por clipes de filmes que variam de promissores a modorrentos, e por isso não consegue ser mais do que uma ousada tentativa de ser diferente.

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