segunda-feira, 1 de março de 2010

35 Doses de Rum
(35 Rhums, 2008)
Drama - 100 min.

Direção: Claire Denis
Roteiro: Claire Denis e Jean-Pol Fargeau

Com: Alex Descas, Mati Diop, Nicole Dogue e Grégoire Colin

35 Doses de Rum, da prolífica Claire Denis (do indicado a Palma de Ouro em Cannes Chocolat, Belo Trabalho e L’Intrus entre outros) fala da inércia e da capacidade do homem em se manter estático e preso as convenções sociais (trabalho/família) deixando-lhe a vida escorrer pelos dedos.

O filme conta a história de quatro pessoas que moram no mesmo conjunto habitacional dos subúrbios parisienses. Lionel (vívido por Alex Desças) um condutor do metrô de meia idade que vive com sua única filha, Joséphine (Mati Diop), uma estudante de antropologia. Ambos são muito ligados, pois a menina foi criada pelo pai desde sempre. Ambos são cortejados por dois moradores do prédio. O affair de Lionel é a taxista Gabrielle (Nicole Dogué) e o interessado no amor de Joséphine é o misterioso Noé (Grégoire Colin).


Claire coloca os quatro personagens em uma espiral de total e completo anti-climax. Esse é um filme em que a ação não está em primeiro plano. Os planos evocam o nada, e os personagens (evocados pela idéia da diretora) apenas surgem na tela mostrando suas vidinhas comuns e sem grandes atrativos.

A graça desse, e de outros filmes que tem como característica esse distanciamento da narrativa mais convencional, está nos detalhes. Nas pequenas idéias que são pinceladas pela tela na construção de um mosaico de personagens e situações.


Analisaremos alguns desses momentos: 99% dos personagens do filme, são de ascendência da África negra. A única exceção entre os principais envolvidos é do personagem Nóe, que por sua vez tem traços argelinos/marroquinos. O que já coloca o filme francês num espaço geográfico e político todo seu. Vira óbvia as referências a constante e importante miscigenação na sociedade francesa. Isso reflete-se na Paris mostrada no filme. Foge-se do cartão postal, e mostra-se um Paris urbana, pobre (para os padrões europeus) e simples.

Outro momento de grande felicidade, e que refere-se, com sucesso, a dita miscigenação, envolve Josephine (estudante de antropologia) em uma de suas aulas . Discute-se a condição de “escravos” a que são submetidos os países sub-desenvolvidos e que os mesmos não conseguem sair do “buraco” graças a uma constante e igualmente óbvia situação prejudicial amparada pelos interesses dos mais ricos. A aula é dada por um professor negro, para estudantes negros. A condição de completo limbo a que os países de terceiro mundo estão destinados relaciona-se diretamente a condição dos personagens.


Essa condição é o mote do filme. O personagem Nóe, por exemplo, apesar de viver viajando, apenas o faz como fuga de sua realidade prosaica. Exemplos disso são observados nas seqüências envolvendo o gato do personagem e seu descaso com seu apartamento. Falta-lhe apego e falta-lhe vontade de ter algo mais.

Lionel por sua vez, sente-se como uma âncora presa ao fundo da consciência e da vida social de sua filha. Outro que foi subjulgado pela força da rotina e da influencia dela na construção de sua família.

Gabrielle é perdidamente apaixonada por Lionel, que não lhe dá bola, e mesmo assim insiste numa impossível aproximação amorosa.


Claire conduz os personagens, muito mais do que uma história, como (li isso em alguns lugares e achei o exemplo pertinente) o mestre Ozu. Porém, diferentemente do japonês, Denis não evoca a poesia visual e “cinematográfica” presente em Ozu, e prefere se ater ao real e o explora com sucesso.

Tecnicamente o filme cumpre seu papel. Denis ao focar-se no vazio abre espaço para longos planos (em especial na primeira parte do filme) abordando aspectos do cotidiano dos personagens e suas divagações. Ponto positivo para a fotografia inspirada de Agnes Godard ( nenhum parentesco com o Godard mais famoso ), que apesar de se apoiar no urbanismo típico, consegue criar alguns planos muito belos (destaco Nóe encarando as duas portas, com um leve tom esverdeado e os “passeios” de Lionel pelo metro).


A trilha sonora é outro ponto bastante positivo. Ela é elo sonoro de todo o sincretismo apresentado pela diretora no filme.

Apesar de diversas qualidades o filme pode parecer interminável para muitos. A constante “falta de ação” do filme pode incomodar os menos acostumados a esse tipo de produção.

Outro problema, e ai vai uma observação totalmente pessoal, é a falta de carisma de boa parte do elenco. A exceção do trabalho contido porém sensível de Alex Descas, as demais interpretações do elenco, a mim, soaram mais vazias que seus personagens. O que incomoda num filme que apóia-se nos mesmos.


Apesar disso, Denis constrói uma bem amarrada análise sobre o sincretismo de uma sociedade e seus reflexos nas pessoas, cada vez mais fechadas as suas rotinas teimosas e engessadas.

TRAILER:


Nenhum comentário:

Postar um comentário