segunda-feira, 15 de março de 2010

Ilha do Medo
(Shutter Island, 2010)
Drama/Thriller - 138 min.

Direção: Martin Scorsese
Roteiro: Laeta Kalogridis

Com: Leonardo DiCaprio, Mark Ruffalo, Ben Kingsley, Max Von Sidow, Michelle Williams, Emily Mortimer, Patricia Clarkson e Jackie Earle Haley

O que Martin Scorsese pode fazer para o suspense, um gênero tão mal-feito ultimamente?

Martin Scorsese sempre foi um diretor querido entre os críticos. Com seus sensacionais trabalhos, sempre autorais, ele era tido como um dos mais injustiçados da história do Cinema, até ganhar seu merecido Oscar por Os Infiltrados, em 2007. Injustiçado pois Scorsese fez obras-primas como Taxi Driver, Caminhos Perigosos, Touro Indomável, A Última Tentação de Cristo e Alice Não Vive Mais Aqui, mas nunca havia ganhado um Oscar. Esperava-se então que Scorsese se acomodasse um pouco depois de ter conseguido seu almejado prêmio. Porém, quando Shutter Island foi anunciado, três palavras vieram diretamente na cabeça: Cabo do Medo. Seria essa a volta de Scorsese nos suspenses mais sobrenaturais, corajosos e que tem um roteiro extremamente bem-sucedido? Assim, a espera foi se intensificando e a adaptação da pequena homenagem de Dennis Lehane aos Filmes B se transformou no "novo filme de Martin Scorsese". Isso ajudou pro filme? Sim e Não. Pode ter aumentado (e muito) a expectativa, porém aumentou a responsabilidade e o caricato livro de Lehane se transformou no filme sério do gênio. A única dúvida seria: Conseguiria Scorsese equilibrar seriedade e homenagem na adaptação ?


A Resposta é: Sim. Scorsese consegue. Uma pena que Laeta Kalogridis não consiga.

A trama segue o agente federal Teddy Daniels (Leonardo diCaprio), que chega a uma ilha chamada Shutter Island com seu parceiro Chuck (Mark Ruffalo). Lá, ele terá que investigar um peculiar mistério: num hospício com segurança máxima, uma paciente fugiu sem deixar pistas. O mais curioso é que a paciente deixou seus sapatos, ninguém sabe nada e os seguranças não cometeram erros aparentes. Então, Teddy e seu parceiro ficam na Ilha por tempo indeterminado para investigação. Mesmo com o mistério sendo cada vez aumentado por Dr. John Cawley (Ben Kingsley), Teddy não desiste. Logo, ele descobre que essa investigação pode tomar um rumo extremamente insano.

Quando o lado Scorsese da produção aflora, tudo é perfeito. O excelente começo, que mostra tudo na sugestão e ainda tem simbolismos perfeitos (o início é sem delongas, com o navio chegando á ilha). Pequenos detalhes do filme, como a carência de construção de personagens inicial (Teddy é o detetive, Chuck também, a Ilha é um hospício, apenas isso), representam bastante num filme de Scorsese: estamos diante de um filme de situações, não de personagens construídos com destreza, como Travis Bickle. Sendo assim, Scorsese nos joga num intrigante jogo de símbolos, como a entrega de armas no início do filme.


Na direção, Scorsese é impecável. Fazendo seu trabalho habitual, adaptando-se ao material que tem em mãos, o diretor dá uma brilhante aula de direção dramática e, durante o suspense, ele filma tensão como ninguém há muito tempo. Dado isso, podemos considerar que Scorsese fez um trabalho muito acima da média dos suspenses atuais, cheios de tiques (tensão no escuro que termina com um gato, porta batendo, etc.), nunca usando de artifícios fáceis pra causar emoção no espectador. Louvável. A fotografia de Robert Richardson é soberba e uma das melhores do ano. O contraste claro-escuro das tomadas da Ilha é fascinante e pontua muito bem o clima sombrio que o filme pede. A trilha sonora, basicamente uma música só, pontua bem a trama e ajuda muito o clima de homenagem, afinal, o tema principal é exageradíssimo e estamos falando de uma homenagem a filmes B de suspense. Direção de arte e figurino também são bem convincentes, bem elgantes até.

Porém, há uma falha nas partes técnicas. E essa falha é grotesca e muito estranha. A ganhadora de diversos Oscar e vários prêmios, Thelma Schoonmaker, fez um trabalho fraco mesmo. O filme tem diversos erros de continuidade e não tem a mínima fluidez de cenas em alguns pontos. Pegue, por exemplo, a cena inicial do navio. DiCaprio está com o cigarro na boca, aí não tá mais, aí tá, aí tá sem cigarro. É tão fraquinho que lembra a pífia edição de Simplesmente Complicado. Porém, nas cenas de suspense (como a cena da Ala C, muito bem editada), a edição é boa. Na soma, um trabalho comum.


As atuações em Shutter Island são burocráticas. Leonardo diCaprio já provou que tem competência em papéis dramáticos e quando o filme toma um novo rumo, o ator faz um ótimo trabalho. Competência habitual, sem extrapolar. Ben Kingsley, excelente ator, faz um trabalho menor aqui, com pouco tempo de tela. Porém, faz um trabalho seguro e natural. Mark Ruffalo está no piloto-automático, mas não compromete. Michelle Williams tem pouco tempo demais para mostrar sua enorme competência. Apenas um ator, que participa 5 minutos do filme, extrapola: Jackie Earle Haley, o Rorschach de Watchmen, faz um trabalho impecável e cheio de emoção e, nesses 5 minutos, faz a melhor atuação do filme. Resta agora saber quando ele ganhará a chance de atuar mais em filmes maiores pra poder ganhar logo o merecido Oscar que lhe devem.

Mas, se Shutter Island ficou acima da média mas não memorável é um problema (na verdade, um semi-problema, logo explicarei): o roteiro de Laeta Kalogridis. A roteirista, que tem um ridículo currículo (Alexandre e Desbravadores), adapta o romance de Lehane com um defeito que incomoda: na parte dramática, explicações de roteiro e situações que caem no lugar comum dão as cartas. Já nas partes de suspense, tudo aflora com facilidade, auxiliado pelo estiloso modo que Scorsese filma algumas alucinações. Outra coisa que não agrada é os mistérios da trama. Apesar de bons e interessantes, são extremamente previsíveis. Não estranhe se você descobrir quem é o tal Paciente 67 com 25 minutos de película, por exemplo. Outro exemplo é o passado de um personagem principal. Claramente já dava pra saber o que ele era de verdade antes do minuto 20. Assim, o roteiro cai na vala comum, com falta de ousadia e um outro problema, se tratando de uma homenagem ao B: se levar a sério demais. No drama, claramente tudo ficou descompassado. Já na estrutura narrativa (apesar da já citada falta de ousadia), o resultado agrada e o suspense está bem servido.


Logo, Shutter Island é um filme corajoso de Scorsese. Depois do Oscar, ele se despiu de pudores e foi pra um suspense "mais comercial". E o resultado agrada, saindo um bom prato pra um suspense acima da média das porcarias que vemos aí nas telas. Mas, não deixa de ter seus problemas de roteiro, o que era um grande temor (estamos falando de um filme sem controle de roteiro de Scorsese). No final, saiu um filme bom, mediano, mas que irá agradar quem procura um passatempo de diretor oscarizado ou o que ele pode produzir com um roteiro limitado nas mãos. Um desbunde técnico, de estilo e dos famosos simbolismos do diretor, mas com seus problemas corriqueiros. Com certeza, Ilha do Medo vale o ingresso por tudo, mas sobretudo, pra ver como Scorsese faz do ruim, mediano e do bom, sublime.


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