quinta-feira, 9 de setembro de 2010


A grande diferença entre um grande clássico e um filme cult é simples: Cult é aquele filme que você gosta e não necessariamente é tão bom assim (alguns até são), mas que por algum motivo você adora, se diverte e indica aos amigos. O caso é que na ânsia de encaixar esses filmes em alguma sessão, o Fotograma resolveu criar essa nova sessão, onde aqueles filmes amados e cultuados serão aqui comentados. Sempre de maneira leve e divertida, como pede um filme cult.


Rabid Dogs (1974)


Mario Bava sempre vai estar ligado de corpo e alma aos filmes mais extremos e originais feitos na Itália. Se não de forma direta, mas como uma fonte de inspiração para outros que beberam na fonte desse verdadeiro mestre da sétima arte.

Por isso, é bastente interessante acompanhar Rabid Dogs que tem uma história de bastidores tão interessante quanto o produto final. Rabid Dogs é daqueles exemplares de filmes que quase não existiram. Encontram-se três versões diferentes desse filme circulando por aí (a que vi é que foi baseada na cópia de trabalho de Bava, finalizada pelo filho e que inclui um take inicial de uma mulher chorando sobre um fundo vermelho) em virtude de uma série de eventos tragicômicos. A cópia número 1, que seria lançada nunca viu a luz do dia, pois o diretor em virtude desses eventos (desde morte do financiador até doença do protagonista) nunca conseguiu terminar o filme. Vinte anos depois, a atriz principal (a voluptuosa Lea Lender) comprou os direitos do filme e com ajuda do filho do homem montou essa primeira versão. O produtor Alfredo Leone, querendo relançar a obra no mercado de dvd (para aumentar o catálogo lançado por ele do material do diretor italiano) vendo a cópia, achou-a datada e inseriu vinte minutos de cenas inéditas e nova trilha sonora. Essa versão é comercializada com o título de Kidnapped. Ainda assim, existe uma chamada versão do diretor que aproxima-se da versão original do filme (sem o material que Leone incluiu consequentemente), mas não apresenta a  cena da mulher chorando e tem créditos diferentes.

Particularmente, vendo a obra e depois descobrindo a história em torno, a tal cena é mesmo desnecessária e apesar de causar algumas interpretações sobre a identidade da tal mulher não havia necessidade dela estar lá.

A trama fala de um grupo de assaltantes que sequestra uma mulher e tomam um carro. O carro é de um homem que leva seu filho (aparentemente doente) para um hospital.

A partir daí o filme constrói um road movie cáustico e claustrofóbico bastante eficiente na condução (apesar de demorar a engrenar). Os tais bandidos apesar de caricatos e quase quadrinísticos são essencialmente doentios, em especial o gigantesco Trintadue (George Eastman) que protagoniza os surtos dentro do carro mais bizarros. Legal notar que Bava teve a capacidade de misturar a tensão que empregava em giallos e filmes mais sangrentos com a questão da luminosidade presente (e que não oculta os bandidos) durante todo o filme. Bava usa e abusa, com grande facilidade dos closes e a montagem (na versão que vi a cargo do filho do "homi") intensifica isso ainda mais.

O que faz o filme ser cult é ver Bava fora de sua zona de conforto, tentando trazer algo novo a esse gênero (road movie) que caracteriza-se por não ter grande preocupação em elaborar roteiros de grande intensidade, ou mesmo que contem algo de grande importancia. Bava, sabendo disso, preferiu e apostou com grande felicidade naqueles personagens e na interação deles. Se a principio até rimos com a bizarrice dos vilões (em especial a dupla Blade e o já citado Trintadue) na metade da viagem mudamos de ideia e passamos a vociferar contra os abusos daqueles doidos. Enquanto isso Doutor, fazendo uma espécie de lider do bando faz o papel do bandido bonzinho, aquele que tenta te convencer que talvez não esteja de todo errado e que suas idéia não são tão reprovaveis assim. E Riccardo (o motorista) é a serenidade e o elo de ligação com o público, que ao término da projeção fica chocado com a intensidade de seu plot twist que revela a verdadeira natureza do condutor.

O que talvez incomode (novamente nessa versão que vi, não tive a chance de ver as demais) é lentidão para que o filme ingrene. São quase vinte minutos onde nada acontece e um festival de cenas dentro do carro que causam incomodo e enfado. Mas a montanha russa criada a partir da primeira parada do carro, e que culmina numa cena de humilhação da protagonista que revela a doença dos bandidos, o filme segue em vôo de cruzeiro até seu destino final.

(Agradecimento especial ao blog Multiplot (http://multiplot.wordpress.com) onde encontrei as informações sobre a "novela" da criação do filme.)

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