segunda-feira, 2 de maio de 2011


Kaboom

(Kaboom, 2010)
Comédia/Terror - 86 min.


Direção: Gregg Araki
Roteiro: Gregg Araki


Com: Haley Bennett, Thomas Dekker, James Duval, Andy Fischer-Price, Brandy Futch

Conhecido por seus filmes de temas fortes e exagerados, além de sempre apresentar um subtexto gay, Gregg Araki tem uma carreira diversificada, ainda que trabalhe sempre com os mesmos temas. Nos últimos 3 filmes, porém, Araki tem feito filmes ainda mais diferentes, como o bizarro Mistérios da Carne e a sua comédia de aluguel, Smiley Face. Mesmo que Mistérios contenha a temática gay, a produção se baseia muito mais na estranhíssima trama do protagonista vivido por Joseph Gordon-Levitt, com tons de ficção. E agora em Kaboom, Araki funde seus temas numa trama que tira sarro do sci-fi. Porém, muito mais que apenas uma sátira ao gênero, Kaboom ainda pega os temas recorrentes de seu criador e os usa pra desmantelar as bobas comédias besteirol adolescentes "coming-of-age" e os seriados de TV.


Desde a segunda cena, Araki já inicia sua inteligente sacada satírica. Usando uma fotografia excessivamente azul, o diretor já mostra o quarto com mobília precária, parecendo mesmo um OC, com uma direção de arte feita às pressas. E a construção da trama se mescla com o tom irônico logo nessa cena, quando Smith deseja sexualmente seu colega de quarto. A narração em off de Smith é outra prova dessa mescla que Kaboom realiza com facilidade: serve tanto para apresentar melhor os pensamentos do personagem quanto para fazer escárnio das narrações que permeiam as séries. E a própria construção de personagens justifica essa visão sobre o filme, já que Araki descreve Smith como um homem popular, amálgama humano cercado de todos os diferentes tipos. Interessante notar a criatividade de Araki ao montar todos os personagens sendo distintos, ligados apenas pelo fator que é, no final das contas, o centro do filme: o sexo.


Sexo esse que é sempre contado de maneira preguiçosa na TV, que restringe as séries juvenis ao sexo debaixo do cobertor, cheio de máscaras. Nesse ponto, Kaboom se revela mais original que propriamente satírico, ao escancarar o sexo de maneira muito natural, sendo presente em 80% do filme. Araki sabe do caráter libertador de seu filme através das diversas relações sexuais e é excelente perceber que, além de filmar com uma crua elegância, o diretor encaixa as cenas de maneira brilhante a narrativa, soando orgânica como poucas. Smith, como a síntese de tudo a sua volta, não poderia não ser eclético também em sua opção sexual. Mesmo que não goste de rótulos, como ele mesmo (e todos em tela) diz (em), se relacionar tanto com mulheres tanto com homens é sinal disso. O ápice dessa definição é a cena em que o protagonista fala sobre o papel do cinema na sociedade. Ele o considera anacrônico, porque o cinema de hoje pode não ser o cinema de amanhã. Somando isso aos enquadramentos sempre frontais que Araki faz em Thomas Dekker, emulando um espelho, temos a constatação definitiva do ser transitório que Smith é.



Já na carpintaria narrativa, o sexo serve de caráter transformador e mediador. Sua melhor amiga Stella (Haley Bennett, espetacular) é lésbica e London, vivida esplendorosamente por Juno Temple, é promíscua em sua heterossexualidade. Não por acaso, Smith só volta a se sentir bem em sua condição sexual quando conhece London, a antítese de Stella. Essa é uma das grandes sacadas de originalidade em Kaboom. Araki usa a construção não só para nos tornar identificados com os personagens quanto para justificar elementos narrativos. Em sua cabeça, Smith só se sente completo com os dois lados de uma questão, o que só reforça o fato dele ser um amálgama.


A própria direção de Araki trabalha com essa mistura satírica/sexual. O sexo é, sim, fator principal da transição de cenas mas o humor, até aí é sentido: para situar o espectador, Araki filma a fachada dos prédios nos quais a ação se passa, um vício recorrente das séries. Já os encontros, que acontecem a todo o momento nas séries, sustentam a trama enquanto nada científico acontece. Tanto encontros heterossexuais, como as transas com London, quanto homossexuais, como a van na praia.


Até aí, Kaboom conseguiria se sustentar entre os aspectos cômicos e criativos. O porém da narrativa, e o que a torna tão estranha, é que Smith e seus amigos estão numa trama sci-fi envolvendo o fim do mundo, aspectos místicos, referências á Bíblia e as reviravoltas tão conhecidas desses filmes. E é nisso que o filme começa a tender mais ainda para a sátira. Aliás, o roteiro deixa de lado a originalidade e se concentra na oscilação entre o sarcasmo ao sci-fi e á TV. E nisso, Araki despiroca de vez. Trilha fajuta de perseguição ao fundo, seus personagens fogem, filmados com um filtro cretino de câmera, de homens mascarados de animais. Tudo registrado com uma direção propositalmente truncadíssima. A sacada de Araki é tornar isso algo vital a narrativa e dirigir os atores como se aquela situação fosse séria mesmo, potencializando a piada. Mesmo nas partes mais sérias da história, como a drogada ruiva no banheiro ou a primeira cena do filme, o tom é conduzido de forma leve. A estranheza de Smith ao ver aquelas pessoas no corredor da abertura tem uma trilha meio divina ao fundo, enquanto na cena do banheiro a trilha puxa pro lado do suspense, escrachando o clima.



O filme então vai se dividindo em 3 unidades narrativas. As idéias originais de Araki já estavam implantadas com o sexo e só voltariam na última cena. A sátira sci-fi acabará apenas quando o filme terminar de fato. Resta a Araki, então, antecipar o final de sua série psicodélica de TV. E após várias experiências meramente sexuais, que ironicamente vão de encontro ás lições de vida aprendidas nos Glee da vida, chega o clímax, o "season finale". Após ficar tão em dúvida sobre sua felicidade sexual, Smith termina ganhando de presente de aniversário um ménage-á-trois, com o amigo de Thor e com London. Então, quando o epílogo da sátira chega, não poderia ser de outra forma senão... Um show de banda de rock-pop. Mais impecável, impossível.


Temporada terminada, o sci-fi entra no jogo e toma a trama de assalto. E as reviravoltas que Araki orquestra são excelentes numa sátira por serem tão previsíveis quanto absurdas, por mais paradoxal que isso possa representar. A justificativa deriva da cena hilária que Thor, personagem de Chris Zylka, tenta uma auto-felação. Aquele é o gatilho para o que está por vir. Vendo essa cena, que apenas parece um elemento cômico, o espectador já fica pronto para a bizarrice de Kaboom, esperando até mesmo o inesperado. Os colegas que se revelam apenas fantoches, ser o filho escolhido, encontrar seitas fanáticas, instituições que tem como membros alguns ex-membros da seita principal e até mesmo poderes psíquicos. Tudo de estranho acontece com Smith. E isso tudo encaixado de forma neural e divertidíssima na história.



Kaboom então termina assim, harmonioso entre suas transições de gênero. Extremamente bem sucedido em sua tarefa, o filme não alcança uma cotação maior por não exigir nada além de descompromisso, terminando irretocável em suas modestas pretensões. Voltando ainda á originalidade no seu excelente final deus ex machina, Araki se consagra em sua tarefa e cria um pequeno grande filme.

Uma pequena pérola. E nada mais. Nada de rótulos mais elaborados. Rótulos são a antítese de Araki, Smith, London, Stella e, sobretudo, de Kaboom.










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