sexta-feira, 17 de agosto de 2012

360


360
(360, 2012)
Drama/Romance - 110 min.

Direção: Fernando Meirelles
Roteiro: Peter Morgan

Com: Jude Law, Rachel Weisz, Anthony Hopkins, Maria Flor, Juliano Cazarré, Lucia Siposová, Gabriela Marcinkova, Jamel Debbouze, Dinara Drukarova, Vladimir Vdovichenkov, Ben Foster


Dono de um arrojo visual intrigante, Fernando Meirelles sempre buscou projetos certos para explorar sua qualidade como diretor. Suas obras, ainda que distintas em narrativa apresentam uma visão de mundo peculiar, ao introduzir personagens que vivem delicados acontecimentos, falando sobre grandes temas. A urgência no trabalho do diretor atingiu seu ápice em Ensaio Sobre a Cegueira, um trabalho incômodo, que trabalhara com a destruição do ego do ser humano e o levara a condições extremas. O que nos leva ao trabalho de Arthur Schnitzler, La Ronde. Peça controversa na época, La Ronde contava as desventuras de um grupo de pessoas em Viena que se envolviam de forma sexual. Com uma estrutura bem linear (não li a obra, mas basicamente fala sobre o círculo perfeito de casos sexuais dos vienenses), a peça de Schnitzler parece datada hoje em dia. Nada mais natural, portanto, que uma nova estrutura seja adotada. Novos casos são introduzidos, e agora, a trama roda diversos lugares do globo.

E se de Meirelles era de se esperar uma análise incômoda sobre esses relacionamentos, é com surpresa que acompanhamos uma narrativa leve, fragmentada e charmosa. A bela trilha, sem interferir brutalmente nas cenas, funciona como uma metonímia do filme, ao descrever com sutileza diversos conflitos humanos, sejam eles de qualquer natureza. Ainda que mantenha como tema principal o sexo, Meirelles e o roteirista Peter Morgan o utilizam também como mero gatilho em diversas passagens, o que acaba dando certa irregularidade no trabalho.

Para introduzir seus personagens, Morgan começa criando situações que envolvem explicitamente o sexo. Desde a espécie de prólogo com as irmãs eslovacas até a cena de Juliano Cazarré e Maria Flor, é a tensão das traições e do cruzamento entre os casais que vai construindo a atmosfera, o que é um tanto similar à própria peça que originou o roteiro. Porém, quando surge o personagem de Anthony Hopkins, os conflitos começam a tomar novas proporções. O personagem de Hopkins é atormentado pelo sumiço da filha, que parece ter um fundo sexual; o Tyler de Ben Foster tenta lidar com sua saída do regime carcerário, fruto justamente de seus impulsos para o estupro; Valentina e seu patrão não conseguem se comunicar direito devido à religião do homem e o casamento da mulher, o que reprime o envolvimento de ambos (ou seja, o sexo); Serguei conhece uma personagem quando está cuidando de seu patrão, interessado em sexo.


Isso traz um frescor para o texto de Morgan. O fato das tramas se cruzarem de maneira fluida também auxilia, tanto o ritmo do filme quanto o foco do tema. O problema, definitivamente, não é na estrutura adotada, que ainda surpreende pela falta de atos propriamente ditos pelas convenções dos roteiros em geral. A direção de Meirelles evolui sua estética já bem estabelecida em Ensaio, ao se apoiar em uma bela fotografia esbranquiçada, mas que ainda assim fica suja, devido á granulação. Mais: o brasileiro demonstra sensibilidade autoral ao abordar certas cenas com uma inquieta câmera na mão, o que ressalta o tom naturalista/intimista da película. E ao investir bastante em takes que ressaltam transparências (repare como todas as casas parecem ou ser de vidro ou conter uma suntuosa janela), Meirelles parece ironizar com os personagens ali retratados: afinal, transparência é a única coisa que parece faltar nos relacionamentos retratados no filme – todas as vítimas de traição.

É na diluição da substância, porém, que 360 escorrega – e significativamente, já que um dos maiores perigos que um filme pode correr é uma fuga do tema, uma falta de unidade.
A promissora discussão envolvendo o núcleo de Michael e Rose (vividos com segurança por Jude Law e Rachel Weisz) acaba soando apenas como conflito de casamento. Já Tyler tem sua compulsão bem retratada pelo diretor (incrível o take em que Foster aproxima seu pé de uma menininha), mas para que? O personagem é esquecido com facilidade na narrativa e tem um final que é apenas trivial e simples, sem muito conteúdo. John, vivido por Hopkins, protagoniza talvez a melhor cena do filme, o monólogo da Igreja. Seu drama é ricamente detalhado e a atuação do lorde inglês lembra as naturais composições de Michael Caine, mas funciona para o tema? E Laura? Houve uma evolução?

Além disso, Morgan parece apontar para diversas discussões e acaba fugindo do próprio conteúdo sexual temático. A relação de Valentina e o seu patrão algeriano mais parece um conto sobre as dissonâncias da humanidade do que um conto de repressão sexual. E, ao que parece, é uma constatação verdadeira: se for falar de repressão, por que não dar mais tempo a Ben Foster?


Se há uma fuga do tema sexo que permeava La Ronde desde o princípio, seria prudente encontrar em 360 uma antologia sobre relações amorosas. Porém, além de abrangente e não - totalmente verdade (Tyler não se encaixaria aqui, tampouco John, afinal sua relação com Laura é quase paternal), seria um nivelamento baixo para o filme. Closer foi muito mais pungente e afirmativo, conciso e repleto de argumentos. Além disso, um panorama sobre relações é um caminho perigoso, que certamente não foi proposto por Morgan. Por filme-coral se define histórias curtas e que se cruzam. O próprio Meirelles, na coletiva, afirmou: não há como desenvolver personagens de uma maneira tão aprofundada nesse formato.

Sendo assim, seria o novo filme do brasileiro um trabalho enfadonho e incoerente? Absolutamente não. 360 pode não ter competência para analisar com cuidado suas próprias situações, mas é uma narrativa consistente e repleta de personagens coerentes e bem retratados. Cada caso se encerra de maneira verossímil. E isso diz muito mais sobre o filme do que parece.

Peter Morgan afirmou para Meirelles que queria fazer um filme sobre as conexões entre as pessoas no mundo todo. Sua experiência de vida ajuda nisso, já que o inglês mora em Viena e viaja o tempo inteiro. E o que isso teria a ver com sexo? Tudo. Afinal, o que ajuda a mover os humanos? Nisso, se decifra a unidade da película. Ao tentar criar um longa sobre como o sexo pode atrapalhar ou mover as relações, Morgan concebeu uma análise sem intervenções sobre a vida em geral, sobre a interpessoalidade, sobre o ser humano. Como já citado, cada conto se encerra com coerência. Porque a falta de glamour e a esperança que inicia a nossa despedida dos personagens, representa muito sobre o que nós mesmos vivemos. Como disse Michael no final, ainda acreditamos. Seja por “sermos otimistas ou muito burros”.


Ao analisar a última passagem (que, pelo fecho de círculo, tende a ser a mais importante), não há muito estofo para discussões ou conclusões. Apesar da falta de uma estrutura trivial, é com certo quê de clímax que o arco das irmãs chega ás telas – e, ao não formar uma coerência em sua temática, 360 acaba opaco em seu debate. Quando há a percepção que se trata mais de um projeto sobre as dissonâncias e complexidades do mundo contemporâneo, o filme até se faz valer como um tributo naturalista de como as pessoas tem seus dramas particulares – mas que, ainda assim, são universais, num paradoxo que só humanos poderiam conceber com certa coerência. E na filmografia de Meirelles, soa como um respiro intimista.

Ao menos, Meirelles criou um produto contemporâneo, se baseando em algo datado. Ainda que não seja o estudo que planejava, 360 vale pela observação estilística.

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