quinta-feira, 14 de março de 2013

Anna Karenina


Anna Karenina
(Anna Karenina, 2012)
Drama - 129 min.

Direção: Joe Wright
Roteiro: Tom Stoppard

com: Keira Knightley, Jude Law, Aaron Johnson, Matthew MacFayden, Domhnall Gleeson, Alicia Vikander

A primeira meia hora de Anna Karenina é espetacular. Original, misturando cenários teatrais e cinematográficos, por onde personagens entram e saem de portas colocadas por figurantes, desfilam pelas coxias como se andassem em ruas de verdade, numa mistura muito bem pensada (e executada) das duas artes, que não parece teatro filmado e é diferente para os padrões cinematográficos.

Esse visual absolutamente impecável e extremamente criativo faz com que a versão de Anna Karenina de Joe Wright (mesmo diretor de Desejo e Reparação e Orgulho e Preconceito) seja diferente de todas as outras que já chegaram aos cinemas.

Esse é um trunfo do diretor, profundo conhecer da construção cênica, rígido em seus planos, usando e abusando dos ambientes que tem em mãos e sendo responsável por sequências de alta complexidade como a que envolve uma corrida de cavalos encenada dentro do teatro que serve de base para a grande maioria das cenas do filme. O mesmo cenário com seu palco iluminado transforma-se de salão de baile, escritório comercial, fábrica e a já citada pista de corrida. Nesse último segmento, o chão forrado de serragem (ou palha, algo do tipo) é todo realizado com contraluz, fazendo a corrida parecer verdadeiramente assustadora. O fato do palco dar visão a apenas uma área do circuito fictício faz com que o espectador que presencia aqueles homens e mulheres observando o ir e vir dos cavalos sinta a aflição daquela situação. E quando um violento acidente acontece, o impacto é visualmente doloroso e sentimentalmente forte.


Ainda sobre a qualidade técnica do filme, vale mais uma consideração sobre Joe Wright e a segurança com que ele controla grandes sequências, com muitos extras, sejam nos salões de baile (com figurantes congelando suas posições), sejam nas grandes fábricas onde a trilha sonora é o bater dos carimbos, ou na ferrovia onde a fumaça e a neve permeiam a visão. Mas, a qualidade das suas tomadas e da fotografia atinge o ápice nas sequências do campo em que o personagem de Domhnall Gleeson (Levin), lida com sua rotina de trabalho nos campos dourados de trigo. A coordenação técnica da fotografia auxiliada pela coreografia dos movimentos das foices devassando o campo são imagens maravilhosas e das mais perfeitas que o cinema recente registrou.

A qualidade de produção ainda resvala nos figurinos de Jacqueline Durran, que acerta em todos os modelos. Desde os belos vestidos de baile que fazem de Anna/Keira Knightley uma mulher segura, mas respeitosa a principio, passando pelo garbo e seriedade emanada pelas vestes de seu marido, Karenin/Jude Law , na simplicidade do campo de Levin ou na audácia do Conde Vronsky, vivido por Aaron Johnson em uma impecável roupa militar azul clara.

Uma pena que Anna Karenina, um dos mais belos filmes plasticamente produzidos na última década, careça do mesmo esmero em sua história que esmaga o texto original, transformando-o em uma coleção de momentos sem coesão. Os momentos da história vão entrando e saindo de cena sem impacto, sem que exista uma ligação emocional com aquela beleza vista em tela. Chega a resvalar na esterilidade. Para quem não conhece o livro, em resumo Anna Karenina versa sobre o tórrido caso de amor entre uma mulher casada e da alta classe da Rússia e um vigoroso capitão do exército.


Que se faça o registro que essas observações nada têm a ver com a similaridade do texto de Tom Stoppard com o clássico de Tolstoi, mas com questões mais simples como o desenvolvimento da trama, seus personagens e motivações. A começar pela própria Anna Karenina, em uma interpretação engessada de Keira Knightley, que parece ser a única atriz jovem no planeta que faz filmes de época. Nunca conseguindo transmitir a emoção necessária a uma mulher em sua posição, Knightley não comove.

Em compensação, Jude Law é comedido em sua interpretação do passivo Karenin, que tolhido em um trabalho complexo e difícil se afasta da mulher a quem ama de tal maneira que auxilia o trabalho do Conde Vronsky em cortejá-la. Em resumo, Anna é uma mulher que precisa de amor, coisa que Karenin está longe de conseguir dar.

O ponto mais baixo de Anna Karenina reside na infeliz escolha do mediano Aaron Johnson como o mítico Conde que tem de ser visto como a encarnação da luxuria e da sedução. O conde de Johnson é só um garoto mimado de bigodinho ridículo e nem de longe (muito longe) consegue inspirar alguma espécie de sentimento. É insípido, sem nenhuma inspiração.


Curiosamente, a história que corre paralelamente a trama principal e que envolve o já citado Levin e seus dramas pessoais sobre sua condição financeira diante de uma civilização de fazendeiros humildes e seu posterior casamento é muito mais interessante. Tanto Gleeson quanto a jovem Alicia Vikander acertam na composição de seus personagens. Levin é um jovem inteligente, mas muito sensível e que é profundamente apaixonado por Kitty, uma jovem de posses que é mais uma encantada (de forma inexplicável) por Vronsky, o que magoa o jovem rapaz. A cena onde os jovens se reencontram e se declaram é simples, silenciosa, tímida como ambos os personagens, mais muito mais forte e verdadeira do que todas as que envolvem o casal protagonista.

Outra inconsistência na trama é que apesar de começar de forma intensa, inventando formas de apresentar sua história, a partir do meio do filme, passamos a acompanhar uma estrutura mais linear e - porque não - comum na forma de contar um drama histórico. Saem os cenários teatrais, e voltamos aos tradicionais casarões, quartos e a estética cai na vala comum. Tudo feito com habitual esmero, mas, sem a mesma originalidade do início.

Joe Wright mostra - mais uma vez - porque é um dos diretores mais competentes do mercado. Seu apreço visual e firmeza na direção são notáveis, pena que suas escolhas de elenco se mostrem equivocadas. Talvez a ideia seja a de aproximar a historia de um publico mais jovem - com a inclusão de estrelas jovens - mas, por favor, que o faça com atores qualificados. Ao não conseguirmos crer que Vronsky representa toda aquela atração irresistível que o filme tenta vender fica difícil aceitar a força do personagem e por consequência sua relação com a personagem de Knightley, que é fundamental para toda a trama funcionar.


Anna Karenina é essa mistura de visual impecável com um casting bastante questionável, o que faz com que a avaliação do filme seja prejudicada apesar de todo o esforço - visível - de Joe Wright para fazer de sua versão da obra de Tolstoi única diante do vasto oceano de adaptações feitas pelo cinema.

Nenhum comentário:

Postar um comentário