domingo, 19 de dezembro de 2010


Comer, Rezar, Amar
(Eat, Pray, Love, 2010)
Comédia/Romance - 133min.

Direção: Ryan Murphy
Roteiro: Ryan Murphy e Jennifer Salt

Com: Julia Roberts, Javier Bardem, Richard Jenkins e Billy Crudup

Comédia Romântica é um gênero saturadíssimo no cinema. Sempre tem algum filme com clichês, viradas no terceiro ato e beijos em aeroporto prontos pra aparecer. Numa pesquisa rápida, podemos notar que, só no circuito atual, temos: Juntos Pelo Acaso, Amor por Acaso, Coincidências do Amor e por aí vai. Porém, a variedade das tramas é tão ampla quanto a galeria dos títulos traduzidos, que tem sempre "Amor", "Surpresa" ou "Acaso" no título. Então, quando lançam variações saudáveis desse gênero sofrível, é amplamente válida a visita ao filme. Nesses últimos dois anos, tivemos dois exemplos: o genial 500 Dias com Ela e Educação. Porém, se foi Educação o indicado ao Oscar, foi um erro grave. O filme começa de maneira sensacional, apresentando uma charmosa comédia "coming-to-age", com toques românticos e elegância tipicamente inglesa (e ainda apresentava a atriz mais bonita do mundo para esse crítico que escreve, Carey Mulligan). Porém, uma escolha da protagonista no final se demonstra imbecil e excessivamente infantil. E é nessa linha que Comer Rezar Amar segue. A adaptação do livro da feminista Elizabeth Gilbert é falha na mesma forma que Educação, mas com problemas ainda maiores.

A trama segue Elizabeth que, ao perceber que está infeliz em sua vida, decide que é preciso mudar. Primeiro, remove o obstáculo mais evidente: seu casamento, iniciando assim um doloroso processo de divórcio. Depois, a tentativa de viver uma vida normal e buscar novos relacionamentos amorosos. No entanto, a aparente felicidade inicial logo dá lugar ao mesmo vazio existencial que ela antes sentia. Elizabeth então embarca em uma viagem de um ano pela Itália, Índia e Indonésia.


O roteiro adaptado por Ryan Murphy e Jennifer Salt é correto em diversos pontos, mas comete erros de estrutura. Como o filme é dividido em atos, nas três viagens de Elizabeth, um ritmo cadenciado é completamente válido, afinal, estamos falando do que, na teoria, era um drama de superação. Porém, a escolha feita pelos roteiristas é ditar um ritmo arrastado, que se não chega a cansar, atrapalha muito a mensagem do filme. Em vez de apresentar os fatos de maneira fluida, dividido em etapas, acrescentando algo para a vida de Elizabeth (com ela tirando lições de cada ato importante), o filme escolhe narrar as partes engraçadas, as partes desnecessárias e as importantes. Logo, o filme se torna episódico e extremamente truncado. Na Itália, temos vários dos clichês habituais, como o jeito dos italianos mostrado de uma forma caricata, falas engraçadinhas e diálogos dispensáveis, usados apenas pra exaltar a genialidade repentina que a protagonista ganhou.

Na Índia, o ritmo é mais truncado ainda, apresentando ainda um personagem bem interessante, mas que tira o foco do filme. O desastre se concretiza em Bali, num segmento do filme que simplesmente não devia existir se levarmos em conta o início do filme.

Porém, caro leitor, essa é uma CINEBIOGRAFIA. Logo, o ritmo do filme ser tosco é culpa dos roteiristas, sim, mas não é deles a culpa de Elizabeth Gilbert ser a maior recalcada, hipócrita, irritante e pretensiosa mulher na história recente da Sétima Arte.



E aqui começa a comparação com Educação. Da mesma forma que é infantil a escolha de Carey Mulligan no final do filme inglês, as escolhas tomadas por Elizabeth beiram a ridicularidade. As feministas já dirão que sou machista, que não gosto da mulher querendo se libertar do casamento e etc.

Não mesmo. Mulheres com coragem são uma máxima maravilhosa nas telas. O fato que deve ser levado em conta é a hipocrisia ambulante que é a protagonista. Uma contradição viva. Elizabeth é uma mulher que se julga independente. Porém, ela fica o filme inteiro tentando achar o amor de sua vida, ficando com alguns homens antes do final. Nada contra, se não fosse pelo fato dela achar que a jornada dela NADA VALE SEM UM HOMEM AO SEU LADO. Bonito, não? A mulher é independente, mas precisa de um homem com ela. Então porque largou o marido no início? Afinal, o que Beth não gostava era da instituição do casamento, de ser dona de casa, não de seu marido. Se não fosse esse ridículo pensamento, o segmento de Bali não precisava existir (e o filme fluiria melhor). É uma festa só. A protagonista é um ser tão desastrado na alma que consegue até determinar o fracasso de ritmo do filme.

Mas não só essa contradição deve ser levada em conta. Autoproclamada livre de pudores e preconceitos, a recalcada Elizabeth conhece seu primeiro apartamento na Itália, numa pensão. E qual é a primeira coisa que nossa heroína faz? Reclama do teto, que está sujo e feio e talvez isso faça o apartamento ceder. Tão espiritual, já que foi nessa jornada só porque uma espécie de líder espiritual a guiou, que não se desliga do material. Essa questão é até abordada no filme, no segmento da Índia, em que ela não consegue parar de pensar em trabalho e na decoração da sala de reflexão, em vez de ter paz interior. Porém, essa questão é esquecida e nunca é solucionada, quando é ofuscada pelo drama do personagem do excelente Richard Jenkins. A questão romântica da protagonista é a determinante pra tirar a alcunha desse filme de drama para comédia romântica dramática.



A construção de personagem é fraca. O roteiro gasta tantos minutos em situações arrastadas e desnecessárias que se esquece de explorar a profundidade da tristeza de Elizabeth no casamento. Porém, existem boas partes no filme. E elas são as cômicas e de drama leve, em que partes engraçadas são conduzidas habilmente por Ryan Murphy. As belas locações utilizadas ajudam e tornam o filme simpático.

Os coadjuvantes também fazem parte desse pacote e suas participações são cruciais pra tornar o filme aceitável. O drama leve se deve a partes como a que a irritante protagonista junta amigos e declara o quanto à vida dela está muito melhor agora, sem nada de aparências ou materialista (o pior é que o filme parece acreditar que isso é verdade...) e pede aos seus amigos pra ajudar a quem realmente precisa, doando milhares de dólares pra salvar uma mãe solteira em Bali. O bonito ato sacramenta, de vez, a imagem de mulher independente clichê que é Elizabeth Gilbert. Mulher determinada genérica. Um papel típico de Julia Roberts.

O que ajuda bastante o filme também são os quesitos técnicos. A elegante direção de Ryan Murphy é criativa e explora bastante o ambiente que filma. Buscando ângulos bonitos e recheando as transições de cena com planos aéreos, Murphy executa uma direção bonita de se ver e salva muitas partes do filme que passaram com desinteresse pelo roteiro. A trilha sonora de Dario Marianelli também é muito boa e eleva ainda mais o tom de drama leve e romântico que a história pede. Destaque para a música do espetacular Eddie Vedder no final do filme. Mas o melhor momento do filme é a fantástica fotografia de Robert Richardson remete a uma aura clara, diferente de suas fotografias recentes, o belo contraste clássico de Bastardos Inglórios ou o Noir pesadíssimo da melhor fotografia do ano (junto com Inception), Ilha do Medo. Excelente e ajuda a alavancar a potência que as locações representam pra tornar o filme agradável de assistir. Fora isso, a fotografia de Richardson varia em diversos pontos com os sentimentos da protagonista, se tornando mais clara ou escura, sem tornar-se esquematizada. A edição do filme, por Bradley Buecker, peca em diversos pontos como no desinteresse pela separação das três viagens, que só torna o roteiro episódico... mais episódico ainda.


Nas atuações, a única que merece citação extra, além do genial Jenkins, é a protagonista. Julia Roberts atua como se Elizabeth fosse ela mesma, numa atuação na média, em que comete o maior erro em acreditar com tanta veracidade naquele personagem arquetipico. Logo, é raro ver Julia num papel desafiador e diferente pra ela mostrar todo o talento que tem, como em Duplicidade.

No final das contas, Comer Rezar Amar é um filme pra sessão de sábado á noite, bem filmado e simpático, quando se esquece a mulher vazia que o protagoniza. Ryan Murphy faz o que pode e realiza um filme que, se não fosse a contradição latente que beira o ridículo que permeia a vida de Elizabeth, poderia ser melhor. Poderia ser realmente bom, uma película de jornada que apenas peca pelo ritmo truncado e mal dividido que o filme tem por si só. Porém, não há como fazer uma adaptação sem mudar a essência dela. O maior defeito de Comer Rezar Amar, nas duas mídias, é a escritora. O ideal de liberdade é algo maravilhoso a ser mostrado no cinema e não deve ser colocado em comédia romântico-dramáticas como essa.

Elizabeth Gilbert largando o marido? Que nada. Bom era o tempo que April Wheeler se matou pra fugir da vidinha de dona de casa na maçante Revolutionary Road.





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