Ação/Comédia - 95min.
Direção: Tom McGrath
Roteiro: Alan J. Schoolcraft e Brent Simons
Com as vozes de: Will Ferrell, Brad Pitt, Tina Fey e Jonah Hill
A Disney sempre foi uma líder no ramo das animações. Porém, com a chegada da modernidade, os roteiros clássicos do padrão da empresa se tornaram obsoletos e a chegada de fracassos de bilheteria, como A Nova Onda do Imperador, Irmão Urso e Lilo e Stitch, decretaram o fim absoluto do reinado Disney. Mas havia a Pixar, empresa antiga divisão da LucasFilms que despontaria pro sucesso com seu primeiro longa e a maior bilheteria de 1995, Toy Story. A Disney, sentindo o fim de sua hegemonia uma década antes do lançamento de Irmão Urso, bancou a distribuição de Toy Story e ali se formou a maior parceria do ramo cinematográfico animado. Aliando a habilidade Disney em marketing e tradição com a genialidade dos excelentes roteiros das cabeças criativas da Pixar, a hegemonia tinha trocado de mãos, mas com o apadrinhamento Disney. Vendo que animação tinha mercado, a Dreamworks, empresa de Steven Spielberg, começou no ramo, mas seu primeiro longa de expressão fez tremer as bases Disney. Enquanto a Pixar entregava o bom Monstros S.A, a concorrente lançava o excelente Shrek.
Como a Dreamworks viu que aquele caminho fazia sucesso (mesmo Shrek sendo inferior a todos os filmes Pixar desde Procurando Nemo), resolveu trilhá-lo. E se a Pixar é a empresa mais apaixonada e competente no cinema (veja bem, não apenas animação), entregando declarações de amor á sétima arte com roteiros dramáticos, a Dreamworks continua fazendo Shrek. E Megamente é o novo Shrek, mas dessa vez com o mundo dos super-heróis.
A trama segue Megamente, que é um super-vilão que sempre perde pra MetroMan, o herói da cidade de MetroCity. Entre os planos de Megamente, está o seqüestro da Lois Lane da vez, Rosane Rocha, repórter namorada de MetroMan. Em um dos diversos seqüestros dela, Megamente atrai MetroMan e finalmente consegue destruir seu inimigo. Mas como todo vilão só é vilão com um herói na sua cola, Megamente resolve criar um novo super-herói pra poder voltar aos dias de Glória. Porém, sua cria, o Titan, foge do controle e se volta contra MetroCity. E cabe apenas a Megamente, outrora vilão, salvar o dia.
É interessante observar que a empresa de animação tem possibilidades de alcançar novos horizontes (como no recente Como Treinar seu Dragão), investindo no drama que a Pixar sabe fazer tão bem (mesmo que em menor densidade). Mas mesmo assim, a Dreamworks intercala esses projetos mais ousados e originais com os seus filmes-evento (Megamente) e bobagens com fins lucrativos que não deviam existir (Shrek 4). Há um quê de visão nessa estratégia, afinal Dragão pode até ter sido o melhor filme desde Shrek (ou da empresa), mas foi o menos lucrativo. Megamente entra no campo dos lucrativos, auxiliado pelo 3D, com um roteiro que promete a desconstrução definitiva dos super-heróis. Campo já testado anteriormente pela rival, na obra-prima Os Incríveis, o gênero super-herói tem duas gamas diferentes. A linha dos blockbusters, cinemão-pipoca descarado que promete diversão (quase sempre bem-executada) e a linha mais séria, que cria arte num gênero tão banalizado, contando histórias seriíssimas e excelentes. Como espectador, gosto muito das duas gamas e adoro esse gênero. Por isso, é fácil constatar que se Os Incríveis parecia Watchmen, Megamente parece Homem de Ferro.
A comparação é válida não só pelo teor da história, com o exemplo da Pixar sendo sério e Megamente divertido. As tramas são parecidas também e há um esforço contínuo da Dreamworks em fazer Megamente parecer Homem de Ferro. Os Incríveis tinha super-heróis mortos por um super-vilão amargurado, que acaba colocando Sr. Incrível no posto que tinha sido retirado de si na lei que proibiu os heróis. Pra quem não leu Watchmen, essa lei se chama Keene Act e foi inspiração clara pra produção da Pixar. Já Megamente tenta se distanciar tanto de Homem de Ferro que coloca Back in Black e Highway to Hell, do AC/DC, que COMPÔS a trilha do segundo filme do Ferroso. Jurei que ia ouvir Iron Man nos créditos finais, mas acabou sendo o Michael Jackson mesmo.
E daí vem o abismo entre Pixar e Dreamworks. Enquanto a primeira pega como inspiração uma história adaptada ao cinema com censura 18 anos e um dos maiores e mais maduros quadrinhos da História, a segunda força a barra, copiando diversos elementos de sua inspiração, como a já citada trilha sonora e frases como "Super-heróis não nascem, são criados!". E é aí que uma sacada de roteiro, manjada e clichê, é sabotada. Adaptando Homem de Ferro pras crianças da geração 3D, fica claro que a referência do filme é um anti-herói, não um vilão como a trama fazia parecer. Sei que era óbvia a redenção do vilão (na boa, alguém achou que vilão protagonista ia continuar vilão num filme da Dreamworks?), mas colocando o Homem de Ferro como inspiração, fica palpável demais a reviravolta de comportamento de Megamente. Até porque, se o vilão fosse continuar vilão, se houvesse uma desconstrução corajosa mesmo, seria o Coringa, por exemplo, a ser adorado pelo protagonista. Se o vilão fosse vilão mesmo, faria maldades pesadas, não planos maquiavélicos engraçadinhos. Megamente é um vilão tão sério que tem até o seu Criado como alívio cômico...
Mas coloquemos isso no contexto que o filme pede. A ambiciosa idéia de revolução que a empresa prometia jamais seria feita, obviamente. Então esqueçamos a falta de modéstia descabida e avaliamos o filme como uma película descompromissada de ação e comédia. Aqui, entramos em outro campo do cinema Dreamworks: o de Kung Fu Panda. Nesse ponto, Megamente engrandece. Engraçado, ágil, divertido, o filme tem uma construção muito boa de personagens, com a seqüência inicial sendo um exemplo do que a Dreamworks sabe fazer muito bem: Megamente e MetroMan, a cópia do Superman (com direito a Lois Lane-Rosane Rocha e um Jimmy Olsen-Hal Stewart), saindo de seus planetas, tendo a mesma origem, porém com um destino completamente oposto aqui na Terra. Enquanto um é criado em berço de ouro, o outro é criado na prisão. Aí se reforça uma referência muito boa pescada pela Dreamworks: a de A Piada Mortal, de Alan Moore, escritor de Watchmen. No final das contas, é apenas um dia ruim que mudou a vida dos dois seres extraterrestres. Há também um quê de drama, típico dos terceiros atos dos filmes da empresa, que é convincente, mantendo a atenção do espectador presa na tela.
E os personagens são tão simpáticos e a ação, ainda que exagerada (o clímax tem mais de 15 minutos justamente pela falta de história), é entretenimento de pura qualidade. Qualidade tão grande e divertida que basta pra disfarçar a falta de conteúdo no roteiro estrutural.
Juntando isso a diversas referências pop, como a da Mamba Negra de Kill Bill, Megamente se torna um produto sem relevância artística, mas extremamente divertido e interessante. Seguindo a linha de sucessos, como Kung Fu Panda e Madagascar 2, Megamente agrada e é perfeito pra uma sessão sem compromisso e de fim de semana. Não se devem julgar dispensáveis as referências conhecidas da empresa. Elas são essenciais pra tornar os seus filmes acima da média, como fez com Monstros vs. Alienígenas, que tem uma trama um tanto pobre, mas que é divertida e fica melhor ainda se pescarmos as citações aos filmes B de terror dos anos 50.
Apesar de ter acompanhado a versão em português, é bom exaltar o elenco soberbo de dubladores do filme. Will Ferrell se encaixa perfeitamente como Megamente, se reunindo ainda com outros comediantes como Tina Fey (Rosane), Jonah Hill (Hal) e até mesmo Ben Stiller, numa ponta como Bernard. Fora que ainda tem a genial sacada de chamar o galã Brad Pitt pra dublar o MetroMan.
Tecnicamente, nada a se declarar de especial. A direção de Tom McGarth é muito boa, seguindo o padrão das animações desde Toy Story, explorando os ângulos grandiosos que são caros demais no live-action. A fotografia do filme é bonita e o 3D não a escureceu como sempre tende a acontecer. Um belo trabalho de Phill McNally. A trilha sonora de Hans Zimmer e Lorne Balfe é muito boa também e ajuda a tirar cada emoção que o filme precisa, encaixando-se perfeitamente na película, ainda que essa trilha não deva ser levada em conta como música propriamente dita. Excelente no filme, nem tanto pra ouvir sozinha.
Mesmo sendo um mix de idéias e mais uma promessa quebrada da Dreamworks, Megamente é um excelente entretenimento passageiro, que não marcará em nada sua vida, mas fará ela feliz por 96 minutos. Para o público médio de cinema, o verdadeiro alvo da empresa, o filme deve ser uma satisfação. Já eu tive que agüentar com pesar o fato de ter esquecido o filme logo que saí da sessão, lembrando mais do filme visto dois dias antes, a genial obra-prima contemporânea A Rede Social (aliás, vale a dica, só assista Megamente se for ver Rede Social antes).
E a Dreamworks continuará a mesma. Espero que continue executando bem essa mesmice, já que algumas empresas simplesmente decidem insistir no erro. Se for assim que eles querem, eu já estou preparado. Que não se leve em conta mais nenhuma revolução que a empresa prometa. Afinal, a revolução de verdade aconteceu em Os Incríveis. E é duro dizer, mas a outra revolução de verdade não pode ser feita agora simplesmente porque a Dreamworks não tem talento pra executá-la. E não terá, pelo fato dela querer fazer um novo Shrek até esgotar a fonte. Pelo menos Dragão sai da desconstrução, dando ainda um pouquinho de esperança.
Andam dizendo por aí que Megamente é uma homenagem ao Superman, como até sugere a referência a Marlon Brando como pai de Titan. Respeitosamente, discordo. Pra mim, Tony Stark foi que ganhou essa homenagem, divertida á beça.
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