Medianeras: Buenos Aires da Era do Amor Virtual
(Medianeras, 2011)
Drama/Romance - 95 min.
Direção: Gustavo Taretto
Roteiro: Gustavo Taretto
Com: Javier Drolas, Pilar López de Ayala
Falar de amor, ser pop e ainda ter uma preocupação social. Parece muita pretensão para um filme tão pequeno, tão objetivo e tão simples. Medianeras, do diretor argentino Gustavo Taretto, pretende mostrar como o isolamento causado pela vida - cada vez mais presente - virtual pode transformar a humanidade. Pessoas que passam mais tempo conversando e se divertindo na frente de um monitor do que experimentando a vida e tudo mais.
Soa retrógrado? Soa piegas? Soa como aquela tia velha que mal sabe o que é um e-mail? Em teoria sim, mas a forma inteligente com que Taretto apresenta suas ideias, faz com que seus questionamentos não atinjam apenas para a internet (como um meio), mas toda uma sociedade cinzenta e inflexível, acostumada a relações breves, apesar de muito intensas.
Essas discussões sobre a tal sociedade pós-moderna é que fazem de Medianeras mais do que uma comédia romântica com viés pop, com muitos offs (que funcionam muito bem, caso raro) e personagens melancólicos. Ao observarmos a análise de Taretto sobre o excesso de fios que cortam as cidades, ou as tais medianeras (o lado dos prédios que não tem janelas ou ventilação, e que são habitat dos personagens do filme) ou mesmo sobre as plantas de espécies não identificadas que nascem em qualquer ranhura dos prédios - o que segundo o filme, é uma prova da força da natureza - percebemos que o diretor e roteirista quer mais do que simplesmente "falar mal da internet".
Medianeras não é apenas uma discussão sobre a modernidade, mas uma historia de amor entre dois melancólicos jovens adultos em meio a muita cultura pop e um texto que beira o minimalismo. Martin (Javier Drolas) é um designer gráfico que vive enfurnado em casa diante da tela de seu computador criando sites, enquanto cultiva uma paixão pelo personagem Astro Boy, joga muito videogame (foi campeão de FIFA e chegou ao nível Chefão na versão game de Godfather) e desde que sua ex-namorada se foi, cuida da cadela deixada pela ex. Mariana (Pilar López de Ayala) é uma arquiteta que não exerce a profissão, e que passa os dias entre a solidão causada pelo término de um relacionamento longo que não deu certo, uma dificuldade crônica de usar elevadores, um novo vizinho pianista, sua profissão como vitrinista e sua paixão pelos livros de Wally.
Taretto apresenta os personagens quase da mesma maneira e os coloca como vizinhos, ao mesmo tempo em que os afasta sempre que pode, mostrando que a distancia infligida pela modernidade nos impede - por exemplo - de conhecer aqueles que estão ao nosso lado. Mariana prepara uma vitrine e diz que quem observa seu trabalho, acaba conhecendo sua essência e quem aprecia o que vê, na verdade está dizendo que se interessa por ela. Martin para em frente à vitrine e fica encantado com o que vê. Mariana resolve abrir uma janela em seu apartamento, assim como Martin. Ambos moram em prédios vizinhos, gostam das mesmas coisas e mesmo assim não se conhecem. É isso que Taretto quer dizer.
O que o diretor apresenta de forma sutil é que apesar da tecnologia nos aproximar do mundo, nos separa da vida. Não sei se concordo com isso, mas é notável que nossas relações interpessoais mudaram muito desde que a internet se fez presente em nossas vidas. Falamos com um número cada vez maior de pessoas, mas, com quantas realmente conversamos? E quantas apenas "jogamos conversa fora"? E os relacionamentos amorosos? Muitos começam via internet e se transferem para a vida real, mas quantos duram mais do que a paixonite aguenta? Quantos se mantém estáveis diante dos problemas da vida real? E quanto à informação, cada vez mais fácil de ser encontrada? Absorvemos a torrente de ideias? Ou apenas apreciamos a superfície, nunca chegando ao cerne da questão?
Existe uma personagem no filme (a passeadora de cachorros) que entra e sai da trama de forma abrupta, mesmo se relacionando de forma visceral com determinado personagem do filme. Surge "do nada", intensifica sua relação da forma mais extrema possível e simplesmente some, sem deixar qualquer vestígio. Aqui, Taretto exemplifica como a virtualidade transformou as relações humanas, amizades que nascem, se intensificam e morrem de modo virtual, sem sequer guardarmos lembranças "reais" daquela pessoa que pode ter dividido um pouco de seu tempo e vida conosco.
Medianeras é um conto romântico e com um leve ar de conto de fadas, mesmo apontando suas armas para a análise direta do fenômeno das relações humanas na era virtual. E se tem um moral da história é a mesma que todos nós - usuários frequentes, mas não bitolados da internet - já conhecemos. Tenha uma vida que vá além do que está diante de seus olhos em uma tela iluminada. Vivencie as experiências reais de forma tão visceral quanto as virtuais. De repente, sua vizinha pode gostar de Wally, usar camisetas do Garfield e te convidar para sair...
Gostei muito desse filme, e foi muito legal ler essa crítica, concordei com tudo que escreveste,só acho que ele merecia um excelente.
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