segunda-feira, 30 de maio de 2011

O Poder e a Lei
(The Lincoln Lawyer, 2011)
Thriller - 118 min.

Direção: Brad Furman
Roteiro: John Romano

Com: Matthew McConaughey, Marisa Tomei, Ryan Phillippe e William H. Macy

Atores canastrões são muito bem remunerados no cinema. Em geral, eles usam esse talento quase nato em comédias românticas, onde beleza é a chave de seu sucesso e desenvolvimento de personagem se resume a tirar a camisa. Hugh Grant se consagrou como um ator desse tipo, avançando (felizmente) quando posto fora da zona de conforto, como em Um Grande Garoto. Já Matthew McConaughey é o rei das comédias românticas americanas como Armações do Amor e Como Perder um Homem em 10 dias, dois hits de público. Encarnando a reunião ambulante dos clichês do homem idealizado, McConaughey sempre atua em seu padrão, ao sorrir pra protagonista influenciável, sempre com um olhar apaixonado e com seu ar galanteador. Com seus salários astronômicos, o ator se limita a ter apenas um personagem em seu currículo: o de si mesmo. Mas o que faz do americano um astro é seu carisma, que sustenta confortavelmente seus filmes e que fazem o público comprar suas idéias, tornando-os sucesso, mesmo que com qualidade bem duvidosa (os dois títulos que citei são simplesmente pavorosos, assim como 75% das comédias românticas).



E o que The Lincoln Lawyer, traduzido de forma genérica por aqui, tem a ver com esses canastrões que povoam o cinema romântico? Dos estilosos créditos iniciais até a escolha soberba de elenco, Lincoln Lawyer apresenta um belo teste ao poder dos atores limitados e as situações a que são submetidos. O roteiro de John Romano, baseado no livro policial de Michael Connelly, se estrutura como um filme de tribunal mesclado com policial, em que as convenções desse subgênero são postas em prática com destreza. Os conflitos internos do protagonista Mick Heller, vivido por McConaughey, são o centro do filme, ainda que as explicações jurídicas, que servem pra ambientar a trama, sejam constantes. Se no início somos submetidos ao método cafajeste de trabalho de Mick Heller não é à toa: a reviravolta emocional (em certo ponto do filme) está implícita á todo momento.



Assim como os conflitos do protagonista, os planos complexos típicos estão presentes. E é aí que um fator curioso (e crucial) do filme se revela: a simplicidade da trama. Repare como sempre que o discurso investigativo entra em cena, algum elemento visual serve pra ambientar o espectador ali. Cena chave: O encontro entre McConaughey e Ryan Phillipe na primeira reunião. Mesmo que os personagens continuem em off, explicando, um flashback com fotografia hiper-granulada entra em tela. A princípio, essas explicações, apesar de nunca serem desnecessárias, podem ser vistas como defeito, mas todas estão ali justamente pra não tirar o foco do que importa aqui: o protagonista e seu caráter. E esse estudo de personagem é potencializado pela escolha de elenco, que é ousada por suas opções.


E justo esse tipo de filme, que adota convenções de gênero, é conhecido por apostar bastante em seus atores. O casting surge ousado por selecionar a maior gama da canastratrice de Hollywood, o que o caracteriza como um teste aos baluartes dessa "área". O homem a ser julgado é vivido por Ryan Phillipe, sempre um ator cretino (os closes em sua face são épicos de tão artificiais); o promotor é vivido por Josh Lucas; a ex-mulher, por Marisa Tomei. Num elenco como esses, nada melhor que um motorista cool e um protagonista como Matthew McConaughey. Quando a trama começa a se desenrolar de fato, o diretor Brad Furman começa a trocar seu visual á lá David Ayer (Dia de Treinamento, Os Reis da Rua) por close-ups constantes, sempre com uma câmera na mão. Nada melhor que isso para investir nas emoções de seus personagens. Sendo assim, a opção é excelente e casa perfeitamente com o casting escolhido e a proposta do roteiro de valorizar o estereótipo dos filmes de tribunal.



De mestre mesmo, porém, é a jogada do roteiro em utilizar toda a canastrice de seus personagens a seu favor. Marisa Tomei não precisa exercitar seus músculos rígidos da face pra tornar viva sua relação com McConaughey, muito mais sexual e amorosa do que aparenta. Nos momentos que dependem mais de sua atuação, a atriz apenas precisa falar gritando. Josh Lucas vai construindo seu personagem aos poucos, o tornando mais vulnerável. Interessante mesmo é a solução visual que o diretor cria pra evoluir o personagem de Lucas: ao explorar o imaginário que se tem sobre a persona do ator, Furman filma os olhos azuis de Lucas com um contraste que os valoriza de forma sobre-humana. Ao longo da projeção, o azul dos olhos ficam mais e mais escuros. É Lucas passando no teste, deixando sua canastrice pra trás (pelo menos nesse filme). Mas o ápice desse jogo é a atuação colossal de McConaughey. Explorando seu personagem ao máximo e sabendo esbugalhar seus olhos cansados de maneira esplêndida, o ator ainda cria um sotaque extremamente carregado pra exaltar a competência e masculinidade de seu personagem.


Se os canastrões anteriores atuaram de forma uniformemente boa, é em Ryan Phillipe que a corda arrebenta. O péssimo ator, mais canastrão que nunca (os closes nos tremeliques de Phillipe são hilários), também se revela perfeito para o papel. Já que o roteiro precisa de um personagem falso por natureza, tem decisão melhor que um ator artificial pra interpretá-lo? O esquema realizado pros personagens de McConaughey e Phillipe também ajuda muito a compor uma relação de nêmesis. Enquanto Heller acha que soltar criminosos é aceitável quando ninguém vai condenado, Phillipe só quer ser absolvido se alguém for preso no seu lugar.



Aí então que Lincoln Lawyer se aproxima de O Vencedor, filmaço indicado ao Oscar ano passado. Investindo nos estereótipos pra tornar mais viva sua trama consagrada, o filme de Furman se engrandece. Tem seus muitos defeitos, como a previsibilidade, mas como um estudo de personagens e da consciência coletiva sobre os estereótipos, Lincoln Lawyer cumpre seu papel muito bem. Em certo ponto do filme, uma pessoa pergunta pra Heller: Afinal, qual é a sua? Uma pergunta emblemática, e que é fácil de ser respondida. Heller tenta se redimir de seus métodos aproveitadores, mas o epílogo do filme, é perfeito pra ilustrar a personalidade dele. Depois da lição de moral, o protagonista mantém sua essência cafajeste, o que é revelador.


Aqui, McConaughey está mais "machão" que nunca. E quando o vemos com seu bastão de Baseball, não dá pra reclamar. Pra contar uma história divertida como essa, nada como um diretor razoável, um Cliff Martinez compondo uma excelente trilha e um bom ator em seu melhor. É sua volta a boa forma. E não me refiro ao corpo.

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