terça-feira, 14 de junho de 2011

Qualquer Gato Vira-Lata
(Qualquer Gato Vira-Lata, 2011)
Comédia/Romance - 98 min.

Direção: Tomás Portella
Roteiro: Cláudia Levay e Júlia Spadaccini

Com: Cléo Pires, Malvino Salvador e Dudu Azevedo

A escola de Katherine Heigl anda ganhando seus discípulos. A loira americana, atriz que tem uma queda gigantesca pelo caricato, sempre interpreta em seus filmes o mesmo papel. Seja em A Verdade Nua e Crua ou em Juntos pelo Acaso, passando por Par Perfeito, Heigl vem sempre como a dona de casa tipicamente estadunidense, a neurótica viciada em antidepressivos que expõe suas emoções de forma desesperada e reage ao novo como se tivesse 5 anos de idade. O problema disso tudo é que Heigl torna seus filmes bem populares, ao fazer os americanos médios racharem de tanto rir. E seja como uma repórter ou uma mulher de pistoleiro, a atriz sempre passa pela mesma trama, que soa tão próxima do público médio: E se uma mulher comum acabasse no meio de um evento maior que sua vidinha? No filme Qualquer Gato Vira-Lata, adaptado da peça do bom Juca de Oliveira, não acontece nada de grandioso na vida da protagonista, mas isso não a impede de surtar completamente, assim como a loira da América. Se Heigl já tem seu mundinho implodido por qualquer mero deslize na ordem natural das coisas, aqui em Qualquer Gato Vira-Lata ela tem em Cléo Pires sua afilhada perfeita.



Desde os créditos iniciais, já percebemos que Tati, interpretada por Cléo, é uma mulher contemporânea e totalmente insegura. Se não bastasse a narração em off tentar desenvolver a personagem enquanto cria piadas com as imagens (a mais patética é a das várias roupas caindo em cima da cama), o diretor Tomás Portella faz o possível para estragar qualquer fluidez em seus enquadramentos, ao seguir os pés da atriz de maneira mecânica e pouco criativa. E se o roteiro fizesse de tudo para não desenvolver Tati de maneira decente, visualmente Cléo não faz nada pra ajudar. Com sua cara de criança que perdeu a mamadeira, a atriz se entrega ao overacting sem o mínimo respeito com o espectador, interpretando passagens de forma patética. Passagens como a da boate parecem surgir de outro plano narrativo, tamanho o absurdo que se mostra em tela. E dessa vez nem é só Cléo que atua de maneira capenga: Todos em cena parecem pertencer a um plano onde todos são retardados. Resta saber ao espectador com mais de 8 anos como uma mulher de 25 anos contorce seu corpo só pra não olhar um homem dançando.



Os problemas prosseguem ao vermos que todas as atuações são homogeneamente ruins. É impossível afirmar com certeza se a culpa é do preparador de casting ou do diretor amador, mas é gritante a falta de qualidade. Se Cléo Pires já não fosse suficientemente prejudicial ao filme, Dudu Azevedo faz questão de piorar as coisas, ao conceber um personagem previsível, arquetípico e totalmente sem-graça. Aliás, o humor das cenas do personagem surge em sua maioria involuntário ou devido ao dispensável alívio cômico interpretado por Álamo Facó. Mas as piores cenas são as da preparação da tese de Conrado, o professor de biologia. Cléo libera suas neuroses e Malvino Salvador oscila brilhantemente entre o desastre nuclear e o Framboesa de Ouro. Adotando trejeitos manjados e montando seu personagem como um banana obrigatoriamente CDF, nível óculos de grau sempre ajeitado, Malvino tem uma das piores atuações do Cinema recente, ao declamar suas falas sem acreditar nas mesmas, soando robótico e indevidamente hilário. Até mesmo nas cenas cômicas, onde a caricatura serviria pra rir, Conrado parece ser uma figura inexistente, tamanha a falta de timing cômico. Esperem só até ele gritar "Charles Darwin!!! É Charles Darwin!!!!".


Mas convenhamos, comédia romântica já é um gênero complicado para avaliarmos a atuação desde sempre. Os atores dificilmente conseguem realizar trabalhos memoráveis nesse tipo de filme, já que é da natureza das convenções da rom-com estes arquétipos. Visto isso, daria pra relevar um pouco as pavorosas atuações. Porém, Qualquer Gato Vira-Lata vai além ao empregar uma ideologia confusa, mal-explicada, contraditória e, principalmente, nociva. Retratando as mulheres neuróticas como Heigl e Cléo como "comuns", o roteiro já rotula a mulher moderna como um ser difícil de se conviver, indeciso e quase um maníaco por estética e Prozac. Cena emblemática é aquela que Tati leva flores pro aniversário do seu namorado e ele a dispensa. A reação da protagonista é totalmente extremada, chorando horrores só por um mero "vamos dar um tempo". Desnecessário dizer que a chuva começa exatamente na hora do "fora".



Mas se essa reação fosse localizada, só da protagonista, estaria tudo bem, afinal não precisamos concordar com os métodos e personalidade do personagem para se identificar com ele. Porém, Conrado diz em certa cena que Tati é perfeita, que não tem nada de errado com ela. É a partir daí que a ideologia do filme se torna nociva e ainda dá sinais da confusão que se mostrará a seguir. Se a mulher certa é essa neurótica por homens, por que ela precisa de um professor cuja teoria prega a superioridade masculina? A resposta, inequívoca, temo que seja: que a mulher contemporânea é burra e submissa, o que curiosamente vai de encontro ao que o professor pensava, mesmo ele estando certo. Parece paradoxal? Sim, você está certo. Alguma coisa está errada quando uma COMÉDIA meramente comercial chega pro público e fala que os ignorantes são os mais felizes. O cinema estava cheio e eufórico. Fica difícil discordar.


Não faz o menor sentido um personagem estar certo e errado sobre o mesmo assunto. O macho alfa tem que transar com todo mundo, mas não merece a mocinha. Hipócrita, o personagem de Malvino Salvador só não é mais odiável por falta de minutagem. E a mensagem do filme se perde completamente em meio ás convenções da comédia romântica.



A analogia com a bomba-relógio procede muito aqui. Sempre que algo novo acontece (geralmente quando um homem a deixa), a mulher do filme tem seu fio vermelho cortado, explodindo, perdendo o controle. Resta a ela esperar o homem voltar e cortar o fio azul, melhorar as coisas. Conrado tenta fazer Tati melhorar e tomar controle perante o homem (o que ridiculamente é contrário ao que ele prega), mas só a auxilia a voltar para Marcelo (o personagem de Dudu). Em suma, só faz a mulher "independente" voltar ao cara que sempre a sacaneou. Isso poderia ser genial se Tati terminasse com Marcelo, afinal só provaria a tese de Conrado (que as mulheres têm que aceitar o homem infiel), mesmo que enganando a pobre coitada da protagonista. Porém, quando chega o final, a contradição fica latente e é impossível não rir da falta de inteligência dos roteiristas.


Se não bastasse ser intelectualmente estúpido e errado, a hecatombe nuclear que é Qualquer Gato Vira-Lata ainda é tecnicamente desprezível. A direção truncada de Portella não se apega a nenhum cuidado estético e não pensa em extrair algum significado além com seus enquadramentos. Cometendo barbeiragens constantes (como sua péssima direção nas conversas de Tati com Conrado), Portella se sai ainda pior nas partes cômicas quando, trabalhando em conjunto com a preguiçosa edição, registra tudo sem o mínimo timing cômico. O engessamento das falas é crucial também. Sabe quando uma personagem fala uma palavra errada e se conserta depois só pra parecer uma fala fluida? Pois é, na palestra inicial, isso acontece e é involuntariamente hilário.



Nada pode ficar pior quando a cena se estende além do que deveria ou mesmo quando ela é cortada antes do necessário. Tome como exemplo a primeira cena das explicações de Conrado no apartamento de Tati. Justo quando as interações começam a ficar interessantes, o diretor corta sem maiores explicações. Para concluir o desastre, não dá nem pra falar que a fotografia é muito boa, como vários críticos dizem para não falar que o filme horrível. Aliada ao péssimo design de som, fora de sincronia, a nojenta fotografia escura dá sinceras ânsias de vômito nos cinéfilos, ao desfocar e enfeiar a película, utilizando um grão grosso demais, sem a mínima função narrativa.


Fotografias granuladas são ótimas quando em boas mãos, como as de Matthew Libatique e Dante Spinotti, fotógrafos de Darren Aronofsky e Michael Mann, respectivamente. Mas aqui, além de muito feia, a fotografia granulada dá um tom documental que não combina nem com o tom cômico, nem com a direção parada de Portella e nem com o espírito do filme. Fica até chato dizer que a trilha sonora do quase sempre competente Pedro Bronfman é risível. Com tantos erros primários, é até desnecessário apontar mais um no filme.



Amador, teatral no pior sentido e atuado e filmado de forma pedestre, Qualquer Gato Vira-lata empalidece até mesmo perante as fracas comédias românticas produzidas no país, como A Mulher Invisível e Se Eu fosse Você. Infelizmente uma fórmula de sucesso de público, o gênero do filme não sumirá tão cedo de nossas memórias e cinemas. Tendo uma coleção das piores cenas do ano (o que é aquela patética sub-trama com a mulher? E a cena de Conrado com o chefe?), o filme entra no limbo do pior que já foi feito por aqui no Brasil. Evitem o máximo que puderem.


Endeusando a mulher bomba-relógio, Qualquer Gato Vira-lata sobrevive. Esperando seu príncipe encantado por dolorosos 90 minutos, Cléo Pires tem seu final feliz. Que o fio azul foi cortado, não resta dúvida. O problema é saber quem o cortou.


O slogan do cartaz ilustra: Quem é seu par ideal? Ao final da sessão, fica a dúvida.

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