sexta-feira, 17 de maio de 2013

Terapia de Risco


Terapia de Risco
(Side Effects, 2012)
Drama/Thriller - 106 min.

Direção: Steven Soderbergh
Roteiro: Scott Z. Burns

com: Rooney Mara, Jude Law, Catherine Zeta-Jones, Channing Tatum

Steven Soderbergh construiu uma carreira que não fora irretocável em função de sua melhor característica: ser prolifico, camaleônico, adaptável a qualquer roteiro. A única similaridade em temática de seus filmes foi a maneira artesanal como explorava os interessantes temas abordados em tela. Na prometida despedida dos longas para o cinema, aqui em Terapia de Risco, o diretor se aventura pelo mesmo olhar protocolar e técnico de Contágio, aproveitando o giro pela indústria farmacêutica para brincar com as expectativas do espectador acerca dos personagens, que se alternam na posição de protagonistas para dar diversos pontos de vista, nem sempre confiáveis, sobre a mesma trama de conspiração.

O filme parte da depressão de Emily (Mara) após a saída de seu marido Martin (Tatum) da prisão. No tratamento, o doutor Jonathan (Law) receita um medicamento antidepressivo experimental, o que acaba por causar efeitos colaterais na mulher, tomando dimensões trágicas a medida do passar do tempo.

De início, a depressão de Emily é retratada com precisão. Diversos efeitos da tristeza patológica são realçados pela montagem elíptica que Soderbergh realiza, criando uma atmosfera que soa como um fluxo de consciência, uma suspensão de tempo na vida dos personagens, como se tudo se movesse de forma contínua, sem controle algum por parte dos habitantes daquele universo. Além disso, o diretor concebe ângulos inusitados para ressaltar a solidão que a depressão causa na personagem de Mara, pontualmente nos cantos do quadro, se aliando aos enquadramentos rígidos já vistos em Contágio para ilustrar o desespero gradativo da mulher. A profundidade de campo reduzida e a iluminação natural, características da câmera-padrão de Soderbergh, a RED One, auxiliam a sensação de pesadelo vívido que Terapia de Risco causa no espectador. A paleta dessaturada, calcada em diversos tons de cinza, parece drenar qualquer sinal de esperança no tempo presente do filme, o que potencializa o drama vivido por Emily.


Esse flerte com o filme-delírio (ritmo de fluxo de consciência, a ótima trilha fantasmagórica de Thomas Newman, o retrato inexpressivo de Mara diante da depressão) só faz a tensão crescer, plantando pistas a todo o momento da possível inconfiabilidade da narração da protagonista Emily, talvez uma vítima dos efeitos colaterais do título original. A gradativa construção de uma realidade distorcida, como no brilhante enquadramento que deforma o rosto de Rooney Mara, só é mais explicitada pela feliz iluminação que Soderbergh filma os flashbacks do casal, o que contrasta com o implacável presente, mediado por luzes fluorescentes, reflexos de uma depressão e nomenclaturas diferentes para remédios sufocantes.

No segundo ato, no entanto, o foco sai de Emily para Jonathan Banks, vivido com a competência habitual de Jude Law. A abordagem mais racional, ainda que mantenha os tons frios que permeiam toda a realidade do filme, cria uma nova dimensão para os acontecimentos. Afetando o trabalho do doutor Jonathan, a situação de Emily começa a ser estudada de fora do fluxo de delírio da narradora anterior. Ao incitar uma nova discussão sobre o teor dos remédios, a pretensão de filme-denúncia e registro protocolar médico de Terapia de Risco se transforma num suspense tipicamente Hitchcockiano, onde as atuações irretocáveis de Law e da, cada vez melhor, Rooney Mara, exalam uma preocupação gradativa que só se resolverá com uma virada no plot.

Sem entrar em muitos detalhes que possam estragar a experiência do filme, vale falar que é possível constatar algumas falhas na construção desse plot twist, que surge intimidador, mas desenvolvendo pouco a relação entre os envolvidos nele. Porém, nessa segunda metade, a paranoia gradativa pairando sobre Emily e Jonathan só aumenta a gravidade da intrincada experiência dos remédios experimentados pela paciente. Ao corretamente se focar na busca pelo destrinchar do quebra-cabeças, sem apelar desnecessariamente para um possível dilema moral de certo personagem, Terapia de Risco é muito bem sucedido na criação de uma atmosfera que oscila entre o delírio e a paranoia para quebrar expectativas que o espectador atento certamente fará. É diferente de um longa como o recente Em Transe, que investe em reviravoltas para complicar um simples exercício de gênero, tentando esconder sua falta de conteúdo. Aqui, o roteirista Scott Z. Burns aposta nas pistas falsas filmadas por Soderbergh para absorver o caráter dúbio do narrador em foco, o que só causa mais desespero. É um bem-vindo filme onde não é previsível o rumo que tomará tanta paranoia.


Mesmo que não conte com um encerramento surpreendente, tendo problemas na coordenação dos flashbacks e dos didáticos minutos finais, Terapia de Risco se mostra competente ao frustrar intencionalmente, criando um poderoso sentimento de desolação no espectador que esperava um delírio facilmente previsível como em um Ilha do Medo, por exemplo. É uma bela despedida para Soderbergh, caso se consuma, e um exercício muito bem executado na tradição dos antigos thrillers. Filmes do estilo costumam omitir informações para contar uma revelação bombástica em seu final; Side Effects se diferencia justamente por oferecer um novo olhar, revelador, sobre o que já havia sido estabelecido.

Terapia de Risco se beneficia por entender que todo bom filme de delírio precisa, anteriormente, ter um bom desenvolvimento e conhecimento de paranoia.


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