domingo, 20 de junho de 2010

Kick-Ass
(Kick-Ass, 2010)
Ação/Thriller - 117 min.

Direção: Mathew Vaughn
Roteiro: Jane Goldman e Mathew Vaughn

Com: Aaron Johnson, Chloe Moritz, Nicolas Cage, Mark Strong

Mark Millar sempre foi um escritor extremamente polêmico. E competente. Desde trabalhos obscuros e irônicos como O Procurado até mega-blockbusters em páginas de quadrinhos, como Guerra Civil e Old Man Logan, Millar é um sucesso entre os críticos e os leitores, sendo sucesso de vendas. Ainda fez um clássico moderno pela Marvel, Os Supremos, que é tido como referência pra criação de Universo dos filmes Marvel. Em 2008, Millar resolveu escrever outra história. Dessa vez, rumava para o rumo irônico que se tronou sua marca. O tema: O que aconteceria se um fanático por quadrinhos virasse um super-herói? Juntando tudo ao gênio vivo chamado John Romita Jr. e temos Kick-Ass. A HQ fez muito sucesso e os fãs (eu entre eles, diga-se de passagem), aguardavam ansiosamente a conclusão dela (as 8 partes saíram de 2008 a 2010, com incrível atraso) e a adaptação cinematográfica. Cerca de 3 meses depois do melancólico final da HQ, surge o filme nos cinemas. E com censura 18 anos, o que torna evidente o fato da HQ ser ultra-violenta. E como ficou o resultado? Alucinantemente sensacional.

A trama gira em torno de 3 arcos principais. O de Dave Lizewski (Aaron Johnson), um adolescente de 16 anos, nerd fanático por HQs que quer se transformar em super-herói por não mais aguentar as pessoas nada fazerem pra combater o crime. O do mafioso Frank D'Amico (o cada vez mais genial Mark Strong), que quer descobrir quem é o tal super-herói que está matando seus homens e o de Big Daddy e Hit-Girl (Nicolas Cage e Chloe Moretz), dois super-heróis, pai e filha, que querem vingança contra D'Amico por ter feito sua esposa e mãe ter se matado. E ainda temos o filho de Frank, Chris (Christopher Mintz-Plasse), que vai completar 18 anos e quer ter um papel central na "família". A trama se extende até o meio com agilidade e muitas informações engraçadas e construção de personagens formidáveis.


Porém, se o espectador achar que é apenas um blockbuster comum, se chocará.

Kick-Ass tem doses cavalares de violência, que justificam uma censura R nos USA e tem palavrões a todo momento, sendo eles proferidos por um mafioso irado ou uma menininha de 11 anos. Essa, por sua vez, é a Hit-Girl, que esfacela criminosos ao longo de toda a película e com requintes de violência realmente extrema (mutilações, tiros na cabeça e até mesmo uma morte pelas costas, de uma mulher "indefesa"). Logo, se o espectador preza pela dignidade moral e acha repreensível comportamentos violentos, corra do filme. É um dos maiores e mais divertidos exemplos da glamurização da violência de toda a história do cinema. Tudo isso potencializa o fato de que Kick-Ass, como bom filme de nicho que é, se tornará um novo cult, a ser apreciados por cidadãos que prezam por uma boa história.

O roteiro de Jane Campion e Matthew Vaughn é simplesmente sensacional por transformar a, já difícil de digerir, HQ de Millar e Romita Jr. em uma película absurda e original ao extremo. Além de abusar dos clichês de todos os filmes de super-herói (o Big Daddy se veste como o Batman, Dave é um típico Peter Parker, as motivações dos heróis são todas chupadas de quadrinhos), o roteiro expõe uma excelente crítica a sociedade ridícula que tomou conta do mundo, áquela que nem liga em ter violência urbana nas ruas e esqueceu honra e respeito. Quando frases geniais como "Por que todos querem ser Paris Hilton e ninguém que ser o Homem-Aranha?" são proferidas, a verdadeira identidade da primeira metade do filme fica evidente. Segue á risca a aversão aos clichês (e deboche a eles).


Porém, na segunda metade do filme, ele se torna um filme mais sério, se tornando um filme de personagens e deixando os clichês, se distanciando da HQ. E, sinceramente, ficou bem melhor. O final da HQ seguia a linha de deboche aos clichês. Resumo: Dave terminava simplesmente acabado. Não conseguiu nada que queria, um desastre total. Já no filme, o roteiro visou mais um apego aos personagens e uma linha séria, o que só transformou o filme numa experiência soberba, irretocável. Mesmo que o distanciamento cronológico do que houve na HQ tenha ocorrido, nas telas Kick-Ass continuou extremo, alucinado e corajoso, sem ter amolecido ou reduzido a fortíssima mensagem (gráfica e mental) que a HQ pensava. Os ideais permaneceram, mas os personagens foram premiados por eles. Em síntese, o que se coloca em Kick-Ass no cinema é mais simples do que na obra original, despertando emoções mais verdadeiras e apego mais fácil e tangível à história, deixando assim toda a narrativa mais palatável ao espectador, sem tirar sua originalidade ou sua mensagem.

Tendo um roteiro fiel e bem adaptado, o que Matthew Vaughn faz na direção é acima da média, mas sem abusar demais (o que é bom no caso desse filme). Enquadra atores perfeitamente bem, diferente da maneira enlatada de Hollywood , e utiliza planos limpos e largos como o quadrinista John Romita Jr. fez na HQ . Quando abusa de cortes rápidos, eles não confundem o espectador, mas criam um dinamismo maior dos movimentos executados . Sem dúvidas, não perde o controle em momento nenhum, e permanece em sintonia com a proposta do filme. Para tanto, também precisou utilizar takes mais modernos (afinal o filme é modernidade pura) como a pistola indo na câmera e a divertida sequencia em primeira- pessoa de Hit-Girl.

Nas outras partes técnicas , Kick-Ass passa sem erros. A trilha sonora montada é uma colcha de retalhos de vários ritmos e canções, que no final combinam perfeitamente. As músicas entram com um propósito, tanto de criar uma ironia - como nas sequencias de mutilação de Hit-Girl - ou por puro estilo de fundo musical. Já a trilha original também consegue ter um espaço considerável, utilizando um estilo clássico a lá Hans Zimmer, tendo ritmos muito parecidos com o do último Batman. Mas a própria fotografia já deixa bem claro que Kick-Ass não é nada sombrio. Esse quesito, aliás , é importantíssimo para a compreensão final da mensagem da obra. Os quilos de violência do filme combinados com o toque colorido-vivo da fotografia , deixam bem claro que aquele não é uma película sombria, mas sim extremamente divertida, com alguns momentos non-sense e por fim, feel good.


Nas atuações, Kick-Ass também não erra. A escolha mais acertada parece ter sido da garota Chloe Moretz, que não só atua soberbamente mas também parece ter adorado e se divertido nas gravações. Encontrar uma garotinha de 11 anos que participasse de tantas cenas de violência gráfica não poderia ser fácil, e a equipe achou a menina certa. Todos os outros tem atuações competentes, e Nicolas Cage não erra como Big Daddy, e concretiza-se em dois trabalhos seguidos sem nenhum erro .

Com toda a sua violência e proposta de criar um shake de cultura pop e de super-herois, Kick-Ass cumpre o que promete, mas vai além. Não só adapta de maneira perfeita a parte inicial da HQ escrita por Mark Millar ,como também apara seus erros na reta final . É definitivamente, então, melhor que sua obra original. O Kick- Ass dos cinemas é mais do que um fã podia esperar.

Não se espantem se no futuro esse filme reverberar como um consagrado cult de nossa década. Ele merecerá - e merece- todos os elogios .

(Nota do Editor: Por que duas resenhas de Kick-Ass? Simples, acreditamos no potencial do filme e a segunda crítica foi realizada por nossa dupla de fãs neófitos por hq, o que trás uma abordagem diferente ao filme)

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