quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Caramelo
(Caramel, 2007)
Comédia/Drama/Romance - 95 min.

Direção: Nadine Labaki
Roteiro: Rodney El Haddad, Jihad Hojeily e Nadine Labaki

Com: Nadine Labaki, Yasmine Elmasri, Joanna Moukarzel

O cinema de Pedro Almodóvar é de um gênero só. Isso poderia soar ruim em mãos barbeiras, mas o cineasta, apesar de eu não ser fã, é habilidoso com a arte de falar sobre mulheres. Dono de um respeitável currículo, que tem filmes cultuadíssimos como Fale com Ela, Má Educação e Volver, o cineasta fala sobre mulheres e ainda inclui um pouco de sua paixão por cinema em alguns filmes. Um grande exemplo disso é Abraços Partidos, que basicamente não existiria sem a cinefilia do diretor. Caramelo, filme libanês da escritora-atriz-diretora Nadine Labaki, é um legítimo discípulo de Almodóvar, mas sem a paixão pelo cinema. Aliado ao tema típico do cineasta, o primo oriental era pra ser um filme mais humano, mais sincero sobre as mulheres. Afinal, ninguém melhor que uma mulher para contar a história centrada em mulheres. Porém, Caramelo soou como um passatempo divertido que apenas vê cada mulher de uma maneira superficial.

A trama gira em torno de 5 mulheres, que compartilham suas experiências, seus traumas, suas felicidades e realizações num salão no centro de Beirute. Em meio a isso, temos muitos diálogos que abordam a cosmética do local e os dilemas das 5 mulheres, protagonizadas pela sofrida Layale (Nadine Labaki), a chefe do salão, que usa o tal caramelo do título como artigo cosmético e tem como admirador o policial Youssef (Adel Karam). Rima (Joanna Moukarzel) é uma mulher apaixonada por uma linda cliente. Nisrin (Yasmine Al Masri) está prestes a casar, mas tem um segredo imperdoável. Jamale (Gisèle Aouad) é uma atriz que está sofrendo com os efeitos do envelhecimento e Rose (Sihame Haddad) é uma idosa vaidosa que está querendo dar uma nova chance ao amor.


Se o filme libanês aborda um tema tão feminino e tão íntimo, presumia-se que fosse feito um retrato realista e dramático da mulher, com revelações corajosas e uma construção de personagens marcante. Porém, Labaki e Rodney El Haddad, os roteiristas, se preocupam mais em criar um panorama interessante pra um típico drama açucarado demais, romântico demais. Os conflitos das personagens são arquetípicos, o que não ajuda. Sendo assim, o fato do Líbano ser um país diferente (uma alegoria de mulheres, um território de diferentes culturas, um interessante local onde mulheres de burca e de decotes andam na mesma esquina) é totalmente esquecido e os dramas retratados poderiam ser passados em qualquer lugar do mundo, o que tira um pouco o valor do filme. Porém, mesmo com todos esses problemas, o longa consegue entreter e tem situações que, apesar de previsíveis, valem o ingresso.

Um grande exemplo desse sub-aproveitamento do tema é a construção de personagens. Layale, personagem encarnado pela diretora, é a Penélope Cruz do Oriente Médio. Dos dramas relacionados a homens casados até o modo sensual e bruto de se vestir, Layale emula Penélope em todas as situações. Como citei anteriormente, os conflitos não convencem justamente por essa construção precária. Rima é a lésbica incompreendida, mulher forte que luta numa sociedade opressora. Nisrine é a moça casta que está pra casar, mas não é mais virgem e isso a incomoda. Jamale é a típica mulher que vive do mundo de aparências e, quando começa a envelhecer, se vê sem chão. O único drama que realmente merece uma atenção especial é o de Rose, senhora idosa que cuida de sua irmã doente e tem que escolher entre o homem que ama e cuidar da irmã. Porém, mesmo sendo todas essas situações já testadas anteriormente, o filme é interessante por rolar por 96 minutos sem cansar e diverte, faz com que ganhemos empatia pelas personagens, mesmo elas sendo muito previsíveis.


Seguindo o roteiro, a parte técnica do filme se restringe a pensar que "em time que tá ganhando não se mexe". Como os filmes de Almodóvar tem um visual interessante, Nadine Labaki faz questão de usá-lo. Sua direção tem takes legais, dando uma fluência boa as cenas e enquadrando bem. Seu olhar particular para as mulheres também ajuda na hora de um close ou de uma cena dramática. Filmadas com precisão e delicadeza, as mulheres do filme são bem registradas pela contemplativa câmera de Labaki, que nisso inova um pouco o filme. Porém, a fotografia segue Almodóvar sem piedade. Yves Sehnaoui registra a cidade do Líbano com cores tipicamente espanholas, como a saturação meio sépia, amarelada com takes alaranjados. Comum, copiada, mas que funciona. Outro ponto destacado é a trilha sonora. Khaled Mouzanar cria notas bonitas e que ajudam a criar um clima bom ao filme e inova ao não impor um leitmotif ao filme, porém não sai nada acima do normal, acima da média. Um fator bom, mas comum.

Nas atuações, Caramelo ganha mais pontos. Nadine Labaki roteirista cria um personagem comum, mas Nadine Labaki atriz crê tanto nesse clichê que atua com precisão excelente. Em uma cena, em que Layale atende a mulher do seu amante(olha o clichê aí de novo), Nadine atua muito bem, demonstrando que acredita no seu personagem, acima de seus defeitos de construção. Yasmine Al Nasri até atua bem, mas não sai do normal. Joanna Mourkazel atua muito bem e se destaca em suas cenas, dando uma veracidade a elas, com uma certa emoção. Aqui, Joanna faz o que Meryl Streep fez em Simplesmente Complicado: bela atuação em personagem ruim. Gisèle Aouad faz a atuação mais perdida do filme, sem ter uma ambição fixa e sem encontrar o equilíbrio emocional que o personagem precisava. Já Sihame Haddad faz uma atuação tocante, dando um carisma infinito a sua simpática personagem. As cenas em que Rose redescobre o poder de amar estão entre as melhores do filme, o que é fortemente melhorado por Sihame.


Num apanhado, Caramelo se mantém na média e entretem. Sem dúvida, o filme é divertido e a questão interessante para os mais atentos é debater os problemas do filme, que não chegam a incomodar, mas que impedem o filme de ser um belo panorama da mulher libanesa, impede Caramelo de ser pra mulher o que Traffic foi pras drogas. Até pode ser discutível o fato do filme ser açucarado demais e ter uma visão muito superficial das coisas(Layale é brinquedo do amante justo num filme sobre mulheres), mas sem dúvida o final feliz do filme é tudo o que o público alvo quer. Algo romântico e otimista, tudo o que é preciso num romance. Caramelo poderia ser grande, mas se restringiu ao mediano. É uma pena? Sim. Mas a questão não é observar Caramelo como um filme ambicioso e fraco e sim como diversão passageira. Tudo se deve a expectativa inicial em relação a película. Gostar ou não do filme virou uma questão de perspectiva.

Nenhum comentário:

Postar um comentário