Argo
(Argo, 2012)
Drama/Thriller - 120 min.
Direção: Ben Affleck
Roteiro: Chris Terrio
com: Ben Affleck, John Goodman, Alan Arkin, Bryan Cranston, Victor Garber
Ben Affleck se redescobriu na função de diretor. Ainda que
consagrado comercialmente como ator (após seus sucessos em blockbusters como
Armageddon, Pearl Harbor e Demolidor), fora em 2007 que sua volta aos holofotes
da crítica ocorreu. Retornando ao posto de roteirista que o colocou no mapa de
Hollywood no premiado Gênio Indomável (escrito em parceria com seu amigo Matt
Damon), Affleck recebeu vastos elogios por sua estreia na direção em Medo da
Verdade. Em 2010, se estabeleceu como promissor realizador de policiais
expressivos ao dirigir o aclamado (e seguro) Atração Perigosa. Mas se parecia
que o reinventado Affleck, ávido por uma segunda chance da indústria, rumava
para uma carreira semelhante à de Michael Mann, acabou se mostrando estreito.
Em sua nova obra, Argo, o californiano expande suas ambições e cria uma
politizada visão sobre uma época e ainda se afirma um interessante criador de
tensão.
Ambientado no final dos anos 70, o filme conta a história da
Crise dos Reféns em Teerã, quando houve a tentativa de resgate pela CIA através
da falsa equipe de filmagens de um longa que seria ambientado no Oriente Médio.
Para uma trama com características tão singulares em sua mescla de absurdo com
uma crescente tensão, o roteiro de Chris Terrio constrói uma estrutura muito
hábil e que se prova satisfatória em conjunto com a forte montagem. Na busca
por uma unidade na distinta narrativa, Terrio consegue um mote para cada
elemento da narrativa: enquanto o nervosismo toma conta da tela no tratamento
dado ao sequestro dos diplomatas, o absurdo na consistência da missão planejada
pela CIA se mostra coerente na sátira realizada a toda Hollywood. Entre esses
dois espectros, o protagonista Tony Mendez tenta organizar sua missão.
Mas primeiro, o absurdo da sátira. Sátira essa que é
representada brilhantemente pelo executivo Lester, vivido por Alan Arkin, e
pelo maquiador John Chambers, interpretado por John Goodman. Logo que entra em
contato com os dois representantes da indústria, Mendez é recebido com ácidos
comentários dos velhos jogadores da Terra da Mentira. Enfileram-se as marcantes
passagens, tanto sobre as excentricidades do local quanto sobre os simplismos
dos que o povoam. Quando o protagonista fala do perigo que o Aiatolá representa,
Lester compara o segundo ao Sindicato dos Roteiristas; ao falar de cavalos,
alguém compara o filme fajuto a um faroeste porque “se tem cavalos, só pode ser
faroeste”. Não cabe me estender ao revelá-las, já que uma das surpresas de Argo
é justamente esse comentário cínico que a Warner faz a si mesma, algo sem a
visão quase surrealista de Trovão Tropical e que possui um conteúdo tão forte e
engraçado quanto.
Se a primeira vista a ideia de mesclar o ridículo da missão
(“É nossa melhor pior ideia”, diz o agente vivido por Bryan Cranston) com uma
crise violenta é arriscada por talvez tirar a gravidade da situação, Affleck e
Terrio (junto com William Goldenberg, montador do também ritmado Medo da
Verdade) surpreendem ao saberem criar um ritmo que freie a sátira quando o
filme parece que vai ficar muito descompromissado – e que sabe ser engraçado
quando a situação fica insustentável de tão grave. Para as imagens de impacto,
Affleck é bastante feliz ao conceber tensão através de pequenas ações. Repare como
a impressão das passagens é bem desconfortável, sem que isso se torne muito
forçado ou inverossímil. Tanto as imagens de arquivo, como as dos protestos no
Irã, quanto às recriadas pelo diretor (a montagem com a cena da tortura é
espetacular) são fantásticas na função dramática. E apesar da cena com os
fiscais, no clímax, ter alguns empecilhos em horas convenientes demais, a
tensão é tão bem construída por Affleck que a cena se torna totalmente
satisfatória, compensando esse pequeno erro.
Indo além da narrativa, Argo ainda se demonstra poderoso
retrato da época. Visualmente, o diretor cria com o fotógrafo colombiano
Rodrigo Prieto uma excepcional atmosfera setentista divididas nas duas camadas
do filme. Em Hollywood, há certa tendência solar ao clima, sempre otimista e
dotado de leve glamourização (o que reforça o amor cinéfilo de Argo, que
falarei a seguir). Já no Irã, na desesperadora situação da guerra, a granulação
domina quase todas as cenas e a calculadamente nervosa câmera registra cenas
chocantes (como as citadas cenas do galpão da tortura e da à multidão com
raiva). Até mesmo no mercado de especiarias, a tensão domina com a granulação,
mesmo que a câmera fique um pouco mais estática. Somando isso aos precisos
figurinos e maquiagem (Affleck parece oriundo dos 70 por completo) e ao
excelente uso de músicas da época, com as breves utilizações de When the Levee
Breaks e Sultans of Swing, e temos uma atmosfera muito bem definida e instalada
para abrigar uma história com temas complexos como esta.
Temas complexos, esses, que conseguem até mesmo criar uma
(ótima) cena toda baseada em
ideologias. Os problemas contra estrangeiros são mostrados na
já citada cena do mercado. Quando Affleck passa com sua equipe no meio de
tantos orientais, uma briga começa do nada. Então, a intolerância xenofóbica é
demonstrada verbalmente e quase fisicamente, dando um mal-estar marcante à
situação. Além disso, ao final, discute-se muito sobre o papel que os Estados
Unidos pode fazer no mundo em termos de intervenção militar (“por que não
fazemos ações como essa?”, diz alguém, injustamente, no final), mas de uma
maneira que é otimista sem soar ufanista. Nesses temas, Affleck se aproxima
bastante do cinema de George Clooney (não por acaso, produtor do longa), que
realiza crônicas fortes baseadas em tópicos políticos, mas não soa
propagandista. Como registro narrativo, porém, o californiano Affleck é mais
feliz que Clooney, já que é o que melhor concilia sua história com seus temas
de subtexto sem que isso intervenha tão ativamente na trama.
Mas se a ficcionalização de alguns fatos é inevitável, esta
serve mais ainda para falar do amor cinéfilo do filme. A câmera de Affleck e
Prieto anda pelos cantos de Hollywood com um misto de nostalgia e admiração por
aquele cinismo todo. O letreiro da cidade é mostrado em seu estado incerto da
época, enquanto a coletiva de imprensa falsa passa aos olhos do espectador com
várias luzes e em uma câmera lenta que parece eternizar os fatos;
action-figures são vistas nos créditos finais, uma leve representação da
própria Hollywood; e mesmo quando conversas banais ocorrem na cidade, algo
interessante parece estar ocorrendo. Quando Lester e John conversam sobre Tony,
perto do final, eles acabam passando por uma gravação. A prova definitiva desse
amor soberano, porém, vem naquele que é o melhor diálogo do filme; ao citarem
uma passagem de Marx para Lester, o personagem de Arkin rapidamente questiona:
“Groucho disse isso?”
Surpreendendo ainda como ator, Affleck supera novamente o
desafio de protagonizar o próprio trabalho. E repare como as expressões do
ator, sempre levemente sisudas, parecem calculadamente entre a bondade e a
observação, o que nos assegura tanto da competência quanto da honestidade de
Mendez. Além do mais, o americano prepara o elenco secundário com destreza, já
que os diplomatas sempre convencem em suas funções (e seus rostos pouco
conhecidos do público dão mais gravidade à situação). E John Goodman e Alan
Arkin formam uma das mais divertidas presenças cômicas no ano, com uma afinação
incrível e comentários tão esclarecedores quanto ácidos e divertidos. Digno de
prêmios coadjuvantes, até.
Embasado político sem perder a maturidade (sempre se
reconhece que a missão, por mais benéfica, fora baseada em diversas farsas),
mesmo sem esconder sua devoção pela cinefilia, Argo tem tudo para acumular
estatuetas. E o melhor: com todos os merecidos aplausos possíveis. E um
especial a Ben Affleck, se revelando um diretor muito interessante (repare o
imponente zoom na comemoração do final) e que dá um passo a frente em sua
carreira ao discutir com relevância ímpar sobre temas relevantes e
contemporâneos, além de se revelar um excepcional narrador.
Alem da boa direção do Ben Affleck, uma tema que os americanos adoram, o heroísmo americano. é um bom termometro para o Oscar
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