sábado, 3 de novembro de 2012

Magic Mike


Magic Mike
(Magic Mike, 2012)
Comédia/Drama - 110 min.

Direção: Steven Soderbergh
Roteiro: Reid Carolin

com: Channing Tatum, Alex Pettyfer, Matthew McConaughey, Olivia Munn

Dono de um estilo visual expressivo, Steven Soderbergh tem uma facilidade ímpar em transitar por gêneros. Responsável por projetos tão competentes quanto distintos, como Traffic e Onze Homens e um Segredo, o diretor também possui o dom de realizar filmes tanto com centenas de milhões quanto com menos de 1 milhão. Após começar no cinema independente, construir sólida carreira e anunciar sua aposentadoria daqui a dois anos, Soderbergh se consolidou como profissional de sucesso, mas segue assumindo projetos arriscados – o que acaba gerando os inevitáveis erros. Após o lançamento de Solaris, o nível prolifico do diretor se intensificou e acabou tornando a jornada, que já tinha tendência a não manter um padrão, mais irregular do que o previsto. Se há nessa fase recente um avanço em sua filmografia (Che é seu estupendo épico, O Desinformante é uma comédia interessante, Contágio é seu alarmante terror panorâmico), muitos esforços servem apenas para exercício estilístico, como o recente Haywire, a primeira continuação da trilogia dos Homens e o independente Girlfriend Experience.

E Magic Mike, seu novo filme, tenta conciliar os dois Soderbergh. É sim, um retrato da vida de um stripper em um lugar paradisíaco e da eterna adolescência que um modo de viver causa (com um leve toque de conto sobre a crise financeira), mas também é uma comédia divertida sobre homens depilados dançando e enlouquecendo sua clientela. Parte Ou Tudo ou Nada, parte Project X, Magic Mike vai na corda bamba entre o comercial e o autoral de uma maneira um tanto correta, mas acaba por se limitar pelo próprio material de origem.

Já que glamour é o que interessa no mundo dos dançarinos, Soderbergh investe em uma fotografia bem opaca no início. Mike encontra Kid em um bico como pedreiro, com um clima inexpressivo – o que só potencializa a glamourização nos shows da casa liderada pelo stripper quarentão Dallas. Soderbergh então lança mão de sua estilização característica, ora trabalhando para a narrativa (a utilização dos ícones americanos, as referências cinematográficas) ora resgatando elementos corriqueiros em seus trabalhos (o letreiro é egresso de Treze Homens e um Novo Segredo, as sombras que mitificam Dallas são as mesmas que aumentavam Mallory em Haywire). Tudo na casa é feito justamente para causar no espectador (ou nas mulheres presentes ali) um entendimento do ritmo frenético da profissão dos homens. Dallas diz que seus empregados são os maridos que essas mulheres nunca tiveram. Os problemas começam para os personagens, não por acaso, quando o modo de vida deles é confundido com o que fazem para viver.


Não é um questionamento absurdo. Magic Mike tem passagens totalmente focadas na diversão dos seus personagens com uma inconsequência característica de projetos sobre jovens em fase de transição para a vida adulta. Logo, é previsível que Mike tenha problemas relacionados aos mais velhos, após ser alertado sobre seu jeito juvenil demais de levar as situações. E o que tinha sua parcela de descompromisso com as amarras da sociedade, acaba por se revelar um conto com traços moralistas. O foco na mudança financeira de Mike, um tanto velado ao longo da introdução, acaba sendo claro ao se tornar um dos principais motivos para Mike revelar-se um “adulto de verdade”. Soderbergh então demonstra uma fidelidade ao padrão de comportamento que só mostra a frágil estrutura adotada pelo roteirista Reid Carolin.

Através da figura de Kid, sempre supervisionado pelo olhar de Mike, a trama vai se revelando e evoluindo. O que começa prometendo um divertido conto sobre um modo alternativo e curioso de ganhar dinheiro acaba se revelando apenas um novo exemplar sobre o uso do corpo para o trabalho – fato que não diferencia muito Magic Mike e filmes inexpressivos como Bruna Surfistinha. O stripper vivido por Alex Pettyfer tem todas as características do arquétipo do moleque perdido: é solitário, despreocupado, sem perspectiva – e, claro, tem uma irmã gostosa que é bem mais madura que ele. Até mesmo sua entrada para a equipe é clichê, já que um dançarino oficial “passa mal” do nada. Kid se encanta com o mundo mostrado por Mike, que promete mulheres, diversão e dinheiro bom (o que se revela verdade). Além disso, demonstrações explícitas de bromance (como a na festa no meio do filme) só reforçam que essa vida também traz amizades. Mas ao mesmo tempo em que Kid tenta entrar no mundo, Mike vai tentando sair. Ao tornar claro o coming-of-age do protagonista, o filme mescla as consagradas viradas do subgênero em seus dois núcleos. Kid, já que trabalha com seu corpo, tem que ter um problema físico para se tocar de sua inconsequência (e, claro, tem que ter como causa o seu modo de vida deturpado). Mike, que não é levado muito a sério nem quando coloca um terno, só é julgado como maduro quando largar a casa de shows. Ser stripper é tão maléfico assim?

O que só piora quando temos a surpreendente constatação que tanto roteirista quanto diretor não saibam diferenciar direito amadurecer e se enquadrar na sociedade. Ao eleger a profissão como fator ruim da vida do protagonista (e não a promiscuidade ou as drogas em excesso), o filme se equivoca e só interessa mesmo por ser tão bem conduzido em ritmo por Soderbergh – e é curioso o fato de Magic Mike ser maior que Contágio, filme do mesmo diretor e que contém diversos outros núcleos. A sensibilidade e bom olho para desenvolvimento, ainda que sabotada pela previsibilidade do roteiro, faz com que os 110 minutos passem de forma bastante fluida. As sequências de dança são cheias de vitalidade e auxiliam o ritmo do filme quando o mesmo parece que vai se prender demais aos conflitos internos dos eternos desmedidos, que procuram a todo o momento dilatar sua adolescência. Ainda que a incorreção de um Project X ou de Anjos da Lei (onde Tatum está tão bem ou até melhor) não se faça presente, a cafonice dos personagens imitando símbolos de virilidade vale a visita.


Mas fora a diversão, pouco sobra. Os americanos sarados fazem seu churrasco na praia, cheio de energia positiva. Para um conto sobre a crise financeira, até que Magic Mike é bem fiel ao ideal capitalista. Afinal, o trabalho representa o homem para os realizadores. Perto do final, Mike diz a irmã de Kid que ser stripper não é seu modo de vida, é só sua profissão. Alguém deveria falar isso para Carolin e Soderbergh.


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