A Hora mais Escura
(Zero Dark Thirty, 2012)
Ação/Drama - 157 min.
Direção: Kathryn Bigelow
Roteiro: Mark Boal
com: Jessica Chastain, Jason Clarke, Kyle Chandler, James Gandolfini, Mark Strong, Joel Edgerton
Em 2008 Kathryn
Bigelow fez um filme pequeno que mal conseguiu ser vendido e que ninguém
apostava, mas que virou o mais amado entre os críticos, que o elevaram a
condição de obra prima. Quatro anos depois, a mesma Bigelow conta em Hora mais
Escura o outro lado da "guerra ao terror" americano. A que se passa
nos corredores da CIA, entre analistas obcecados, torturas escondidas,
paciência e a sensação constante de frustração.
Maya (Jessica Chastain) é nossa
protagonista. Uma mulher que não tem vida, apenas uma rotina quase robótica de
estudo e atenção na tentativa de encontrar Osama Bin Laden. Ela não tem uma
motivação especial para estar lá, ela simplesmente está. Não existe um trauma ou uma historia
pessoal envolvida, ela é apenas uma patriota, por mais risível que esse termo
possa soar na atualidade.
A estrutura episódica
de Hora mais Escura prejudica o apego aos personagens e quando esses saem de tela - já que a intenção é ser factual abordando episódios que se imaginam serem
próximos da realidade, mesmo que isso vá prejudicar a questão narrativa - não sentimos falta desses homens e mulheres.
O filme ganhou
ares de polemico em virtude de suas cenas de tortura que acontecem no início do
filme. Não são torturas "gore", com gente sendo espancada, olho
pulando, sangue espirrando e tudo mais. A coisa é mais sutil, mas igualmente perturbadora,
com foco na destruição psíquica e emocional do interrogado. Pois bem, muitos
acusam o filme de ser mentiroso quanto às torturas praticadas pelos americanos,
dizendo que nada daquilo mostrado de fato aconteceu, enquanto outros defendem
que falta um discurso moral mais claro quanto à posição do filme em relação a pratica
de tortura.
Sem me estender
demais sobre polêmicas, dou aqui minha impressão da coisa: em relação ao fato
de aquilo ser real ou não, não sei dizer, não trabalho na CIA, nem tenho
conhecimento a respeito, embora não seja a primeira obra a abordar essa
possibilidade. Em relação à segunda questão, me parece ainda mais absurda, já
que pretende julgar valor em uma obra de ficção que não precisa tomar partido,
principalmente quando sua protagonista é uma mulher absolutamente obcecada e
que durante o filme nada faz além de tentar desesperadamente cumprir seu
trabalho. Logo, ela é partidária da ideia de que "os fins justificam os
meios" e, portanto, uma tentativa de amenizar a situação só enfraqueceria o
único aspecto plenamente desenvolvido da personagem.
Jessica Chastain é
uma atriz talentosa. Vem numa fase muito bem sucedida misturando sucessos de
crítica e público, mesmo em filmes que não são tão bons assim. Porém, me parece
apenas correta em
Zero Dark. Muito por causa da unidimensionalidade da
personagem, que me parece proposital. Ela é seu trabalho e nada além, e suas
únicas emoções e momentos de alegria têm a ver com uma missão bem sucedida.
Além disso, seus métodos e forma de agir não causam empatia,
principalmente por sua dificuldade de convencer-se de que sua
jornada é complicada e difícil e talvez seja necessário um pouquinho de relaxamento.
Bigelow parece
dizer que uma mulher forte e decidida pode mudar o mundo, o que é uma mensagem
incrível e digna de aplausos, mas erra a mão ao transformá-la em uma
caricatura, um ser robotizado que não sente nada além de frustração, tensão e
ira.
Isso leva a
questão do filme ser superestimado. Quando se usa essa palavra, não quer
necessariamente dizer que o filme seja ruim ou não valha a pena ser visto
(mesmo porque encaro o que faço não como guia de consumo, mas como uma analise
sobre as produções, deixando sempre a cargo do espectador o que ele deve ou não
deve ver). Encaro a questão de ser superestimado como um excesso de elogios a
alguma coisa que de fato "não é tudo isso".
As sequências de
ação são de fato muito boas, e Bigelow é uma diretora com muito talento para
montar esse tipo de produção. Em especial a que mostra em imagens tudo aquilo
que o mundo ficou sabendo apenas pelos depoimentos dos envolvidos, a captura de
Bin Laden. Misturando câmera de mão com iluminação praticamente inexistente,
com go-pros acopladas aos capacetes dos soldados, a sequência é longa, muito
bem montada e funciona perfeitamente. O som também é utilizado com enorme competência,
substituindo a imagem como forma de transmitir ao espectador o que a sequência
está mostrando.
Por outro lado,
essa é a repetição da formula de Guerra ao Terror, com o ônus de não
conseguirmos nos afeiçoar a ninguém da produção, mesmo diante de um
"desfile de astros e estrelas" (Faustão feelings) pela tela do
cinema. Desde ligeiras pontas, como é o caso do britânico John Barrowman (da
serie Torchwood e Doctor Who), do americano Harold Perrineau (o eterno Michael
de Lost), do excelente Edgar Ramirez (do filme/serie Carlos), até coadjuvantes
de luxo e que tem pouco a fazer, casos de Mark Strong, James Gandolfini, Joel
Edgerton e Kyle Chandler. Mesmo Jason Clarke, que a principio pareceria o
co-astro, é deixado de lado, muito em função da ideia de que Maya é tão anti-social
que todos ao seu redor vão aos poucos a deixando.
Hora mais Escura é
vendida como denúncia e como uma transposição da realidade sobre os meandros da
captura do mais famigerado terrorista do planeta. Como denúncia é eficiente,
embora pareça "pregar para os convertidos", já que não apresenta muita
coisa realmente nova a quem tenha um mínimo de interesse sobre o assunto. Resta
o público leigo aguentar uma protagonista irritante para entender as ideias de
suas diretora, que consegue realmente nos fazer questionar a obsessão de Maya por sua missão, principalmente nos últimos planos do filme, de uma ironia
excelente.
Dizendo assim,
parece que o filme é uma porcaria mais não é, pois a historia sendo contada é
intrigante e mesmo com todos os problemas da protagonista, para essa historia,
ela é perfeita. Contada com curiosa amoralidade, Hora mais Escura é um relato
sem pudor sobre a obsessão por seu trabalho, sobre uma relação bastante
controvertida dos setores da política americana com a prisão de terroristas e a
forma com que esse caminho é tomado.
Mesmo com a
sensação de repetição, é um trabalho de exceção e de coragem, principalmente ao
colocar na tela (literalmente) o "messias liberal" dizendo que seu país não
comete tortura, sendo observado com extrema frieza por Maya. Ir contra o lugar comum e
abordar o mundo perfeito pós-Bush como algo igualmente complexo e
"sujo", talvez seja o grande mérito da produção e por sua coragem,
merece ser visto, mesmo com todos os problemas citados aqui.
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