Hitchcock
(Hitchcock, 2012)
Drama - 98 min.
Direção: Sacha Gervasi
Roteiro: John J. McLaughlin
com: Anthony Hopkins, Helen Mirren, Scarlett Johansson, Danny Huston, Toni Collette, Michael Stuhlbarg, Jessica Biel
Modéstia a parte,
eu conheço um pouco da história de Alfred Hitchcock. Por questões profissionais
e pessoais (afinal, adoro seu trabalho) consegui ver boa parte de suas obras -
que são muitas - e ler a respeito de seu processo criativo e sua vida
pessoal. Sobre o processo criativo, e suas trucagens nas filmagens, suas ideias
originais de enquadramentos ou suas observações sobre a construção de roteiros
intrigantes e que mesmo aparentemente complexos guardavam para o público, soluções
simples e gostosas de serem compradas, o melhor mesmo é ler os livros que são
encontrados em diversas livrarias mundo afora.
O cinema, no
entanto, parece preferir futricar sobre a vida pessoal do diretor. Ano passado,
além do citado aqui, "A Garota", produção televisiva estrelada por
Toby Jones e Sienna Miller mostrou a obsessão de Hitch por Tippi Hedren com uma ligeira
romanceada. Mas, de fato, Hitchcock foi cruel com a atriz, e muita coisa do que
está ali na tela (incluindo os pedidos de favores sexuais) são confirmados pela
própria Hedren em algumas entrevistas. O quanto disso é a verdade dos fatos,
nunca saberemos.
Hitchcock, no
entanto é mais sutil nos problemas pessoais do diretor. Seria uma versão
oficial de sua vida, caso esse estivesse vivo e pudesse opinar no
roteiro. Apesar de ser vendido como "os bastidores de Psicose", muito
pouco sobre o filme em si e suas gravações é mostrado. A produção de Sacha Gervasi,
prefere se ater às questões de pré-produção, como encontrar o roteiro, os
atores, driblar a censura e principalmente no papel fundamental da esposa de
Hitchcock, Alma em toda a carreira do diretor.
Nisso, o filme
acerta com exatidão matemática. Alma era a pedra da Rosetta de Hitchcock. A real
decodificadora de sucessos e fracassos que mantinha a carreira do diretor nos
eixos. Ela era quem lia os livros e os aprovava, ou dava as dicas em relação a
novas ou novos atores para produções posteriores do diretor. A interpretação de
Helen Mirren é segura, fazendo de Alma, uma mulher forte e decidida que mesmo
amando - ao seu jeito - Hitch, sente-se isolada mediante as frustrações
profundas de seu marido.
Anthony Hopkins
por sua vez constrói Hitchcock da maneira mais conhecida por suas biografias e
fofocas: um sujeito metódico, ciumento, profundamente talentoso e genial, mas
cheio de uma infinidade de problemas emocionais que vão desde o ódio por seu
corpo obeso (e sua obsessão por comida é um reflexo de seus problemas
emocionais), a frustração com o seu estereótipo de "loira gelada"
(sua musa inatingível) e seus muitos problemas com sua sexualidade.
A estrutura do
filme é charmosa e irônica a principio já que apresenta o próprio Hitch/Hopkins diante da câmera e apresentando ao público a história a ser
mostrada. Uma óbvia referencia ao período onde o filme se encaixa (os meses que
tomaram conta da criação de Psicose), quando o diretor tinha sua muito bem
sucedida série de TV, onde contava semanalmente um novo caso de suspense na
telas americanas.
O filme então
apresenta uma curiosa relação entre o famoso serial killer Ed Gein, que deu origem
ao livro Psicose e também inspirou Silêncio dos Inocentes, e o próprio
Hitchcock, numa tentativa de mostrar ao público como funcionava o processo do
diretor e como ele se relacionava com seus vilões. Isso é outra referência à
vida real do diretor, que era famoso por sua falta de confiança nas autoridades
e medo profundo da polícia.
Hitchcock tenta
ser um retrato de várias personas do biografado: o gênio das câmeras, o marido
complicado, o homem cheio de traumas e não consegue ser profundo em nenhum
deles. O gênio das câmeras mal é mostrado e sua relação com seus atores é vista de passagem, em uma curta cena onde entrevista Anthony Perkins/James D'Arcy (que está
muito parecido com o ator, chegando a assustar) e na relação de amizade entre
ele e a estrela Janet Leigh/Scarlett Johansson (fora do tom, apesar de ter
acertado na composição do timbre e do sotaque da atriz interpretada). Mesmo nas
passagens que envolvem o comitê da censura americana, o que se vê é muito pouco.
Já o homem cheio
de traumas é visto aqui e ali, nos exemplos que já citei, e principalmente
quando a mosquinha do ciúme o incomoda. Mas me parece uma visão muito
reverente, muito cheia de dedos, com um profundo receio de incomodar, de ir
além dos lugares comuns.
O único elemento
que ganha alguma força é sua relação com sua mulher, que é de fato, a
verdadeira protagonista do filme. Helen Mirren rouba cada uma das cenas, mesmo
quando não deveria, o que enfraquece a composição de Hopkins para o personagem.
Suas cenas com Danny Huston por exemplo são um frescor bem vindo em uma
produção que tem dificuldade em encontrar a forma correta de abordar a difícil
relação matrimonial de Hitch e Alma. O amor se existe ali, é quase fraternal e a
relação dos dois é muito mais simbiótica do que amorosa. Existe uma necessidade
quase fisiológica da presença de ambos um na vida do outro e Mirren consegue
demonstrar isso com muita clareza. Mesmo tendo suas reservas quanto ao
comportamento do marido, eles precisam estar juntos para existirem. Chega a ser
triste e melancólico.
Mas, Gervasi erra
muito a mão no balanço desses aspectos todos. Mesmo que a relação Hitch/Alma seja o centro do filme, ele é prejudicado por todo o resto que simplesmente não
dá liga. E mesmo Anthony Hopkins é prejudicado por uma maquiagem que é - na
melhor das hipóteses - medianas. A composição feita para a TV de Toby Jones - em "A Garota" - é mais
próxima do verdadeiro Hitchcock do que essa maquiagem (que absurdamente ganhou
uma indicação ao Oscar desse ano).
As cenas de Hitch
e Janet Leigh são tediosas, e Johansson não acerta nunca. E as poucas cenas de
produção são tratadas de passagem e logo esquecidas. O trauma verídico
com o fato de o filme mostrar pela primeira vez no cinema americano alguém
usando um vaso sanitário (sim, isso é verdade), sua relação com Vera Miles (Jessica Biel) ou mesmo a questão das filmagens
da famosa cena do chuveiro são mal aproveitadas numa montagem que quer criar
humor em uma historia que grita por um ritmo mais lento e pausado.
São defeitos que
estragam a experiência de assistir a uma ideia de biografia, que como está na
moda, não mostra o homenageado do nascer ao morrer, mas a partir de um fato cria um panorama
sobre sua vida. Hitchcock é uma experiência vazia como as valises,
caixas ou pastas recheadas de "McGuffins", apesar do esforço do
esforço de Helen Mirren e da presença classuda de Anthony Hopkins.
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