sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

A Hora Mais Escura


A Hora mais Escura
(Zero Dark Thirty, 2012)
Ação/Drama - 157 min.

Direção: Kathryn Bigelow
Roteiro: Mark Boal

com: Jessica Chastain, Jason Clarke, Kyle Chandler, James Gandolfini, Mark Strong, Joel Edgerton

Em 2008 Kathryn Bigelow fez um filme pequeno que mal conseguiu ser vendido e que ninguém apostava, mas que virou o mais amado entre os críticos, que o elevaram a condição de obra prima. Quatro anos depois, a mesma Bigelow conta em Hora mais Escura o outro lado da "guerra ao terror" americano. A que se passa nos corredores da CIA, entre analistas obcecados, torturas escondidas, paciência e a sensação constante de frustração.

Maya (Jessica Chastain) é nossa protagonista. Uma mulher que não tem vida, apenas uma rotina quase robótica de estudo e atenção na tentativa de encontrar Osama Bin Laden. Ela não tem uma motivação especial para estar lá, ela simplesmente está. Não existe um trauma ou uma historia pessoal envolvida, ela é apenas uma patriota, por mais risível que esse termo possa soar na atualidade.

A estrutura episódica de Hora mais Escura prejudica o apego aos personagens e quando esses saem de tela - já que a intenção é ser factual abordando episódios que se imaginam serem próximos da realidade, mesmo que isso vá prejudicar a questão narrativa - não sentimos falta desses homens e mulheres.


O filme ganhou ares de polemico em virtude de suas cenas de tortura que acontecem no início do filme. Não são torturas "gore", com gente sendo espancada, olho pulando, sangue espirrando e tudo mais. A coisa é mais sutil, mas igualmente perturbadora, com foco na destruição psíquica e emocional do interrogado. Pois bem, muitos acusam o filme de ser mentiroso quanto às torturas praticadas pelos americanos, dizendo que nada daquilo mostrado de fato aconteceu, enquanto outros defendem que falta um discurso moral mais claro quanto à posição do filme em relação a pratica de tortura.

Sem me estender demais sobre polêmicas, dou aqui minha impressão da coisa: em relação ao fato de aquilo ser real ou não, não sei dizer, não trabalho na CIA, nem tenho conhecimento a respeito, embora não seja a primeira obra a abordar essa possibilidade. Em relação à segunda questão, me parece ainda mais absurda, já que pretende julgar valor em uma obra de ficção que não precisa tomar partido, principalmente quando sua protagonista é uma mulher absolutamente obcecada e que durante o filme nada faz além de tentar desesperadamente cumprir seu trabalho. Logo, ela é partidária da ideia de que "os fins justificam os meios" e, portanto, uma tentativa de amenizar a situação só enfraqueceria o único aspecto plenamente desenvolvido da personagem.

Jessica Chastain é uma atriz talentosa. Vem numa fase muito bem sucedida misturando sucessos de crítica e público, mesmo em filmes que não são tão bons assim. Porém, me parece apenas correta em Zero Dark. Muito por causa da unidimensionalidade da personagem, que me parece proposital. Ela é seu trabalho e nada além, e suas únicas emoções e momentos de alegria têm a ver com uma missão bem sucedida. Além disso, seus métodos e forma de agir não causam empatia, principalmente por sua dificuldade de convencer-se de que sua jornada é complicada e difícil e talvez seja necessário um pouquinho de relaxamento.


Bigelow parece dizer que uma mulher forte e decidida pode mudar o mundo, o que é uma mensagem incrível e digna de aplausos, mas erra a mão ao transformá-la em uma caricatura, um ser robotizado que não sente nada além de frustração, tensão e ira.

Isso leva a questão do filme ser superestimado. Quando se usa essa palavra, não quer necessariamente dizer que o filme seja ruim ou não valha a pena ser visto (mesmo porque encaro o que faço não como guia de consumo, mas como uma analise sobre as produções, deixando sempre a cargo do espectador o que ele deve ou não deve ver). Encaro a questão de ser superestimado como um excesso de elogios a alguma coisa que de fato "não é tudo isso".

As sequências de ação são de fato muito boas, e Bigelow é uma diretora com muito talento para montar esse tipo de produção. Em especial a que mostra em imagens tudo aquilo que o mundo ficou sabendo apenas pelos depoimentos dos envolvidos, a captura de Bin Laden. Misturando câmera de mão com iluminação praticamente inexistente, com go-pros acopladas aos capacetes dos soldados, a sequência é longa, muito bem montada e funciona perfeitamente. O som também é utilizado com enorme competência, substituindo a imagem como forma de transmitir ao espectador o que a sequência está mostrando.


Por outro lado, essa é a repetição da formula de Guerra ao Terror, com o ônus de não conseguirmos nos afeiçoar a ninguém da produção, mesmo diante de um "desfile de astros e estrelas" (Faustão feelings) pela tela do cinema. Desde ligeiras pontas, como é o caso do britânico John Barrowman (da serie Torchwood e Doctor Who), do americano Harold Perrineau (o eterno Michael de Lost), do excelente Edgar Ramirez (do filme/serie Carlos), até coadjuvantes de luxo e que tem pouco a fazer, casos de Mark Strong, James Gandolfini, Joel Edgerton e Kyle Chandler. Mesmo Jason Clarke, que a principio pareceria o co-astro, é deixado de lado, muito em função da ideia de que Maya é tão anti-social que todos ao seu redor vão aos poucos a deixando.

Hora mais Escura é vendida como denúncia e como uma transposição da realidade sobre os meandros da captura do mais famigerado terrorista do planeta. Como denúncia é eficiente, embora pareça "pregar para os convertidos", já que não apresenta muita coisa realmente nova a quem tenha um mínimo de interesse sobre o assunto. Resta o público leigo aguentar uma protagonista irritante para entender as ideias de suas diretora, que consegue realmente nos fazer questionar a obsessão de Maya por sua missão, principalmente nos últimos planos do filme, de uma ironia excelente.

Dizendo assim, parece que o filme é uma porcaria mais não é, pois a historia sendo contada é intrigante e mesmo com todos os problemas da protagonista, para essa historia, ela é perfeita. Contada com curiosa amoralidade, Hora mais Escura é um relato sem pudor sobre a obsessão por seu trabalho, sobre uma relação bastante controvertida dos setores da política americana com a prisão de terroristas e a forma com que esse caminho é tomado.


Mesmo com a sensação de repetição, é um trabalho de exceção e de coragem, principalmente ao colocar na tela (literalmente) o "messias liberal" dizendo que seu país não comete tortura, sendo observado com extrema frieza por Maya. Ir contra o lugar comum e abordar o mundo perfeito pós-Bush como algo igualmente complexo e "sujo", talvez seja o grande mérito da produção e por sua coragem, merece ser visto, mesmo com todos os problemas citados aqui.

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