quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Hitchcock


Hitchcock
(Hitchcock, 2012)
Drama - 98 min.

Direção: Sacha Gervasi
Roteiro: John J. McLaughlin

com: Anthony Hopkins, Helen Mirren, Scarlett Johansson, Danny Huston, Toni Collette, Michael Stuhlbarg, Jessica Biel

Modéstia a parte, eu conheço um pouco da história de Alfred Hitchcock. Por questões profissionais e pessoais (afinal, adoro seu trabalho) consegui ver boa parte de suas obras - que são muitas - e ler a respeito de seu processo criativo e sua vida pessoal. Sobre o processo criativo, e suas trucagens nas filmagens, suas ideias originais de enquadramentos ou suas observações sobre a construção de roteiros intrigantes e que mesmo aparentemente complexos guardavam para o público, soluções simples e gostosas de serem compradas, o melhor mesmo é ler os livros que são encontrados em diversas livrarias mundo afora.

O cinema, no entanto, parece preferir futricar sobre a vida pessoal do diretor. Ano passado, além do citado aqui, "A Garota", produção televisiva estrelada por Toby Jones e Sienna Miller mostrou a obsessão de Hitch por Tippi Hedren com uma ligeira romanceada. Mas, de fato, Hitchcock foi cruel com a atriz, e muita coisa do que está ali na tela (incluindo os pedidos de favores sexuais) são confirmados pela própria Hedren em algumas entrevistas. O quanto disso é a verdade dos fatos, nunca saberemos.

Hitchcock, no entanto é mais sutil nos problemas pessoais do diretor. Seria uma versão oficial de sua vida, caso esse estivesse vivo e pudesse opinar no roteiro. Apesar de ser vendido como "os bastidores de Psicose", muito pouco sobre o filme em si e suas gravações é mostrado. A produção de Sacha Gervasi, prefere se ater às questões de pré-produção, como encontrar o roteiro, os atores, driblar a censura e principalmente no papel fundamental da esposa de Hitchcock, Alma em toda a carreira do diretor.


Nisso, o filme acerta com exatidão matemática. Alma era a pedra da Rosetta de Hitchcock. A real decodificadora de sucessos e fracassos que mantinha a carreira do diretor nos eixos. Ela era quem lia os livros e os aprovava, ou dava as dicas em relação a novas ou novos atores para produções posteriores do diretor. A interpretação de Helen Mirren é segura, fazendo de Alma, uma mulher forte e decidida que mesmo amando - ao seu jeito - Hitch, sente-se isolada mediante as frustrações profundas de seu marido.

Anthony Hopkins por sua vez constrói Hitchcock da maneira mais conhecida por suas biografias e fofocas: um sujeito metódico, ciumento, profundamente talentoso e genial, mas cheio de uma infinidade de problemas emocionais que vão desde o ódio por seu corpo obeso (e sua obsessão por comida é um reflexo de seus problemas emocionais), a frustração com o seu estereótipo de "loira gelada" (sua musa inatingível) e seus muitos problemas com sua sexualidade.

A estrutura do filme é charmosa e irônica a principio já que apresenta o próprio Hitch/Hopkins diante da câmera e apresentando ao público a história a ser mostrada. Uma óbvia referencia ao período onde o filme se encaixa (os meses que tomaram conta da criação de Psicose), quando o diretor tinha sua muito bem sucedida série de TV, onde contava semanalmente um novo caso de suspense na telas americanas.


O filme então apresenta uma curiosa relação entre o famoso serial killer Ed Gein, que deu origem ao livro Psicose e também inspirou Silêncio dos Inocentes, e o próprio Hitchcock, numa tentativa de mostrar ao público como funcionava o processo do diretor e como ele se relacionava com seus vilões. Isso é outra referência à vida real do diretor, que era famoso por sua falta de confiança nas autoridades e medo profundo da polícia.

Hitchcock tenta ser um retrato de várias personas do biografado: o gênio das câmeras, o marido complicado, o homem cheio de traumas e não consegue ser profundo em nenhum deles. O gênio das câmeras mal é mostrado e sua relação com seus atores é vista de passagem, em uma curta cena onde entrevista Anthony Perkins/James D'Arcy (que está muito parecido com o ator, chegando a assustar) e na relação de amizade entre ele e a estrela Janet Leigh/Scarlett Johansson (fora do tom, apesar de ter acertado na composição do timbre e do sotaque da atriz interpretada). Mesmo nas passagens que envolvem o comitê da censura americana, o que se vê é muito pouco.

Já o homem cheio de traumas é visto aqui e ali, nos exemplos que já citei, e principalmente quando a mosquinha do ciúme o incomoda. Mas me parece uma visão muito reverente, muito cheia de dedos, com um profundo receio de incomodar, de ir além dos lugares comuns.


O único elemento que ganha alguma força é sua relação com sua mulher, que é de fato, a verdadeira protagonista do filme. Helen Mirren rouba cada uma das cenas, mesmo quando não deveria, o que enfraquece a composição de Hopkins para o personagem. Suas cenas com Danny Huston por exemplo são um frescor bem vindo em uma produção que tem dificuldade em encontrar a forma correta de abordar a difícil relação matrimonial de Hitch e Alma. O amor se existe ali, é quase fraternal e a relação dos dois é muito mais simbiótica do que amorosa. Existe uma necessidade quase fisiológica da presença de ambos um na vida do outro e Mirren consegue demonstrar isso com muita clareza. Mesmo tendo suas reservas quanto ao comportamento do marido, eles precisam estar juntos para existirem. Chega a ser triste e melancólico.

Mas, Gervasi erra muito a mão no balanço desses aspectos todos. Mesmo que a relação Hitch/Alma seja o centro do filme, ele é prejudicado por todo o resto que simplesmente não dá liga. E mesmo Anthony Hopkins é prejudicado por uma maquiagem que é - na melhor das hipóteses - medianas. A composição feita para a TV de Toby Jones - em "A Garota" -  é mais próxima do verdadeiro Hitchcock do que essa maquiagem (que absurdamente ganhou uma indicação ao Oscar desse ano).

As cenas de Hitch e Janet Leigh são tediosas, e Johansson não acerta nunca. E as poucas cenas de produção são tratadas de passagem e logo esquecidas. O trauma verídico com o fato de o filme mostrar pela primeira vez no cinema americano alguém usando um vaso sanitário (sim, isso é verdade), sua relação com Vera Miles (Jessica Biel) ou mesmo a questão das filmagens da famosa cena do chuveiro são mal aproveitadas numa montagem que quer criar humor em uma historia que grita por um ritmo mais lento e pausado.


São defeitos que estragam a experiência de assistir a uma ideia de biografia, que como está na moda, não mostra o homenageado do nascer ao morrer, mas a partir de um fato cria um panorama sobre sua vida. Hitchcock é uma experiência vazia como as valises, caixas ou pastas recheadas de "McGuffins", apesar do esforço do esforço de Helen Mirren e da presença classuda de Anthony Hopkins.

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